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SUCESSÃO DO COMPANHEIRO: A POLÊMICA

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CC/2002 SOB A ÓTICA DAS


SUPREMAS CORTES BRASILEIRAS

Catarina Vilna Gomes de Oliveira Santos – catarinvilna@hotmail.com


Estudante do 8ª período do Curso de Direito da FATEPI.
Raimundo Cardoso Rosa Neto - rc.neto.adv@gmail.com
Orientador. Professor de Direito Civil da FATEPI.

RESUMO
O presente estudo versa sobre a incontroversa ocasionada por julgados referentes à
concorrência sucessória do cônjuge e companheiro da união estável, cuja qual tem
trazido uma instabilidade jurídica para as partes. Dessa forma, esse trabalho adotou um
percurso metodológico que se constitui de estudos bibliográficos, juntamente com a
legislação vigente, utilizando-se também do método dialético com abordagem
qualitativa. Assim, para obtenção do objetivo da temática abordada, primeiramente fez-
se, a apreciação da união estável, no que tange ao seu reconhecimento como entidade
familiar, de acordo com o texto constitucional, apontando as peculiaridades existentes
sobre a concorrência sucessória do cônjuge e companheiro da união estável, abordando
também a polêmica instaurada sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código
Civil de 2002, e concluindo com a abordagem de alguns julgados referentes a decisões dos
Tribunais Superiores quanto à aplicação do mencionado dispositivo.

PALAVRAS CHAVES: Sucessão. União Estável. Inconstitucionalidade.

ABSTRACT
The present study deals with the uncontroversial situation caused by judgments
regarding the succession competition of the spouse and companion of the stable union,
which has brought legal instability to the parties. Thus, this work has adopted a
methodological course that consists of bibliographical studies, together with the current
legislation, also using the dialectical method with a qualitative approach. Thus, in order
to achieve the objective of the subject, the first was the assessment of the stable union,
regarding its recognition as a family entity, according to the constitutional text, pointing
out the peculiarities that exist on the succession competition of the spouse and partner
Of the stable union, also addressing the controversy established on the
unconstitutionality of article 1,790 of the Civil Code of 2002, and concluding with the
approach of some judges referring to decisions of the Superior Courts regarding the
application of said device.
KEYWORDS: Succession. Stable union. Unconstitutionality.
1. INTRODUÇÃO
Tem importância fundamental as normas de direito de família e sucessões para
toda a sociedade brasileira, pois o ser humano nasce inserido em uma família e faz parte
da sua vida o direito de propriedade sobre os bens construídos no decorrer da vida, que
será transferido ao seu cônjuge, convivente, descendentes e/ou ascendentes após a sua
morte.
Especificamente, serão tratados apontamentos sobre a sucessão do convivente e a
sua atual conjuntura no direito brasileiro, que passa por uma fase muito crítica, vez que
há um tratamento diferenciado para o convivente com relação ao cônjuge, o que não
ocorre na seara do direito de família.
Defende-se a tese de que, no atual cenário, o artigo 1790 do Código Civil de 2002,
que dispõe sobre a sucessão do convivente, é inconstitucional, pois viola princípios
garantidos pela Constituição de 1988, dentre eles a vedação do retrocesso, isonomia e
dignidade da pessoa.
Durante muitos anos, tem sido grande a discussão existente no Direito de Família
e no Direito das Sucessões. A vocação hereditária do cônjuge perante o Código Civil de
2002, comparado à concorrência sucessória do companheiro na união estável, que sem
dúvida, há uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial.
É a grande diferença da sucessão da união estável comparando-se ao casamento
que faz nascer a grande problemática enfrentada atualmente no direito das sucessões. É
lógico que numa pesquisa dessa relevância é imprescindível expor o entendimento dos
doutrinadores especialistas em direito de família e sucessões, como também as
construções jurisprudenciais neste sentido.
Portanto, a equiparação da união estável a entidade familiar e as críticas as
sucessões estabelecidas pelo Código Civil ao casamento e à união estável formam o
objeto principal do presente artigo. Assim, descrevem-se as semelhanças e divergências
jurídicas e os efeitos decorrentes do casamento e da união estável.
Demonstra-se o direito dos companheiros, em situação desproporcional a dos
cônjuges com diversos posicionamentos doutrinários, tendo o de maior relevância
ganhado força nos últimos anos.
Enfim, a conclusão será o desfecho expositor do desenvolvimento da presente
pesquisa.
2. A UNIÃO ESTÁVEL E SUA CONFIGURAÇÃO COMO ENTIDADE
FAMILIAR
É cediço que a família surgida através do casamento é o núcleo essencial de uma
sociedade e recebe especial proteção do Estado, mas não podemos deixar de reconhecer
que há um número cada vez maior de pessoas que optam por uma união livre e, de certa
forma, mais informal, fazendo, assim, a opção por viver em um regime de união estável.
O Código Civil de 1916, contudo, não regulou as relações familiares advindas da
união estável. Essa realidade começou a ser alterada, após a promulgação do novo texto
constitucional.

A situação de concubinato foi se modificando, começaram a serem apontadas


diferenças entre as uniões livres daquelas oriundas de ligações ilícitas, das pessoas que
não poderiam se casar, trazendo para a realidade dos conviventes inovações, a princípio,
na legislação previdenciária, e depois, na jurisprudência de todo o território nacional
para admitir alguns direitos, como a meação dos bens adquiridos pelo esforço comum.
Nos dizeres de Gonçalves, esse movimento de alteração jurisprudencial iniciou-se no
Tribunal de Justiça de São Paulo, até que reiterado pela Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal, vejamos:

A posição humana e construtiva do Tribunal de Justiça de São Paulo acabou


estendendo-se aos demais tribunais do País, formando uma jurisprudência
que acabou sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que
a ruptura de uma ligação more uxório duradoura gerava consequências de
ordem patrimonial. Essa Corte cristalizou a orientação jurisprudencial na
Súmula 380, nestes termos “comprovada a existência de sociedade de fato
entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

Atualmente podemos definir o conceito de união estável, como “uma relação


afetiva de convivência publica e duradoura entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não,
com o objetivo imediato de constituir família”.
Em que pese à lei não elencar as formas de constituição da união estável, arrola
algumas de suas características, vejamos:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem
e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.


1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se
achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união
estável.

O artigo de lei aludido enumera várias notas, que se devemos reputar como
necessárias para a caracterização da união estável.
Ao mesmo tempo, nota-se a preocupação do legislador em estabelecer alguns
aspectos para a constituição de união estável, mesmo que seja o julgador que, caso
provocado, irá analisar se no caso em concreto estarão presentes os requisitos impostos
pelo legislador.
Dentre eles, podemos destacar a estabilidade, que a lei define como convivência
duradoura. Isso implica dizer que deve haver entre os conviventes mais que um
relacionamento efêmero e transitório, uma vez que a ordem constitucional não se
preocuparia em proteger qualquer relacionamento entre os indivíduos.
Ademais, além de estável, como o próprio nome da entidade familiar define, o
relacionamento deve ser contínuo, sem interrupções e público, ou seja, não pode ser
escuso da sociedade, nos dizeres de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “Esse elemento
permite diferenciar a união estável, por exemplo, de um ‘caso’, relacionamento amoroso
com interesse predominantemente sexual”. A união protegida constitucionalmente é
aquele em que os companheiros convivem perante a sociedade como se casados fossem.
Além desses, deve se constituir prova da intenção de constituição de família, que é
finalidade da união estável e essência do direito de família constitucionalizado pela
CF/88, que diferencia a união estável de uma relação obrigacional, ou de um simples
namoro.
Muito se discutia se seria possível a configuração da união estável homoafetiva,
mas o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre o assunto e entendeu que a união
estável pode ser formada, pois casais do mesmo sexo, vejamos julgado sob a relatoria
do Ministro Celso de Mello:

RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA


COMO ENTIDADE FAMILIAR – O Supremo Tribunal Federal – Apoiando-se
em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os
da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade,
do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) –
Reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual,
havendo proclama do, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da
união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência,
verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor
de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito,
notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera da s relações sociais
e familiares – A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico
aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se
pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade,
da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional
implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa
estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria
Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e
suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades
entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar – Toda
pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua
orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união
homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos,
prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de
sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas.

A par disso, é importante destacar as semelhanças que a união estável tem com o
casamento.
Em resumo, a união estável fora equiparada ao casamento para fins dos efeitos
patrimoniais. A principal regulamentação legal atual que temos no ordenamento jurídico
sobre o assunto é o artigo 1.725 do Código Civil, que diz: “Na união estável, salvo
contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que
couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Saliente-se que essa disposição trouxe
uma evolução aos direitos dos conviventes, que passaram a ter seus efeitos patrimoniais
reconhecidos pelo Código Civil, podendo, até mesmo optar por outro regime, caso em
que terão de firmar um contrato de convivência.
Assim, podemos concluir, inicialmente, que se aplicarão à união estável as
mesmas regras do casamento no que diz respeito aos efeitos patrimoniais, a não ser que
os conviventes optem por dispor em contrato sobre os efeitos patrimoniais que a união
estável acarreta, uma vez que o Código Civil de 2002 dá liberdade aos companheiros
para que através de contrato disponham de um regime diverso, caso seja deliberação da
vontade de ambos.
Com efeito, serão comuns a ambos os companheiros, em regra, caso não tenha
havido contrato com disposição em contrário, os bens adquiridos ao longo da respectiva
duração da união estável, assim como ocorre com o casamento no regime da comunhão
parcial de bens.

3. DAS GARANTIAS SUCESSÓRIAS AO COMPANHEIRO


A denominação de família gerou bastante discussão na seara jurídica, e ainda é.
Vários foram os conceitos que surgiram para denominar este instituto, e juntamente com
isso advieram suas controvérsias.
É de conhecimento geral que a família é um conjunto de pessoas que descendem de
um tronco ancestral comum, onde se inclui a figura do cônjuge. Até a promulgação da
Carta Constitucional de 1988 os companheiros não eram considerados herdeiros. Após a
promulgação, sendo a união estável reconhecida como entidade familiar, os
companheiros ganharam o direito de suceder o autor da herança com o qual conviveram
durante certo lapso temporal.
Inicialmente sobreveio a Lei nº. 8.971 de 1994, que trouxe alguns direitos
sucessórios aos conviventes, rezando que o companheiro, na falta de descendentes e
ascendentes, herdava a totalidade da herança do companheiro falecido, independendo do
período ou forma de aquisição dos bens constantes do patrimônio, estando, portanto, em
terceiro lugar na ordem da vocação hereditária. Contudo, na hipótese de haver
descendentes e ascendentes possuiria usufruto vidual, ou seja, usufruiria percentuais do
patrimônio a depender da classe com a qual concorresse.
Posteriormente a sucessão do convivente foi contemplada com o direito real de
habitação ao convivente supérstite relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, nos moldes do parágrafo único do artigo 7º da Lei nº. 9.278 de 1996.
Cabe mencionar ainda que a lei posterior (Lei n. 9.278/96) não revogou a lei
anterior (Lei n. 8.971/94), pelo simples motivo de que ambas versam de objetos
totalmente distintos. Deste modo, ambas atualmente encontram-se vigorantes.
Em contrapartida, o Código Civil aborda as disposições hodiernas acerca da
matéria relativa à sucessão dos conviventes apenas no artigo 1.790, que dispõe:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do


outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,
nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à


que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a


metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da


herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Em sua primeira impressão sobre a redação da norma, Silvio de Salvo Venosa


afirma:

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços


em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando
evitar percalços e críticas sociais [...]. Desse modo afirma eufemisticamente
que o consorte da união estável “participará” da sucessão, como se pudesse
haver um meio termo entre herdeiro e mero “participante” da herança. Que
figura híbrida seria essa senão a de herdeiro!

Com a leitura do mencionado dispositivo observa-se, que o companheiro


sobrevivente participará somente quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a
união informal.
Nota-se, ainda, que o legislador não inseriu os companheiros no rol dos
herdeiros necessários, conforme se infere do art. 1.845, que tem a seguinte dicção: “São
herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”, retirando o direito
que do companheiro à legítima.
Conquanto o Código Civil tenha praticamente igualado os direitos patrimoniais
do convivente ao do cônjuge casado no regime da comunhão parcial de bens em caso de
dissolução da sociedade convivencial/conjugal, este tratou de maneira desigual os
direitos do convivente e do cônjuge em caso de morte.
Assim, o companheiro ao concorrer com filhos comuns do (a) falecido (a), terá
direito a uma quota equivalente a do filho, no entanto, se concorrer com filhos só do
autor da herança, terá direito a metade da quota que for atribuído a cada filho.
Ademais, o inciso III do art. 1.790 do Código Civil que afirma que a
companheira ou o companheiro, se concorrer com outros parentes sucessíveis, excluídos
os ascendentes e descendentes do “de cujus”, terá direito a um terço da herança e, na
hipótese de não haverem parentes sucessíveis, ou seja, colaterais até o quarto grau terá
direito à totalidade da herança.
Notável que, diferente do cônjuge, que concorre somente com descendentes ou
com ascendentes do falecido, o convivente concorre em todas as classes, até com a dos
colaterais do quarto grau para, só então, poder herdar sozinho.

4. A POLÊMICA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO


CÓDIGO CIVIL DE 2002
Muito se discute sobre a situação de desvantagem que se encontra o
companheiro em relação ao cônjuge e se esta distinção fora intencional ou não por parte
do legislador. Todavia, é certa a flagrante inconstitucionalidade do artigo 1.790 do
Código Civil.
Em uma primeira análise, estritamente constitucional, é importante mencionar a
classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva, que divide as normas
constitucionais em normas com eficácia plena, contida e limitada, essas últimas
divididas em de princípio institutivo e programático.
Essa classificação é necessária, pois podemos concluir que o artigo 226 da
Constituição Federal é uma norma programática, visto que o Poder Constituinte
Originário ao invés de regular direta e imediatamente o tema, limitou-se a “veicular
programa a ser implementado pelo Estado, visando a realização de fins sociais”, que,
nesse caso, é retratado pela proteção da união estável pelo Estado como entidade
familiar.
Ora, sendo a união estável equiparada para todos os fins com o casamento na
seara do direito de família, previsto no Codex Civil, não há razão no mundo jurídico
para subsistir tanta desigualdade no campo do direito sucessório, previsto no mesmo
código de leis.
Crível crer que fora um ledo engano do legislador pátrio, uma vez que a
Constituição Federal que trouxe normas de inclusão e de igualdade, de forma alguma
permite diferenças tão gritantes entre dois institutos familiares de igual hierarquia
dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
A primeira lei que tratou sobre o tema após a promulgação da Carta
Constitucional de 1988 fora a Lei nº. 8.971 de 1994, em seu artigo 2º, que regulamentou
norma constitucional programática, trazendo os direitos sucessórios do convivente,
equiparando-o ao cônjuge, conforme Parágrafo Único do artigo 1º, transcrito acima.
Com efeito, uma vez dada execução a uma norma constitucional por meio de lei
infraconstitucional, o Poder Legislativo não poderia reformar uma lei, para retroceder
nas conquistas companheiros, que passaram a receber tratamento diferenciado no campo
do direito sucessório.
Sendo esse um dos motivos que levam a crer pela inconstitucionalidade do artigo
1.790 do Código Civil, haja vista o retrocesso nos direitos da união estável em
comparação com aquilo que se tem no casamento.
O princípio da vedação do retrocesso, para alguns doutrinadores, está implícito na
ordem constitucional atual, não podendo haver reforma de lei em prejuízo da sociedade.
O Professor Luiz Roberto Barroso entende que:

Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-
constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento
constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio
jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido.
Nesse passo, mostra-se plenamente possível e necessária a aplicação do princípio
da vedação do retrocesso nesse particular, pois o tratamento legislativo conferido à
sucessão dos companheiros pelo Código Civil de 2002 manifesta-se muito inferior que
aquele existente na legislação anterior.
Com isso, torna-se importante à efetivação de medidas que tragam uma grande
mudança para o sistema atual do direito sucessório no regime de união estável, que
deverá ser implementada o mais rápido possível, evitando que outros conviventes sejam
prejudicados por essa flagrante inconstitucionalidade.
Noutra senda, a Constituição Federal de 1988 equiparou a união estável ao
casamento, o dispositivo que versa sobre a facilitação da conversão em casamento da
união estável é somente uma forma de simplificar a vida dos companheiros, pois
certamente seria mais fácil o processo de partilha em caso de divórcio e o processo
sucessório em caso de falecimento de um deles, haja vista que o formalismo do
casamento traz mais segurança jurídica aos consortes.
Pode-se dizer que a intenção de que fosse facilitada a transformação do título das
uniões estáveis em casamento, de modo a que àquelas pudessem ser estendido o regime
jurídico peculiar às relações formais, oferecendo, portanto, proteção igual a todas as
comunidades familiares indistintamente.
Assim, chegamos à outra violação constitucional dessa disposição que diferencia
o processo sucessório da união estável e do casamento, o princípio da isonomia ou
igualdade, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.
Flávio Tartuce e José Fernando Simão demonstram a injustiça gerada por este
dispositivo através do seguinte exemplo:
João, companheiro de Maria, ao falecer sem descendentes nem ascendentes, tinha
dois bens: uma casa de praia que comprou antes do início da união estável (bem
particular) e um apartamento que comprou após o início da união estável (bem comum).
Deixou seu tio-avô vivo. Nesse caso, a divisão da herança será a seguinte:
Bens do falecido
Apartamento – Bem comum (artigos 1.790, III, e 1.839 do CC)
- 50% (meação) pertencem à companheira;
- 50% (herança) serão partilhados entre a companheira (1/3) e o tio-avô do
falecido (2/3).
Casa de praia – Bem particular (artigos 1.790, caput, e 1.839 do CC).
- 100% (herança) será apenas do tio-avô do falecido.
É notório o prejuízo causado às famílias com essa diferenciação causada pelo
legislador, vez que fora tratado de forma diversa uma mesma questão, qual seja a
conjuntura das pessoas que estão ligadas pelo enlace matrimonial e a circunstância
daquelas unidas pela união estável. Conduto, não se encontra critério algum de
razoabilidade que justifique esta diferenciação, demonstrando mais um argumento
favorável a flagrante inconstitucionalidade do artigo de lei, pois viola a dignidade dos
conviventes que se veem discriminados, nesse particular, com relação aos cônjuges.
Inúmeras são as críticas no que se refere à concorrência sucessória do
companheiro sobrevivente, pois o artigo 1790 do Código Civil de 2002 trás grande
diferença na partilha de bens do companheiro da união estável em relação ao cônjuge
sobrevivente. Há, ainda, grandes divergências de entendimentos sobre a situação do
convivente no âmbito do direito sucessório, entretanto, aguarda-se o julgamento do Superior
Tribunal de Justiça no incidente de inconstitucionalidade, já recebido, sobre a
constitucionalidade ou não desse dispositivo do Código Civil, que fora ementado nos seguintes
termos:

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART.


1.790, INCISOS “III E IV DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – UNIÃO ESTÁVEL –
SUCESSÃO DO COMPANHEIRO CONCORRÊNCIA COM PARENTES
SUCESSÍVEIS – Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o
incidente de inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do art. 1790, Código
Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria
tratada.

Como exemplo dessas divergências, destacamos algumas decisões de tribunais


que reconhecem a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – SUCESSÃO DA


COMPANHEIRA – ARTIGO 1.790, III, DO CÓDIGO CIVIL – INQUINADA
AFRONTA AO ARTIGO 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE
CONFERE TRATAMENTO PARITÁRIO AO INSTITUTO DA UNIÃO
ESTÁVEL EM RELAÇÃO AO CASAMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE LEI
INFRACONSTITUCIONAL DISCIPLINAR DE FORMA DIVERSA O
DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO –
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – ELEVAÇÃO DA
UNIÃO ESTÁVEL AO “STATUS” DE ENTIDADE FAMILIAR –
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – CONHECIMENTO DO
INCIDENTE, DECLARADO PROCEDENTE – 1. Inconstitucionalidade do
artigo 1.790, III, do Código Civil por afronta ao princípio da igualdade, já que o
artigo 226, § 3º, da Constituição Federal conferiu tratamento similar aos institutos
da união estável e do casamento, ambos abrangidos pelo conceito de entidade
familiar e ensejadores de proteção estatal. 2. A distinção relativa aos direitos
sucessórios dos companheiros viola frontalmente o princípio da igualdade
material, uma vez que confere tratamento desigual àqueles que, casados ou não,
mantiveram relação de afeto e companheirismo durante certo período de tempo,
tendo contribuído diretamente para o desenvolvimento econômico da entidade
familiar.
CONSTITUCIONAL E CIVIL – AÇÃO DECLARATÓRIA- UNIÃO
ESTÁVEL - DIREITO SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO – INCIDENTE
DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0008/2010 – ART. 1.790 DO CÓDIGO
CIVIL DE 2002 – Ofensa aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa
humana – Art. 226, § 3º da cf/1988 – Equiparação entre companheiro e cônjuge –
Violação – Inconstitucionalidade declarada – Aplicação dos arts. 1.829, III e
1.838 do cc/2002 – Direito de a companheira herdar a integralidade dos bens do
falecido na ausência de ascendentes e descendentes – Sentença mantida. I –
Verificando que o art. 1.790 do código civil de 2002, que dispõe sobre o direito
sucessório do companheiro sobrevivente, ignora a equiparação da união estável
ao casamento prevista no art. 226, § 3º da cf, configurada está a ofensa aos
princípios constitucionais da isonomia e da dignidade humana; II – Tendo sido
declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do código civil de 2002 através do
incidente de inconstitucionalidade nº 0008/2010, a questão relativa à sucessão na
união estável e a consequente distribuição dos bens deixados pelo companheiro
falecido deve ser regida pelas regras atinentes à sucessão entre os cônjuges,
conforme dispõem os arts. 1.829, III e 1.838 do código civil de 2002; III –
Recurso conhecido e desprovido.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a Constituição de 1988 equiparou a união estável ao casamento,
facilitando, inclusive, a sua conversão de maneira a oferecer mais segurança jurídica aos
consortes.
A sucessão do convivente prevista no artigo 1.790 do Código Civil de 2002,
contudo, trouxe muitas dúvidas aos aplicadores do direito, pois diferencia a sucessão
dos companheiros e a dos cônjuges, trazendo prejuízos aos conviventes, pois em todo
país há divergências de entendimentos sobre a aplicabilidade da lei, sendo esse um foco
de insegurança jurídica à população.
Imperioso concluir, portanto, pela sua inconstitucionalidade, pois representa um
retrocesso nas conquistas dos companheiros que, antes da edição do Código Civil,
tinham o direito sucessório equiparado aos cônjuges, o que lhes foi tolhido, violando o
princípio da vedação do retrocesso.
Além disso, essa diferenciação trazida pelo Código Civil de 2002, também viola
os princípio da isonomia, vez que a Constituição Federal não impõe, ou sequer prevê,
famílias hierarquicamente distintas, para que haja essa diferença infraconstitucional, que
não se coaduna com a atual ordem constitucional.
Ademais, esse tratamento discriminatório viola frontalmente a dignidade da
pessoa, pois os conviventes se encontram em posição de inferioridade por não terem se
casado, no sentido estrito do termo, pois vivem em união estável como se casados
fossem, não havendo, novamente, razão para um tratamento tão discriminatório somente
no campo do direito sucessório.
Destarte, a conclusão final é que não se pode haver tratamento diferenciado na
sucessão do convivente quando comparado com a sucessão do cônjuge, pois os
institutos do casamento e da união estável foram equiparados pela Constituição Federal
de 1988, sendo assim, qualquer tratamento que traga discriminação aos companheiros,
na seara do direito sucessório ou do direito de família, é flagrantemente
inconstitucional, como o artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que diferencia o direito
sucessório dos conviventes e dos cônjuges.

REFERÊNCIAS

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normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro:
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_____. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.
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_____. Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Disponível em:
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TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões. São
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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26. ed. São
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_____. Código Civil anotado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
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