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RESUMO
O presente estudo versa sobre a incontroversa ocasionada por julgados referentes à
concorrência sucessória do cônjuge e companheiro da união estável, cuja qual tem
trazido uma instabilidade jurídica para as partes. Dessa forma, esse trabalho adotou um
percurso metodológico que se constitui de estudos bibliográficos, juntamente com a
legislação vigente, utilizando-se também do método dialético com abordagem
qualitativa. Assim, para obtenção do objetivo da temática abordada, primeiramente fez-
se, a apreciação da união estável, no que tange ao seu reconhecimento como entidade
familiar, de acordo com o texto constitucional, apontando as peculiaridades existentes
sobre a concorrência sucessória do cônjuge e companheiro da união estável, abordando
também a polêmica instaurada sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código
Civil de 2002, e concluindo com a abordagem de alguns julgados referentes a decisões dos
Tribunais Superiores quanto à aplicação do mencionado dispositivo.
ABSTRACT
The present study deals with the uncontroversial situation caused by judgments
regarding the succession competition of the spouse and companion of the stable union,
which has brought legal instability to the parties. Thus, this work has adopted a
methodological course that consists of bibliographical studies, together with the current
legislation, also using the dialectical method with a qualitative approach. Thus, in order
to achieve the objective of the subject, the first was the assessment of the stable union,
regarding its recognition as a family entity, according to the constitutional text, pointing
out the peculiarities that exist on the succession competition of the spouse and partner
Of the stable union, also addressing the controversy established on the
unconstitutionality of article 1,790 of the Civil Code of 2002, and concluding with the
approach of some judges referring to decisions of the Superior Courts regarding the
application of said device.
KEYWORDS: Succession. Stable union. Unconstitutionality.
1. INTRODUÇÃO
Tem importância fundamental as normas de direito de família e sucessões para
toda a sociedade brasileira, pois o ser humano nasce inserido em uma família e faz parte
da sua vida o direito de propriedade sobre os bens construídos no decorrer da vida, que
será transferido ao seu cônjuge, convivente, descendentes e/ou ascendentes após a sua
morte.
Especificamente, serão tratados apontamentos sobre a sucessão do convivente e a
sua atual conjuntura no direito brasileiro, que passa por uma fase muito crítica, vez que
há um tratamento diferenciado para o convivente com relação ao cônjuge, o que não
ocorre na seara do direito de família.
Defende-se a tese de que, no atual cenário, o artigo 1790 do Código Civil de 2002,
que dispõe sobre a sucessão do convivente, é inconstitucional, pois viola princípios
garantidos pela Constituição de 1988, dentre eles a vedação do retrocesso, isonomia e
dignidade da pessoa.
Durante muitos anos, tem sido grande a discussão existente no Direito de Família
e no Direito das Sucessões. A vocação hereditária do cônjuge perante o Código Civil de
2002, comparado à concorrência sucessória do companheiro na união estável, que sem
dúvida, há uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial.
É a grande diferença da sucessão da união estável comparando-se ao casamento
que faz nascer a grande problemática enfrentada atualmente no direito das sucessões. É
lógico que numa pesquisa dessa relevância é imprescindível expor o entendimento dos
doutrinadores especialistas em direito de família e sucessões, como também as
construções jurisprudenciais neste sentido.
Portanto, a equiparação da união estável a entidade familiar e as críticas as
sucessões estabelecidas pelo Código Civil ao casamento e à união estável formam o
objeto principal do presente artigo. Assim, descrevem-se as semelhanças e divergências
jurídicas e os efeitos decorrentes do casamento e da união estável.
Demonstra-se o direito dos companheiros, em situação desproporcional a dos
cônjuges com diversos posicionamentos doutrinários, tendo o de maior relevância
ganhado força nos últimos anos.
Enfim, a conclusão será o desfecho expositor do desenvolvimento da presente
pesquisa.
2. A UNIÃO ESTÁVEL E SUA CONFIGURAÇÃO COMO ENTIDADE
FAMILIAR
É cediço que a família surgida através do casamento é o núcleo essencial de uma
sociedade e recebe especial proteção do Estado, mas não podemos deixar de reconhecer
que há um número cada vez maior de pessoas que optam por uma união livre e, de certa
forma, mais informal, fazendo, assim, a opção por viver em um regime de união estável.
O Código Civil de 1916, contudo, não regulou as relações familiares advindas da
união estável. Essa realidade começou a ser alterada, após a promulgação do novo texto
constitucional.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem
e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.
O artigo de lei aludido enumera várias notas, que se devemos reputar como
necessárias para a caracterização da união estável.
Ao mesmo tempo, nota-se a preocupação do legislador em estabelecer alguns
aspectos para a constituição de união estável, mesmo que seja o julgador que, caso
provocado, irá analisar se no caso em concreto estarão presentes os requisitos impostos
pelo legislador.
Dentre eles, podemos destacar a estabilidade, que a lei define como convivência
duradoura. Isso implica dizer que deve haver entre os conviventes mais que um
relacionamento efêmero e transitório, uma vez que a ordem constitucional não se
preocuparia em proteger qualquer relacionamento entre os indivíduos.
Ademais, além de estável, como o próprio nome da entidade familiar define, o
relacionamento deve ser contínuo, sem interrupções e público, ou seja, não pode ser
escuso da sociedade, nos dizeres de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “Esse elemento
permite diferenciar a união estável, por exemplo, de um ‘caso’, relacionamento amoroso
com interesse predominantemente sexual”. A união protegida constitucionalmente é
aquele em que os companheiros convivem perante a sociedade como se casados fossem.
Além desses, deve se constituir prova da intenção de constituição de família, que é
finalidade da união estável e essência do direito de família constitucionalizado pela
CF/88, que diferencia a união estável de uma relação obrigacional, ou de um simples
namoro.
Muito se discutia se seria possível a configuração da união estável homoafetiva,
mas o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre o assunto e entendeu que a união
estável pode ser formada, pois casais do mesmo sexo, vejamos julgado sob a relatoria
do Ministro Celso de Mello:
A par disso, é importante destacar as semelhanças que a união estável tem com o
casamento.
Em resumo, a união estável fora equiparada ao casamento para fins dos efeitos
patrimoniais. A principal regulamentação legal atual que temos no ordenamento jurídico
sobre o assunto é o artigo 1.725 do Código Civil, que diz: “Na união estável, salvo
contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que
couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Saliente-se que essa disposição trouxe
uma evolução aos direitos dos conviventes, que passaram a ter seus efeitos patrimoniais
reconhecidos pelo Código Civil, podendo, até mesmo optar por outro regime, caso em
que terão de firmar um contrato de convivência.
Assim, podemos concluir, inicialmente, que se aplicarão à união estável as
mesmas regras do casamento no que diz respeito aos efeitos patrimoniais, a não ser que
os conviventes optem por dispor em contrato sobre os efeitos patrimoniais que a união
estável acarreta, uma vez que o Código Civil de 2002 dá liberdade aos companheiros
para que através de contrato disponham de um regime diverso, caso seja deliberação da
vontade de ambos.
Com efeito, serão comuns a ambos os companheiros, em regra, caso não tenha
havido contrato com disposição em contrário, os bens adquiridos ao longo da respectiva
duração da união estável, assim como ocorre com o casamento no regime da comunhão
parcial de bens.
Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-
constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento
constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio
jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido.
Nesse passo, mostra-se plenamente possível e necessária a aplicação do princípio
da vedação do retrocesso nesse particular, pois o tratamento legislativo conferido à
sucessão dos companheiros pelo Código Civil de 2002 manifesta-se muito inferior que
aquele existente na legislação anterior.
Com isso, torna-se importante à efetivação de medidas que tragam uma grande
mudança para o sistema atual do direito sucessório no regime de união estável, que
deverá ser implementada o mais rápido possível, evitando que outros conviventes sejam
prejudicados por essa flagrante inconstitucionalidade.
Noutra senda, a Constituição Federal de 1988 equiparou a união estável ao
casamento, o dispositivo que versa sobre a facilitação da conversão em casamento da
união estável é somente uma forma de simplificar a vida dos companheiros, pois
certamente seria mais fácil o processo de partilha em caso de divórcio e o processo
sucessório em caso de falecimento de um deles, haja vista que o formalismo do
casamento traz mais segurança jurídica aos consortes.
Pode-se dizer que a intenção de que fosse facilitada a transformação do título das
uniões estáveis em casamento, de modo a que àquelas pudessem ser estendido o regime
jurídico peculiar às relações formais, oferecendo, portanto, proteção igual a todas as
comunidades familiares indistintamente.
Assim, chegamos à outra violação constitucional dessa disposição que diferencia
o processo sucessório da união estável e do casamento, o princípio da isonomia ou
igualdade, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.
Flávio Tartuce e José Fernando Simão demonstram a injustiça gerada por este
dispositivo através do seguinte exemplo:
João, companheiro de Maria, ao falecer sem descendentes nem ascendentes, tinha
dois bens: uma casa de praia que comprou antes do início da união estável (bem
particular) e um apartamento que comprou após o início da união estável (bem comum).
Deixou seu tio-avô vivo. Nesse caso, a divisão da herança será a seguinte:
Bens do falecido
Apartamento – Bem comum (artigos 1.790, III, e 1.839 do CC)
- 50% (meação) pertencem à companheira;
- 50% (herança) serão partilhados entre a companheira (1/3) e o tio-avô do
falecido (2/3).
Casa de praia – Bem particular (artigos 1.790, caput, e 1.839 do CC).
- 100% (herança) será apenas do tio-avô do falecido.
É notório o prejuízo causado às famílias com essa diferenciação causada pelo
legislador, vez que fora tratado de forma diversa uma mesma questão, qual seja a
conjuntura das pessoas que estão ligadas pelo enlace matrimonial e a circunstância
daquelas unidas pela união estável. Conduto, não se encontra critério algum de
razoabilidade que justifique esta diferenciação, demonstrando mais um argumento
favorável a flagrante inconstitucionalidade do artigo de lei, pois viola a dignidade dos
conviventes que se veem discriminados, nesse particular, com relação aos cônjuges.
Inúmeras são as críticas no que se refere à concorrência sucessória do
companheiro sobrevivente, pois o artigo 1790 do Código Civil de 2002 trás grande
diferença na partilha de bens do companheiro da união estável em relação ao cônjuge
sobrevivente. Há, ainda, grandes divergências de entendimentos sobre a situação do
convivente no âmbito do direito sucessório, entretanto, aguarda-se o julgamento do Superior
Tribunal de Justiça no incidente de inconstitucionalidade, já recebido, sobre a
constitucionalidade ou não desse dispositivo do Código Civil, que fora ementado nos seguintes
termos:
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a Constituição de 1988 equiparou a união estável ao casamento,
facilitando, inclusive, a sua conversão de maneira a oferecer mais segurança jurídica aos
consortes.
A sucessão do convivente prevista no artigo 1.790 do Código Civil de 2002,
contudo, trouxe muitas dúvidas aos aplicadores do direito, pois diferencia a sucessão
dos companheiros e a dos cônjuges, trazendo prejuízos aos conviventes, pois em todo
país há divergências de entendimentos sobre a aplicabilidade da lei, sendo esse um foco
de insegurança jurídica à população.
Imperioso concluir, portanto, pela sua inconstitucionalidade, pois representa um
retrocesso nas conquistas dos companheiros que, antes da edição do Código Civil,
tinham o direito sucessório equiparado aos cônjuges, o que lhes foi tolhido, violando o
princípio da vedação do retrocesso.
Além disso, essa diferenciação trazida pelo Código Civil de 2002, também viola
os princípio da isonomia, vez que a Constituição Federal não impõe, ou sequer prevê,
famílias hierarquicamente distintas, para que haja essa diferença infraconstitucional, que
não se coaduna com a atual ordem constitucional.
Ademais, esse tratamento discriminatório viola frontalmente a dignidade da
pessoa, pois os conviventes se encontram em posição de inferioridade por não terem se
casado, no sentido estrito do termo, pois vivem em união estável como se casados
fossem, não havendo, novamente, razão para um tratamento tão discriminatório somente
no campo do direito sucessório.
Destarte, a conclusão final é que não se pode haver tratamento diferenciado na
sucessão do convivente quando comparado com a sucessão do cônjuge, pois os
institutos do casamento e da união estável foram equiparados pela Constituição Federal
de 1988, sendo assim, qualquer tratamento que traga discriminação aos companheiros,
na seara do direito sucessório ou do direito de família, é flagrantemente
inconstitucional, como o artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que diferencia o direito
sucessório dos conviventes e dos cônjuges.
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