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ISSN 0047-2085

Jornal Brasileiro
Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setembro - Outubro 2003

CODEN JBPSAX

de Psiquiatria
Brazilian Journal volume 52 • set/out-2003
of Psychiatry Publicação bimestral

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

5
Alcebíades Gomes
Festa Junina, detalhe
Jornal Brasileiro
ISSN 0047-2085
CODEN JBPSAX

de Psiquiatria volume 52 • set/out 2003


J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003
Publicação bimestral

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

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DO RIO DE JANEIRO
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Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de
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e-mail: editora@diagraphic.com.br Editado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000
www.diagraphic.com.br Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)
ISSN 0047-2085
Pede-se permuta
Se solicita el canje 1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I.
Exchange requested Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria
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Si prega lo scambio CDU 616.89
Sumário

335-339 E. A. Carlini
Redução de danos: uma visão internacional

João Carlos Dias; Sandra Scivoletto; Cláudio Jerônimo da Silva; Ronaldo Ramos Laranjeira; Marcos Zaleski; Analice Gigliotti;
341-348 Irani Argimon; Ana Cecília P. Roselli Marques
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira
para Estudos do Álcool e Outras Drogas

Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;
349-354 Sueli Moreira
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

355-362 Marcelo Santos Cruz; Ana Cristina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos
na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

363-370 E. A. Carlini
Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

371-374 Edward MacRae; Monica Gorgulho


Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de
Redução de Danos

375-380 André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto


Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo

381-386 Beatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon


Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

387-393 Marcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira


Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação
Brasileira de Redutores de Danos

E rrrata:
rata: No artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em Operários de Mineração de Ferro em Itabira (MG), publicado no JBP 2003;
52(4): 283-89, uma correção precisa ser feita no Resumo: na p. 283, terceira linha, onde se lê n = 80, o correto é n = 580.

Fontes de referência e indexação:


Academia de Ciências da Rússia Biological Abstracts KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts
BLDSC – British Library Document Supply Center and Sciences
CAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical Society LILACS – Index Medicus Latino-Americano
Chemical Abstracts NISC Pennsylvania, Inc.
Embase/Excerpta Medica Periódica – CICH-UNAM
EMDOCS – Embase Document Delivery Service Psychoinfo – American Psychological Association
IBICT – Sumários Correntes Brasileiros Ulrich’s International Periodicals Directory
INIST – Institute de L’information Scientifique et Technique UMI – University Microfilms International

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Apresentação

Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla
gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de
drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de
consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência
orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última
década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidemia da Aids. Redução de danos
constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de diminuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de
outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente
o uso de drogas.

A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos
individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em
consideração os seus riscos e prejuízos. Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na
luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos,
ressaltam a diminuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirimir este
embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos
efetivamente diminui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?”.

Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e
assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a
mídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez
que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa
área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência
neste campo e representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de
estratégias
de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres
apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem, no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas
na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos.

Marcelo Santos Cruz


Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ)
Redução de danos:
uma visão internacional
Harm reduction: an international view
E. A. Carlini

Resumo
A técnica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da ONU (1961, 1971 e 1988). Portanto, de
acordo com o International Narcotics Control Board (INCB), órgão que é considerado o guardião das convenções, esta modali-
dade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a impor-
tância da redução de danos como uma estratégia de prevenção terciária. Esta opinião é partilhada por muitos órgãos internaci-
onais e nacionais. Todavia, o INCB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espécie
de cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas.

Unitermos
redução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização

Summary
Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention on
Psychotropic Substances, 1971; and Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence,
according to the International Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form of
prevention can not be classified as contrary to the conventions. Actually, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form of
tertiary prevention. This opinion is supported by many other international and national bodies. However, the INCB also makes clear that
harm reduction should not be utilized to help to promote movements aimed at legalization of drugs.

Uniterms
harm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization

Introdução e definições “O INCB reconhece a importância da redu-


ção de danos em uma estratégia de prevenção
Em fevereiro de 2002, assim declarava o terciária (...)”
International Narcotics Control Board (INCB) das
A fim de melhor entender o que foi dito aci-
Nações Unidas:
ma, é oportuno definir o que são os órgãos ou
“As Convenções Internacionais (1961, 1971, estruturas mencionadas.
1988) não mencionam a redução de danos (...);
O INCB, constituído de 13 membros eleitos
portanto, esta modalidade não pode ser classifi-
pelo Conselho Econômico e Social das Nações
cada como contrária às Convenções.”
Unidas, é um órgão independente, mas mantido
E em abril de 2003, o presidente do INCB, pelas Nações Unidas, que tem como função ser o
prof. Philip Emafo, assim se pronunciou na reu- guardião das convenções, isto é, verificar se a co-
nião da Comissão de Drogas Narcóticas (CND – munidade mundial obedece aos ditames das con-
Commission of Narcotic Drugs): venções. Foi criado em 1961 pela Convenção Úni-

Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006.
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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Redução de danos: uma visão internacional Carlini

ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado o dições básicas do fenômeno ainda persistam. Em
judiciário das Nações Unidas em relação ao pro- outras palavras, a prevenção terciária não tem mais
blema das drogas. como condição básica e prioritária reduzir ou abo-
As três convenções da ONU (1961, sobre entor- lir o uso de drogas, mas sim interromper ou dimi-
pecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobre nuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as con-
substâncias químicas e precursores) são documen- dições básicas) ainda persista.
tos que, através de seus artigos, dão regras aos paí- R. L. Dupont (1987), ex-diretor do National
ses signatários sobre como controlar a produção, a Institute on Drug Abuse (Nida) dos EUA suma-
distribuição, o uso, o armazenamento e os estoques riou os três tipos prevenção:
de drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90% • primária – prevenir o uso antes que ele se
dos países são signatários desses documentos. Para inicie;
exemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já ade-
• secundária – impedir a progressão do uso, uma
riram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13
vez já iniciado;
países/territórios que ainda não aderiram têm pe-
• terciária – impedir as piores conseqüências do
quena representatividade no concerto das nações.
uso contínuo.
São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na Áfri-
ca; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Les- É nessa última técnica de prevenção, a
te, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru, terciária, que os órgãos internacionais colocam a
Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil é redução de danos, conforme já mencionado pelo
signatário das três convenções. presidente do INCB.
A Comissão de Drogas Narcóticas (CND –
Commission of Narcotic Drugs) é o órgão da ONU,
Histórico da redução de danos
com mais de 50 membros, onde são tomadas de-
cisões que poderíamos chamar de legislativas . É a
e as convenções da ONU
CND que pode, em assembléia, tomar decisões Mesmo antes da convenção da ONU sobre
como incluir ou excluir substâncias das conven- narcóticos, de 1961, a redução de danos (embo-
ções (retirando ou determinando modificações nas ra sem esta designação) já era praticada em vári-
listas). A CND seria o braço político, o legislativo, os países. Por exemplo: ópio, heroína e morfina
das Nações Unidas, em relação às drogas. já eram administrados como terapêutica de adic-
E finalmente temos o braço executivo da ONU, tos em países da Europa, pelo menos desde a dé-
o United Nations Office on Drugs and Crime, cada de 1920; a administração de ópio a pessoas
(UNODC) que substituiu o United Nations Drug adictas a esta substância já era prática comum na
Control Programme (UNDCP). Ásia pelo menos a partir de 1914.
Por fim, cabe também esclarecer as técnicas E em 1965 iniciou-se a utilização da metadona
de prevenção adotadas pelas Nações Unidas atra- para dependentes de opiáceos.
vés da Organização Mundial da Saúde (OMS), que Hoje em dia essas modalidades de interven-
são as que se seguem: ção terapêutica são chamadas de tratamento de
Prevenção primária: tem por finalidade as- substituição ou de manutenção, sendo formas de
segurar que uma desordem, um processo ou pro- redução de danos.
blema não ocorrerão, ou seja, impedir o primeiro O termo redução de danos (RD) ainda não
uso de uma droga. existia quando a Convenção de Drogas Narcóti-
Prevenção secundária: procura identificar cas da ONU – 1961 foi estabelecida. Nessa con-
e abolir ou modificar para melhor uma desordem, venção, o artigo 38 diz apenas: “medidas para
um processo ou problema o mais precocemente prevenir o abuso e identificação precoce do mes-
possível. Vale dizer: a prevenção secundária está mo, tratar e reabilitar o dependente”.
indicada para aqueles que tiveram contato com a A Convenção de Psicotrópicos de 1971 tam-
droga e visa a impedir ou diminuir este uso ou bém não menciona RD. No seu artigo 20 consta
pelo menos impedi-lo de aumentar. apenas: “para prevenir o abuso, identificar, tratar
Pr evenção ter
Prevenção ciária: propõe interromper ou re-
terciária: e reabilitar o dependente”.
tardar o progresso de uma desordem, um proces- A Convenção de Precursores, de 1988, já se apro-
so ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con- xima um pouco da concepção de RD: no seu artigo

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Carlini Redução de danos: uma visão internacional

14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a dução de danos, embora mostrasse uma certa
“eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com o preocupação:
fito de reduzir o sofrimento humano” (grifo meu). “INCB reconhece a importância de certos as-
Há ainda a consignar que em uma seção es- pectos da redução de danos como uma estraté-
pecial da Assembléia Geral da ONU, em junho de gia de prevenção terciária (grifo meu) para pro-
1998, o parágrafo 8 (b) pode ser interpretado pósitos de redução de demanda. Todavia o INCB
como indiretamente referindo-se às medidas de considera como seu dever chamar a atenção para
RD: “A redução de demanda visa a prevenir o uso o fato de que programas de redução de danos
de drogas e a reduzir as conseqüências adversas não são substitutos para programas de redução
do abuso de drogas” (grifo meu). de demanda (...). O fato de que programas de
Foi baseado nesses fatos que o INCB já havia redução de danos devem ser considerados ape-
concluído anteriormente que: nas como um elemento de uma estratégia mais
ampla e abarcante de redução de demanda tem
“As Convenções Internacionais não mencio-
sido negligenciado”.
nam a redução de danos (...); portanto, esta mo-
dalidade de terapêutica não pode ser classificada
como contrária às Convenções”.
Objetivos e exemplos
“O INCB, portanto, não se opõe à redução de da redução de danos
danos, dado ser ela parte do tratamento médico
(grifo meu) e uma estratégia coerente de redu- De acordo com o governo suíço, “intervenções
ção de demanda (...)”. de RD são aquelas planejadas para atingir as pessoas
dependentes que não poderiam ser contatadas de
“O INCB, entretanto, está preocupado com
outra maneira. Por exemplo, os programas de troca
que algumas intervenções de redução de danos
de agulhas e as salas de injeções são algumas vezes
possam ser utilizadas com o propósito de advo-
planejados com o objetivo adicional de se chegar
gar uma legalização da droga para uso não-mé-
até os dependentes fim de linha (hard core abusers)
dico, com o que não concorda”.
para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório da
missão do INCB à Suíça, ano 2000).
Definição e filosofia Essa explicação do governo suíço encaixa-se
da redução de danos bem dentro da definição de RD dada pelo
UNODC.
O UNODC, quando ainda UNDCP, na sua pu-
blicação Redução de Demanda – Um Glossário de O que parece ser relevante nos programas de
Termos, assim define a redução de danos: redução de danos é exatamente o que afirmou o
governo da Suíça (e o de vários outros países), ou
“Redução de danos refere-se a políticas ou pro-
seja, são ou deveriam ser programas destinados a
gramas que visam diretamente a reduzir o dano
atingir usuários que não poderiam ser contatados
resultante do uso de álcool ou outras drogas, tanto
para o indivíduo como para a sociedade. O ter- por outros meios. Tanto assim é que o desenvolvi-
mo é usado particularmente para programas que mento de programas de redução de danos:
visam a reduzir o dano sem necessariamente exi- • deve ter suas ações exercidas no próprio ambi-
gir abstinência” (grifo meu). ente freqüentado pelos usuários de drogas; e
O UNODC diz mais: “A extensão do desen- • deve atingir ambientes de profunda exclusão
corajamento do uso continuado da droga varia social, exatamente o local onde se encontram
grandemente de acordo com a filosofia do cen- os usuários fim de linha ou com comprometi-
tro que aplica redução de danos”; e ainda: “A re- mento grave.
dução de danos é neutra em relação à sabedoria Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguin-
e à moralidade do uso continuado de drogas, e do as características de uma prevenção terciária (evi-
não deveria ser vista como sinônimo de movimen- tar as piores conseqüências do uso de drogas), vári-
tos que procuram descriminalizar, legalizar ou as estratégias ou programas de redução de danos
promover o uso de drogas”. podem ser estabelecidos, como, por exemplo:
O INCB, já em 1993, em seu relatório 1. programa de troca ou doação de seringas;
anual, também reconhecia a importância da re- 2. escolha (sorteio) de motorista sóbrio;

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Redução de danos: uma visão internacional Carlini

3. servir bebidas em copos e recipientes que não de danos à base de terapêutica de substituição por
sejam de vidro, em casos de bares freqüenta- metadona. Por exemplo, o INCB diz sobre isto: “Em
dos por bebedores-problema violentos; quase todos os indivíduos dependentes de opióides,
4. adesivos de nicotina para fumantes; e, a metadona, quando corretamente prescrita, re-
5. instituir tratamentos de manutenção ou de subs- duz e freqüentemente elimina o uso de opióides
tituição. Seguramente, esta última é uma das mais não-prescritos (...) um efeito indireto do uso legal
difundidas formas de redução de danos. da metadona é a redução do crime associado”.

Deve ser ressaltado que, em todas essas estra- Deve-se também ressaltar que nos Estados
tégias, não se procura diminuir ou parar o uso de Unidos uma conferência de consenso, patrocina-
droga, mas fazer com que o usuário evite danos a da pelo National Institutes of Health (NIH), em
si e a outros. 1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que:
“Embora um estado livre de drogas seja o ob-
Tratamento de jetivo ideal de tratamento, as pesquisas mostram
substituição/manutenção que este estado não pode ser atingido pela maio-
De acordo com a OMS: “Para uma pessoa de- ria dos pacientes. Todavia, outros objetivos im-
pendente de uma substância psicoativa, a pres- portantes de um tratamento podem ser atingi-
crição de uma outra substância psicoativa, dos, tais como diminuição do uso de drogas,
farmacologicamente relacionada àquela produzin- diminuição da atividade criminosa e
do a dependência, para atingir objetivos defini- restabelecimento de emprego, como acontece
dos de tratamento, usualmente melhora a saúde com a maioria dos pacientes sob a metadona”.
e o bem-estar do paciente”. Mais recentemente, a própria substância
Para o INCB, um tratamento de substituição indutora de dependência tem sido dada aos pacien-
tem por finalidade: tes sob supervisão médica. Esses programas são cha-
1. reduzir o uso ilícito da droga (o paciente rece- mados tratamento de manutenção. É o caso da he-
be a droga e a utiliza sob orientação); roína sendo fornecida, sob contrato, para os
dependentes desta substância na Holanda, na Suí-
2. reduzir o risco de infecções pela via
ça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendo
endovenosa;
administrado sob supervisão aos dependentes des-
3. melhorar o estado físico e psicológico do usu- ta substância na Índia, no Irã, em Mianmá, na Laos e
ário; e na Tailândia; da morfina para os dependentes desta
4. reduzir a criminalidade. substância na Austrália, na Guatemala, no México e
Ainda, para o INCB: Suíça.
“O programa de tratamento de substituição
deve ser a última providência para os dependen- Da troca de seringas
tes pesados (hard core) que não tiveram sucesso às salas de inalação
em tratamentos anteriores. Tal programa deveria
ser encarado como última tentativa, mas, mesmo Distribuição/troca de seringas e agulhas
assim, como um programa provisório que deverá Uma das formas mais utilizadas de redução de
levar a um estilo de vida livre de drogas (...)”. danos é a distribuição ou troca de agulhas e serin-
Finalmente, o INCB assim define um tratamen- gas. Em relação a esse programa, já em 1987 o INCB,
to de substituição: “pode ser definido como a em seu relatório anual, assim se expressava: “É claro
prescrição de uma droga com ação similar à dro- que a adoção de medidas que possam diminuir o
ga de dependência, mas com menor grau de ris- compartilhamento de seringas entre os usuários de
co, com a finalidade específica de tratamento”. drogas por via endovenosa é um passo necessário
Entre as substâncias usadas para a terapêutica para limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tem-
de substituição destaca-se a metadona (embora po, essas medidas profiláticas, que são urgentemente
outras drogas estejam mais e mais conquistando o necessárias, não deveriam permitir ou mesmo facili-
receituário, como no caso da codeína e da tar o abuso de drogas”.
buprernorfina). Existem opiniões taxativas a res- Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de
peito das vantagens de um programa de redução 2003, o INCB novamente se posiciona favoravel-

338 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Carlini Redução de danos: uma visão internacional

mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Em locais medicamente supervisionados, onde dro-
relação à troca de seringas e agulhas, o INCB reafir- gas são prescritas para o uso dos dependentes (tra-
ma sua posição anterior, já apresentada em relatóri- tamento de substituição ou manutenção)”.
os anuais, de que, embora concorde que tais pro- O INCB novamente examina o problema, em
gramas possam ser necessários para limitar a
novembro de 2002, e emite duas decisões a respeito,
disseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser to-
confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão
mados para tais medidas não provocarem o abuso
76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opina
de drogas”.
que tais programas estão em desacordo com as Con-
venções e são uma violação das mesmas”; “Decisão
Salas de injeção 76/17 – em relação aos tratamentos de substituição e
Outra iniciativa de alguns governos europeus manutenção, o INCB opina que são legítimos em face
que vem despertando a atenção refere-se a salas das Convenções, desde que o objetivo último de tais
de injeção. São ambientes onde os usuários po- tratamentos seja a abstinência”.
dem injetar-se com as drogas que eles mesmos
adquiriram. Não existe aconselhamento ou equi-
Salas de inalação
pe de saúde nessas salas, apenas um local mais dis-
creto e, portanto, mais protegido, para a prática Em algumas cidades na Europa foi aberta uma
de administração endovenosa de drogas. Essas se- variante das salas de injeção, são as salas de inala-
riam as razões aventadas para a existência da sala ção, onde os usuários podem fumar ou inalar
de injeção: os dependentes não mais injetar-se-iam crack e heroína que são adquiridos ilicitamente.
nas ruas ou praças públicas, o que, certamente, Essas salas, que foram abertas em caráter experi-
confere certo grau de proteção. Mas alguns comen- mental, não têm o aval do INCB, que as condena
tam que, na realidade, a verdadeira razão para o como fez com as salas de injeção.
aparecimento dessas salas de injeção seria de or-
dem econômica. Algumas das cidades onde essa Controle de qualidade das drogas
prática (salas de injeção) está sendo incentivada
Na Holanda (e possivelmente em outros paí-
(por quem? só governo?) já haviam antes adotado
ses europeus), o governo colocou junto às salas
o programa das praças de drogas, locais públicos
de injeção/inalação equipamentos que permitem
onde usuários de drogas por via endovenosa se
aos usuários avaliar a pureza das drogas que com-
reuniam para auto-administrarem-se. A grande
pram ilicitamente no mercado negro. Em relação
concentração de dependentes nessas praças e a
a este tópico, o INCB tomou duas decisões. A pri-
visão deprimente de pessoas intoxicadas fez com
meira é condenando tal prática: “Decisão 76/20
que houvesse uma tremenda queda no comércio
– Em relação ao controle de qualidade de drogas,
e no valor dos imóveis locais. As salas de injeção
o INCB opina que tais programas estão em desa-
teriam então sido organizadas com o fito de dimi-
cordo com as Convenções”.
nuir a presença de dependentes endovenosos em
um único local (a praça), diluindo a população para A segunda decisão foi a inclusão, em seu relató-
diferentes pontos (as salas de injeção). rio anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004,
de um ou dois parágrafos sobre esse programa.
O INCB não concorda com a existência des-
sas salas de injeção, pois elas ferem as conven- Finalmente deve ser mencionado que o gover-
ções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anual no holandês descontinuou o programa de controle
de 1999: “O estabelecimento de salas de injeção, de qualidade, pois surgiram evidências de que o mes-
onde dependentes podem abusar de drogas obti- mo estava incentivando o uso indevido de drogas.
das ilicitamente, mesmo sendo estas salas direta
ou indiretamente supervisionadas pelo governo,
é contrário às Convenções Internacionais. A au- Endereço para correspondência
toridade que autoriza as salas de injeção, e assim E. A. Carlini
permitindo o uso (sem supervisão) de drogas, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid)
estará facilitando ou permitindo o cometimento
Departamento de Psicobiologia
de crime envolvendo a posse e o uso de drogas, Universidade Federal de São Paulo
(...) encorajando o tráfico. As salas de injeção de- Rua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências Biomédicas
CEP 04023-062 – São Paulo-SP
vem ser claramente distinguidas (grifo meu) dos

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Redução de danos: posições da
Associação Brasileira de Psiquiatria
e da Associação Brasileira para
Estudos do Álcool e Outras Drogas
Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Position
of the Brazilian Association of Psychiatry and the Brazilian
Association for Studies of Alcohol and Other Drugs
João Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2;
Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2

Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar princípios, conceitos, fundamentos e principais diretrizes da redução de danos.
Aborda as definições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas de
danos individuais e coletivos. Sublinha que a redução de danos é um conjunto de estratégias que visa minimizar os agravos à
saúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratégias de
abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e qual
a dimensão de danos que pretende minimizar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidade
de serem devidamente explicitadas as suas indicações e o seu público-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarão
a prática, levando em consideração riscos e benefícios individuais e coletivos.

Unitermos
redução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública

Summary
The purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It also presents
the definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individual and communitary
damage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and its
actions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It also stresses, however, the need
of its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individual and to the population.

Uniterms
harm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health

1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).


2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 341-348, 2003 341


Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

“As melhores estratégias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importância


da questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme.
Quando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade,
e nunca parecer radical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acredito que
também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde pública mais amplos.”
Griffith Edwards, entrevista para o Boletim da ABEAD, 2001

Introdução ciais causados pelo uso de drogas. A Organiza-


ção Mundial da Saúde propõe política neste cam-
Cada indivíduo traz consigo uma bagagem po. Exemplificando no caso do álcool, as políti-
diferente a respeito do uso de drogas e, conse- cas globais que visam a diminuir o consumo geral
qüentemente, diversa atitude sobre redução de do álcool são: aumento do preço das bebidas;
danos. Alguns apresentam posições e condutas proibição da propaganda do álcool; controle de
influenciadas por suas próprias experiências de tra- acesso e disponibilidade do álcool; leis mais atu-
tamento; outros tomam por base sua própria vi- antes sobre beber e dirigir. No Brasil não temos
são e formação, estando incluída a bagagem mo- uma política sobre o álcool que objetive diminuir
ral-religiosa sobre o uso de droga; outros, ainda, o consumo e o dano desta substância na nossa
trazem uma visão menos estereotipada ou me- população, e, portanto, uma das prioridades de
nos rígida do que é adequado em termos do uso uma política racional sobre drogas deveria ser criar
de drogas para determinado indivíduo; ou ainda as condições para que esta política fosse
uma visão pró-legalização das drogas4. implementada. Seria a mais importante medida
Qual a atitude e a característica das diversas para diminuir o custo social do álcool. Nos pou-
visões sobre o uso de drogas e sobre os proble- cos exemplos onde algumas dessas políticas fo-
mas a ele relacionados que caminham em sintonia ram implementadas temos resultados substanci-
com o movimento de redução de dano? E quais ais. Por exemplo, há um ano a cidade de Diadema,
são as áreas em desacordo entre si ou que neces- na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dos
sitam de maiores explorações e pesquisas? bares a partir das 23 horas. Desde então a morta-
lidade por causas violentas caiu em mais de 50%.
A redução de danos, portanto, pode ser en-
tendida atualmente por, pelo menos, duas ver- O primeiro conceito, baseado em princípios
tentes diferentes: (a) a primeira, mais fidedigna mais estritos, também pode ser entendido, segun-
aos conceitos primordiais de sua criação, para do alguns autores, como ações dentro do campo
reduzir danos de HIV e DST em usuários de dro- preventivo, que é a melhor forma de reduzir ou
gas injetáveis e (b) a segunda, cujo conceito mais evitar danos. Por este ângulo, podemos lembrar
abrangente inclui ações no campo da saúde pú- os seguintes dados:
blica preventiva e de políticas públicas que visam • as políticas de redução de danos para grupos
a prevenir os danos antes que eles ocorram. específicos, como crianças e adolescentes, de-
Para o segundo conceito, que parte do ponto veriam buscar ações sociais com vistas a esti-
de vista mais abrangente, alguns princípios base- mular padrões de abstinência. Deveríamos en-
ados em evidências devem ser destacados. tender um pouco mais as razões pelas quais a
maioria dos adolescentes não usa drogas. Exis-
A melhor forma de reduzir os danos de todas as
tem fatores de proteção nestes indivíduos que
drogas à sociedade é estimular padrões de abstinên-
os mantém longe do consumo. Políticas que
cia em todas as comunidades, famílias e indivíduos.
visem a ampliar estes fatores de proteção ao
Não existe uso de drogas isento de riscos. Da- uso de drogas e a diminuição dos fatores de
dos recentes mostraram que doses relativamente riscos do consumo deveriam ser estimuladas
baixas de álcool expõem adolescentes a maiores e implementadas;
riscos de acidentes e a outros problemas. • o tratamento baseado na abstinência para a de-
As políticas de redução de danos, neste senti- pendência química funciona e pode ser enten-
do mais amplo, deveriam diminuir os danos so- dido, por este conceito mais ampliado, como a

342 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Dias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

melhor política de redução de danos. Inúmeras Assim, estabeleceu-se na literatura, ao longo


evidências têm mostrado que as diferentes for- dos anos, duas ou mais correntes de idealizadores
mas de tratamento funcionam. Infelizmente não da redução de danos. Procuraremos aqui retomar
funcionam tanto como gostaríamos, mas, quan- alguns conceitos iniciais, salientando a necessi-
do existe um sistema diversificado de tratamento dade de esclarecimento dos princípios da redu-
numa comunidade na qual os profissionais são ção de danos, de sua definição e de suas práticas,
bem treinados, as taxas de sucesso aumentam as quais muitas vezes se contradizem.
muito. No Brasil não temos essa rede de trata- Voltando, então, ao princípio, é importante
mento, que deveria ser prioridade absoluta para que se esclareça que o fundamento da redução
uma política de redução de danos neste grupo. de danos não estabelece, necessariamente, uma
Não podemos deixar de notar que um bom posição contra nem tampouco a favor do uso
número de pacientes não apresenta uma boa de drogas4. A redução de danos está focalizada
evolução, mesmo com a oferta ideal de trata- no aumento ou na diminuição dos agravos con-
mento. Estes pacientes deveriam receber um tra- seqüentes ao uso de substâncias psicoativas. A
tamento especial. Todo sistema de tratamento posição predeterminada do uso de drogas como
deveria basear-se numa política de inclusão da- intrinsecamente bom ou ruim não tem signifi-
queles pacientes que não estivessem tendo uma cado neste contexto. Assim, a discussão sobre
boa evolução, quer porque tenham uma co- esta questão pressupõe a isenção de posições
morbidade psiquiátrica associada, quer por fal- ideológicas.
ta de apoio social, ou por dano cerebral decor-
rente da própria dependência química. Estes Esta posição tem base nos primórdios da re-
pacientes deveriam ser incluídos no sistema de dução de danos na Europa; entretanto algumas
tratamento com programas especiais para eles. reflexões foram sendo acrescentadas ao longo dos
Nesta situação específica poderíamos falar em últimos anos, colocando em xeque tal princípio.
redução de danos no sentido estrito da palavra Um profissional da saúde comprometido com a
e oferecermos a possibilidade de o paciente ado- ética e com a medicina, baseado em evidências,
tar objetivos diferentes da própria abstinência. poderia argumentar que as substâncias psicoativas
A recusa do paciente a se tornar abstinente nun- podem levar a uma doença de princípios
ca deveria ser motivo para a exclusão do trata- biopsicossociais – a dependência – que pode ter
mento; conseqüências danosas para indivíduo. Portanto,
ao não se assumir uma posição sobre a droga,
• portanto, a redução de danos, no sentido es-
poder-se-ia estar incorrendo em má prática da
trito da palavra, deveria ser uma das formas
medicina. Ressalte-se aqui que a posição do pro-
de tratamento oferecida aos pacientes. Existem
fissional de saúde pode ser contrária às substân-
evidências de que estas políticas podem salvar
cias, mas não aos indivíduos que as utilizam.
muitas vidas. Por exemplo, na década de 1980
o oferecimento de agulhas e seringas na Ingla- Uma confusão conceitual, então, foi se esta-
terra poupou muitas vidas ao permitir que as belecendo ao longo dos anos em torno da redu-
pessoas não utilizassem material contaminado ção de danos: alguns se mantendo nos princípios
pelo HIV. Mas foi somente com a demonstra- de sua criação, mais praticados na Europa, e ou-
ção científica que essa política salvou vidas. Só tros, incluindo práticas já existentes no campo da
então essas políticas foram incorporadas, na prevenção e do tratamento, no conceito e na prá-
prática, no governo conservador da primeira- tica da redução de danos.
ministra Margareth Tatcher, na Inglaterra; Portanto, numa primeira instância, faz-se ne-
• em uma política de drogas deveríamos evitar cessário o estabelecimento de uma definição mais
ideologias e seguir os avanços conceituais. As precisa, clara e uniforme sobre o termo redução
evidências científicas ainda são os melhores cri- de danos. Desta forma, as discussões a respeito
térios para adotarmos na prática de saúde. Cor- das visões e ações acerca do assunto poderão es-
remos o risco de o termo redução de danos tar devidamente fundamentadas. Deve-se levar
acabar virando mais uma ideologia que venha em consideração o contexto social, a atitude, a
a produzir, ela mesma, um grande dano a uma cultura, os comportamentos, os hábitos, a epide-
política de drogas que ainda não se desenvol- miologia e os padrões do uso de drogas. Estes
veu no Brasil. últimos, especificamente, sofrem influência dire-

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Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

ta da disponibilidade e das tradições com relação onados ao próprio efeito da droga no organis-
à formulação e fiscalização de políticas públicas mo. Outros danos, porém, estão associados com
relacionadas ao uso. a forma de utilização (por exemplo, os utensílios
De acordo com Griffith3, o uso de drogas utilizados). Fazem parte deste grupo as infecções
pode ser entendido em duas dimensões distin- por hepatite B, HIV e hepatite C por
tas. De um lado está o uso da droga que varia compartilhamento de equipamentos de injeção.
ao longo de um continuum , e de outro, suas Outro exemplo se relaciona às drogas de aspira-
conseqüências. A redução de danos tem primor- ção, como aerossóis, resultando em laringoes-
dialmente o seu foco no eixo dos problemas as- pasmo. Existem, ainda, os danos associados com
sociados ao uso de drogas. Entretanto é neces- o contexto no qual a droga é usada, como, por
sário sempre considerar a relação direta existente exemplo, acidentes automobilísticos associados
entre a gravidade das conseqüências e o padrão ao comportamento de beber e dirigir.
do uso de droga. Portanto, mesmo que os con- No estabelecimento de políticas públicas de
ceitos se entrecruzem com prevenção e trata- redução de danos é preciso ter em foco qual
mento, não deveríamos expandi-los? o tipo da relação existente entre as drogas e
os danos associados ao uso, e quais danos se pre-
tendem minimizar.
Definição de risco e dano
A política de redução de danos, estabelecida
Risco pode ser definido como a possibilidade em 1996 pelo governo do estado de São Paulo,
ou probabilidade da ocorrência de um evento. O por exemplo1, visava a minimizar o contágio por
dano prevê a ocorrência do evento em si4. Assim, HIV, hepatites B e C associado ao uso de drogas
esses termos não deveriam ser usados como si- injetáveis por compartilhamento de seringas ou
nônimos porque, inclusive, estão relacionados a agulhas, bem como as doenças sexualmente trans-
campos diferentes de atuação dentro do contex- missíveis pelo comportamento sexual de risco,
to de uso de droga. A redução do risco está no comum entre os usuários de drogas injetáveis. Es-
campo da prevenção e visa a evitar ou diminuir sas ações podem ser entendidas como preventi-
as chances de que um evento perigoso à saúde vas se tivermos como foco o indivíduo: são ações
ocorra. A redução de danos prevê ações que di- que objetivam diminuir o risco de os indivíduos
minuam os danos inerentes a um evento perigo- contraírem HIV ou outras doenças transmissíveis
so que já vem sendo praticado por indivíduos ou por contato sangüíneo e sexual. Entretanto o foco
grupos de indivíduos. da redução de danos está na população, ou seja,
do ponto de vista epidemiológico, a redução de
danos visa a minimizar danos à sociedade que so-
Relação entre uso fre uma epidemia de HIV e outras doenças.
de drogas e danos
A troca de seringas e agulhas foi uma estraté-
Comportamentos de risco não resultam ne- gia que claramente tinha em vista minimizar o
cessariamente em danos. Existem, por exemplo, dano relacionado à contaminação por HIV, sífilis
indivíduos que fumam por muitos anos e se man- e hepatite numa população bem definida e que
têm saudáveis, ou ainda indivíduos que não obteve resultados positivos, demonstrados em di-
usam capacete ao pilotar suas motocicletas e não versos trabalhos científicos.
sofrem acidentes. Contudo esses fatos não alte-
ram a relação clara desses comportamentos de
risco com a possibilidade de danos. Além disso, Definição: redução de danos
alguns comportamentos de risco, sabidamente Uma confusão freqüente se dá entre os termos
relacionados com danos, podem ser praticados minimização de danos e redução de danos. Redu-
por muitos anos antes que ocorra o dano pro- ção de danos pode ser considerada algo essencial-
priamente dito. mente operacional (por exemplo, política de re-
Que tipos de dano podem ser associados ao dução de danos, programa de redução de danos);
uso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticos a minimização de danos pode ser considerada uma
e cerebrais, por exemplo, estão associados ao uso meta global, um end point a ser alcançado através
e álcool ou barbitúricos. Estes danos estão relaci- das estratégias de redução de danos4.

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Dias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

Outro aspecto importante diz respeito ao ter- Princípios básicos de


mo dano. As políticas de redução de danos pre- redução de danos
tendem minimizar quais tipos de danos, relativos
a que áreas da vida do indivíduo e em quais seg- A redução de danos é fundamentada nos se-
mentos da população? Outra indagação que me- guintes princípios:
rece destaque é se a própria dependência deve 1. a redução de danos é uma alternativa de saú-
ser considerada um dano. de pública para os modelos moral, criminal e
de doença do uso e da dependência de droga.
Dano pode ser definido como o resultado pre-
O modelo moral defende a proibição do uso
judicial à saúde, de gravidade alta e que decorre
ou da distribuição de certas drogas, atos con-
do uso de uma substância psicoativa, afetando
siderados crimes sujeitos a punição. Como ex-
um grande número de pessoas. Neste sentido, a
tensão do modelo moral (pressuposto: o uso
redução de danos estabelece políticas e ações para
de drogas ilícitas é moralmente incorreto), o
minimizar estes danos que tenham representação
sistema de justiça criminal tem colaborado com
epidemiológica.
os formuladores de políticas nacionais de guer-
Negrete6, em editorial publicado na revista ra às drogas, cujo objetivo aparente é promo-
Addiction, afirma: “Como pode alguém sugerir ver o desenvolvimento de uma sociedade livre
que a escravidão proporcionada pela droga não de drogas. Já o modelo doença enfatiza os pro-
é um dos maiores danos no qual incorre o de- gramas de tratamento e de prevenção que pro-
pendente?”. curam remediar o desejo ou a demanda por
A vida de uma pessoa que depende de droga drogas por parte do indivíduo (redução da
está direcionada pela urgência em obter nova- deman- da), tendo como objetivo primordial
mente a experiência dos efeitos da droga, ou pela a abstinência. A redução de danos desvia-se
necessidade de se livrar dos desconfortos causa- de tais princípios, evitando julgamentos mo-
dos pela ausência da substância, decorrentes de rais de certo ou errado e oferecendo uma vari-
alterações fisiológicas cerebrais. Ademais, a gra- edade de políticas e de procedimentos que vi-
vidade da dependência é um dos preditores de sam à redução das conseqüências prejudiciais
baixa adesão tanto para a troca de seringa como do comportamento dependente. A redução de
para a prática de sexo seguro entre os usuários danos aceita o fato concreto de que muitas
de heroína, por exemplo2. pessoas usam drogas e a maioria delas apre-
senta outros comportamentos, também de alto
Neste sentido, a própria dependência quími- risco. Assim, a redução de danos trabalha com
ca poderia ser entendida como um dano, além programas de baixa exigência, sem perder de
do fato, já apontado, da íntima relação da de- vista a possibilidade ideal da abstinência5;
pendência com outros danos. Aqui está uma con-
2. a redução de danos reconhece a abstinência
fusão que precisa ser esclarecida, porque, na de-
como resultado ideal, mas aceita alternativas que
finição de dano, pode ser incluída a dependência,
minimizem os danos para aqueles que permane-
e isto fugiria do conceito histórico inicial da re-
cem usando drogas. O princípio de tolerância
dução de danos. Mas, por outro lado, como não
zero estabelece uma dicotomia absoluta entre
considerar a dependência química um dano? Faz-
nenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o uso
se necessária uma definição mais clara de quais
experimental, os usos moderados, pesados e as
os tipos de danos fazem parte do enfoque da
diferentes dimensões de danos associados aos dis-
redução de danos.
tintos padrões de uso. A redução de danos não é
Sendo a redução de danos também uma contra a abstinência. Contudo acredita que os
estratégia de saúde pública, não se deve efeitos prejudiciais do uso de drogas e outros ris-
negligenciar o dano da dependência química. cos associados, como a atividade sexual
Educação, informação adequada, inclusão so- desprotegida, podem ser colocados em um
cial, acesso aos serviços de saúde são algumas continuum. Quando há comportamento muito
das ações que poderiam ser incluídas na redu- perigoso, a redução de danos propõe reduzir o
ção de danos, e a estas deve ser acrescentado nível da exposição ao risco. A abordagem de re-
o acesso fácil e irrestrito ao tratamento da de- dução gradual estimula os indivíduos que tenham
pendência química. comportamento excessivo ou de alto risco a dar

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Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

um passo de cada vez para reduzir as conseqü- 5. a redução de danos baseia-se no pressuposto
ências prejudiciais de seu comportamento5. Es- do pragmatismo empático versus idealismo
tratégias de redução de danos também têm apli- moralista. Um adesivo para carros, popular
cação no uso de drogas legais, incluídos o tabaco em meados da década de 1990, proclama
e o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapa- “Merda acontece”6. Sendo uma abordagem
zes de abandonar o uso de maneira abrupta e prática, a redução de danos aceita esse fato
definitiva. Existem, como alternativas disponíveis, desagradável da vida como premissa básica.
os adesivos de nicotina, as gomas e outras for- O comportamento prejudicial acontece, sem-
mas de administração de nicotina menos noci- pre foi assim e sempre será. Uma vez aceita
vas do que o fumo. Embora as terapias de substi- esta premissa, a meta torna-se a do
tuição de nicotina tenham sido criadas como um pragmatismo empático: o que pode ser feito
auxílio para deixar de fumar, algumas pessoas para reduzir o dano e o sofrimento tanto para
usam estes produtos para manter o uso de nico- o indivíduo quanto para a sociedade? O
tina num nível mais seguro6; pragmatismo não pergunta se o comporta-
3. a redução de danos surgiu principalmente mento em questão é certo ou errado, bom
como uma abordagem de baixo para cima, ba- ou ruim, doentio ou saudável. O pragmatismo
seada na defesa do dependente, em vez de uma preocupa-se com o manejo das questões co-
política de cima para baixo, promovida por tidianas e das práticas reais, e sua validade é
formuladores de políticas de drogas5; avaliada por resultados práticos5.
4. a redução de danos promove acesso a serviços
de baixa exigência como uma alternativa para Perspectiva pessoal x
abordagens tradicionais de alta exigência. Os saúde pública
programas comunitários de rua oferecem um
Grande parte dos problemas de infecção por
exemplo de abordagem de baixa exigência na
HIV e hepatite C entre usuários de drogas
redução de danos. Em vez de estabelecer a abs-
injetáveis tem simultaneamente satisfeito as con-
tinência como um pré-requisito de alta exigên-
siderações tanto da saúde individual como da saú-
cia, para receber o tratamento para dependên-
de pública. A redução de danos deve considerar
cia ou outro tipo de assistência, os defensores
tanto o nível individual quanto o público da
da redução de danos estão dispostos a reduzir
minimização do dano. O balanço dos benefícios
estes obstáculos. Deste modo, os necessitados
dos danos para a população como um todo e o
têm mais possibilidade de aderir, iniciar, envol-
conhecimento dos danos totais individuais forne-
ver-se com a mudança do comportamento. Os
cerão o resultado dos benefícios públicos4. Entre-
programas de baixa exigência fazem isto de di-
tanto, como política pública, na prática a redu-
versas formas5. Em primeiro lugar, os defenso-
ção de danos tem um olhar epidemiológico. Esta
res de abordagem de baixa exigência estão dis-
confusão entre danos individuais e danos para a
postos a encontrar o indivíduo em seus próprios
sociedade precisa ser mais bem esclarecida, por-
termos – encontrá-lo onde estiver, em vez de
que nem sempre é possível contemplar as duas
onde você deveria estar. Informações de mem-
perspectivas em questão. Falta uma resposta, ba-
bros da população-alvo são bem-vindas e, por-
seada em evidências, sobre qual é a perspectiva
tanto, estimuladas, na tentativa de estabelecer
da redução de danos.
uma parceria ou uma aliança entre os que for-
necem os serviços e os que recebem (mesmo Tipos e dimensão dos danos
quando ambos os grupos consistem em usuári- e população-alvo
os de drogas ativas). Novos programas são de-
senvolvidos com a colaboração de pessoas di- Os danos em um nível mais simples podem
retamente envolvidas e afetadas. Por meio do ocorrer como um único evento. Já em outras cir-
diálogo, da discussão e das iniciativas de plane- cunstâncias os danos são cumulativos4. A gravi-
jamento mútuo (por exemplo, uso de grupos dade do dano relacionado ao uso da droga, bem
focais para reunir informações iniciais e fixação como os tipos de dano, deve ser cuidadosamente
de metas), programas comunitários e serviços avaliada no estabelecimento de programas ou
associados continuaram a emergir nos segmen- políticas de redução de danos. Na Europa os pro-
tos comunitários5; gramas de redução de danos tinham o seu foco

346 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Dias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

no usuário de droga que apresentava dependên- gência focados unicamente na abstinência;


cia grave, que recusava o tratamento e que au- (2) proporcionar uma visão realista que re-
mentava as estatísticas dos diversos problemas as- conhece que o uso de drogas ocorre, que
sociados ao uso de droga. nem todos os usuários estão em estágios de
Entretanto, gradualmente as ações de redu- prontidão para mudança e que estas pesso-
ção de danos foram se expandindo para públi- as têm direito ao acesso aos serviços de saú-
cos cuja gravidade da dependência era menor. de; (3) a redução de danos não é contra a
Existem evidências de que, quanto menor a gra- abstinência e não deve ser confundida com
vidade do uso de droga, mais eficaz é o trata- atitudes ou posições ideológicas contra nem
mento. A questão não respondida claramente é a favor do uso de drogas;
para qual público as políticas de redução de da- 6. as ações de redução de danos devem ter claros
nos devem estar voltadas? Seria para os usuári- quais os tipos e a dimensão de danos que se
os que não querem tratamento. Mas seria ética pretendem minimizar e estar embasadas em evi-
a prática de ações de redução de danos sem to- dências científicas. As práticas de redução de
car no uso da droga? Como definir claramente danos mostraram-se eficazes através de pesqui-
quem são os usuários que definitivamente não sas bem conduzidas em minimizar os danos
irão ao tratamento? Se a redução de danos está causados pelo HIV e outras doenças infecciosas,
voltada aos problemas do uso e evita sugestões, mas para estabelecer novas ações é necessário
opções e reflexões sobre o uso da droga, como um maior número de pesquisas. Desta forma se
saber se o indivíduo é elegível para um progra- questiona se a medicina deve colocar em práti-
ma de redução de danos? ca as intervenções ainda não-testadas e compa-
radas com outras intervenções já existentes;
7. a redução de danos reconhece que não é pos-
Conclusões e recomendações
sível impor mudanças ao comportamento de
1. A redução de danos pode ser entendida por terceiros, mas é possível dar acesso à infor-
uma ótica mais abrangente, envolvendo ações mação a todos os cidadãos, com respeito, sem
de políticas públicas e tratamento ou a partir discriminação, e com isso minimizar os da-
de uma ótica mais restrita, como a troca de nos à saúde associados ao uso de drogas. En-
seringas, mas também ações que minimizem tretanto a recusa do tratamento não deveria
danos antes que estes ocorram, estabelecendo ser motivo imediato para a exclusão do trata-
programas, por exemplo, sobre beber e diri- mento. Todos deveriam ter acesso às infor-
gir; mações referentes a ele;
2. a redução de danos é um conjunto de estraté- 8. a redução de danos deve ser considerada uma
gias que visa a minimizar os agravos à saúde das possíveis estratégias de abordagem ao tra-
associados ao uso de drogas, quer sejam líci- tamento e prevenção do uso de drogas. Desta
tas ou ilícitas; forma, hão que se tornar explícitas suas indi-
3. a redução de danos está focada no eixo dos cações e seu público-alvo. Entretanto algumas
problemas associados ao uso de drogas, mas questões permanecem pouco claras: (1) o foco
não deve desconsiderar a existência da clara das estratégias de redução de danos está em
relação entre estes problemas e o uso, ao lon- nível pessoal ou social? Ou como se dá essa
go de um continuum, e que a própria depen- ponderação entre o que é bom para o indiví-
dência pode ser entendida como um dano; duo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelas
4. é necessária uma definição objetiva do que seja evidências que a dependência é um dano à saú-
dano, qual tipo de dano se pretende minimi- de, estaria o profissional eticamente autoriza-
zar com as estratégias de redução de danos e do a não informar ao paciente sobre os riscos
quais as evidências científicas que embasarão de uso da droga e não deixar claro que a meta
a prática, levando em consideração riscos e be- ideal é a abstinência? (3) Para qual público de
nefícios para o indivíduo e para a sociedade; usuários as políticas de redução de danos se
5. os princípios da redução de danos são: (1) voltam, e como identificá-los?;
estabelecer uma abordagem de baixa exigên- 9. finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem, forte-
cia em alternativa aos serviços de alta exi- mente, a realização de um consenso nacional,

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 347


Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

com a participação de todas as entidades re- estabelecidas metas, prioridades, bem como o
presentativas, para a discussão ampla e cientí- esclarecimento de conceitos dúbios e proto-
fica do tema com a finalidade de serem colos de atuação.

Referências

1. Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado de São Paulo 5. Marllat GA et al. Redução de danos: estratégias práticas para
(Conen/SP). Guia de ação. Imprensa Oficial do Estado S.A. lidar com o comportamento de alto risco. Porto Alegre:
IMESP; 1996. Artes Médicas; 1999.
2. Gossop M, Griffiths P, Powis B, Strang J. Severity of dependence 6. Negrete JC. Harm reduction: quo vadis? Addiction 2001;
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Médicas; 2001.
4. Heather N, Wodak A, Nadelmann E, O Hare P. Psychoactive
drugs & harm reduction: from faith to science. British
Library; 1992, p. 3-34. Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência


João Carlos Dias
Avenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204
CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJ
Tel./fax: (21) 2548-3616
e-mail: jcdias@casasaude.com.br

348 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Política do Ministério da Saúde para
atenção integral a usuários de álcool e
outras drogas
Politics of the Ministry of Health for integral attention to users
of alcohol and other drugs
Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;
Sueli Moreira

Resumo
Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas públicas de atenção à
saúde. Historicamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predominantemente psiquiátrica ou
médica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um problema que é do âmbito da saúde
pública, que pressupõe necessária interface com outros programas do Ministério da Saúde, de outros ministérios (Justiça, Educa-
ção, Secretaria de Direitos Humanos), organizações governamentais e não-governamentais e demais representantes da socieda-
de civil organizada, garantindo, assim, a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educação
para o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predomínio da heterogeneidade, já que
afeta diferentes pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. As ações de
saúde devem atender às diferentes especificidades (isto é: eqüidade, universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde
[SUS]) apresentadas pelo consumidor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter em
conta que as distintas estratégias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação do
consumo) são complementares e fundamentais para a sua construção.

Unitermos
saúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas

Summary
The challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, the
subjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence of
alcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of the
Ministry of Health, other Ministries (Justice, Education, General Office of Human Rights), government and non-government organizations and
other representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention,
treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of the
heterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health

Assessores do Ministério da Saúde.

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 349-354, 2003 349


Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so that
these politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of the
consumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary:
they are fundamental elements in the construction of these politcs.

Uniterms
public health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Introdução A política de promoção, prevenção, tratamen-


to e educação voltada para o uso de álcool e ou-
A realidade contemporânea tem colocado no- tras drogas deverá necessariamente ser construída
vos desafios no modo como certos temas têm sido nas interfaces intra/intersetoriais. Visto que o uso
habitualmente abordados, especialmente no cam- de álcool e outras drogas é um grave problema
po da saúde. A construção de diretrizes para a saú- de saúde pública, o Ministério da Saúde, pautado
de deve ser coletiva. Os modelos assistenciais de- no compromisso ético de defesa da vida, apre-
vem ser revistos, objetivando contemplar as reais senta as diretrizes para a construção de uma polí-
necessidades da população, o que implica desen- tica de atenção integral, assumindo completamen-
volver ações que possam atender igualmente ao di- te o desafio de prevenir, tratar e reabilitar os
reito de cada cidadão. Este é um preceito da Consti- usuários de álcool e outras drogas e enfocando a
tuição brasileira: a saúde deve ter abrangência implementação e a implantação de ações com es-
universal, não existindo critérios que permitam a tratégias mais amplas, que possam contemplar
exclusão de qualquer segmento social de possíveis grandes parcelas da população e que não
benefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indi- priorizem a abstinência como única meta viável.
víduos a intervenções preventivas ou assistenciais de
qualidade inferior ou de menor abrangência do que
aquelas oferecidas aos seus concidadãos. Contexto nacional: impacto do uso
O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela de álcool e outras drogas
Constituição em 1988 e regulamentado pelas Leis
Pesquisas e estudos realizados observaram os
8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal da
seguintes pontos:
reforma psiquiátrica) e o relatório da Conferência
Nacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêm 1. a Organização Mundial de Saúde apontou que
reforçando e fomentando o que é hoje tomado 10% das populações que vivem em centros ur-
como imperativo: a elaboração de estratégias e pro- banos de todo o mundo consomem abusiva-
postas para efetivar e consolidar o modelo de aten- mente substâncias psicoativas, sendo que o ál-
ção aos usuários de álcool e outras drogas, de modo cool e o tabaco possuem maior prevalência
a garantir seu atendimento pelo SUS. global, trazendo conseqüências graves para a
saúde pública mundial23;
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde, cerca de 10% das populações dos centros 2. estudo conduzido pela Universidade de
urbanos de todo o mundo consomem substânci- Harvard apontou o álcool como responsável
as psicoativas de forma abusiva, independente- por 1,5% de todas as mortes no mundo e por
mente de sexo, idade, nível de instrução e poder 2,5% do total de anos vividos ajustados para
aquisitivo. Isso nos mostra que estamos diante de incapacidade21;
um problema de grandes proporções. Frente à au- 3. há uma tendência mundial que aponta para
sência de políticas claras e concretas de atenção o uso cada vez mais precoce de substâncias
voltadas para esse segmento, surgiram, no Brasil, psicoativas, sendo que tal uso ocorre de for-
alternativas de atenção pautadas pelo resultado ma cada vez mais pesada. Estudo realizado
de abstinência. pelo Centro Brasileiro de Informações sobre

350 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Silveira et al. Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

Drogas Psicotrópicas (Cebrid) acerca do uso 9. no período de 1988 a 2001, segundo o


indevido de drogas por estudantes em dez ca- Datasus, os gastos decorrentes do uso de álco-
pitais brasileiras foi utilizado como base com- ol representavam 87,9% contra 13% dos
parativa para outros estudos e demonstrou oriundos do consumo de outras substâncias
que houve aumento do uso freqüente do ál- psicoativas;
cool em seis das dez capitais brasileiras que 10. no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tra-
participaram do estudo, e do uso pesado (20 tadas na rede pública de atenção primária be-
vezes ou mais) em oito; bem em um nível considerado de alto risco,
4. vinte e cinco por cento dos casos notificados sendo que o sistema de saúde leva em média
de Aids no Brasil estão direta ou indiretamen- cinco anos para diagnosticar tal situação.
te relacionados à categoria de exposição ao uso
de drogas injetáveis (Boletim Epidemiológico Eficácia das ações de redução
CN DST/Aids/2001); de danos e sua ampliação para a
5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis clínica das dependências
(UDIs) contatados por projetos de redução de
As ações de redução de danos tiveram início
danos aponta que 38,6% compartilharam agu-
no Brasil em 1989, em um único município,
lha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto
Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira ini-
35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outra
ciativa teve grande resistência das autoridades ju-
pessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nesta
diciais. Somente em 1994, com o primeiro acor-
população é de 36,5%8;
do de empréstimo do governo brasileiro com o
6. pesquisa encomendada pelo governo federal Banco Mundial, e em parceria com o Programa
mostra, em seus resultados preliminares, que das Nações Unidas para o Controle Internacional
53% do total de pacientes atendidos por aci- de Drogas, a redução de danos constituiu-se como
dentes de trânsito no Ambulatório de Emer- uma política de governo, mas ainda de modo par-
gência do Hospital das Clínicas em São Paulo cial. O governo federal assumiu a redução de da-
estava com índices de alcoolemia em seus exa- nos como importante ação de saúde pública. Es-
mes de sangue superiores aos permitidos pelo sas ações foram acompanhadas pelo Ministério
Código de Trânsito Brasileiro. Das análises em das Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids.
vítimas fatais (IML/SP), o nível de alcoolemia O primeiro programa vinculado foi o do Centro
encontrado chega a 96,8%7; de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad),
7. série histórica do Sistema de Mortalidade do Mi- na Bahia, vinculado à Universidade Federal da
nistério da Saúde nos últimos oito anos sobre a Bahia (UFBA).
relação entre o uso de álcool e outras drogas e
O Ministério da Saúde, em parceria com o Mi-
eventos acidentais ou situações de violência evi-
nistério da Justiça, iniciou a construção de pare-
dencia o aumento na gravidade das lesões e a
ceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368,
diminuição dos anos potenciais de vida da po-
antidrogas, não impedisse as ações e o desenvol-
pulação. Os acidentes e as situações violentas
vimento de trabalhos de intervenção baseados em
ocupam o segundo lugar em causa de mortali-
capacitação pelos pares e trabalho de redutores
dade geral, sendo o primeiro lugar na causa de
de danos.
óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos;
8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001 Constatou-se desde então que o impacto das
notificam 84.467 internações para tratamen- ações de redução de danos está diretamente rela-
to de problemas relacionados ao uso de álco- cionado ao fato da inclusão dos usuários de dro-
ol, número quatro vezes superior ao de gas na agenda pública.
internações ocorridas por uso de outras dro- Estudos realizados pela Universidade Federal
gas. Neste mesmo período foram emitidas de Minas Gerais (1999/2001) demonstravam que
121.901 autorizações para internação hospi- as ações de redução de danos dirigidas a UDIs
talar (AIHs) para internações relacionadas ao promoviam mudança de comportamento desde
alcoolismo; a média de internação foi de 27,3 o aumento consistente no uso de preservativo,
dias, e o custo anual para o SUS foi superior a de 42% para 65%, até a diminuição no
60 milhões de reais; compartilhamento de material de injeção, de 70%

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 351


Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

para 41%. A procura para diagnóstico de HIV e tados e no Distrito Federal, a diversidade das ca-
hepatites, o tratamento de dependência química racterísticas populacionais e a variação da inci-
e o tratamento da Aids também foram relatados dência de transtornos causados pelo uso abusivo
a partir da implantação dos programas de troca e/ou dependência de álcool e outras drogas, o
de seringas, diminuindo a vulnerabilidade à in- Ministério da Saúde propôs a criação de 250
fecção pelo HIV, bem como a soroprevalência da Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcool e
hepatite C nos usuários de drogas injetáveis. drogas), dispositivo assistencial de comprovada
Atualmente contamos com 160 projetos finan- resolubilidade que pode abrigar em seus proje-
ciados pela Coordenação Nacional de DST/Aids no tos terapêuticos práticas e cuidados que contem-
Brasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivale plem a flexibilidade e a abrangência possíveis às
a 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem necessidades a esta atenção específica, dentro
19 associações de usuários, ex-usuários e profissio- de uma perspectiva estratégica de redução de
nais da redução de danos, sendo que duas são naci- danos sociais e à saúde.
onais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamen- Os Caps ad devem oferecer atendimento diá-
tal na conquista de cidadania pelos usuários de rio, sendo capazes de prestar atendimento nas di-
drogas, exigindo dos profissionais de saúde novas versas modalidades (intensiva/semi-intensiva/não-
posturas para o atendimento do usuário. intensiva), permitindo o manejo terapêutico
Outras estratégias e ações devem ser inicia- dentro de uma perspectiva individualizada e de
das e/ou implementadas, como a atenção para o evolução contínua.
compartilhamento de seringas e agulhas para uso Como principais objetivos de ação, os com-
de anabolizantes em academias de ginástica e para promissos que se colocam hoje para a saúde é:
aplicação de silicone e de hormônios. Bem como • alocar a questão do uso de álcool e outras dro-
ações que estão sendo realizadas de forma pon- gas como um problema de saúde pública;
tual. Há necessidade, pois, de expandir as estraté-
• indicar o paradigma da redução de danos nas
gias de redução de danos para outras drogas e
ações de prevenção e de tratamento como
vias de administração, como o crack e o álcool.
método clinicopolítico de ação territorial na
A ampliação e a garantia da participação ativa perspectiva da clínica ampliada;
dos usuários de drogas na construção de políticas • formular políticas que possam rever e discutir
públicas de saúde, bem como o apoio governamen- o senso comum sobre o uso de drogas e o usu-
tal para a diminuição das vulnerabilidades deste seg- ário destas dentro de uma ótica científica e de
mento. Para tanto são necessários investimentos na- saúde;
cionais e internacionais na discussão das leis em vigor,
• mobilizar a sociedade civil para participar das
a partir dos custos sociais e econômicos que as polí-
práticas preventivas, terapêuticas e reabilita-
ticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobre
doras, bem como estabelecer parcerias locais
a saúde.
para o fortalecimento de políticas municipais
e estaduais.
Diretrizes para uma política Diagnosticamos como necessário para esta in-
de atenção integral aos usuá- tegração das ações propostas:
rios de álcool e outras drogas 1. construção de oportunidades de inserção das
A política de atenção dirigida à população ações nos mecanismos implementados pelo
de usuários de álcool e outras drogas está em Sistema Único de Saúde (SUS) nas esferas de
consonância com os princípios da política de governo municipal e estadual;
saúde mental vigente. Sendo assim, a Lei Fede- 2. formulação de alternativas para a sustenta-
ral 10.21619 também vem a ser instrumento le- bilidade e o financiamento das ações;
gal/normativo máximo para a política de aten- 3. repasse das experiências relativas às experiên-
ção aos usuários de álcool e outras drogas, a qual cias de descentralização e da desconcentração
está em sintonia com os pressupostos da Orga- de atividades e de responsabilidades obtidas
nização Mundial da Saúde. por estados e municípios;
Mediante a multiplicidade de níveis de orga- 4. processos de formação e capacitação de pro-
nização das redes assistenciais localizadas nos es- fissionais e de trabalhadores de saúde, com am-

352 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Silveira et al. Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

plo investimento político e operacional para de acolhimento em lugares de enfretamento coleti-


mudança de conceitos. vo das situações ligadas ao problema.
O compromisso do Ministério da Saúde é de cri- Proporcionar tratamento na atenção primária, ga-
ar, manter equipamentos, qualificar seus profissio- rantir acesso a medicamentos e atenção na comuni-
nais, formular políticas de saúde, articulando com dade, fornecer educação em saúde para a popula-
áreas afins, e executar e avaliar tais políticas, assu- ção, envolver comunidade/usuário/família, formar
mindo o que lhe cabe no enfrentamento do que faz recursos humanos, criar vínculo com outros setores,
adoecer e morrer. Estes são os compromissos do SUS: monitorar as ações de saúde mental com a comuni-
fortalecer seu caráter de rede, incitando outras re- dade, dar apoio à pesquisa e estabelecer programas
des à conexão; garantir o acesso aos serviços e a específicos são práticas que devem ser obrigatoria-
participação do consumidor em seu tratamento, mente contempladas pela Política de Atenção a Usu-
através do estabelecimento de vínculos, da constru- ários de Álcool e outras Drogas em uma perspectiva
ção da co-responsabilidade e de uma perspectiva ampliada de saúde pública, como a que implanta-
ampliada da clínica; e transformar os serviços locais mos no Brasil.

Referências

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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 353


Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

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inclusão social. A lei e a prática de redução de danos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência


Denise Donedo
Coordenação Nacional DST/Aids
SEPN 511 – Bloco C
CEP 70750-543 – Brasília-DF
Tel.: (61) 448-8012

354 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Posicionamento do Instituto de
Psiquiatria da UFRJ sobre as
estratégias de redução de danos
na abordagem dos problemas
relacionados ao uso indevido
de álcool e outras drogas
Marcelo Santos Cruz1; Ana Cristina Sáad2; Salette Maria Barros Ferreira2

Resumo
O presente parecer representa uma síntese da literatura sobre as vantagens e desvantagens na adoção da política proibicionista
ou das estratégias de redução de danos na diminuição da soroprevalência de vírus HIV, das hepatites B e C e dos comportamen-
tos de risco entre usuários de drogas e a ausência de crescimento do consumo de drogas como resultado destas ações. Há
evidências da diminuição de riscos e danos pela utilização de terapias de substituição no tratamento de usuários de drogas. Por
outro lado, o regime proibicionista propõe a resolução dos problemas relativos ao uso de drogas através de táticas de repressão
policial, por meio de uma concepção moral e criminal, sem se mostrar eficiente para diminuir os problemas relacionados ao uso
de drogas. No que se refere à assistência, redução de danos significa o emprego de técnicas que viabilizem as melhores opções
possíveis para cada paciente, evitando uma exigência de abstinência a qualquer custo. Pelos motivos expostos, o Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro é favorável à adoção das estratégias de redução de danos na abordagem
dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil.

Unitermos
álcool e drogas; redução de danos; política de saúde; terapia de substituição; proibicionismo

Summary
We present the synthesis of a literature review about advantages and disadvantages of drug prohibitionist politics versus harm reduction
strategies. Brazilian and international researches show the usefulness of harm reduction strategies in reducing HIV, hepatitis B and C
soroprevalence among drug abusers. These strategies diminish risk behaviors of drug abusers without resulting increased drug use. We found
evidences that substitution therapy for drug abuse results in reduction of risks and harm. On the contrary, prohibitionist politics focus the
resolution of drug problems on repression using a moral and criminal conception, failing to solve those problems. In health care context,
harm reduction means the use of techniques that makes possible to offer better options for each patient without the requirement of drug
abstinence. Because of the mentioned reasons, Psychiatry Institute of Universidade Federal do Rio de Janeiro supports the adopotion of harm
reduction strategies in the management of drug and alcohol problems in Brazil.

Uniterms
drug and alcohol abuse; harm reduction; health politics; substitution therapy; prohibitionist politics

1Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (Ipub/UFRJ).
2Professora visitante do Projad, Ipub/UFRJ.

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 355-362, 2003 355


Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

A resposta dos responsáveis pelas políticas para As estratégias de redução de danos partem do
as drogas no Brasil e no restante do mundo oci- princípio de que não se pode esperar que se rea-
dental é ainda, predominantemente, a tentativa lize o ideal de a humanidade um dia prescindir
de eliminar a oferta de drogas ilícitas e com isso de substâncias psicoativas e de que é indispensá-
perseguir o ideal de uma sociedade sem drogas. vel o desenvolvimento imediato de ações para
Durante a última década, alguns países respon- diminuir os danos provocados para cada indiví-
deram aos problemas relacionados às drogas com duo e para a coletividade. Assim, a política de re-
iniciativas diversas, que envolviam a noção de re- dução de danos visa ao desenvolvimento de uma
dução de danos16, 26. Essas iniciativas sugerem ser série de ações no sentido de que o ideal é que os
melhor, tanto para a sociedade quanto para o in- indivíduos não usem drogas, mas, se isto ainda
divíduo, diminuir os riscos e os prejuízos relacio- não for possível, que o façam com o menor risco
nados ao uso contínuo de drogas e à política de possível (Marlatt, 1999; Nadelmann, 1997).
controle de drogas do que restringir o foco Os princípios básicos da redução de danos,
objetivado em uma sociedade livre de drogas. O segundo Marlatt18, são:
presente parecer representa uma síntese do que
1. a redução de danos é uma alternativa de saú-
encontramos na literatura sobre as vantagens e
de pública para os modelos moral/criminal e
desvantagens na adoção da política de uma soci-
de doença do uso e da dependência de dro-
edade livre de drogas ou das estratégias de redu-
gas;
ção de danos.
2. a redução de danos reconhece a abstinência
As noções contemporâneas de redução de da-
como resultado ideal, mas aceita alternativas
nos surgiram na formulação da política de dro-
que reduzam os danos;
gas holandesa durante o final da década de 1970
e início da de 198014, 18. O evento que tornou esta 3. a redução de danos surgiu principalmente
política oficial em países como Austrália, Suíça e como uma abordagem de baixo para cima, ba-
Grã-Bretanha foi o reconhecimento, durante me- seada na defesa do dependente, em vez de uma
ados dos anos 1980, de que injetar drogas com- política de cima para baixo promovida pelos
partilhando agulhas dissemina o vírus HIV: “O HIV formuladores de políticas de drogas;
é uma ameaça maior à saúde pública e individual 4. a redução de danos promove acesso a serviços
do que o abuso de drogas, e a prevenção da Aids de baixa exigência como uma alternativa para
deve estar integrada aos esforços antidrogas”1, 31. abordagens tradicionais de alta exigência;
Com o crescimento da epidemia de Aids, nos lo- 5. a redução de danos baseia-se nos princípios
cais em que já se desenvolviam atividades de re- do pragmatismo empático versus idealismo
dução de danos estas iniciativas passaram a ser moralista.
também dirigidas para a prevenção do contágio No caso do uso injetável de drogas, por exem-
por todas as doenças transmissíveis por via veno- plo, se um indivíduo ainda não consegue deixar de
sa e também sexual. usar uma droga, as ações são no sentido de que ele
o faça de forma não-injetável. Se ele ainda não con-
segue isto, que o faça sem compartilhar seringas. Se
ele ainda não consegue, que ele e os parceiros usem
métodos eficientes de esterilização do equipamen-
to de injeção e assim por diante. A troca de seringas
é apenas uma das ações nesta direção. Junto a esta
tarefa obrigatoriamente devem ser realizadas outras,
como oferecer tratamento para a dependência da
substância, exames clínicos para doenças
transmissíveis por via venosa ou sexual, tratamento
para doenças clínicas, ensinamentos e material
educativo sobre a prevenção de doenças de contá-
gio sexual e venoso. Como afirmam Nadelmann,
McNeely e Drucker22, “a prioridade é colocada na
maximização da quantidade de contato que usuári-
Figura 1

356 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

os de drogas problemáticas têm com os serviços


comunitários sociais, de assistência e outros”.
O risco de contágio de doenças de transmissão
pelo uso de drogas injetáveis é uma preocupação
de saúde pública, sendo esta forma de contamina-
ção relevante no contágio entre usuários de drogas
injetáveis assim como a disseminação destes para
seus parceiros pela via do contágio sexual. No Bra-
sil, a redução de danos é a abordagem preventiva
oficial pela qual a epidemia de Aids vem sendo en-
frentada, e a pretensão é que se expanda para a área
de prevenção e tratamento de usuários de drogas8.
Como a preocupação com a transmissão da
Aids é generalizada, a maior parte dos estudos so- Figura 2
bre os resultados da execução de estratégias de
redução de danos é referente aos riscos de conta-
minação pelo HIV. Esta preocupação é justificada
pelas altas taxas de prevalência de
soropositividade entre usuários de drogas
injetáveis. Um estudo realizado nas cidades de
Itajaí, Porto Alegre, São José do Rio Preto, São
Paulo e Sorocaba mostra taxas que variam de
18,4% a 78% de prevalência de HIV na popula-
ção de usuários de drogas injetáveis27. A média
no grupo estudado (52,3%) é muito maior do
que a da população em geral, da mesma forma
que a prevalência de soropositividade para HTLV
(17%)4, 34. Estudos realizados em Santos19, Rio de
Janeiro4 e Salvador2 encontraram taxas igualmente
altas para estes vírus e para os das hepatites B e Figura 3
C. O mais importante é que nestas três cidades
estes estudos encontraram importante queda na
prevalência destes agentes infecciosos quando traram nenhuma redução e nenhum programa
comparados com estudos realizados antes da ins- resultou em aumento15, 20.
tituição, nestas cidades, de estratégias de redu- O emprego da substituição de drogas por ou-
ção de danos para este grupo populacional. Em- tras substâncias menos associadas a danos, mes-
bora não se possa afirmar que a queda nas taxas mo quando estas oferecem risco de abuso ou
de soropositividade seja resultado da implanta- dependência, também pode ser compreendido
ção das estratégias de redução de danos, outros entre as ações das estratégias de redução de da-
resultados destas pesquisas apontam nesta dire- nos. No Brasil, podem ser incluídos nesta cate-
ção, como é o caso da diminuição da freqüência goria o uso dos benzodiazepínicos nas fases ini-
do uso injetável e do padrão de compartilhamento ciais após a interrupção do uso do álcool e a
de seringas (em Santos, Rio de Janeiro e Salva- prescrição de metadona para dependentes de
dor) e do uso de preservativos (Salvador). opióides. A substituição no tratamento de de-
Os resultados dos estudos realizados no Brasil pendentes de opióides é utilizada em outros pa-
são consistentes com aqueles efetuados nos Esta- íses desde 1923 23 . Segundo Nadelmann,
dos Unidos, na Grã-Bretanha, na Holanda e na McNeely e Drucker 22, os resultados positivos
Austrália11, 15, 20. Um estudo de revisão de 14 pro- encontrados na literatura sobre o uso de
gramas de troca de seringas mostrou que dez de- metadona para usuários de heroína incluem a
les tiveram como resultado a diminuição no diminuição no uso de heroína12, 24, a diminuição
compartilhamento de seringas, quatro não mos- do uso injetável10, 30, a redução de comportamen-

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 357


Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

que podem provocar dependência, e com a pos-


sibilidade de ocorrência de troca de uma droga
pela outra, há evidências de que não há diminui-
ção da chance de abstinência estável de metadona
e outras drogas para pacientes que aderem a pro-
gramas de metadona17.
Em oposição à política de redução de danos está
a guerra às drogas ou a ideologia de tolerância zero,
adotada principalmente pelo governo norte-ameri-
cano e baseada nas políticas de proibição,
criminalização e numa ideologia rígida livre de dro-
gas (Nadelmann, 1997). Este projeto, cunhado du-
rante o governo Reagan, tem empregado somas
vultosas em iniciativas dirigidas fundamentalmente
para a repressão de produção, comercialização e
consumo de substâncias ilícitas. O regime internacio-
nal de proibição de drogas promovido pelos Esta-
dos Unidos desde o início de 1900 está agora firme-
mente estabelecido pelo mundo: a Convenção Única
sobre Narcóticos (Single Convention on Narcotic
Drugs), de 1961, e a Convenção das Nações Unidas
contra o Tráfico Ilegal de Narcóticos e Substâncias
Psicoativas (Convention against Illicit Traffic in
Narcotic Drugs and Psychoactive Substances), de
1988, foram ratificadas em mais de cem governos21,
32
. As táticas de repressão e sanções desenvolvidas
pelos Estados Unidos, incluindo aparato eletrônico
Figura 4 de vigilância, testes de drogas, novas leis, prisões
compulsórias relacionadas às drogas, foram adotadas
em muitos países, e a proporção de aparato, recur-
so policial e espaço em prisões destinados a esse fim
aumentou dramaticamente20, inclusive no Brasil9.
Como afirmam Nadelmann, McNeely e Drucker22,
essas políticas “se mantêm dominantes nos Estados
Unidos, apesar das recomendações em contrário de

Figura 5

to criminoso e prisões13, a redução nas taxas de


mortalidade entre dependentes7 e o aumento no
emprego5, 12.
Embora os críticos das estratégias de substi-
tuição se preocupem com o uso de substâncias Figura 6

358 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

várias instituições de alto nível científico e de con-


sultores do governo ao longo de anos”.
Este tipo de abordagem entende o problema
do uso de drogas através dos modelos moral/cri-
minal e de doença, como cita Marlatt18: “O mo-
delo moral, como expresso na política de contro-
le de drogas dos Estados Unidos, é o de que o uso
e/ou a distribuição de certas drogas são crimes
que merecem punição... no modelo moral o uso
de drogas ilícitas é moralmente incorreto”. Estes
modelos também foram verificados em nosso país
como ideologia predominante, importados dos
EUA28, 29. O objetivo final dos programas de trata-
mento baseados em modelos moral e de doença
Figura 7
é reduzir e eliminar a prevalência do uso de dro-
gas, concentrando-se no usuário.
Entre as críticas à política de guerra às drogas
encontra-se o predomínio da destinação de re-
cursos públicos à repressão com resultante escas-
sez de recursos e esforços destinados às ativida-
des de prevenção e assistência. Também é
questionado o próprio objetivo da política, uma
vez que se discute se é possível esperar que um
dia haja alguma sociedade livre de drogas.
As críticas referentes à política de redução de
danos geralmente são calcadas mais em experi-
ências pessoais do que em científicas e incluem a
idéia de que a redução de danos estimularia o
consumo de drogas e trabalharia visando à lega-
lização das mesmas. Talvez seja este o motivo da Figura 8
escassez de artigos que se contrapõem às estraté-
gias de redução de danos. A preocupação com a
possibilidade de os programas de troca de serin-
gas incentivarem o uso de drogas não é corrobo-
rada por estudos no exterior25, 35. Embora ainda
não existam dados nacionais disponíveis para res-
ponder a esta questão, conforme Bastos e Mes-
quita3 “é preciso afirmar, categoricamente, que
nenhum estudo científico até hoje publicado cor-
roborou a formulação de que a implantação de
projetos de trocas de seringas daria lugar a um
aumento do consumo de drogas nas comunida-
des por eles abrangidas”.
As estratégias de redução de danos têm sido
disseminadas mundialmente e atualmente passam
a ser compreendidas como uma proposta não ape- Figura 9
nas preventiva, mas também como uma das ba-
ses que fundamentam a assistência a usuários de emprego de técnicas por profissionais e institui-
drogas6. No que se refere à assistência, a utiliza- ções que viabilizem as melhores opções possíveis
ção do modelo de redução de danos significa o para cada paciente, evitando uma exigência de

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 359


Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

Figura 10 Figura 13

Figura 11

Figura 14

entre outras. A utilização deste tipo de aborda-


Figura 12 gem torna possível que muitos pacientes se vin-
culem aos profissionais e à instituição, iniciando
abstinência a qualquer custo. Não se trata de des- tratamento que pode progressivamente trazer
prezar a importância da abstinência para muitos modificações importantes na forma de o pacien-
pacientes, mas incluí-la como uma possibilidade te lidar consigo mesmo e com o mundo à sua

360 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

volta e, inclusive, com o seu uso de drogas. A A partir do que encontramos na literatura, o
exigência de abstinência, por outro lado, selecio- posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ
na aquela parcela do grupo de usuários de dro- é favorável à utilização das estratégias de redu-
gas que pode desde o início interromper o uso da ção de danos na abordagem dos problemas rela-
substância, excluindo os demais do tratamento. cionados ao uso indevido de álcool e outras dro-
Como enfatiza Carlini8, a adoção de uma estraté- gas no Brasil. Pelos motivos expostos, deve-se
gia de redução de danos não se trata apenas de afirmar que admitir a impossibilidade imediata de
uma mudança de paradigma, mas também da uma sociedade livre de drogas é assumir, de for-
“adoção de uma política que respeite a pluralidade ma responsável, o papel que cada um tem no tra-
de modos de vida e que atue a partir da aceitação tamento da dependência de drogas, tratamento
desta realidade”. Esta autora descreve ainda como este adequado a cada indivíduo, suas necessida-
vantagens da estratégia de redução de danos o des e possibilidades. Investir em políticas públi-
fato de ser menos custosa do ponto de vista dos cas de prevenção e tratamento coerentes com a
recursos financeiros e mais eficiente se compara- realidade do país e da sociedade é abordar de for-
da com as abordagens tradicionais. ma coerente os problemas relacionados ao uso
A opção por uma estratégia de redução de da- de drogas. Privilegiar as ações repressivas, respon-
nos não é contraditória com a utilização de ações sabilizar as substâncias e aqueles que as utilizam
no sentido de diminuir a oferta e o consumo de pelos problemas encontrados e estigmatizar usu-
drogas. Na realidade, como demonstram Stimson ários como moralmente criminosos ou doentes
e Fitch33, as estratégias de redução de danos só são formas parciais e preconceituosas de se en-
são opostas às posturas proibicionistas que se pro- frentar o problema do uso de drogas, propostas
põem a resolver os problemas relacionados ao uso não-endossadas pelas estratégias de redução de
de drogas pela sua proibição geral. danos.

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2001, p. 137-49. e-mail: stoscruz@gbl.com.br

362 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Posicionamento da Unifesp
sobre redução de danos
E. A. Carlini

Resumo
Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vários grupos atuam na área de uso abusivo e dependência de álcool e
outras drogas: a Disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad), criada pela união de dois setores – o Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) e a Unidade de Dependência de Drogas (Uded) –, e, vinculados ao Departamen-
to de Psiquiatria –, os setores Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) e a Unidade de Atendimento a
Dependentes (Uniad). Durante a fase de preparação da reunião, várias discussões ocorreram nesses setores, sem que existisse
um consenso sobre a questão. Dada a riqueza das discussões, optamos por apresentar neste documento as diferentes reflexões
e o posicionamento desses grupos.

Unitermos
redução de danos; Unifesp; dependência de droga; tratamento

Summary
In the Federal University of São Paulo several groups are dealing with the problems of alcohol and drug abuse: the discipline of Medicine
and Sociology on Drug Abuse (Dimesad), composed of the Brazilian Center of Information on Psicotropic Drugs (Cebrid) and Unite of
Dependence of Drug (Uded), the Program of Attendance and Orientation of Dependent Persons (Proad) and the Unity of Attendance of
Dependent Persons (Uniad). Several previous meetings and discussions among these bodies were held, but a consensus was not reached on
harm reduction. As a consequence of this lack of consensus, the independent opinion of each of these bodies on the subject were published
separately.

Uniterms
harm reduction; Unifesp; drug addiction; treatment

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Posicionamento da Disciplina de Medicina


e Sociologia do Abuso de Drogas
Alexandro B. Guerra; Ana Cecília P. R. Marques; Ana Regina Noto; Beatriz M. V. Camargo; Eroy A. Silva; Hamer A. Palhares;
José Carlos Fernandes Galduróz; Marlene Asevedo; Maria Lucia O. Souza Formigoni; Solange A. Nappo

A redução de danos não deve ser confundida com dano se quer reduzir e como avaliar cientificamente
os contextos culturais, científicos e políticos nos quais o impacto de cada tipo de ação ou estratégia na
ela ocorre. Considerando que a falta de conceitos mudança de comportamentos de risco e na redu-
claros sobre redução de danos possa ser um proble- ção da disseminação de epidemias, assim como sua
ma para sua aceitação, implementação e avaliação, influência sobre os conceitos acerca do uso de dro-
é preciso discutir de modo aprofundado a questão e gas nas comunidades nas quais essas medidas são
avaliar sua efetividade15. É importante ter claro qual adotadas.

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 363-370, 2003 363


Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos Carlini et al.

As especificidades culturais são de suma im- como sinônimos, embora não o sejam. Risco
portância e devem ser consideradas nessas avali- pode ser definido como a possibilidade ou pro-
ações à medida que as primeiras estratégias de babilidade da ocorrência de um evento. Dano
redução de danos forem desenvolvidas, visando se refere a uma conseqüência de um evento já
a atingir usuários de drogas injetáveis, principal- ocorrido.
mente dependentes de opiáceos. 4 ) Prevenção e redução de danos – ao apli-
No Brasil, a maioria dos usuários de drogas carmos os conceitos de prevenção à área de
faz uso de álcool, maconha ou cocaína, reque- uso e abuso de drogas, podemos considerar:
rendo ações adequadas a este perfil. É preciso dis- š prevenção primária – não existindo o con-
cutir quais são os nossos principais problemas para sumo, engloba as ações que visam a evitar
determinar as ações de redução de danos prioritá- ou retardar o início do consumo de drogas.
rias e permitir um adequado planejamento de in- Ex.: campanhas educativas, divulgação de
vestimentos a curto, médio e longo prazos. Para informações, educação comunitária, limita-
isso é necessário um esforço conjunto das autori- ções impostas pela legislação, etc.;
dades dos sistemas de saúde, judiciário, de assis- š prevenção secundária – existindo algum nível
tência social, da comunidade universitária e de de consumo, as ações de prevenção secundá-
profissionais atuantes na área, a fim de permitir a ria têm por objetivo evitar o aparecimento de
adoção de medidas cientificamente embasadas problemas decorrentes do uso, podendo en-
que permitam a melhor aplicação possível dos re- globar tanto ações que visam à redução ou in-
cursos humanos e financeiros disponíveis. terrupção do consumo de drogas como ações
Em resumo, a redução de danos pode e deve que visam a evitar conseqüências decorrentes
ser incluída nos programas de saúde, desde que: do uso, sem propor alteração do consumo. Ex.:
• sejam desenvolvidas pesquisas que comprovem identificação precoce de um padrão de consu-
sua necessidade, sua efetividade e sua relação mo prejudicial, informação sobre níveis segu-
custo/benefício; ros do consumo de álcool, detecção precoce
• seja contextualizada, pois a cultura de cada lo- seguida por intervenções breves, campanhas
cal influencia o modelo e o resultado de qual- que propõem se beber, não dirija;
quer intervenção; š prevenção terciária – em geral dirigida às
• não seja considerada o oposto de proibição, como pessoas identificadas como dependentes, as
uma proposta de legalização das drogas. ações de prevenção terciária objetivam re-
dução das conseqüências, sejam elas bioló-
gicas, psicológicas ou sociais. Pode englo-
Conceitos bar ações que visem à redução do consumo
(ex.: tratamento com meta de abstinência),
Antes de enfocar a redução de danos propria-
ou das conseqüências, sem propor altera-
mente dita, é importante elucidar alguns concei-
ção de consumo. A prevenção terciária en-
tos sobre prevenção.
globa tratamento, reabilitação e estratégias
1 ) Redução da oferta – medidas repressivas que
de redução de dano.
têm como objetivo a destruição e a proibição
de produção, importação ou venda de substân-
cias psicoativas ilícitas, por meio de policiamen- Redução de danos
to e aplicação das leis. Quanto às lícitas, em
geral, o objetivo é agilizar a vigilância sanitá- A Redução de danos (RD) é um conjunto de
ria no controle de prescrições. ações ou estratégias voltadas para diminuir os ris-
2 ) Redução da demanda – são medidas plane- cos e os danos decorrentes do uso de drogas a
jadas para diminuir os agravos à saúde decor- partir de medidas que não envolvem a redução
rentes do consumo de drogas, além dos fato- do consumo, não exigindo abstinência20.
res de risco para o indivíduo na família, na Objetivos da RD: as ações de redução de danos
escola, na comunidade, no trabalho, evitando visam, principalmente, a reduzir comportamentos
ou diminuindo o uso. de risco associados ao uso de drogas, sendo prag-
3 ) Risco e dano – o que é dano e como isto se máticas e de baixa exigência. Não têm como obje-
relaciona com risco? Ambos têm sido usados tivo a redução do consumo, mas sim a de outros

364 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Carlini et al. Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

problemas a ele associados. Um exemplo clássico • à redução de conseqüências legais (ex.: mudan-
desse tipo de ação é prover os usuários com serin- ça da lei, diferenciando usuários de traficantes).
gas limpas e preservativos, a fim de se evitar a trans- A Dimesad entende que estratégias de re-
missão de doenças infecto-contagiosas. Redução dução de danos podem ser utilizadas na pre-
de danos e minimização dos danos também são venção secundária e terciária, como resumido
expressões usadas como sinônimas, sendo mais no Q uadro 11.
adequado utilizar o termo redução de danos ao se
referir ao conjunto de estratégias por meio das quais
se poderá minimizar o dano. Quadro 1 – Estratégias de redução de danos

Outras ações de redução de danos envolvem Prevenção Prevenção Prevenção


medidas que visam: primária secundária terciária
• à redução de acidentes (automobilísticos ou Evitação Redução Redução
por overdose); do consumo do consumo do consumo
• à redução de conseqüências sociais (como as
Estratégias que não envolvem redução
salas para uso de drogas supervisionadas pelo
do consumo = redução de danos
sistema de saúde);

Posicionamento da Unidade de Atendimento


a Dependentes (Uniad)
Marcelo Ribeiro; Ronaldo Ramos Laranjeira

Em relação à prevenção, existem dois braços ção do consumo e terapias de substituição para
importantes: alguns pacientes. A proposta de beber mode-
1) redução do suprimento – medidas repressivas radamente é um exemplo, assim como a tera-
que têm como objetivo a destruição, a proibi- pia de reposição com adesivos de nicotina.
ção da produção, a importação e a venda de A redução de danos é um modelo de cuidados
SPP ilícitas por meio de policiamento e aplica- com a saúde cujas ações ou estratégias estão volta-
ção das leis. Quanto às lícitas, em geral o obje- das para diminuir os riscos e os danos decorrentes
tivo é agilizar a vigilância sanitária no controle do uso de drogas, a partir de medidas gerais, sem
de prescrições e exigir a ampliação das bulas e reduzir o consumo8, 7, 17-19). Portanto esse modelo
a capacitação dos comerciantes de remédios não exige abstinência21. A redução de danos não
quanto ao uso do álcool nas formulações; deve ser confundida com os contextos ideológicos,
2) redução da demanda – são medidas planeja- culturais, científicos ou políticos nos quais ela ocor-
das para diminuir o consumo, diminuindo, re, mas é necessário assimilá-los5, 9, 13, 14.
conseqüentemente, os riscos para o indivíduo,
Existem alguns pressupostos éticos e teóricos
para a família e para a comunidade. Essa for-
que consideramos fundamentais:
ma de prevenção foi desenvolvida a partir do
modelo de doença e, portanto, propõe como 1) é importante preservar a vida humana e me-
medidas preventivas a abstinência (prevenção lhorar os níveis de saúde do indivíduo e da po-
primária); a diminuição do uso (prevenção se- pulação;
cundária) e o tratamento com abstinência (pre- 2) não existem sociedades que não fazem ne-
venção terciária). Todos esses níveis de preven- nhum uso de drogas, portanto isto não deve
ção adotam a abstinência como meta e, mais ser ignorado ou criminalizado;
tarde, com a evolução do modelo de uso, am- 3) tanto drogas lícitas como ilícitas podem promo-
pliam sua intervenção para técnicas de redu- ver danos com impacto individual e/ou social;

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 365


Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

4) as pessoas têm direito à informação sobre dro- 7) quando o indivíduo não aceita ou não con-
gas com base em evidências científicas inte- segue reduzir o uso, aplica-se o modelo de
gradas ao contexto social; redução da demanda de problemas, a re-
5) os efeitos das drogas variam de acordo com dução de danos, na qual o consumo não é
características individuais, podendo influenci- abordado.
ar seu equilíbrio e relações sociais, gerando Na Uniad, a estratégia de redução de danos é
dano individual e/ou social; utilizada na prevenção terciária, dentro do trata-
6) em decorrência da variabilidade individual e mento formal, cuja meta ideal é a abstinência. As-
social, estratégias de baixa exigência precisam sim, é aplicada em uma etapa inicial e ou inter-
ser utilizadas; mediária, visando à abstinência.

Posicionamento do Programa de Orientação


e Atendimento a Dependentes (Proad)
Fernanda Moreira; Dartiu Silveira

O Programa de Orientação e Atendimento a voluntários no PRD/Proad. Esses pacientes podem


Dependentes (Proad), fundado em 1987, é um ser usuários de drogas injetáveis (UDI) ou ex-UDI,
serviço do Departamento de Psiquiatria da Escola ou, ainda, usuários de drogas que tenham pene-
Paulista de Medicina (Unifesp). Ao longo de sua tração na rede social dessa população-alvo. A par-
existência, o Proad vem desenvolvendo ativida- tir dessa identificação, os redutores de danos
des de assistência, ensino, pesquisa e prevenção (agentes de saúde) serão capacitados, pela equi-
na área das dependências de substâncias lícitas e pe do Proad e por profissionais colaboradores,
ilícitas e algumas dependências não-químicas, tais para abordar usuários de drogas injetáveis, distri-
como jogo patológico e sexo compulsivo. O Proad buir seringas e agulhas estéreis e descartáveis,
foi a primeira instituição ligada à universidade a promovendo práticas de uso seguro de drogas e
instituir um programa de redução de danos no aconselhamento para a prática de sexo livre de
Brasil. Já contávamos, desde 1990, com um pro- riscos. Contamos, há cinco anos, com um grupo
grama de formação de outreach workers – hoje de acolhimento de redução de danos dentro de
chamados redutores de danos –, profissionais que nossa sede. Esse grupo é voltado para usuários de
saíam às ruas nos locais de concentração de usu- drogas ilícitas, entre 18 e 25 anos, que não dese-
ários de drogas injetáveis para ensinar-lhes técni- jam, em princípio, interromper o uso de drogas,
cas de desinfecção de agulhas e seringas. Devido mas discutir formas de uso controlado com o
aos impedimentos legais, não foi possível, na épo- objetivo de realizá-lo com o menor risco possível.
ca, adotar a troca de seringas e agulhas, regula- Freqüentemente observamos que vários dos
mentação que ocorreu somente em 1998. freqüentadores desse grupo acabam se engajando
Em 1994, com o estabelecimento de um con- no tratamento, visando a abandonar o uso de
vênio com o Ministério da Saúde (DST/Aids), o drogas. Segundo dados do Ministério da Saúde,
Proad passou a coordenar ações preventivas rela- 23% dos usuários atendidos pelos PRD procuram
cionadas ao abuso de drogas e à infecção pelo tratamento para dependência química.
HIV em nível nacional, com subsídios da Organi- Nossa instituição vem desenvolvendo trabalhos
zação das Nações Unidas (UNDCP-ONU)/Banco de pesquisa na área que incluem os seguintes proje-
Mundial. Atualmente, estamos reestruturando o tos, concluídos ou em andamento: uso terapêutico
programa de disponibilização de seringas aos de cannabis na dependência do crack; investigação
usuários de drogas injetáveis, o Programa de Re- do risco de contaminação pelo HIV entre usuários
dução de Danos (PRD/Proad). Nesse programa, de crack; a overdose de cocaína na perspectiva do
identificamos, na rede de pacientes atendidos pelo usuário; fatores preditivos de suicídio entre depen-
Proad, aqueles com potencial para atuarem como dentes de álcool e drogas; transtorno de atenção

366 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

em usuários de drogas; comportamento sexual de Em sua tese, Bravo2 afirma existirem atualmente
risco para Aids entre usuários de cocaína e crack; dois discursos contrapostos a respeito do consumo
fatores de risco para a infecção pelo HIV e outras de drogas: o discurso tradicional, ligado a posturas
doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre de- repressivas, focalizando predominantemente as dro-
pendentes; comportamentos autodestrutivos em gas ilegais e criminalizando o usuário – a chamada
usuários de álcool e drogas; violência familiar e abu- guerra às drogas; e um novo discurso, denominado
so de álcool e drogas; fatores de risco para abuso de redução de danos, que não tem como objetivo a
drogas em crianças de rua; alterações psiquiátricas eliminação total do consumo, mas a diminuição dos
e neuropsicológicas em adolescentes usuários de efeitos prejudiciais do mesmo, priorizando a saúde
ayahuasca em contexto ritual religioso; alterações dos sujeitos e da comunidade em geral. Esse movi-
eletrocardiográficas em pacientes usuários de coca- mento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas e
ína (monitorização eletrocardiográfica ambulatorial ilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe traba-
– holter); prevenção do uso indevido de drogas (co- lhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de
nhecimentos e atitudes de coordenadores pedagó- simplesmente ignorá-los ou condená-los”6. Na RD,
gicos de escolas públicas de ensino fundamental da o critério de sucesso de uma intervenção não segue
cidade de São Paulo) redução de danos ou guerra a lei do tudo ou nada, sendo aceitos objetivos parci-
às drogas, comparando-se modelos de prevenção; ais. As alternativas não são impostas de cima para
situações relacionadas ao uso indevido de drogas baixo, por leis ou decretos, mas são desenvolvidas
nas escolas públicas da cidade de São Paulo (uma com participação ativa da população beneficiária da
abordagem do universo escolar). intervenção. O denominador comum das ações den-
tro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, as
abordagens amigáveis ao usuário12. Cabe ressaltar
Redução de danos:
que, na visão partilhada pelo Proad, a RD não se
o ponto de vista do Proad contrapõe ao modelo que visa à abstinência de dro-
No século passado, três ocorrências favoreceram gas, mas o considera uma das estratégias possíveis
uma nova forma de abordar o problema do uso entre várias outras.
indevido de substâncias psicoativas no mundo: em O Quadro 2 compara a política de guerra às
1926, no Colégio de Médicos Britânicos/Comitê drogas com o movimento de redução de danos,
Rolleston, começou-se a prescrever heroína e serin- tendo sido elaborado com informações sintetiza-
gas para os dependentes de heroína; em 1984, na das por Wodak22 e apresentadas por Bravo2.
epidemia de HIV e hepatite B entre usuários de dro-
Segundo Silveira e Silveira16, o movimento da
gas injetáveis na Holanda, medidas sanitárias derru-
redução de danos apresenta como objetivos gerais:
baram o preconceito de que os dependentes quími-
evitar, se possível, que as pessoas se envolvam com
cos não responderiam a intervenções de prevenção;
o uso de substâncias psicoativas; se isto não for pos-
e houve expansão da estratégia de troca de seringas
sível, evitar o envolvimento precoce com o uso de
em vários países do mundo.
drogas, retardando-o ao máximo; para aqueles que
A essa nova abordagem deu-se o nome de re- já se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornem
dução de danos. Atualmente o movimento de re- dependentes; para aqueles que já se tornaram de-
dução de danos (RD) vai muito além dos progra- pendentes, oferecer os melhores meios para que
mas de disponibilização de seringas para usuários possam abandonar a dependência; e se, apesar de
de drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como um todos os esforços, eles continuarem a consumir dro-
paradigma que permeia diversos aspectos do traba- gas, orientá-los para que o façam da maneira me-
lho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas. nos prejudicial possível. Dessa forma, consideramos
Segundo Andrade1, “redução de danos é uma a redução de riscos e a redução de danos partes de
política de saúde que se propõe a reduzir os prejuí- um mesmo continuum onde estão englobadas as
zos de natureza biológica, social e econômica do estratégias de prevenção nos vários níveis – primá-
uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo rio, secundário e terciário – bem como todas as in-
e no seu direito de consumir drogas”. tervenções de atendimento ao usuário, incluindo tra-
tamento e reinserção social.
A posição do Proad foi considerar a redução
de danos como um paradigma que permeia todo Na visão do Proad, em um tratamento da de-
o seu trabalho. pendência química pautado nos princípios da re-

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Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

Quadro 2 – Comparação entre a política de guerra às drogas e o movimento de redução de danos

Redução de riscos e danos Guerra às drogas


Aceita a inevitabilidade de um determinado nível de consumo na sociedade, Parte do pressuposto de que é possível se chegar a uma
define seu objetivo primário, como reduzir as conseqüências adversas desse sociedade sem drogas
consumo
Enfatiza a obtenção de metas subótimas a curto e médio prazos Enfatiza a obtenção de metas ótimas a longo prazo
Ação dentro da visão tradicional da saúde pública Predominância de ações jurídico-políticas, sendo restritas
as de saúde
Vê os usuários como membros da sociedade e almeja reintegrá-los Vê os usuários de drogas como marginais perante a
à comunidade sociedade
Enfatiza a mensuração de resultados no âmbito da saúde e da vida em Enfatiza o enfoque na mensuração da quantidade de
sociedade, freqüentemente com metas definidas e objetivos determinados droga consumida
Implementa as suas intervenções com envolvimento relevante As intervenções são planejadas fundamentalmente por
da população-alvo autoridades governamentais
Enfatiza a importância da cooperação intersetorial entre instituições do âmbito Orientação política populista
jurídico-político e da saúde
Enfatiza a prevenção e o tratamento de usuários de drogas, fazendo com que Enfatiza a eliminação da oferta de drogas sem admitir a
as atividades de repressão se dirijam basicamente ao tráfico em grande escala existência de diferentes padrões de uso das mesmas
Julga que as atividades educativas referentes às drogas devam ser de As atividades educativas veiculam uma mensagem única:
natureza factual, ter credibilidade junto à população-alvo, basear-se em Não às Drogas
pesquisas e traçar objetivos realistas
Inclui drogas lícitas como o álcool e o tabaco Restringe-se ao uso de drogas ilícitas
Dá preferência à utilização de terminologia neutra, não-pejorativa e científica Dá preferência à utilização de termos veementes e valorativos

dução de danos, os usuários são acolhidos den- Ao colocarmos o status legal das drogas em
tro das suas demandas e possibilidades. Isso in- uma posição secundária nesta discussão, estamos
clui a possibilidade de modificação do padrão de assumindo uma posição bastante clara: no tocante
uso e da substituição da droga de abuso por ou- à legislação, o Proad defende a descriminalização
tra com a qual o usuário consiga estabelecer um do usuário de qualquer droga, assumindo que o
padrão de uso menos danoso, sem excluir a pos- ato de consumir drogas, por si só, não pode ser
sibilidade da abstinência. A substituição de dro- considerado um delito. Somente poderia ser pe-
gas pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição nalizado o usuário que eventualmente viesse a co-
de metadona para usuários de opióides e de ben- meter um crime 11 . Cabe esclarecer que
zodiazepínicos para dependentes de álcool) quan- descriminalizar diz respeito a despenalizar (não
to ilícitas (acompanhar o uso de maconha que mais tornar alvo de sanção penal) o indivíduo que
usuários de crack e cocaína fazem no sentido de usa ou porta a droga para uso próprio, não im-
tentar controlar sua fissura). As metas intermedi- portando se é um usuário ocasional ou um de-
árias são destinadas aos pacientes que não dese- pendente. Diferentemente, legalizar refere-se a
jam ou não conseguem, temporariamente ou não, medidas mais amplas que despenalizam igualmen-
abandonar o uso de drogas. A busca pelo uso te a produção e a comercialização dos tóxicos4.
moderado ou controlado da substância em ques- O Proad considera a descriminalização das dro-
tão é, em princípio, uma estratégia possível no gas uma importante medida de redução de da-
atendimento ao dependente de qualquer substân- nos: “a descriminalização do uso de drogas, em
cia. No enfoque da RD, a individualidade do usu- nosso entender, poderia ser, por um lado, fator
ário é considerada e ele participa da construção de integração do usuário na sociedade e, por ou-
do seu modelo de recuperação, podendo ainda tro, acabaria com o estigma marginalizante da
vir a atuar como redutor de danos na recupera- droga”4. Dentro da mesma linha de coerência, o
ção de seus pares (outros usuários). O Proad con- Proad coloca-se frontalmente contra intervenções
sidera essencial a continuidade das pesquisas so- coercitivas junto a usuários, como a justiça tera-
bre essas novas formas de intervenção. pêutica. Essa proposta “baseia-se numa relação

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Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numa a restrição de venda de bebidas alcoólicas a me-
filosofia que ingenuamente acredita que uma lei nores e em estradas.
criminal é capaz de per se inibir o uso”, não dife- Indiscutivelmente, a redução de danos é um
renciando o dependente químico do usuário oca- tópico importante no campo das dependências quí-
sional, além de propor uma forma de tratamento micas, seja como paradigma de referência, seja
que não admite a possibilidade da recaída como como conjunto de estratégias de intervenção. O
fenômeno inerente ao processo de recuperação10. Proad propõe ainda que a RD seja incluída no cur-
Quanto às práticas de redução de danos na co- rículo de todos os cursos na área de dependências
munidade, os benefícios da prática de disponibi- químicas. Defende ainda o estímulo à produção
lização de seringas e demais insumos aos usuários de conhecimento no campo da redução de danos.
de drogas injetáveis, de eficácia amplamente com- Segundo Carlini-Cotrim3, “houve um aumen-
provada, levam o Proad a considerar imprescindível to de quase 12 vezes, entre as décadas de 1960 e
sua adoção dentro de um modelo de intervenção 1980, na quantidade de artigos publicados (no
abrangente. Com relação à distribuição de cachim- jornal O Estado de São Paulo) sobre drogas, álco-
bos para usuários de crack, faltam ainda pesquisas ol e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado,
que justifiquem ou condenem a prática. não se traduziu em melhoria da qualidade das re-
Na opinião do Proad, a redução de danos não portagens, que muitas vezes veiculam informa-
deve se restringir às drogas ilícitas, defendendo ções distorcidas e tendenciosas. O Proad reconhe-
no entanto que as muitas iniciativas já existentes ce, assim, a necessidade de um trabalho contínuo
devam ser reforçadas, como as campanhas para junto à mídia, visando a reduzir os danos relacio-
evitar a direção de veículos sob efeito de álcool e nados à veiculação de informações equivocadas.

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Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

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mean [editorial]. Drug and Alcohol Review 1995; 14: 269-71. Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência


Ana Cecília P. R. Marques
Rua Napoleão de Barros 925/térreo
CEP 04024-002 – São Paulo-SP
Tel.: (11) 5539-0155 ramal 163

370 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Redução de danos e tratamento de
substituição: posicionamento da Rede
Brasileira de Redução de Danos
Harm reduction and substitution treatment: the position of
Brazilian Harm Reduction Network
Edward MacRae1; Monica Gorgulho2

Resumo
A Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) acredita que a questão das drogas deve ser entendida de maneira ampla, que
inclua os aspectos sociais, políticos e econômicos, ao lado daqueles que enfocam a saúde em sentido estrito. Similarmente, riscos
e danos devem também ser entendidos de maneira ampla, cuidando-se para não impor definições demasiadamente estritas
sobre o que seja redução de danos. A redução de danos deve ser baseada em uma abordagem simpática, isenta de moralismo e
centrada em um trabalho comunitário que, embora possa propor novos padrões e modos de uso, reconheça a importância da
escala de valores do usuário e de seu conhecimento sobre drogas. Embora favorável, em princípio, a tratamentos de substituição
e de manutenção, consideramos que, na ausência do uso de heroína de porte significativo no Brasil, restam ainda neste país
muitas questões a serem abordadas sobre o tema. Quanto ao tratamento de substituição, o presente estado de ilegalidade e
intolerância legal e cultural em relação ao uso da Cannabis vem impossibilitando a continuação de estudos sobre sua aplicabilidade
como substituto do crack. Uma das medidas mais importantes a serem tomadas seria a descriminalização do uso de drogas e a
discussão ampla, informada e democrática de medidas alternativas de controle da oferta dessas substâncias.

Unitermos
redução de danos; tratamento de substituição; tratamento de manutenção; descriminalização; crack; Cannabis; heroína; metadona

Summary
Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) believes that the drug question must be understood in all its breadth, including the
cultural, social, political, economic concerns alongside those strictly focused on health. Similarly, risks and damages must also be understood
broadly and care must be taken not to impose too restrictive a definition on harm reduction. Harm reduction must be based on a sympathetic,
nonjugemental approach, centred around community work that although it may propose new patterns and modes of use, recognises the
importance of the users´ values and knowledge about drugs. Although sympathetic in principle to substitution and maintenance treatments,
we consider that in the absence of a sizeable heroin problem in Brazil, many questions on the subject are yet to be further discused in this
country. As for substitution tratment for other substances, the present state of legal and cultural intolerance towards the use of Cannabis
has been rendering it impossible to carry out further research on its use as a substitute to crack. One of the most important measures yet to
be taken would be the decriminalization of drug use and widespread informed democratic discussions on alternative measures of control
over drug supply.

Uniterms
harm reduction; substitution treatment, maintenance treatment; decriminalisation; crack cocaine; Cannabis; heroin; methadone

1Vice-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos; doutor em antropologia social; professor adjunto da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); pesquisador associado do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad).
2Mestre em Psicologia; diretora da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA).

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 371-374, 2003 371


Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

A discussão sobre tratamento de substituição ternacional, já congrega no Brasil vários milhares de


ainda é incipiente no Brasil, dificultando o deba- colaboradores dos mais diversos estratos sociais e pro-
te até mesmo dentro da instituição que, por na- fissionais, agrupados ao redor de duas associações
tureza, muito se interessa por ele, a Rede Brasilei- nacionais, 17 redes regionais e mais de cem progra-
ra de Redução de Danos (Reduc). Não temos ainda mas de redução de danos espalhados por todo o país.
um posicionamento sobre detalhes específicos re- Chama atenção também para o fato de o trabalho
ferentes a esta prática, mas somos claramente fa- que vem sendo realizado por este movimento ser atu-
voráveis a que o tratamento de substituição seja almente um dos mais estudados e avaliados no cam-
considerado, quando relevante, alternativa de aten- po de saúde pública. Consolidam-se, assim, as suas
dimento à toxicomania, em sua proposta ampla. posições nos debates que vem travando com outras
Nestas condições, temos algumas reflexões a ofe- categorias, muitas das quais, além de carecerem de
recer para a discussão do tema. maiores experiências nesta área específica, até recen-
Primeiramente, consideramos que a redução de temente se posicionavam contrárias a ele, chegando,
danos é um conceito em aberto, ao qual podem ser em certos casos, a tentar desqualificar ações e discur-
atribuídos diversos significados. Ilustra isso o fato sos de seus proponentes.
de diferentes autores identificarem suas origens nas A Reduc considera que as questões referentes
mais diferentes épocas, oscilando entre a Antigüida- ao uso de drogas não podem ser restritas a dis-
de, as décadas de 1920 ou 1980. A Reduc entende cussões sobre condutas a serem adotadas em re-
o conceito menos como uma série de diretrizes es- lação a indivíduos que apresentam quadros de to-
pecíficas para condutas no atendimento a toxicô- xicomania ou o risco de contraírem o HIV e outras
manos e mais como postura de princípios em rela- doenças sexualmente transmissíveis. Atualmente
ção aos inúmeros problemas relacionados à maneira os graves problemas de segurança pública, entre
como nossa sociedade vem abordando a questão os quais as crises que vem sofrendo o Rio de Ja-
das drogas. Concebemos que as noções de risco e neiro, assim como outras cidades brasileiras, nos
dano devam ser entendidas em sua relatividade. As fornecem uma lembrança constante da varieda-
ciências sociais, que já vêm tratando exaustivamen- de de danos necessitando de redução ou
te destes temas, têm mostrado como a minimização. Revelam também a imbricação dos
hierarquização de riscos em geral sempre depende seus vários aspectos, o que torna fúteis as tentati-
do ponto de vista de quem os está avaliando e, mais vas de abordá-los como se fossem estanques.
importante de tudo, que se deve ter em vista a im- Consideramos que a humanidade sempre usou
possibilidade de se prever com certeza os resultados substâncias psicoativas com as mais variadas e im-
a médio e longo prazos tanto de práticas individuais portantes finalidades, e que não seria viável, ou até
quanto políticas. Assim, autores como a antropólo- desejável, que seu uso fosse descartado, como preco-
ga Mary Douglas consideram que mais do que ten- nizam alguns segmentos mais radicais da sociedade
tar prever todos os desfechos para determinadas (lembremos que vinho, café e anestésicos, por exem-
ações, a estratégia mais sensata seria reforçar a plo, são substâncias psicoativas essenciais à nossa vida
resiliência da sociedade, ou seja, a maneira de se física, social ou cultural). Partimos do posicionamen-
manter a sua natureza original através da adapta- to de que a abordagem mais indicada para a questão
ção a novas situações1. Portanto consideramos da das drogas seja aquela que prioriza a redução dos
maior importância manter uma postura que preser- danos decorrentes deste uso, que acreditamos ser ine-
ve a diversidade de concepções sobre a questão, seus vitável para a maioria das pessoas. Entendemos que o
problemas e possíveis soluções. Preocupam-nos os bom senso dita que a redução dos danos, concebi-
esforços de alguns setores que, respaldados no pres- dos de forma ampla e incluindo aspectos sociais, cul-
tígio social adquirido pelo discurso médico, buscam turais, políticos, econômicos e sanitários, deva ser o
definir de maneira categórica, a partir de um ponto objetivo principal a ser atingido por uma política so-
de vista estrito, quais os riscos apresentados pelo uso bre drogas. Cremos que os controles da oferta e do
de drogas e quais as maneiras de enfrentá-las que consumo devam ser concebidos somente como pos-
possam, com legitimidade, vir a ser adotadas. síveis estratégias pontuais a serem aplicadas nos ca-
A Reduc chama atenção para a importância da sos em que seja demonstrada de maneira científica a
ampla experiência que vem sendo acumulada pelo real necessidade de se restringir, desta forma, a liber-
movimento social de redução de danos. Este, além dade do conjunto dos membros da sociedade. Con-
do crescente valor que vem adquirindo em nível in- sideramos também arbitrária a diferenciação feita atu-

372 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


MacRae & Gorgulho Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos

almente entre as drogas lícitas e ilícitas e propomos d) um dos problemas sérios com vários programas
que todas devam ser contempladas numa política para de substituição é o seu uso como forma de con-
as drogas (e não antidrogas). Esta deve ser regida por trole social, chantageando-se o usuário com a
considerações de cunho estritamente democrático, ameaça de cortar a sua prescrição da droga de
assim como devem ser as medidas implementadas substituição se ele incorrer em deslizes, como re-
na sua execução. caídas, violência ou tráfico. Isso nos parece agre-
Concebemos a questão da toxicomania e de dir a própria dignidade do ser humano;
outros problemas decorrentes ou associados ao uso e) que fazer quando as drogas de substituição
de substâncias como sendo de natureza biopsicos- mais recomendáveis são ilícitas, como a
social, levando-nos a criticar a expressão dependên- Cannabis, por exemplo?
cia química como sendo demasiadamente reduto- A Reduc considera necessário questionar a pri-
ra. Isso porém não significa que rejeitemos a noção mazia freqüentemente atribuída ao saber médi-
de que, certas dependências têm seu lado orgânico co. Assim, suas propostas sempre enfatizam, além
e que, no caso dos opióides, por exemplo, deve-se da necessidade de combater a exclusão social, a
enfrentar a questão da tolerância e, ainda, que uma importância do protagonismo dos usuários de
das maneiras de se fazer isso seja através do uso de drogas tanto através de sua participação na
substâncias que atuem como substitutas. No entan- conceituação e discussão dos problemas quanto
to existem várias questões a serem ainda debatidas na implementação das ações. Consideramos tam-
em maior profundidade no que concerne a trata- bém da maior importância envolver as comuni-
mento de substituição, como, por exemplo: dades usuárias nesse trabalho, promovendo pa-
a) o tratamento de substituição é válido somente drões de uso de menor risco. No decorrer dos anos
para drogas que provocam dependência físi- a experiência de redução de danos vem demons-
ca, ou podemos considerá-lo útil também para trando a importância de se estabelecer um diálo-
tratar casos em que a dependência seja mais go verdadeiro com os usuários de drogas, evitan-
de ordem psicológica ou social; do estabelecer uma posição de confronto com
b) deve-se pensar em tratamento de manutenção seus valores centrais (ou seja, evitando trazer men-
(onde se prevê a continuação em longo prazo sagens puramente negativas ou repressivas sobre
do uso de uma substância causadora de de- o uso de substâncias psicoativas). Devemos, ao
pendência, talvez até a droga originalmente invés, buscar contribuir para modificações pon-
usada pelo paciente, heroína, por exemplo) ou tuais em certos aspectos das práticas de uso, não
somente numa substituição provisória por ou- deixando de reconhecer o valor geral do seu co-
tra droga da mesma categoria. Não se pode nhecimento empírico de questões relacionadas ao
deixar sem resposta a suspeita levantada, mui- uso, lícito ou ilícito, dessas substâncias.
tas vezes, contra certas drogas de substituição,
Sabemos que há algum tempo os centros mé-
como a metadona, acusadas de fazer mais mal
dicos de maior importância vêm adotando postu-
do que as originalmente usadas pelo paciente;
ras deste tipo. Assim a Universidade Federal de
c) programas de substituição devem ter alto ou bai-
São Paulo (Unifesp), por exemplo, tem realizado
xo limiar? Consideramos que caracterizam bai-
pesquisas com populações indígenas para apren-
xo limiar: facilidade de entrada, orientação à re-
der com elas as possibilidades de uso medicinal de
dução dos danos, ter como objetivo principal o
uma grande variedade de plantas nativas de suas
alívio de sintomas e fissura e a melhoria na quali-
regiões. Outras pesquisas sobre o uso de cocaína e
dade de vida dos pacientes, assim como a oferta
seus derivados também se voltaram para o que se
de uma gama de opções de tratamento. Progra-
poderia chamar a cultura da coca.
mas de alto limiar seriam aqueles em que é mais
difícil ingressar, ou com critérios de seleção exi- Discordamos das generalizações que preconizam
gentes, orientados para a abstinência (incluindo a abstinência do uso de drogas como a meta ideal.
abstinência de metadona ou outras drogas de Clínicos e pesquisadores têm constatado que fre-
substituição), inflexibilidade nas opções de trata- qüentemente o uso de drogas ilícitas consiste numa
mento, adoção de controles (de urina, etc.) para espécie de automedicação psiquiátrica por parte de
detecção de uso, política de expulsão rígida para usuários que encontram neste recurso uma manei-
recaídas, psicoterapia ou aconselhamento com- ra de aliviar seu sofrimento, e a sua interrupção pode
pulsórios; levar a agravamentos de sua condição. Considera-

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 373


Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

mos que tal recurso deva ser entendido de maneira sido muito difícil dar continuidade às indicações ini-
respeitosa, e não rejeitado sumariamente com a ciais, vindas tanto da clínica quanto do trabalho de
imposição de programas de tratamento voltados campo realizado com as populações usuárias, de que
unicamente para a abstinência. Desta forma, em o uso da Cannabis poderia ser um bom auxiliar no
muitos casos, tratamentos de substituição ou ma- tratamento de algumas droga-dependências. O úni-
nutenção seriam recomendáveis. A Reduc questio- co projeto nesse sentido, montado com respaldo
na também a classificação automática do uso de acadêmico no Brasil, foi realizado no Programa de
drogas ilícitas como uma patologia per se. Conside- Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad)
ramos que o status legal de muitas substâncias da Unifesp/EPM2, mas, apesar de os estudos apon-
psicoativas é mais bem entendido a partir de análi- tarem resultados positivos, têm faltado ousadia téc-
ses de cunho histórico e social do que médico. nica e política a outras instituições para replicá-los
Assim, a clínica não seria um ponto adequa- perante o atual clima de intolerância.
do a partir do qual realizar-se-iam estudos sobre Acreditamos que o Brasil cometeu grave equí-
o uso de drogas. Por isso a necessidade de se fa- voco ao ceder parte de sua soberania, submetendo-
zer pesquisas na população em geral, como le- se a uma convenção mundial que padroniza, de ma-
vantamentos domiciliares ou escolares. Igualmen- neira rígida e difícil de alterar, a abordagem da
te, devem-se evitar generalizações e questão das drogas. Hoje já existe uma forte discus-
recomendações sobre políticas de drogas basea- são sobre a eficácia das convenções internacionais
das em premissas puramente clínicas. São conhe- para o controle de drogas, em um reconhecimento
cidos os perigos da medicalização de problemas de que o modelo de tratamento tailor-made, que já
de ordem social. A organização da sociedade não se mostrou o mais eficaz em relação ao usuário de
pode ser pautada somente por considerações de drogas, deve valer também para as nações, cada qual
saúde pública. com suas especificidades e problemas, cada qual com
Um dos fatores que mais dificultam o trabalho suas escolhas e soluções. Entendemos, com isso, que
de redução de danos, assim como de outras abor- o tratamento de substituição é mais um dos proble-
dagens de prevenção, é o status ilegal de diversas mas que têm sido definidos não por suas caracterís-
drogas. Além de fomentar a arbitrariedade e a vio- ticas próprias, mas exclusivamente por definições e
lência, a criminalização do uso leva a um maior iso- encaminhamentos generalistas, que tanto já prova-
lamento do usuário, dificultando o seu encaminha- ram sua eficácia discutível.
mento a tratamentos de saúde, nos casos em que Finalmente, consideramos que algumas das
isso seria necessário, e o seu acesso a vários outros medidas mais importantes a serem tomadas se-
direitos que lhe deveriam ser assegurados como ci- jam a revogação da criminalização do uso não-
dadão. Também torna mais difícil a prevenção atra- medicamentoso de drogas e a abertura de am-
vés do diálogo franco e da promoção de métodos plas discussões sobre formas alternativas de
mais seguros de uso. Em relação a tratamentos de controlar o seu mercado. Isso possibilitaria um
substituição, dificulta sobremaneira a busca de subs- verdadeiro e necessário avanço na discussão so-
tâncias alternativas ou regimes de uso da droga ori- bre a real eficácia dos modelos de atenção dirigi-
ginal que sejam mais adequados às suas necessida- dos ao uso e abuso de substâncias psicoativas,
des sociais ou de saúde. Assim, por exemplo, tem incluindo-se os tratamentos de substituição.

Referências

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of technological and environmental dangers. Berkley, Los Endereço para correspondência
Angeles e Londres: University of California Press, 1982.
Mônica Gorgulho
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(orgs.). Consumo de drogas, desafios e perspectivas. CEP 06454-010 – Barueri-SP
Hucitec: São Paulo, 2000. p. 173-84. Tel: (11) 4195-0335
e-mail: info@reduc.org
Jornal Brasileiro de Psiquiatria

374 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Redução de danos: Departamento e
Instituto de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina da Universidade
de São Paulo
André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto

Resumo
O modelo de redução de danos vem sendo discutido intensamente em vários países do mundo, entre os quais o Brasil. Este
estudo, através de uma revisão de artigos listados no Medline, pretende embasar o parecer do Departamento de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sobre o tema. Observou-se que existem evidências suficientes na literatura
para se considerar o modelo de redução de danos, baseado em programas de intervenção comunitária, acesso a seringas estéreis
e a tratamento, eficaz como estratégia de prevenção da infecção pelo HIV em usuários de drogas injetáveis em vários países do
mundo. O modelo de redução de danos vem sendo estudado com resultados promissores em projetos destinados a reduzir
danos associados ao uso excessivo de álcool em populações específicas. O uso do modelo em outras situações ainda necessita de
evidência empírica.

Unitermos
redução de danos; HIV; drogas; álcool

Summary
The harm reduction model has been discussed in many countries around the world, including Brazil. This study, using a Medline review,
intends to give support to elaborate a critical review on the subject by the Department of Psychiatry of the Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. There are sufficient evidences in the literature to consider the harm reduction model, based on community-based
intervention, access to sterile syringes and treatment, effective as a strategy to prevent HIV infection in injecting drug users in several
countries in the world. The harm reduction model has also been studied, with encouraging results, as a strategy to reduce harm associated
to binge alcohol use in specific populations. The use of the model in other situations still needs more empirical evidence.

Uniterms
harm reduction; HIV; drugs; alcohol

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP).

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 375-380, 2003 375


Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Malbergier et al.

O modelo de abordagem do uso de drogas número de casos em UDI em vários países não
segundo a ótica de redução de danos vem sendo parava de crescer. Este crescimento veio reforçar
discutido nos últimos anos em vários países do a opinião de alguns autores de que o UDI seria
mundo, entre os quais inclui-se o Brasil. Este mo- refratário às campanhas de prevenção e educa-
delo passou a estar em evidência no final da dé- ção e incapaz de alterar o seu comportamento de
cada de 1980 como uma resposta ao aumento risco3. Este assunto ainda gera controvérsias, ha-
da prevalência da infecção pelo vírus da Aids (HIV) vendo também diversos estudos que mostram que
em usuários de drogas injetáveis (UDI) em vários novas formas de abordagem têm se mostrado efi-
países do mundo. cazes na prevenção da transmissão do HIV em UDI
Neste texto, serão discutidos os principais da- e que esta população tem diminuído a freqüên-
dos da literatura, visando a embasar parecer, ba- cia de adoção de comportamentos de risco4.
seado em evidências, a respeito do tema. Em vários países do mundo, a tradicional
A Aids foi inicialmente detectada em UDI na ci- dicotomia do tudo ou nada, que tem a total abs-
dade de Nova York no final de 1981. Todavia os pri- tinência como meta necessária para a abordagem
meiros casos não geraram grande interesse e preo- do usuário, vem sendo substituída por uma visão
cupação entre os profissionais de saúde pública. mais pragmática: Se você não consegue parar de
Naquela época, prevaleceu a idéia de que estes ca- usar, use da maneira menos danosa possível. Ou
sos eram restritos a determinada área geográfica, seja, mesmo que o usuário não consiga deixar de
que seu número, comparativamente ao dos homos- usar, os profissionais de saúde podem ajudá-lo a
sexuais, era pequeno, e ocorriam em uma popula- diminuir a morbidade e a mortalidade relaciona-
ção estigmatizada, marginalizada e sem poder polí- das ao consumo de drogas.
tico. Esta percepção foi rapidamente modificada após A preocupação com a disseminação do HIV en-
o desenvolvimento dos testes para detecção de an- tre os UDI estimulou o aparecimento de novas es-
ticorpos para o HIV. Apesar de haver poucos casos tratégias para atacar o problema. Provavelmente a
de doença estabelecida entre os UDI de Nova York, mais popular destas estratégias é a chamada harm
os testes revelaram que aproximadamente metade reduction ou redução de danos. Esta é uma política
desta população já estava infectada pelo HIV20. que visa a diminuir ao máximo os efeitos negativos
Estudos em diversas regiões do mundo con- ou lesivos do uso de drogas. Esta abordagem tem
firmaram a possibilidade de rápida disseminação suas raízes em modelos de saúde pública com uma
do HIV na população de UDI. Para exemplificar, visão mais humanista e sem preconceitos. Contras-
Milão, Nova York e Viena apresentaram crescimen- ta, assim, com o modelo de abstinência total, que,
to da seroprevalência entre UDI ao redor de 20% segundo alguns autores, teria suas raízes na repres-
ao ano. Em outras áreas, como Edimburgo e são e no paternalismo médico-religioso25.
Bangcoc, a disseminação foi extremamente rápi- Esta política é originária da Inglaterra, onde
da, com a seroprevalência crescendo entre 40%
tal abordagem parece ter participado do contro-
e 50% em dois anos20.
le mais eficaz da epidemia34. O chamado modelo
No Brasil, alguns estudos apontam para alta inglês foi desenvolvido a partir de cinco concei-
prevalência da infecção pelo HIV em usuários de tos básicos:
drogas injetáveis. Esta prevalência varia de 36% a 1) o foco tem sido transferido da dependência
57% em grandes cidades da região Sudeste do propriamente dita ou do problema da droga
país (São Paulo, Rio de Janeiro, Santos)7, 16, 23. per se para os problemas associados a deter-
Após a percepção do crescimento acelerado minadas maneiras de usar drogas, como, por
dos casos de Aids em UDI, os profissionais de saú- exemplo, a injeção. Há autores que defendem
de pública se defrontaram com a necessidade de que as drogas não são o grande problema a
estudar e elaborar estratégias mais eficazes de ser atacado, e sim a transmissão do HIV;
abordagem desta população. 2) o usuário, ao contrário do que muitos acredi-
Poucos anos após o aparecimento da epide- tam, pode ser racional. Ele se preocupa com
mia, a comunidade homossexual começou a se sua saúde, responde às campanhas educativas
mobilizar e se proteger. Este fato teve como con- e informativas e está disposto a adotar medi-
seqüência a tendência de estabilização do núme- das preventivas quando estas são adequadas a
ro de casos nesta população. Por outro lado, o sua cultura e sua linguagem;

376 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Malbergier et al. Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

3) o foco volta-se para a saúde e o corpo e afas- Estas abordagens menos tradicionais foram
ta-se da psicopatologia; se tornando cada vez mais freqüentes como mo-
4) os profissionais que desejam trabalhar nesta delos de atenção à população de UDI, já que
área também precisam mudar sua aborda- torna-se cada vez mais evidente que os UDI não
gem. Os serviços devem ir às comunidades a estão sendo atingidos pelo modelo tradicional
fim de trazer os usuários para o tratamento do sistema de saúde. Embora não haja estatísti-
ou assessorá-los em seu próprio meio através cas confiáveis nesta área no Brasil, dados norte-
de capacitação de pessoas ligadas às associa- americanos revelam que somente 10% a 17%
ções de auto-ajuda e da própria comunida- dos UDI estão em contato com o sistema de saú-
de. Isto requer a formação de educadores de de2, 31. Soma-se a este fato o contexto social em
saúde e muitas vezes o alistamento de ex-usu- que os UDI geralmente vivem e que podem aca-
ários para esta tarefa; bar por prejudicar seu acesso e compreensão das
5) redução da hostilidade e da confrontação e o informações e os passos necessários à mudança
estímulo para que se estabeleçam relações de de comportamento29, 35.
cooperação entre os usuários e os serviços de A partir deste momento, criam-se vários pro-
tratamento33. gramas de intervenção nas comunidades. O mo-
Algumas condições básicas precisam ser sa- delo de intervenção baseia-se em programas de-
tisfeitas para que o novo modelo seja eficaz6: senvolvidos em Chicago por uma equipe liderada
• capacitação técnica dos profissionais na área pelo médico Patrick Hughes, na década de 1970.
de drogas e também de Aids; Neste modelo, ex-usuários de drogas foram utili-
zados como linha de frente na tentativa de com-
• ampla disponibilidade de preservativos;
bater uma epidemia de heroína na cidade. Na dé-
• acesso gratuito a serviços de tratamento sem
cada de 1980, este modelo foi adaptado para a
longas filas de espera;
prevenção da Aids em UDI.
• ampla disponibilidade de seringas e outros
Esta estratégia utiliza-se de ex-usuários perten-
equipamentos.
centes às comunidades-alvo. Os ex-usuários são
Este modelo teve grande penetração na Euro- preferencialmente indivíduos conhecidos e com
pa. Inglaterra, Holanda, Alemanha, França e Es- boa penetração na população que será abordada.
cócia adotaram políticas de saúde pública na área Como estes indivíduos são vistos como líderes ou
de drogas/Aids com base nos conceitos acima dis- modelos que conseguiram obter mudanças em
cutidos32. Fora da Europa, a Austrália foi um dos seus comportamentos de risco, eles possuem en-
países que prontamente assumiram tal modelo no trada facilitada no grupo. Atingindo as redes de
combate à infecção pelo HIV em UDI.
sociabilidade e usando os métodos característicos
Em 1987-1988, nos Estados Unidos, o de comunicação de cada grupo, visa-se a gerar res-
National Institute on Drug Abuse (Nida – órgão postas coletivas de mudança de hábitos30.
máximo no assunto de drogas naquele país) co-
Este modelo de intervenção por ex-usuários
meçou a desenvolver projetos de prevenção de
(outreach model) na comunidade tem se mostra-
Aids em UDI, com base em programas de inter-
do um meio eficaz de prevenir a infecção pelo HIV
venção na comunidade. Estes projetos represen-
em uma população que não é atingida pelos servi-
taram uma mudança qualitativa nos programas
ços tradicionais de saúde. Um exemplo deste tipo
financiados por este órgão. Em seguida, o Insti-
de abordagem vem sendo desenvolvido pela Uni-
tuto de Medicina dos Estados Unidos lançou re-
versidade de Illinois, em Chicago, com sucesso na
latório concluindo que programas de trocas de
redução da freqüência de comportamentos de ris-
seringas e agulhas são eficazes em prevenir a in-
co em UDI. O ato de compartilhar seringas era re-
fecção pelo HIV e não aumentam o uso de dro-
latado por 100% dos usuários no início da inter-
gas ilícitas22. A repressão ao uso e a prevenção
venção. Este número caiu para 14% após quatro
do uso de drogas como metas exclusivas come-
anos de programa. A taxa de aquisição da infecção
çam a abrir espaço para programas de aborda-
gem do usuário como ele é, isto é, usando dro- pelo HIV caiu de 8% para 4% ao ano36.
gas. Não se oferece somente ajuda para que Nestes últimos anos, observou-se que investi-
parem de usar, mas também para que usem da mentos maciços em repressão, e não em educa-
maneira mais segura possível. ção e prevenção, não obtiveram impacto consi-

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 377


Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Malbergier et al.

derável na prevalência do uso de drogas em vári- cia do ato de compartilhar equipamentos11, 14. Este
as regiões do mundo. A prevenção do uso de dro- efeito é, em parte, devido ao aumento da dispo-
gas (visando à sua erradicação) permanece como nibilidade de seringas nestes locais. Além de tro-
opção de longo prazo para evitar a transmissão car seringas e equipamentos usados por novos,
da Aids. Todavia a urgência do momento criou estes programas oferecem informação, referên-
novas formas mais imediatas e pragmáticas de cia para tratamento e contato com profissionais
atacar a questão. A idéia de que o uso seguro de da área, potencializando os efeitos preventivos
drogas pode ser uma forma viável de prevenção desta iniciativa. Os possíveis efeitos negativos as-
de Aids neste grupo começa a se tornar realidade sociados à troca de seringas, como o aumento do
e está sendo posta em prática com sucesso em consumo de drogas injetáveis ou o estímulo aos
vários países do mundo. usuários de drogas não-injetáveis a se injetarem,
A importância de programas comunitários e não foram observados.
do envolvimento da população no problema foi Projetos de acesso a seringas estéreis como
ressaltada por Mann em assembléia da Organiza- parte de um programa de prevenção de infecção
ção Mundial da Saúde (OMS) em Genebra: “Em pelo HIV em UDI têm se mostrado muito úteis na
programas relacionados à Aids, há uma relação abordagem de populações de difícil acesso e de
direta entre a força, diversidade e envolvimento alto risco para infecção. As avaliações destes pro-
da comunidade e de organizações não-governa- gramas indicam que eles são efetivos na redução
mentais e o sucesso que pode ser alcançado”19. do uso injetável de drogas. Estudo em Nova York
mostrou redução de 70% na incidência de HIV
Mais de 15 anos de pesquisa sobre prevenção
atribuída a programas de acesso a seringas esté-
de HIV/Aids em UDI, usuários de crack e em seus
reis10. Em 29 cidades com programas estabeleci-
parceiros sexuais têm mostrado que programas
dos de acesso a seringas estéreis, a prevalência de
baseados na comunidade são eficazes. Pesquisas
HIV caiu, na média, 5,8% por ano. Por outro lado,
cumulativas em 23 locais, acompanhando 18.144
esta prevalência aumentou 5,9% por ano em ou-
usuários de drogas (13.164 UDI e 4.980 usuários
tras 51 cidades que não têm este tipo de progra-
de crack) reportam que, de três a seis meses após
ma12. Também estudos de custo/efetividade mos-
participarem de algum tipo de intervenção pre-
tram que estes programas previnem novas
ventiva, 72% dos UDI ou pararam de se injetar
infecções e poupam gastos com os cuidados mé-
ou reduziram a freqüência de injeção. Dos que
dicos do tratamento para indivíduos infectados13.
continuaram se injetando, quase 60% pararam
ou diminuíram a reutilização ou O programa de acesso a seringas estéreis
compartilhamento de seringas. Quase 25% dos promove:
indivíduos avaliados iniciaram tratamento no se- • aumento do número de usuários de drogas que
guimento destes estudos27. Outros estudos tam- procuram e se mantêm em tratamento se es-
bém confirmaram que a abordagem comunitária tes programas estão disponíveis;
pode ser um fator de incentivo à procura e à ma- • disseminação de informações sobre redução de
nutenção de tratamento15. riscos para infecção pelo HIV, material para mu-
A entrada no tratamento é, em si, um fator de dança de comportamento e referências para rea-
prevenção do HIV nesta população, já que vários lização de testagem sorológica e tratamento;
estudos vêm mostrando que indivíduos em trata- • redução da freqüência de injeção e compar-
mento apresentam menores taxas de injeção de tilhamento de materiais de injeção;
drogas. Um estudo mostrou que usuários de dro- • redução do número de seringas contaminadas
gas que não estavam em tratamento tinham seis em circulação na comunidade;
vezes mais chance de se infectarem pelo HIV dos • aumento da disponibilidade de seringas esté-
que os em tratamento24. reis na comunidade.
Programas de troca de seringas também es- Um complemento ou alternativa (onde pro-
tão sendo utilizados, especialmente na Europa e gramas de trocas de seringas são proibidos) é a
nos Estados Unidos, como medidas preventivas descontaminação de seringas. Esta prática é esti-
com o intuito de diminuir a proliferação do HIV mulada em vários programas de prevenção e tem
na população de UDI. Em vários países o progra- sua eficácia comprovada com uma lavagem com
ma tem sido associado à diminuição da freqüên- hipoclorito de sódio ou três com água1. A distri-

378 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Malbergier et al. Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

buição de hipoclorito de sódio é um dos aspectos • prover cuidados médicos para UDI infectados
enfatizados tanto em programas de troca de se- pelo HIV;
ringas como em programas comunitários17. • prover aconselhamento para redução de risco
Estudos de custo/efetividade têm reportado e testagem para UDI e parceiros sexuais.
que programas estruturados de prevenção de HIV Conclui-se, através das evidências da literatu-
baseados na comunidade auxiliam na redução de ra, que o modelo de redução de danos, com base
futuros custos associados aos cuidados e trata- em programas de intervenção comunitária, aces-
mento da infecção pelo HIV28. Também os trata- so a seringas estéreis e a tratamento, é eficaz como
mentos para dependência de drogas são custo- estratégia de prevenção da infecção pelo HIV em
efetivos em reduzir o uso de drogas e os custos UDI em vários países do mundo.
sociais e de saúde associados quando compara-
As evidências sobre o uso do modelo de redução
dos a não tratar ou a encarcerar os usuários26.
de danos na abordagem do uso de drogas ainda não
Em resumo, prevenir a disseminação do HIV têm o mesmo consenso que o seu uso como fator de
através do uso injetável de drogas requer uma prevenção do HIV em UDI. Entre esses novos usos, a
abordagem ampla e sincronizada com base em estratégia de redução de danos como abordagem do
alguns princípios fundamentais8: uso excessivo de álcool, principalmente em adoles-
• assegurar coordenação e colaboração entre os centes e universitários, é a que mais apresenta estu-
provedores de serviços aos UDI, seus parceiros dos e evidências de eficácia na literatura. Vários estu-
sexuais e seus filhos; dos controlados mostram que adolescentes e
• assegurar acesso e qualidade das intervenções; universitários submetidos à intervenção focada em
discutir os riscos do uso excessivo (grande quantida-
• reconhecer e superar o estigma associado ao de em pequeno espaço de tempo) mudam seu com-
uso injetável de drogas; portamento, assumindo uma postura mais responsá-
• adequar os serviços para as características dos vel quanto ao uso de álcool, diminuindo episódios de
UDI. embriaguez, brigas e acidentes5, 9, 21.
As estratégias de prevenção devem: A abordagem de redução de danos como es-
• prevenir o início de uso de drogas; tratégia de tratamento nos leva à antiga discus-
são das propostas de tratamento baseadas na abs-
• usar programas comunitários para atingir usuá-
tinência total versus beber moderado. Ainda longe
rios fora de tratamento;
de chegarmos a um consenso, parece, todavia,
• ampliar o acesso a programas de tratamento haver um grupo de pacientes que poderia se be-
de qualidade; neficiar de uma proposta de beber moderado, es-
• instituir programas de prevenção de HIV em tratégia considerada um modelo baseado em re-
cadeias e penitenciárias; duzir danos associados ao uso de álcool18.

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Endereço para correspondência


Arthur Guerra de Andrade
Departamento de Psiquiatria
Faculdade de Medicina da USP
Rua Ovídio Pires de Campos s/n – 1º andar
Consolação
CEP 01060-970 – São Paulo-SP
Tel.: (11) 3062-9029

380 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Redução de danos:
uma abordagem de saúde pública
Harm reduction: a public health approach
Beatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon

Resumo
O presente artigo aborda a visão de redução de danos (RD) endossada pelo Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas
(Ipad), reconhecendo a falta de uma definição universal do termo. Para o Ipad, a RD é uma abordagem útil para minimizar as
conseqüências de diversos comportamentos de risco, principalmente na área do abuso de substâncias psicoativas. O presente
artigo caracteriza RD e a diferencia da abordagem de algumas visões simplistas e maniqueístas erroneamente identificadas com
a mesma. Segundo o Ipad, cinco pontos devem ser enfatizados quando se define redução de danos: a RD é uma alternativa de
saúde pública para os modelos criminal e de doença; a RD reconhece a abstinência do uso de substâncias psicoativas como ideal,
mas aceita alternativas intermediárias; a RD é uma abordagem que incentiva e incorpora a participação daqueles que sofrem
com o abuso dessas substâncias (abordagem de baixo para cima); baseia-se no pragmatismo empático, em oposição ao idealis-
mo moralista; e promove acesso a serviços de saúde de baixa exigência. Finalmente, o Ipad rejeita a identificação de RD com
legalização de drogas ilegais, defende a inclusão de drogas legalizadas na sua abordagem (como álcool e tabaco) e critica
tentativas de incluir ações de RD em grupos sociais que não se ajustam à abordagem, como é o caso de alunos do primeiro ciclo
do ensino fundamental, grupo de baixo risco de uso de substâncias, ou mensagens veiculadas universalmente via meios de
comunicação de massa. O artigo é concluído apresentando-se dados norte-americanos recentes que documentam a dificuldade
de se conseguir apoio para projetos de pesquisa dedicado a entender comportamentos de risco não-aceitos pelo status quo.

Unitermos
redução de danos; saúde pública; legalização; pesquisa

Summary
The term Harm Reduction lacks an universal definition. In this article, Ipad (Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas) presents its
understanding of the term as an useful approach to minimize the consequences of risky health behaviors, particularly in the substance abuse
domain. According to Ipad, five main features should be emphasized on a HR approach: HR is a public health alternative to the moralistic
and disease models of drug use and addiction; HR recognizes abstinence as an ideal outcome but accepts alternatives that reduce harm; HR
has emerged primarily as a bottom-up approach based on addict advocacy, rather than a top-down policy promoted by drug policy makers;
HR promotes low-threshold access to services as an alternative to traditional, high-threshold approaches; HR is based on the tenets of
compassionate pragmatism versus moralistic idealism. Finally, Ipad rejects the identification of HR with drug legalization, defends that legal
substances should be included and prioritized in HR initiatives and is critical of attempts to overgeneralize HR approaches as beneficial for
any social group. For Ipad, HR is a helpful strategy to be used where harm exists and not a universal panacea. The article concludes by
discussing some of the current difficulties on getting support for doing research on ways to reduce harm among groups that display behaviors
not accepted by mainstream values, using recent North American cases as an illustration.

Uniterms
harm reduction; public health; research; substance abuse

Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas (Ipad), Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 381-386, 2003 381


Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

“A redução de danos não é nova na medici- O Ipad defende a abordagem de redução de


na. Afinal, não está longe do conselho hipocrático danos segundo os princípios apresentados a seguir,
aos jovens médicos de primum non nocere – em acolhe e simpatiza com movimentos sociais de usu-
primeiro lugar, não cause danos3.” ários de drogas que lutam por maior tolerância e
David Abrams e David Lewis, 1998 menor estigma social, defendendo seus direitos de
acesso a serviços de saúde. No entanto, essa aco-
lhida não obriga a que o Ipad concorde com algu-
Introdução mas bandeiras defendidas por setores desse movi-
mento, como a legalização de substâncias ilegais
O Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas
ou o relaxamento de legislações de controle para
(Ipad) da Pontifícia Universidade Católica do
substâncias legais.
Paraná defende e valoriza a abordagem de redu-
ção de danos (RD) como uma alternativa viável,
humana e de resultados positivos já demonstra- Abordagem de redução de danos
dos para vários comportamentos de risco à saú- defendida pelo Ipad
de. No entanto, a abordagem de RD não é ele-
mento central ou definidor das ações do Ipad, A redução de danos é uma
nem vista pelos seus profissionais como a pana- alternativa de saúde pública para
céia universal que resolverá todos os impasses e os modelos criminal e de doença
desafios desta área da saúde mental.
Assim sendo, os autores deste texto considera- A redução de danos oferece uma alternativa prá-
mos adequado, neste breve documento, caracteri- tica para os modelos moral/criminal e de doença. Di-
zar redução de danos e discutir alguns dos mitos e ferentemente dos proponentes do modelo moral –
estereótipos que cercam esta abordagem como uma que vêem o uso de drogas como ruim ou ilegal e
maneira de delinear mais claramente nossa posição. defendem a redução de oferta (via punição e proibi-
ção) –, a proposta de redução de danos desvia a aten-
ção do uso de drogas em si para as conseqüências ou
para os efeitos do comportamento aditivo. Tais efei-
Redução de danos: abordagem tos são avaliados principalmente em termos de se-
de trabalho vs. movimentos rem prejudiciais ou favoráveis ao usuário de drogas e
sociais à sociedade como um todo, e não por o comporta-
mento ser considerado, em si, moralmente certo ou
O Ipad acredita que os princípios da redução errado. Além disso, em contraste com o modelo de
de danos são freqüentemente úteis para abordar doença – que vê a dependência como uma patologia
comportamentos de risco, incluindo uso de subs- biológica/genética e promove a redução da deman-
tâncias psicoativas. Ele também reconhece que es- da como meta primordial da prevenção e a abstinên-
ses princípios vêm sendo utilizados muito antes de cia como única meta aceitável de tratamento –, a re-
a expressão redução de danos ter sido criada. Na dução de danos oferece uma ampla variedade de
verdade, o que vem sendo chamado de RD é, em políticas e de procedimentos que visam a reduzir as
grande parte, a utilização de um realismo pragmá- conseqüências prejudiciais do comportamento
tico e de um bom senso que boa parte da humani- aditivo. A redução de danos aceita o fato de que muitas
dade emprega quando se defronta com a impossi- pessoas usam drogas e apresentam outros compor-
bilidade de promover mudanças abruptas e radicais tamentos de alto risco, e que visões idealistas de uma
em situações e comportamentos arriscados. sociedade livre de drogas não têm quase nenhuma
Nesse sentido, o Ipad tem se preocupado em chance de se tornarem realidade3.
fazer distinção entre a abordagem de redução de
danos e a história da expressão redução de danos.
A redução de danos reconhece
Esse termo foi cunhado por movimentos sociais li-
a abstinência como resultado ideal, mas
derados por usuários de drogas em busca de uma
aceita alternativas que reduzam os danos
maior aceitação social dos seus estilos de vida, preo-
cupados com a crescente mortalidade por Aids
entre eles. Carrega, assim, no seu bojo, a bandeira A redução de danos não é contra a abstinên-
de afirmação política desse grupo social. cia. Os efeitos prejudiciais do uso de drogas po-

382 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

dem ser colocados num continuum, como as di- usuário no próprio ambiente em que as drogas
versas temperaturas indicadas em um termôme- são consumidas3.
tro. Quando as coisas ficam muito quentes ou pe-
rigosas, a redução de danos propõe baixar o fogo
A redução de danos baseia-se
a um nível mais moderado. A abordagem de re-
nos princípios do pragmatismo empático
dução gradual estimula os indivíduos com com-
versus o idealismo moralista
portamento excessivo ou de alto risco a dar um
passo de cada vez para reduzir as conseqüências
prejudiciais de seu comportamento. A abstinên- Comportamentos prejudiciais são um fato da
cia como meta final reduz muito ou elimina to- vida, e a abordagem de redução de danos aceita
esta realidade, não muito agradável, como uma pre-
talmente o risco de danos associados ao uso ex-
missa básica. Uma vez aceita essa premissa, a meta
cessivo de drogas. Nesse sentido, a abstinência é
torna-se de pragmatismo empático: o que pode ser
incluída como o ponto final ao longo de um
feito para reduzir o dano e o sofrimento dos indiví-
continuum, que varia de conseqüências excessi-
vamente prejudiciais a conseqüências menos pre- duos e da sociedade? O pragmatismo adotado pela
judiciais. Ao colocar os efeitos prejudiciais do uso RD não pergunta se o comportamento em questão
é certo ou errado, bom ou ruim, doentio ou saudá-
de drogas em um continuum , em vez de
vel, preocupa-se, isto sim, com o manejo das ques-
dicotomizá-lo como legal ou ilegal, ou indicativo
tões cotidianas e das práticas reais, sendo sua vali-
de ausência ou presença de doença aditiva, os de-
dade avaliada por resultados concretos3.
fensores da redução de danos incentivam qual-
quer movimento rumo à sua diminuição como
um passo na direção certa3. Temas polêmicos associados à abordagem
de redução de danos
A redução de danos é uma abordagem de
baixo para cima, baseada na defesa das “A redução de danos pode ser excessivamente
necessidades do usuário, ao invés de simplificada, e, assim, considerada um
uma abordagem de cima para baixo, movimento extremista diabólico. Alternativa-
promovida por formuladores de políticas mente, pode ser vista como um novo projeto
conceitual abrangente para integração do que
A estratégia de redução de danos visa a capa- há de melhor em medicina, saúde pública e
citar e a dar voz aos pacientes e clientes de servi- política de prevenção3”
ços de saúde. Procura minimizar o diferencial de
poder entre aqueles que administram e prestam O fato de o termo RD ter sido cunhado a par-
serviços e aqueles que são contemplados por eles, tir de movimentos sociais tem conseqüências im-
para dar voz nas decisões de como, onde e de portantes no debate acadêmico especializado.
que maneira as pessoas são tratadas3. Talvez a mais importante delas seja a falta de uma
definição única do termo: RD tem sido definida
a partir da ótica daqueles que a defendem ou a
A redução de danos promove acesso a serviços
criticam, e não a partir de uma conceituação fun-
de baixa exigência como uma alternativa
damentada em pesquisa publicada em literatura
a abordagens tradicionais de alta exigência
especializada.

Em vez de estabelecer a abstinência como um Nesse contexto, o Ipad, enquanto órgão de


pré-requisito de alta exigência para receber trata- assistência, pesquisa e prevenção, vê como perti-
mento ou outro tipo de assistência, a abordagem nente o esclarecimento do que entende ser redu-
de redução de danos procura reduzir obstáculos, ção de danos, como foi feito nas páginas anterio-
tentando facilitar e garantir o envolvimento da- res deste texto, assim como explicitar sua posição
queles que precisam de ajuda dos serviços dispo- em relação a temas polêmicos que têm sido asso-
níveis. Exemplo dessa postura de baixa exigência ciados a RD.
é abordar os indivíduos onde eles se encontram, Nas próximas páginas será apresentada a vi-
ao invés de onde eles deveriam estar, ou seja, ser- são do Ipad sobre a relação entre RD e legaliza-
viços de outreach work que oferecem ajuda ao ção de drogas, RD e prevenção primária (ou uni-

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 383


Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

versal) e pertinência da generalização da RD e ticas de controle mais efetivas para minimizar os


comportamentos de risco que não sejam o uso danos das substâncias psicoativas legalizadas em
de drogas ilegais. nossa sociedade é motivo suficiente para termos
muitas reservas em relação à tentativa de legali-
Redução de danos e legalização de drogas zação de outras substâncias.
ilegais No entanto, o Ipad vê com simpatia a dimi-
O Ipad não endossa a legalização de substân- nuição das penas legais associadas ao uso de
cias ilegais no Brasil como estratégia de reduzir o substâncias de pequeno impacto na saúde cole-
dano associado a seu consumo. tiva, como é o caso principalmente da maconha.
No entender de seus profissionais, políticas pú- Neste caso, parece que o dano produzido pela
blicas de RD devem ter como parâmetro medidas punição tem sido maior do que o causado pelo
que reduzam o dano associado ao uso de drogas de comportamento, na medida em que rotula e
modo coletivo, adotando-se uma perspectiva de saú- pune como criminosos jovens que poderiam ser
de coletiva. Assim, embora seja possível que a lega- mais úteis para a sociedade se cumprissem so-
lização de substâncias hoje consumidas e vendidas mente uma pena de caráter social pelo seu com-
clandestinamente favoreça alguns usuários de dro- portamento inadequado.
gas, que seriam menos estigmatizados e teriam aces-
so mais fácil a serviços de saúde e mais difícil ao Redução de danos e prevenção primária
sistema carcerário, é difícil imaginar que tal medida
Há também quem defenda que, numa abor-
beneficiasse de modo coletivo nossa sociedade.
dagem de redução de danos, os jovens devem
O raciocínio desenvolvido por aqueles que de- ser ensinados desde pequenos a usar drogas da
fendem a legalização de substâncias para reduzir maneira menos arriscada possível, pois no caso
danos é baseado na visão de que esta permitiria de um dia, mais tarde, tornarem-se usuários, sa-
melhor controle social e governamental das subs- berão ao menos evitar alguns riscos e minimizar
tâncias que atualmente são consumidas ilegalmen- alguns danos.
te, de que aproximaria usuários hoje temerosos de
procurar ajuda dos serviços de tratamento, de que Nessa linha de raciocínio, defende-se orientar
permitiria a geração de impostos que poderiam ser jovens nas escolas a beber com moderação; usar
usados para educar jovens sobre os riscos do con- seringas descartáveis, no caso de quererem injetar
sumo de substâncias psicoativas. alguma substância; evitar o uso de sacos plásticos
para armazenar inalantes, no caso de quererem
Se esse tipo de lógica pode ter sentido em países
cheirar cola ou acetona, evitando assim o risco de
europeus, sua base de sustentação torna-se bastante
morte por asfixia se ficarem inconscientes.
frágil ao cruzar o Oceano Atlântico rumo ao Sul. Aqui
no Brasil ainda lutamos para garantir controles míni- O Ipad entende que propostas como essas não
mos para as substâncias que são legalizadas, como estão alinhadas com a abordagem de RD, da for-
álcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos. ma como endossamos.
Nossas leis que procuram regulamentar o aces- O próprio termo redução de danos é base para
so ao álcool por menores de idade são raramente explicar este não-alinhamento: para reduzir da-
cumpridas (ou mesmo lembradas); a legislação de nos é preciso que eles sejam uma possibilidade
controle das propagandas de tabaco em eventos concreta. Assim, bebedores pesados e de risco,
esportivos só tem sido cumprida em eventos de que vivenciam problemas eventuais devido a seu
menor importância, sendo informalmente revogadas comportamento, podem se beneficiar de progra-
em competições esportivas de calibre internacional; mas que sugerem beber com moderação e ensi-
a tentativa de diminuir acidentes por motoristas nam como diminuir as chances de acidentes e
alcoolizados esbarra no simples fato de que a exis- outras conseqüências negativas associadas ao uso
tência de bafômetros é quase tão rara quanto a pre- abusivo do álcool. Mas para aqueles que não be-
sença de policiais efetivamente conscientes do seu bem ou o fazem de modo muito esporádico, esse
papel educacional de multar motoristas impruden- tipo de orientação é não só inapropriada como
tes nas estradas. potencialmente promotora de danos.
O fato de que a sociedade civil brasileira e os Da mesma forma, ensinar a importância de se
nossos governos não têm conseguido gerar polí- trocar seringas para um grupo de jovens sem ne-

384 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

nhum indicativo prévio de uso ou alto risco de se Palavras finais: redução


tornarem usuários é inócuo e de certa forma ir- de danos e pesquisa
responsável, pois passa a mensagem de que inje-
tar substâncias é algo tão corriqueiro que é preci- Para encerrar a contribuição do Ipad para este
so orientar como fazê-lo nas escolas. debate, parece importante comentar um pouco
o tão usado argumento de que RD é uma abor-
dagem interessante, mas ainda muito pouco
Generalização da abordagem da redução pesquisada para ser adotada.
de danos a drogas legais
O primeiro ponto a ser considerado neste tipo
Um outro tipo de polêmica nesta área, que de raciocínio é que uma série de outras abordagens
requer um posicionamento claro de entidades e vem sendo amplamente utilizada, não só no Brasil
profissionais, é a necessidade de definir a abran- como no exterior, com pouquíssima pesquisa, com
gência da abordagem de redução de danos: tra- muito mais condescendência. Grupos de auto-aju-
ta-se de algo somente válido para drogas ilegais, da do tipo AA ou NA, ou mesmo comunidades tera-
onde o termo se originou, ou é possível estendê- pêuticas, são exemplos importantes neste sentido.
lo para drogas legalizadas?
Um segundo ponto é, a nosso ver, bem mais
O Ipad entende que redução de danos não é só relevante: parece haver evidências de que proje-
nem principalmente uma proposta de enfrentamento tos de pesquisa que se propõem investigar abor-
do uso de drogas ilegais, mas é uma abordagem de dagens que possam beneficiar os grupos mais
saúde pública para comportamentos de risco à saú- marginalizados da sociedade vêm enfrentando
de, inclusive uso de álcool e tabaco. problemas sérios de financiamento, principalmen-
O tabagismo, mesmo entre os setores mais te no país que financia 85% de toda a pesquisa
conservadores da área de tratamento, tem sido na área de drogas no mundo: os EUA.
alvo de uma abordagem clássica de RD: o uso de De fato, a comunidade científica tem sido sur-
adesivos e gomas de mascar com nicotina. Em- preendida, dia após dia, com uma intervenção do
bora quase nenhum profissional negocie com seu atual governo norte-americano nas linhas de pes-
paciente que a abstinência seja a meta do trata- quisa sem precedentes desde a era do mccarthismo,
mento do tabagismo, o uso de adesivos e gomas nos anos 1950. Vejamos então alguns exemplos:
de nicotina vem possibilitando uma estratégia gra-
• em dezembro de 2002, o dr. Willian Miller, au-
dual de mudança rumo à abstenção. Com esses
tor do livro Entrevista Motivacional, foi convi-
recursos, o fumante não tem que interromper o
dado a compor o painel de especialistas do
uso da nicotina – substância da qual é dependen-
National Institute of Drug Abuse (Nida), que
te –, mas somente mudar sua via de administra- assessora este instituto no julgamento dos mi-
ção. A nicotina continua sendo gradualmente li- lhares de projetos de pesquisa que são envia-
berada, em quantidades negociadas, visando a dos anualmente para renovação ou início de
uma readequação de hábitos e cotidiano até que financiamento. Ele obviamente aceitou o con-
se possa interromper a administração da droga. vite, considerado de grande honra, embora com
Da mesma forma, as estratégias de motorista remuneração modestíssima. Dias mais tarde,
designado, muito usadas nos EUA, no Canadá e um funcionário da Casa Branca ligou pessoal-
na Europa, são exemplares de RD. É aceito quase mente para o dr. Miller e o sabatinou sobre
como inevitável que muitas pessoas vão beber suas visões políticas em relação a temas consi-
pesadamente em situações de festa, e procura-se derados controversos: aborto, pena de morte,
negociar a diminuição dos riscos e das conseqüên- programa de troca de seringas, apoio a trata-
cias de se associar este comportamento com di- mentos baseados em fé religiosa e, finalmen-
reção de veículos. Assim, campanhas educacio- te, seu voto para presidente na última eleição.
nais incentivam jovens a se alternarem na Aparentemente, o dr. Miller não respondeu às
abstenção de álcool por uma noite e dar carona perguntas da maneira como seria desejável
para seus amigos embriagados. Em retorno, este pelo funcionário da Casa Branca, pois logo
jovem poderá beber à vontade em uma outra após o telefonema ele foi desconvidado a com-
ocasião, pois um dos jovens que foi beneficiado por o painel do Nida4;
com sua carona cumprirá desta vez seu compro- • em abril deste ano, o New York Times publi-
misso de não beber. cou artigo sobre a censura de certos termos

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 385


Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

em projetos de pesquisa na área de Aids. Se- Institute of Health (NIH), via votação de emenda
gundo o periódico, vários cientistas dessa área no Congresso Nacional. Com uma agenda re-
receberam alertas de funcionários do Depar- pleta de temas mais apropriados para serem dis-
tamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS) cutidos na Câmara Federal, os deputados fede-
ou de membros do Congresso sobre a impor- rais dedicaram a tarde do dia 10 de julho à
tância de evitar certas expressões em grants. discussão e à votação de uma emenda que con-
Termos como trabalhadores do sexo, homens fere ao Congresso poder de revogar aprovação
que fazem sexo com homens e troca de serin- de projetos de pesquisa sobre sexualidade. Mais
gas seriam considerados inapropriados e pra- assustador ainda o fato de esta emenda, sem pre-
ticamente anulariam as chances de financia- cedentes na história da ciência norte-americana,
mento dos mesmos. Obviamente, o porta-voz só ter sido derrotada por dois votos. Assim, em
do DHHS, em entrevista ao New York Times, poucas semanas, será discutida no Senado e po-
afirmou que não havia nenhum documento derá se tornar realidade.
neste sentido, mas cientistas de várias parte dos
Em tempos de intolerância, uma abordagem
EUA relataram experiências muito parecidas,
tolerante e pragmática, como a redução de da-
sempre por comunicação verbal1;
nos, precisa urgentemente de mais pesquisa para
• no mesmo 18 de abril, a revista científica
se afirmar como uma alternativa viável. E essas
Science reforça os achados do New York Ti-
pesquisas têm sido conduzidas com rigor e su-
mes, comentando uma visita do DHHS à Uni-
cesso, mas somente quando abordam populações
versidade da Califórnia, em São Francisco. Se-
e substâncias de fácil digestibilidade política, como
gundo a Science, o pesquisador visitado foi
jovens universitários que bebem pesadamente e
convidado a limpar a redação de seu projeto
adultos tabagistas. Ou quando abordam epide-
de pesquisa e, consistente com o que o New
mias que há muito tempo deixaram de respeitar
York Times relatou, substituir expressões como
os cordões sanitários que separam os grupos so-
troca de seringas e prostitutas para aumentar
ciais de comportamentos pouco convencionais,
as chances de aprovação de financiamento do
como é o caso da epidemia da Aids.
projeto2;
• finalmente, durante o mês de julho, pesquisado- Muito ainda precisa ser pesquisado e nós, do
res nos EUA foram surpreendidos com mais uma Ipad, temos completa ciência disto. Mas temos
tentativa de controle político sobre temas de pes- ciência também de que as barreiras neste sentido
quisa: o dr. Victor Hesselbrock, presidente da são grandes e vêm crescendo, e que, enquanto
Research Society on Alcoholism (RSA), lançou car- isto, teremos que conviver com uma certa frus-
ta de apelo a todos os cientistas norte-america- tração e uma grande esperança de que o cenário
nos, no dia 21 de julho, no sentido de enviarem político internacional mude, rumo a uma maior
moções de apelo a seus senadores contra a des- abertura a abordagens criativas que possam even-
aprovação de quatro projetos de pesquisa já apro- tualmente ser respostas efetivas aos desafios da
vados pelo comitê de especialistas do National saúde coletiva na área de substâncias psicoativas.

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1999. Endereço para correspondência
Dagoberto Hungria Requião
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Rua Imaculada Conceição 1.155 – Prado Velho
CEP 80215-901 – Curitiba-PR
Tel.: (41) 271-1515

386 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003


Redução de danos e terapias
de substituição em debate:
contribuição da Associação
Brasileira de Redutores de Danos
Harm reduction and substitution therapy: the Brazilian Harm
Reduction Outreach Workers Association point of view
Marcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira

Resumo
A Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda) entende redução de danos como movimento social para a busca de
um estado de maior bem-estar social para todos, usuários ou não de drogas legais ou ilegais. As terapias de substituição (TS) são
naturalmente entendidas como parte do repertório de ações de redução de danos ao transigir com o uso de drogas e não ter
como meta única a abstinência. Sua implantação no Brasil para drogas ilícitas – principalmente cocaína e maconha – demanda
desconstrução das atitudes antidrogas, inclusão e normatização da redução de danos e das TS na rede SUS e reordenamento da
política nacional de drogas. Nesse sentido a Aborda pode ser um ator importante para a discussão dos marcos teóricos e da sua
operacionalização em campo, além da necessária atuação de controle social e advocacy dos direitos das pessoas que usam
drogas. Dado o enorme prejuízo que a atual perseguição penal das pessoas que usam drogas ilícitas implica para elas e para a
sociedade em geral, soa pouco efetivo reduzir as terapias de substituição (ou a redução de danos em geral) a atos de promoção
da saúde stricto sensu, sendo imprescindível incluir nas discussões da sua apropriação pelo SUS alternativas para a necessária
regulamentação, em algum grau, da produção, do comércio e do consumo dessas drogas. O melhor efeito que a implantação
das TS poderia trazer seria a substituição do discurso e da atitude antidrogas por um novo paradigma de maior inclusão social e
tolerância.

Unitermos
drogas; redução de danos; terapia de substituição; movimentos sociais

Summary
Aborda understands harm reduction as a social movement towards a state of greater welfare for everyone, whether they use drugs or
not. Substitution therapies (ST) are naturally considered part of the harm reduction set of strategies, inasmuch as drug use is tolerated and
abstinence is not the only objective. To implement those illicit drugs therapies in Brazil – mainly cocaine and marijuana – the antidrug
attitude must be deconstructed, harm reduction and ST must be included and normalized in the Public Health System (SUS, in Portuguese),
and national drug policy must be reordered. In that sense Aborda can play an important part in the discussion of both its theoretical
benchmarks and field operations, besides the necessary social control activities and drug users rights advocacy. Given the enormous damages
the actual criminalized persecution represents to those who use illicit drugs and for society as a whole it does not seem effective to merely
consider substitution therapies (or harm reduction in general) as health promotion activities. As the discussions about its appropriation by
the Public Health System continues, it is necessary to address alternatives to an indispensable regulation to some extent of production, sales,
and consuming of those drugs. The best consequence of ST implementation would be the substitution of the antidrug discourse and attitude
by a new paradigm of greater social inclusion and tolerance.

Uniterms
drugs; harm reduction; substitution therapy; drug policy; advocacy

Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda).

J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (5): 387-393, 2003 387


Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos Campos & Siqueira

É preciso superar o momento em que psicoativos), são pensadas a partir de análise da


as drogas são inimigas da vida relação triangular droga/sujeito/contexto, consi-
derando operar modificações qualitativas ou
O conceito de redução de danos (RD), na his- quantitativas em quaisquer dos vértices, de modo
tória da Associação Brasileira de Redutores de Da- a obter resultado final de melhor relação risco/
nos (Aborda), foi estratégia de saúde, passou por benefício para quem usa e para a coletividade.
política de saúde e agora é melhor expresso como O mesmo raciocínio aplicamos às terapias de
movimento social1. substituição: elas devem ser fator de equilíbrio
Em que pese a utilização, no senso comum, biopsicossocial na relação tríplice entre o sujeito,
da expressão redução de danos para qualquer si- a(s) droga(s) e o(s) contexto(s) de sua vida. Por-
tuação onde exista busca de diminuição de pre- tanto elas incluem a troca (quantitativa, qualita-
juízos, ou mesmo ao se referir especificamente a tiva ou em modo de usar) de drogas legais ou
(eventuais ou potenciais) prejuízos resultantes do ilegais por outras, legais ou não, que melhorem o
uso de psicoativos, a Redução de Danos (escrita grau de compatibilidade do uso pelo sujeito em
com iniciais em maiúsculas), como movimento cada contexto. Tal compatibilidade inclui busca
social, superou o paradigma sanitarista, sendo de satisfação do desejo do sujeito, a conservação
agora entendida como busca de estado de maior de sua saúde e a harmonia com a coletividade. A
bem-estar social para todos, com ou sem uso das intervenção para reduzir danos busca convivência
drogas, inclusive daquelas tidas como ilegais. mutuamente respeitosa entre as pessoas que usam
drogas e suas redes de relações, sejam familiares,
Da mesma forma, as terapias de substituição
no trabalho, afetivas, etc.
ganham, na RD, interpretação pelo movimento
social, ou seja, são lidas e construídas também A atitude de disposição em construir habili-
pelo viés ideológico. dades para aquela compatibilização, reunidas sob
o nome genérico estratégias de redução de da-
O objetivo deste texto, contudo, não é promo-
nos (incluindo terapias de substituição), e que
ver debate ideológico, mas, atendendo a convite
transige com a condição de usuário de drogas, é
do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
universalmente aplicável e, a nosso ver, direito das
Psicotrópicas (Cebrid), apresentar o entendimen-
pessoas que usam drogas – ilegais inclusive.
to, pela Associação Brasileira de Redutores de Da-
nos, das terapias de substituição como uma das Considerando a magnitude do seu potencial
estratégias para reduzir danos, naturalmente benefício – para estas pessoas, suas redes de con-
permeadas pelos valores eleitos pelo movimento tatos e para a sociedade em geral –, acreditamos
social de RD, esclarecendo como estes valores im- que a omissão das alternativas de redução de da-
plicam mais que colorido ideológico: eles são, não nos pelos responsáveis (diretos ou indiretos) pelo
raro, definidores da eficácia das ações, notadamen- atendimento de pessoas que usam drogas é pas-
te daquelas construídas com o público-alvo dos Pro- sível de questionamento ético, caracterizando im-
jetos de Redução de Danos (PRDs) – pessoas em perícia ou negligência.
geral que usam drogas e que, pelo menos em prin- Pelo olhar da Aborda, a RD inclui terapias de
cípio (a grande maioria), não estão inseridas, com substituição (TS) como uma das opções com ní-
indicação ou interessadas em propostas terapêuti- vel de exigência mais compatível com as necessi-
cas para o uso de drogas em si. dades, capacidades e desejos das pessoas que
A RD contribui na busca daquele estado de usam drogas do que a abstinência; é propiciadora
maior bem-estar social para todos, indo além e até, de construção de vínculo com estas pessoas, e al-
se necessário, contradizendo o discurso sanitarista ternativa para aquelas que não têm demanda ou
onde este discurso estiver orientado exclusivamente desejo de parar de usar não serem privadas de
para o controle de doenças, sem buscar saúde in- medidas que lhes propiciem melhor qualidade de
tegral, ou distanciado dos direitos humanos. vida e menos riscos, para si próprias, sua rede de
relações e sociedade em geral.
Diferentemente de Marllat, que coloca como
Objetivos da substituição
um dos princípios que “a redução de danos reco-
Na Aborda, as ações de redução de danos (as- nhece a abstinência como resultado ideal, mas
sim como qualquer construto teórico sobre aceita alternativas que reduzam danos”4, na Abor-

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Campos & Siqueira Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos

da não só não consideramos a abstinência a úni- ativismo, protagonismo e busca de inclusão so-
ca alternativa válida como sequer a temos como cial destas pessoas, de maneira socialmente
sempre necessária ou desejável. transformadora, tanto para superação ou dimi-
Embora não persiga a abstinência, a RD tam- nuição da sua vulnerabilidade aos agravos à sua
bém reconhece a utilidade das terapias de substi- qualidade de vida como para eficácia das pró-
tuição como alternativa para pessoas em situa- prias ações de resgate ou promotoras de sua saú-
ção de uso problemático/danoso de drogas e com de. As terapias de substituição podem ser mais
desejo de interrompê-lo: estas pessoas podem ter que intervenção comportamental em muitos
nas terapias de substituição um amparo eficiente sentidos. Sua medicalização, ao reduzi-las a atos
no controle de sofrimento nas fases iniciais da abs- de saúde stricto sensu, assim como algumas cor-
tinência (diminuição ou abolição de desconforto rentes entendem a redução de danos, subesti-
da abstinência) ou como manutenção da absti- ma o seu valor mobilizador para superação do
nência, como acontece, por exemplo, com a ofer- paradigma antidrogas e implica atraso de trans-
ta de nicotina inalatória, oral ou transdérmica para formações benéficas para a sociedade e para as
tabagistas em abandono do hábito. vidas das pessoas que usam drogas.

Tanto para os que buscam abstinência como A discussão a seguir tenta apresentar as con-
para os que não a têm como objetivo, as terapias tribuições da Aborda tanto como movimento so-
de substituição podem atuar como estratégia de cial quanto como prestação de serviços.
escalada inversa: migração de padrões de uso e
relações mais problemáticas com psicoativos para Ativismo (a Aborda como movimento
padrões mais harmônicos e menos problemáti- social de RD)
cos, ou seja, de deslocamento de situação de abu-
O norte da RD é dignidade com qualidade de
so rumo ao uso.
vida, não consideradas necessariamente incom-
Aceitar que este movimento é possível impli- patíveis com a condição de usuário de álcool ou
ca também o rompimento com postulados como outras drogas. Para a maioria das pessoas que
o que considera o uso problemático incompatí- usam cocaína e maconha, os fatores causadores
vel com transição para o uso controlado (ex.: al- de má qualidade de vida são mais relacionados à
coolismo é uma doença incurável), quando se sua condição de usuários de drogas do que aos
sabe que tal transição é possível3. efeitos dos psicoativos em si, e isso deve ser con-
No caso, por exemplo, da cocaína, não se siderado mesmo para pessoas com uso proble-
podem desprezar as implicações da observação de mático ou dependência daquelas substâncias.
que, no caso da substituição da forma de assimila- O movimento social trabalha pela construção
ção (e talvez da quantidade) do psicoativo –, quan- da imagem dos usuários de droga como não sendo
do sugerimos uso inalado substituindo injetável – necessariamente merecedores de cuidados de saú-
não está sendo colocada a abstinência como única de e questiona as atitudes que os rotulam como dig-
meta para todos os usuários de cocaína desejosos nos de punição e execração. Consideramos o con-
de diminuir ou evitar os riscos do uso injetável, ain- ceito de dependência tão relativo e impreciso quanto
da que para muitos a substituição seja considerada o de loucura, e mesmo pessoas que se identificam
etapa na busca de interrupção do uso. Considerar como ou são rotuladas de dependentes nem sem-
falha terapêutica o sujeito que se mantém depen- pre apresentam indicação de tratamento. A própria
dente da cocaína inalada seria subestimar o bene- desqualificação como marginal, doente ou criminoso
fício de não fazer uso injetável. é fonte de estresse e condição neurotizante para
pessoas que usam drogas, especialmente daquelas
Possíveis contribuições da hoje tidas como ilegais no Brasil, e um dos estereó-
Aborda para a implantação tipos a serem combatidos com ativismo (incluindo
e a implementação de terapias ações de advocacy dos direitos das pessoas que usam
drogas). Esse componente de advocacy deve ser con-
de substituição no Brasil
siderado no delineamento das políticas de saúde para
Não é possível desvincular as ações de saúde o reconhecimento, normatização e disponibilização,
construídas e implantadas com usuários de no SUS, das TS, assim como de todas as estratégias
álcool e outras drogas das ações de fomento ao de RD.

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Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos Campos & Siqueira

Nesse caminho rumo à institucionalização da Técnico-operacionais (a Aborda e seus


saúde pública que contempla TS e RD, é papel associados como prestadores de serviço)
da Aborda/Movimento Social demandar e auxi- Apenas ativismo não é suficiente: embora se-
liar na desconstrução de situação de conflito com jam, em números relativos, uma minoria do total
a lei das orientações de substituição de drogas de pessoas que usam psicoativos, o número abso-
ilegais por outras também ilegais, e no reconhe- luto de pessoas em situação de uso problemático
cimento destas ações como eficazes, eticamente de álcool e outras drogas no que se refere a reper-
legítimas e valiosas. É sabido que a TS, ao dispo- cussões negativas para sua saúde física é grande e
nibilizar uma fonte regulada de acesso a drogas, carente de acesso a assistência de qualidade.
reduz problemas decorrentes da falta de controle
sobre a qualidade do produto (p. ex.: risco de A Aborda foi fundada em 1997 e hoje está
overdose ou de danos por contaminantes) e da presente em 19 estados brasileiros, reunindo cer-
interação das pessoas que as usam com o mer- ca de 650 membros que trabalham em diversos
cado ilícito e violento. Há estudos, por exem- projetos e programas de redução de danos, a
plo, com a metadona, demonstrando como sua maioria deles financiada através da Coordenação
entrada no mercado ilícito e a venda com con- Nacional de DST e Aids. Em 2003 foram capaci-
centração e pureza alteradas são deflagladoras tados pela Aborda representantes destes 19 esta-
de problemas com sua qualidade e crimes. O dos a atuarem como Centros de Capacitação em
mesmo vem acontecendo com a buprenorfina Redução de Danos, criados Centros Regionais de
em vários contextos2, 5, 6. Redução de Danos, abrangendo Norte, Nordeste
e Centro-Oeste (CRRD-1), Sudeste (CRRD-2) e Sul
Há aqui o desafio de discutir TS no Brasil para,
(CRRD-3), com a missão de fomentar consistên-
por exemplo, cocaína e maconha, incluindo um
cia ao movimento de redução de danos e apoiar
possível papel de disponibilização destas mesmas
os trabalhos locais, aglutinando os envolvidos e
drogas (como já se faz com nicotina na medicina
descentralizando o gerenciamento da Aborda.
privada), com qualidade controlada pelo Estado
e em contexto regulado e normatizado no Siste- O Primeiro Treinamento Nacional de Reduto-
ma Único de Saúde (SUS), como forma de esvazi- res de Danos foi organizado pela Aborda em 1999
ar os danos causados pela condição de ilegalida- (até abril de 2003 foram capacitadas aproximada-
de e vinculação ao dito tráfico de drogas. Tal mente 350 pessoas). Através de projetos implanta-
discussão deve incluir a alternativa de regulamen- dos com a Aborda foram abertos programas de RD
tação da produção e consumo em algum nível. em Minas Gerais, Acre, Ceará, Pernambuco, Espíri-
Não nos esqueçamos da necessidade de se discu- to Santo, Paraná, Mato Grosso, São Paulo, Rio Gran-
tir a mesma disponibilização de álcool, talvez en- de do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, inclusi-
riquecido com tiamina, para usuários em condi- ve com suporte para criação de associações locais
ção de indigência e que lançam mão de fontes de de redutores de danos. Os associados (pessoas que
álcool mais tóxicas (inclusive com metanol) quan- trabalham em diversas instituições – governamen-
do a decisão de como resolver o desconforto da tais e não-governamentais) têm na Aborda um es-
síndrome de abstinência é feita tendo na facilida- paço de encontro para discutirem e aprimorarem
de do acesso a algo que contenha álcool o crité- suas práticas, tanto como provedores de serviços
rio definidor. de prevenção e assistência a usuários de drogas
quanto como ativistas do movimento social.
O desafio de institucionalização destas pro-
postas é ampliado pelo fato de nem sempre se- Conquanto a cobertura dos programas de re-
rem compatíveis com a cultura institucional onde dução de danos (PRDs) seja numérica (em número
se desenvolvem as ações, além de que a própria de usuários atingidos) e geograficamente ampla, ela
política de drogas nacional carece de definições. é ainda frágil em termos de continuidade e
A nosso ver, a Secretaria Nacional Antidrogas sustentabilidade das ações. Muitos dos PRDs são
(Senad) não tem perfil nem papel definidor desta projetos dependentes de financiamento e não auto-
política, já que não reúne o repertório real de con- sustentáveis, e a institucionalização e a
tribuições dos Ministérios da Justiça, Saúde e Edu- profissionalização das ações de RD são incipientes,
cação para ir além da repressão e da identificação insuficientes e pouco sólidas. Uma das propostas que
com a superada política norte-americana de guer- estão sendo estruturadas é a busca da
ra às drogas, também carente de substituição. profissionalização dos redutores e da inclusão de

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Campos & Siqueira Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos

técnicas de RD (e de TS) nos currículos de formação de danos feitas pela Aborda desde 1999. Estas
de recursos humanos dos Programas de Agentes substituições são particularmente relevantes no
Comunitários de Saúde (Pacs) e Programa de Saúde nosso meio, onde as terapias de substituição clás-
da Família (PSF). Alguns dos PRDs (p. ex.: Paraná, sicas (de opiáceos) hoje quase não têm função.
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia Auxiliar na demarcação, no Brasil, da frontei-
e Minas Gerais) atuam com algum grau de ra entre atos terapêuticos complexos e não-com-
interatividade com o SUS, inclusive com interação plexos, bem como no estabelecimento de um
com PACS e PSF, além da gradativa aproximação corpo organizado de técnicos e conhecimentos
com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). sobre substituição, a exemplo do que já existe em
Esta interação é forma de equacionar o outro alguns países, é um dos papéis da Aborda.
lado da moeda das ações de RD: a melhoria do Consideramos que o público-alvo para tera-
acesso das pessoas que usam drogas aos insumos pias de substituição pelos redutores de danos que
e serviços de assistência em saúde, cabendo, além atuam em campo não são todos os usuários e que
de facilitar aquele acesso, trabalhar pela melhoria os redutores e agentes comunitários de saúde não
da qualidade desta assistência, precária qualitati- serão os mais indicados para proceder a algumas
va e quantitativamente. substituições. Há usuários de álcool e outras dro-
As terapias de substituição podem ser pensa- gas que necessitarão de suporte com maior nível
das como ampliação de repertório da assistência de complexidade. O papel dos redutores de da-
a pessoas que usam drogas, mesmo no contexto nos é mais bem desempenhado onde se pode pro-
de precariedade do SUS. mover o acesso destes usuários a serviços de saú-
Cabe aqui a observação sobre o próprio concei- de (SUS), os quais são poucos e nem sempre
to de terapias de substituição, já que encontramos transigem com a condição de usuários (em geral,
entre elas algumas que se caracterizam como atos a meta colocada é não usar drogas), sendo ne-
terapêuticos (envolvem processo diagnóstico e cessário normatizar as alternativas de substituição
terapêutico, inclusive com prescrição de medicamen- (assim como está sendo com as alternativas de
tos, idealmente seguindo protocolos amparados na redução de danos) nestes serviços.
literatura científica) e outras que a nosso ver são Existe potencial para aproveitamento da rede
passíveis de apropriação (e na verdade já aplicadas) de redutores de danos, que tem entre seus papéis
pelos redutores de danos, cuja capacitação tem ní- o de facilitar o acesso das pessoas que usam dro-
vel de sofisticação similar ao dos agentes de saúde gas a insumos e serviços de saúde, na consolida-
comunitária (embora diferente – discussão sobre o ção das terapias de substituição outras, além das
processo de profissionalização dos redutores de da- que eles já conhecem e orientam. Mais que execu-
nos está sendo conduzida, com participação direta tora de terapias, a rede de redutores, que na Abor-
da Aborda, junto ao Ministério da Saúde). É possível da inclui grande número de pessoas que usam ou
que seja mais adequado reservar a expressão terapi- já usaram drogas, pode também participar direta-
as de substituição para aquelas substituições que se mente na construção de conhecimento sobre as
caracterizam como atos terapêuticos complexos terapias de substituição, seja como partícipe em
(estamos tentando evitar a expressão ato médico protocolos de pesquisa, seja como detentor de co-
para não haver confusão com defesa da classe dos nhecimentos a serem cientificamente avaliados
médicos como se fossem os únicos aptos a conduzir como potenciais terapias de substituição.
tais tratamentos). Entre as formas de substituição e redução de
As formas de terapias de substituição aplicá- danos de que temos relatos citamos a troca de
veis em campo podem e devem ser consideradas cocaína por anfetaminas, o álcool por maconha,
papel dos redutores de danos (e dos agentes de o uso de doses baixas de cocaína para contraba-
saúde comunitária em geral). Orientações como lançar o efeito depressor do álcool (p. ex.: ao di-
a substituição do crack por maconha (ou do crack rigir), todas já apontadas em campo por usuários
puro por mistura com maconha) ou da cocaína de drogas e merecedoras de avaliação quanto ao
injetada por inalada são formas de substituição já seu real valor, seja como estratégias a serem re-
incorporadas ao repertório de alternativas ofere- conhecidas e apropriadas para obtenção daquela
cidas aos usuários de drogas, sendo tema de dis- melhor compatibilidade entre o sujeito e a droga
cussões nas capacitações nacionais de redutores em cada contexto, seja para desaconselhar subs-

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 391


Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos Campos & Siqueira

tituições tidas como vantajosas quando, após se- confusa, limitadora dos benefícios que as pessoas
rem estudadas, não demonstrarem sê-lo. que usam drogas e a sociedade em geral podem
Neste ponto há que se considerar maior obter com sua disponibilização. Esta disponi-
maleabilidade e disposição para enfrentamento bilização, por sua vez, implica descriminalização e
de questões legais pelas organizações da socie- regulamentação de consumo de psicoativos hoje
dade civil que possuem o já discutido papel de tidos como ilegais, essenciais tanto para realmente
transformação social. Por exemplo, a troca de operacionalizar a TS destes psicoativos no SUS
crack por maconha é conhecida e estimulada como para quebrar a vinculação de pessoas que os
pelos redutores de danos em campo, mas a usam (mesmo se não-formalmente inseridos em
maioria das instituições (governamentais ou TS) com a criminalidade. Substituir a condição de
não) que realizam atendimento a usuários de incluídos na marginalidade pela inclusão social se-
drogas, presas ao discurso antidrogas , ainda ria o ganho maior da implantação das TS tanto para
reluta em admitir sua utilidade ou o faz de for- estas pessoas como para a sociedade em geral.
ma extremamente tímida, deixando de explo- Somos uma sociedade de consumo, tendo o
rar esta alternativa mesmo quando potencial- desejo como mola mestra desse processo que não
mente mais benéfica para quem atende. sobrevive sem a continuada reinvenção do dese-
jo e o incitamento à busca de sua satisfação. As
substâncias tidas como drogas podem ser vistas
como mais um produto para aquela satisfação,
Conclusões e considerações
além de tamponamento para a insatisfação.
finais
Em tempos de globalização há o risco de sobrar
Classificar RD (que inclui as TS) como medi- aos estados menos técnica, política ou economica-
da paliativa não faz sentido, já que o seu objeti- mente capazes de construir e defender suas deci-
vo não é perpetuação de situação de uso pro- sões se submeterem a interesses que não são os do
blemático de drogas, o que seria manter ou seu povo, exercendo o seu poder para a repressão,
mesmo aumentar danos ao invés de reduzi-los. o que os distancia da função fomentadora de bem-
Os tratamentos de substituição podem também estar social para todos. Ao passar a instrumento para
ser vistos como redução de danos (ainda que não servir ao fluxo de capitais, o Estado perde as suas
ideologicamente identificados com o movimen- bases, sua soberania e independência, tornando-se
to social de RD) para os que, em sofrimento com mero serviço de segurança (policial inclusive) para
sua condição de usuários, desejam ajuda para os incluídos nas relações legal e socialmente aceitas.
interromper ou organizar o uso, e sempre lem-
brando que RD, como entendida pela Aborda, Os que não pertencem à elite ou não estão dis-
não considera a abstinência a única meta válida postos a modificar seus modos de vida para
ou estado ideal de controle sobre o uso. O obje- compactuar com as mesmas regras (como grande
tivo é a convivência mutuamente respeitosa, o parte das pessoas que consomem drogas ilegais) são
bem-estar para os indivíduos com maior sintonia continuadamente acusados de serem ameaça ao Es-
entre direitos individuais e coletivos. tado ou à sociedade, desqualificados e incluídos na
marginalidade. Mesmo usuários de drogas de alta
A inclusão das TS de forma mais sistematizada e renda, a despeito de estarem menos vulneráveis à vi-
institucionalmente sustentada na rede de saúde do olência das regras do tráfico, também têm seus hábi-
SUS tem no movimento de redução de danos tanto tos estigmatizados (e bem escamoteados para os de
um potencial executor como um beneficiário: ao fora) e alguma vulnerabilidade ao envolvimento com
melhorar sua atuação com a inclusão das terapias outras formas de violência, como a corrupção.
de substituição, os redutores de danos também se
fortalecem como categoria profissional. Neste contexto antidrogas, os muros dos con-
troles, dos quais a política de tolerância zero (que
Pelo olhar da RD, as TS não devem ser confun- também pode ser lida como intolerância 100%)
didas como etapas ou estratégia para busca de abs- é instrumento, ficam mais altos, as satisfações dos
tinência, nem justificadas ou reforçadoras de atitu- sonhados desejos ficam mais distantes, as pontes
des antidrogas. Tal constructo teórico (a inclusão para o atravessamento para uma vida mais digna
de TS como parte do discurso antidrogas) seria, e cidadã revelam-se poucas, estreitas e quebradi-
além de cientificamente inconsistente e de lógica ças. É tempo de inverter esse processo, e a redu-

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Campos & Siqueira Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos

ção de danos, como movimento social – do qual Agradecimentos


a Aborda é expoente – é um dos caminhos para
devolver à sociedade brasileira e ao Estado por A Francisco Inácio Bastos, Christiane Moema
ela constituído a condução da sua política de dro- Alves Sampaio e Luiz Paulo Guanabara, pelas con-
gas, com justiça e independência. tribuições.

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ampliando o acesso e a acolhida dos serviços de tratamen- 1002.
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estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto
risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1999, p. 66-9. Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência


Marcelo A. Campos
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publicação, em qualquer forma ou meio, do arti- • Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller
go..............., garantem que o artigo é inédito e não M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from
está sendo avaliado por outro periódico e que o estu- ‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of
clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch
do foi conduzido conforme os princípios da Declara-
Gen Psychiatry 1995; 52:114-23.
ção de Helsinki e de suas emendas, com o consenti-
mento informado aprovado por comitê de ética Livro
devidamente credenciado.” (incluir nome completo, en- • Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New
dereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de to- York: Oxford University Press; 1990.
dos os autores).
Capítulo de livro
• Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:
literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope
Avaliação por pareceristas DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis
(peer review assessment and treatment. New York: The Guilford Press;
• Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados 1995, p. 261-309.
por dois pareceristas independentes.

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“The undersigned authors transfer to Diagraphic Edi- Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller
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entitled...................., guarantee that this article is not clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch
being evaluated by another periodical and that the Gen Psychiatry 1995; 52:114-23.
study has been conducted according to the Declaration Book
of Helsinki and its amendments with informed consent
Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New
duly approved by an independent review board (IRB).” York: Oxford University Press; 1990.
(include the complete name, addresses, telephone, fax,
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Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:
literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope
DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis
Peer review assessment and treatment. New York: The Guilford Press;
• All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed 1995, p. 261-309.
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