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Nesse contexto, desde os anos A discussão sobre o tema de álcool
1980, profissionais ligados à e outras drogas na sociedade
luta contra à aids iniciaram uma contemporânea, perpassa, em
jornada crescente pela abordagem
não punitiva do tema drogas e a
Drogas & Sociedade geral, por um discurso moralista,
criminalista e punitivista, o que
população nele inserida, relevando
a importância da criação de uma Contemporânea: impede uma reflexão crítica e
produz um efeito nefasto para o
abordagem diferenciada que discuta indivíduo e para a sociedade. Nesse
a estruturação do modelo vigente e
a defesa dos direitos dessas pessoas.
perspectivas para além do proibicionismo entendimento simplista, a droga é
encarada como a “metáfora do mal”,
Mobilizaram-se em considerar o situação em que o próprio termo
respeito ao direito ao uso dessas “droga” adquire um significado
substâncias pelos indivíduos e negativo, reforçado em contextos
ISBN 978-85-88169-32-6.
1. Drogas ilícitas 2. Política de saúde 3. Saúde – Legislação 4. Drogas –
Redução de danos I. Figueiredo, Regina. II. Feffermann, Marisa. III. Adorno,
Rubens. IV. Série.
CDD 363.45
Resumo:
O capítulo analisa as políticas de droga adotados em vários
países, a partir de quatro grandes modelos de controle: (1) proibi-
cionismo, (2) reducionismo, (3) despenalização e seus diversos sub-
modelos e o (4) modelo de regulação. Aponta que a análise dessas
Introdução
– o modelo proibicionista
como Nutt, King e Saulsbury (20) e Nutt King e Philiphs (21) contestam as
bases não científicas dessa distinção atual, ao analisar os riscos e danos
decorrentes do consumo, de forma comparada, de vários tipos de drogas,
não encontrando motivos suficientes para essa classificação atual, apon-
tando para a falta de critérios nessa distinção normativa, havendo subs-
tâncias como a cannabis, por exemplo, verificadas empiricamente como
menos danosas em seus efeitos do que o álcool que é atualmente lícito.
É importante recordar que o modelo proibicionista foi inicialmente
elaborado para o controle do uso de álcool nos Estados Unidos, na década
de 20 do século XX, por meio da chamada “Lei Seca”, que vigorou por mais
de dez anos, mas não conseguiu frear as fortes raízes do consumo social
de bebidas alcoólicas naquele país. Frente à implementação da lei, o cri-
me organizado teve enormes lucros e nunca se consumiu tanto álcool nos
Estado Unidos. Não obstante, enquanto durou a proibição, a intensidade
da repressão levou muitos vendedores de álcool à prisão. O fracasso desse
tipo de política, marcada pela intransigência, levou à liberação do consu-
mo de bebidas alcoólicas após pouco mais de uma década, enquanto a
tese proibicionista se voltou para outras drogas, por influência comercial
e política.
A mudança da política em relação ao álcool levou à substituição
da ideia, para esse tipo de droga, de abstinência por uma “moral social
de moderação”, que prega o consumo moderado de bebidas alcoólicas,
tendo a tese proibicionista (e absenteísta) se voltado para as drogas nar-
cóticas e psicotrópicas, que passaram a estar sujeitas a controle policial
repressivo, enquanto que o álcool foi liberado e sua indústria se desen-
volveu amplamente.
Diz-se, portanto, que tal modelo se baseia sobre o fundamento ad-
vindo da moral protestante do século XIX, que vê na abstinência um ideal
de virtude. Como bem analisa Caballero (9), a tese de abstinência idealiza
a figura de um cidadão modelo: religioso, abstêmio, sem vícios e que vive
tranquilamente em sociedade. Contudo, este ideal é de difícil realização
prática, pelo dado antropológico de que as pessoas sempre consumiram
algum tipo de droga. Por mais que se considerem certas virtudes sociais
de comportamentos socialmente regrados e conformistas, não há como se
impor um modelo ideal a toda uma sociedade, ignorando a diversidade.
I Recentemente, no final de 2016, os estados da Califórnia, Maine, Massachusetts e Nevada legalizaram e regula-
ram o uso de maconha por adultos, se somando ao Colorado e Washington State (que o fizeram em 2012), além
de Oregon, Alasca e Washington-DC que alteraram suas leis referentes à cannabis (28).
II Isso se dá em países como a Holanda, e também nos Estados Unidos, onde o Ministério Público pode deter-
minar orientações sobre casos em que os acusados serão processados, ou não, indicando prioridades para a
atuação da repressão.
III A Lei portuguesa n. 30/2000 (24) entrou em vigor em 01.07.01 e descriminalizou o uso e a posse de pequena
quantidade de droga para uso pessoal, que não mais constituem infração penal, mas sim contra-ordenação,
prevista no art. 2o., n. 1 da referida lei, que seria o equivalente a uma infração administrativa. As condutas de
consumir, adquirir e deter para consumo próprio foram descriminalizadas, porém a ação de cultivar ainda que
para uso próprio, foi expressamente excluída pela lei, sendo mantida como crime (26).
IV Para dados mais aprofundados sobre a realidade da política de drogas latino Americana, ver Correa, Corda e
Boiteux (23).
V O Recurso Extraordinário n. 635.659 (27) aguarda julgamento pelo STF desde agosto de 2015 após voto dos
Ministros Gilmar Mendes (a favor) e dos Ministros Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Facchin, parcialmente
favoráveis, somente à descriminação da posse de maconha.
polícia, portanto, não são reprimidos nem punidosVI. Por outro lado, a posse
de substâncias “pesadas”, como heroína e cocaína, é punida de acordo com
a quantidade: até 0,2g o procedimento será suspenso pela polícia, mas será
mantido o registro da ocorrência, além da apreensão da droga. As penas para
o crime de tráfico e equiparados têm penas bastante altas (19).
A premissa básica da política dos Países Baixos é que algumas pes-
soas vão consumir cannabis de qualquer forma e, diante disso, é melhor
que ocorra em um ambiente seguro, do que nos ambientes criminais sub-
terrâneos, razão pela qual a polícia não reprime os coffee shops, que são
controlados e fiscalizados pelas prefeituras.
A tolerância com relação à cannabis se estende ainda a alguns atos
de comércio, permitindo a abertura de coffee shops que funcionam como
bares e também vendem pequenas quantidades de maconha e seus de-
rivados ‒ os quais são estritamente controlados e fiscalizados de acordo
com as linhas traçadas pela Promotoria de Justiça. Para funcionar legal-
mente estes estabelecimentos devem respeitar certas diretivas, e depen-
dem de autorização prévia de uma comissão governamental para abertu-
ra e vendaVII (10).
Além disso, na Holanda, a ampla aplicação de programas de redu-
ção de danos, conjuntamente com a tolerância ao comércio de cannabis,
faz com que de 70 a 80% dos dependentes estejam recebendo tratamento
e assistência sanitária pelo sistema médico-social, além de ter uma das
mais baixas taxas de contaminação do vírus da aids entre usuários de dro-
gas injetáveis (9, p. 771-772).
Recentemente, com a chegada de um governo de centro-direita ao
poder na Holanda, foram introduzidas algumas mudanças pontuais nes-
sa política. Novas regras nacionais de tolerância datadas de 1º de janeiro
de 2013 determinam que apenas “residentes nos Países Baixos” estão au-
VI As autoridades seguem o expediency principle, especificado nas linhas-mestras publicadas pelo Escritório do
Promotor Público, especialmente na Guideline de 1996, revisada em 2001 (19). Com relação ao plantio, tolera-
-se o cultivo de até cinco pés de maconha, enquanto que uma cultura de cinco a dez pés é passível apenas de
punição por multa.
VII Os estabelecimentos não serão processados pela venda de cannabis se seguirem as seguintes condições: i)
venda somente de derivados da cannabis, proibido o comércio de drogas pesadas; ii) proibição de venda con-
junta com álcool; iii) proibição de propaganda; vi) vetada venda a menores; v) quantidade de venda limitada
a 5 gramas por pessoa; vi) não pode haver distúrbios públicos; vii) previsão de limite máximo diário (500g) de
estoque de cannabis (15).
VIII Em tradução livre: “Não há evidências de que o componente de despenalização da política de 1976, por si só,
tenha aumentado os níveis de consumo de cannabis”.
Conclusão
Referências
IX A legislação uruguaia sobre drogas está contida nos seguintes dispositivos legais: Decreto-lei nº 14.294 e as Leis
n. 17.016, 17.835, 18.494, 19.007 e a mais recente Lei n. 19.172, regulamentada pelo Decreto n. 201/2014, que
criou o mercado regulado.