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<e~gN~ : J

Capítulo 1

o sentido de Estado social


capitalista

Em algumas produções, sobretudo aquelas que marcam o início


de minha trajetória acadêmica, designo o conjunto de políticas sociais
capitalistas como "Welfare State" ou Estado de Bem-Estar Social,
referenciada el~l autores nacionais ou internacionais' cjue adotam tal
nomenclatura, ainda que com algumas distinções. Contudo, O conta-
to com novas bibliografias antes desconhecidas e o aprofundarnento
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de estudos e análises, sobretudo após Doutorado, levou-me a rever °
:!~ o uso dessas terminologias para designar ,1S políticas sociais instituí-
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das no capitalismo contemporâneo após a crise de 1929. Desde final
~~~
dos anos ]<)90,'passo a utilizar o termo "Estado social" para me refe-
li'
rir à regulação estatal das relações econômicas e sociais no capitalis-
mo, que têm nas políticas sociais uma determinação central.
Não se trata somente de indicar uma escolha aleatória de no-
menclarura, mos de assumir e explicitar lima posição teórico-política
que busca precísur o scnüdo das políticas sociais .no capitalismo.
Posição esta jn moncionndn em. alguns artigos e aqui abordada de
modo mais aerofundndo.

1. Os nulnt'cS 11 qUI' 11\(1 fIIlllIll'NlnJl rl"ltlll~ 1111IilhllUiI'llllIl.


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IVflNI fi; HW,C>itll11 A'.-.I~rn~i~I;' ',(ir fí\1 I:J 11i\~AI,Pliti') t M'jiAIi',Mo ,.

1.1 Por que Estado social?" políticas sociais 6 a de que estas S~() resultado de relações contradi-
tórias determinadas pela luta de classes, pelo papel do Estado e pelo
'(tbc, desde logo, um registro de fundamental importância: de- grau de desenvolvimento das forças produtivas, conforme já expli-
lliKntll' de "Estado social" a regulação econômica e social efetivada citamos em livro que tive a oportunidade de escrever com Elaine
Behring (Behring e Boschetti, 2006).
'fwlo EI-dlldo no capitalismo tardio não significa atribuir ao Estado urna
1I11I\lw,,",1I nnücapttalísta. e menos ainda Lhe atribuir qualquer inten- Significa reafirmar que as políticas sociais são conquistas civili-
'1l)llIlIldild~ de :'i(wic)liznl' a riqueza por meio de políticas sociais. zatórias CJuenão foram e não são capazes de emancipar a humanida-
'I'1'IlIIl-HV, ,1Ll contrúri», de tentar lhe atribuir uma designação ou ca- de do modo de produção capitalista, mas instituíram sistemas de
1•• )dl·l'izJç~o pnl'n dernonstrur que () fato de assumir uma "feição" direitos e deveres que, combinados com a instituição de tributação
'(leio) I por meio de dlrcltos implcrncntados pelas políticas sociais não mais progressiva e ampliação do fundo público, alteraram o padrão
retira do Estado sua natureza capitalista c nem faz dele uma instância de desigualdade entre as classes sociais, sobretudo a partir de sua
neutra de produção de bem-estar. expansão na segunda metade do século XX. Alterar O padrão de desi-
Conforme já venho,silléllizando, ílSSUI1)O a interpretação que a gualdade não significa superar a desigualdade, mas provocar a redu-
intervenção do Estado naregulação das relações capitalistas de pro- ção das distâncias entre rendimentos e acesso aos bens e serviços
dução sofreu enorme mudança desde a grande crise de 1929, quan- entre as classes. Embora com imensas disparidades entre os países
do o Estado passa a ser um ativo indutor das políticas keynesiano- do capitalismo central e periférico, o desenvolvimento de políticas
fordistas, Nos países capitalistas da Europa ocidental, a intervenção sociais passou a ser uma tendência geral das sociedades capitalistas,
estatal p<1SS0Lla ser crucial na definição de normas e regras e na que instituíram sistemas de proteção social e passaram a assumir um
garantia de fundo público necessários ao surgimento e desenvolvi- papel fundamental na garantia das condições gerais de produção, por
mente de amplas políticas sociais, que passaram a constituir novos meio da socialização dos custos da produção (Gough, 1982; Mandei,
sistemas de proteção social, antes inexistentes sob essa forma e de- 1982 e 1990; yYood,20(6).
signação, Tal perspectiva não coaduna com posições plurf,Ilstas que Se esta é.uma determinação fundamental e comum às políticas
explicam o surgirncnto das políticas sociais como resultado exclusi- sociaisno capitalismo, o mesmo não sepode afirmar sobre sua origem,
vo das ações das elites e nem se rende às perspectivas íuncionalistas processo de desenvolvimento, configuração e abrangêncía que definem
de inspiração marxista que explicam as políticas sociais corno exclu- o formato das experiências concretas. As experiências concretas são
siva invenção do Estado capitalista pura subsumir a classe trabalha- diversas porque se origem na histórica relação entre () grau de de-
dora às relações capitalistas. A perspectiva assumida na análise de ~ senvolvimento das forças produtivas, o papel do Estado e das classes
socia is em cada país. Considera-se, portanto, que as condições na-
2. Em 2002 escrevi um texto intitulado "Seguridadc social: a armadilha dos conceitos", que cionais atribuem aos sistemas de proteção social características e
integrava o projeto de pesquisa" A scguridade social dilapidada: elementos determinantes de
particularidades que 00 distinguem sem, contudo, suprimir sua
sua (r<1bmentilção no B~asil ", apoiado pelo CNPq. Esse texto foi publicado como item do artigo
"Irnpiicações da reformá da Previdência Social na seguridadesocial braslJeir,," na revista PsÍ-- rnorfologia estruturalmente capitalista.
cologio e Sociedade. São Paulo, Abrapso, 2003b, e tinha o objetivo de qualificar a seguridade Ainda que nçUc.'H n:-lHlstt..'11clnIA
públicas assumam organicidade
sodal e distulgui-hicle termos como Wdfare State, Étllt Prouidencc, Estado de Bem-Estar Social.
Retorno parcialmente este texto, com substanciais mudanças e destinado; agora" a guailliçar o legal. desde o século XVII nll 11lj.;lnll.'f'r'o ~' flH primeiras iniciativas
~l'nli\lo do Estado social no capitalismo e nâo somente da seguridade social. estatais de in11'Innln,'l1l1 dl IWglll'oH H(H,'11l111
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passam 11 OI.H:I'Ut1.lI'M uni complexo (e eficiente, do ponto ele vista


século XIX na Alemanha (Castel. 1Sl95; Pierson. 1991; Boschetti, 2003<1),
cLlpitnLista) !!Il~lernil público de garantia de (quase) pleno emprego,
só S(~ pode fa Ia r em sistemas de proteção social públicos a partir da
de demanda efetiva ~ de direitos e serviços sociais que asseguram
rcgulação estatal que passo a se materializar após a crise de 1929 e se
condições de bem-estar até então inexistentes, mesmo em situação
expande após a Segunda Guerra Mundial. Isso pl1rque um sistema
de ausência de emprego (Behríng e Boschetti. 2006).
dt' proteção social n50 é somente a justaposição de programas e po-
lflk.1N soclnis, c rampouco se restringe a uma política social, o que Estes sistemas de proteção social se desenvolveram largamente
Igl1li'kn d 1:I,L'f qL11.) n exlstêncla de políticas sociais em si não constitui após 1945, estruturados sobre os pilares da regulação do mercado
de proteção social. O que configura a existência de um
11111 1'l1111l'l11t1 pelo Estado, assentados na garantia de oferta de serviços e demanda
IL'Ii\U de pl'OlCÇ~O R (lei a I é ü conjunto organizado, coerente, siste- efetiva de consumo, sendo as políticas sociais uma importante estra-
i\HlI lco. planejado de d lvcrsas políticas sociais, financiado pelo fundo tégia de manutenção do "pleno" emprego e ampliação do consumo,
públlco c que gnr<lnte proteção social por meio de amplos direitos, Por um lado, elas contribuíram enormemente na criação de empregos,
bens c serviços sociais, nos áreas de emprego, saúde, previdência, ao instituir bens e equipamentos públicos, como hospitais, escolas,
habitaçâo, assistência social, educação, transporte, entrEi outros bens moradias, centros de assistência social, instituições de administração
e serviços públicos. Tem como premissa o reconhecimento legal de e gestão das políticas sociais. Por outro, contribuíram no aumento do
direitos e a garantia de condições necessárias ao exercício do dever consumo, pois permitiam liberar parte dos rendimen tos salariais para
.estatal para garanti-Ias. ativar O gasto com aquisição de mercadorias. Também sLlstent~rilm o
Apesar das d ivergêncías teóricas e políticas que podem ser obser- consumo daqueles que não podiam trabalhar (em decorrência da
vadas entre pesquisadores dessa ternática.' não há .dissenso quanto i!i
~t:
idade, desemprego, doença) por meio de prestações monetárias, ditas
ao reconhecimento que a articulação das políticas sociais em um ~ de substituição ou compleruentação de renda (aposentadorias, pensões,
~
sistema integrado de regulação social e econômica, comumente de- N auxílios e programas de assistência social). As políticas sociais, orga-
ri
-t«
signado de "sistema de proteção social", passa a ser um cornponen- nizadas em sistemas de proteção social foram, portanto, importantes
Ie fundamental das medidas anticrise após a crise de 1929. Nos estra tégias de sustentação do crescimento econômico veri ficado no
países capitalistas da Europa ocidental, sob orientação keynesiana e período de predomínio da regulação fordista-keynesiana, entre a
beveridgiana,4 em contexto de produção fordista," as políticas sociais década de 1940 e a década de 1970 (Castel, 1995; Palier, 2005; Behring
e Boschetti, 2006). É a esse conjunto de políticas sociais, articuladas
às políticas econômicas, que assegurou o quase pleno emprego, ou
3. Pierson (1991). por uxemplo. data o ~urgil1lento do Wc1{Clre State no período entre 1880-
1920, com o surgimcnto dos primeiros seguros e generaliza uma periodização pa~a a Europa, .,ri uma sociedade salarial nos termos de Castel (1995), nos países do
':4
afirmando que os anos 1918-1940 forJI11 de consoüdoção e desenvolvimento e os 'anos 1945-1975 capitalismo central europeu, bem como possibilitou o acesso amplo
corres ponderam à idade do ouro do Wtifarc State. a direitos e serviços públicos de educação, saúde, previdência e as-
4. Os clássicos textos de Keynes e Beveridgc, publicados respectivamente em 1936 e 1941
na Inglnlerra, foram decisivos na constituição de políticas econômicas c sociais que tinham o sistência social, que se designa como Estado social capitalista.
objetivo de regular o capitalismo, garanlir o consumo e assegurar as taxas de lucro. As prestações sociais monetárias (em forma de aposentadorias,
. S. O fordismo marca o surgímento da produção em série.(proclução em massa para con-
sumo de massa) com vistas 11 ampliação da produção em menor espaço de tempo e extração
pensões, seguro desemprego. assistência social em situações especí-
dos .lucros por meio da intensificação do trabalho e exploraçiio da força de tr~baJho dos ope- ficas) passam fi OHHW11il' (1 (unção de garantir um rendimento em
nldos. Tem origem nas fábricas de Hcnry Ford, nos Estados Unidos, a partir da década de 1914. situações de nw\(tl1cln dl' /oIllh'l'lo, EHHrt condição é interpretada de
I. Harvey (1993, 200.1), Cramsci (200l). Ótima síntese está em Netto eBráz <1006).
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diferentes maneiras, conforme a abordagem teórico-política adotada. explicar, descrever, dernonstrur e caracterizar um fenômeno da reali-
Para Polanyi (1980), essa forma de proteção social liberou os indiví- dade. Os conceitos tendem a ser formulaçôes abstratas, no campo das
duos das "puras" leis do mercado. Para Castel (1995/1998),Ó instituiu representações que buscam definir um fenômeno a partir de sua
uma "propriedade social" intransferível e indisponível para venda compreensão) que pode ou não partir de observações empíricas, O
no mercado. Para Esping-Andersen (1991, 1999,2010), possibilitou a uso de expressões como We~fare Siaie, ÉtaJ Prooidence e Estado de
"dosmurcantilízação" de certos bens e serviços. Na perspectiva mar- Bem-Estar Social, na maioria das vezes, assume esse sentido de con-
IHtn, corno ti de Mandei (1982, 1990) e Gough (1982), o sistema de ceito teórico para explicar ou designar o conjunto de políticas sociais
PI'o\I"IÇnO soclnl que se erigtu na forma de Estado social capitalista empreendidas pelo Estado após a Segunda Guerra Mundial, sob a
lHHl'}\lII"ll II reprodução ampliada do capital, regulação keynesiana. Com raras exceções, os estudos e pesquisas
recunhcclmont« dos direitos sociais e, sobretudo, sua univer- apontam seus limites e possibilidades, indicam sua abrangência.
.~L1I1Xt\Çlio f)()S sistcmns de proteção social capitalista, seja em forma descrevem suas dimensões, configurações, financiamento e impacto
de bens e serviços, seja em forma de prestações sociais monetárias, na redução das desigualdades, mas poucos desenvolvem explicações
possibilitou a melhoria das condições de vida, certa redução das sobre sua verdadeira essência ou natureza capitalista. Em outras pa-
desigualdades sociais e certa distribuição do fundo público. Mas, lavras, tratados como conceitos em si mesmos, essas expressões ex-
certamente, não desmercantilizou as relações sociais, que continuam plicam o surgirnento e desenvolvimento das políticas sociais, trazen-
regi das pelas relações capitalistas fundadas na produção socializada do em sua designação um sentido já definido apriorísticamente e
ena apropriação privada de seus resultados. conceitualmente de "bem-estar" social. Ou seja, traz em si a repre-

O que se denomina aqui de Estado social capitalista, portanto,


a
sentação que regulação econômico-social estatal capitalista estabe-
leceu um Estado que é, inquestionavelmen te, de bem-estar social. Esta
é o Estado que, no capitalismo tardio (Mandel, 1982), assume im-
caracterização não é desprovida de intencionalidade e, sob o manto
portante papel na rcgulação das relações econômicas e sociais, ten-
do bem-estar, omite a verdadeira natureza das ações sociais do Esta-
do por base a constituição de um sistema de proteção social de
do capitalista.
natureza capitalista, assentado em políticas sociais destinadas a
Conceitos como Weljáre Siaie, Étaf Prouiâence e Estado de Bem-
assegurar trabalho, educação, saúde, previdência, habitação, trans-
4'
15' -Estar Social foram forjados historicamente para definir, explicar e
porte e 'assistência social.
justificar um suposto Estado capaz de assegurar o bem-estar, a pro-
Mas, por que o uso da categoria Estado social, e não Wl'lfare
teção social e a igualdade social no capitalismo. Sob estas definições
-State, Éia! Prouidence, Estado de Bem-Estar Social? Sabe-se que um
jaz uma perspectiva que sustenta a sociabilidade capitalista assenta-
conceito é comumente entendido como caracterização, concepção, ou
da nos direitos sociais burgueses. O que se intenta, com o lISO do
definição de algo. Assume a propriedade de definir e/ou evidenciar
termo Estado social para designar a regulação econômico-social por
as características gerais e específicas de urn fenômeno. Destina-se a
meio de polüicas sociais, é atribuir ao Estado capitalista suas deter-
minações objetivas, sem mistificações, ou seja, mostrar que a incor-
6. Todas <1$ citações de Castel C0l11 indicação dos anos de 1995-1998 se referem generica- poração de fcicõcs sociais pelo Estado não retira dele sua natureza
mente ao livro lvIdiIlIlOrjt)st's da 'Jlleslfio social; pois utilizo tanto a versão em francês (1.995)
·q\J~nto a tradução brasileira (1998). Quando faço uma citação literal, indico somente o ano e a
essencialmente cnpitnlista. É a tentativa de conhecer o Estado social
pAgina da edição em que foi extraída, capitalista "como ele ó em si mesmo, na sua existência real e efetiva,
íl

lndcpendentemente dos desejos, elas aspirações e das representações nação ~ que c, em sua maioria, designam positivamente a
llliílndl!I'Cm

~I(l pesquisador", como explica Netto (2009, P: 673) ao discorrer sobre Intervenção C'~pll(1Iista do Estado na área social. Grande parte da Ii-
11 teoria como uma modalidade peculiar de conhecimento rios lermos teratura brasileira sobre política social utiliza esses termos como si-
IIHII'xié"\llOS. A intenção aqui é tratar o Estado social como uma cate- nônirnos. No entanto.ias designações utilizadas em diferentes países
!~(Il'il1 c n50 corno um concei to. É ir além de sua expressão fenomêni- não possuem mesmo sentido, porque impregnadas de historicidade
ó

('j\ I' entender o Estado social como uma categoria determinante das e especificidades e sua simples tradução acaba gerando confusão na
1I'\dl1~'(~I'H cnpltallstas. já que as categorias são explicitação dos fenômenos que pretendem apreender. Por isso, a
distinção élpr~sentada a seguir busca exrlicitar o sentido histórico e
político destes conceitos nos países que lhe deram origem, com o
(..,) llbjellvoH, i'l ordem cio ser - são categorias onto-
i"l'nls (pertencem
intuito-de fundamentar o uso do termo Estado social corno categoria
It~gic.,s); mcd luntc procedimentos intclectivos (basicamente, mediante
mais apropriada para explicar a natureza do Estado capitalista que
a abstração). O pesquisador ,15 reproduz teoricamente (e assim, também
pertencem à ordem cio pensamento) - são categorias reflexivas). Por se erigiu após a crise de 1929 e se expandiu após a Segunda Guerra
isso 111eSI110, tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas Mundial nos países do capitalismo central e periférico.
,
e transitórias: as categorias próprias da sociedade burguesa só têm Uma primeira distinção importante a ser destacada é entre os
validade plena 110 seu marco ( ... ). (Netto, 2009, p. 687-(86) '~ conceitos We"lfare State (anglo-saxão), État Prouidence (francês) e
Sozialsiaat (alemão). São conceitos elaborados em cada nação para
o
LISO da categoria Estado social não atribui a priori nenhuma designar determinadas formas de intervenção estatal na área social e
avaliação valorativa sobre sua condição de "bem-estar" ou de "mal- econômica e muitas vezes incorporados ou traduzidos sem o devido
-estar". Apenas qualifica lima dimensão da ação do Estado no capi- cuidado na sua precisão e explicitação. É comum encontrar na litera-
talismo. Será a análise empreendida quedernonstrará a natureza tura anglo-saxônica a utilização do termo Wt'ljtlre Siaic para designar
. I '
capitalista desse Estado .que se forjou no processo histórico-social genericamente os paísesque implementaram políticas sociais sob a
corno elemento imprescindível na reprodução do capital. orientação fordista-keynesiana, ainda que os próprios não se caracte-
rizem C01110 tãI,
, como é ocaso da França e da Alemanha. Também é
Por outro lado, os conceitos Welfare State, Éinl Prouidence e Esta- . .

do de bem-estar social, aceitos quase universalmente COlTI0 definições usual encontrar na literatura brasileira esse mesmo movimento, ou
. .
da ação social do Estado, sem grandes questionamentos, possuem então utilizar sua tradução (Estado de Bem-Estar) para explicar a rea-
características históricas próprias e específicas da nação em que se lidade brasileira. Encontra-se ainda, mas de modo menos frequente,
materializam ..Mesmo que sua concretude nacional possa apontar para
fenômenos semelhantes, sua utilização não apresenta uma simples Outros autores, como Varela (2012) larnbérn utilizam o termo Estado social, a exemplo do livro
distinção vernacular." Os termos expressam particularidades de cada Quell/ pliga n E~tlldj) slwlt,II'''' I'prlll,lllll?, mas al~Llnsartigos desse mesmo livro também utilizam
a expressão Esl,)dn Provid~ncl,l corno sinônimo de Estado social. A maioria d.IS obras francesas,
ao se referir <10 seu si~lcrn,1 d~' fHoll'ç3n soclal, utiliza '"Étal Providence", mas ao se referir ao
7. Um exemploda dificuldade vernacular está expressa nos traduções de obras anglo- sistema dos países 11I1gl()·1I0X('l'S, u11111.n [1 expressão nriginnl Wdfllrr Stnte, Exceção na produção
-saxônicas. O termo Wt'lfare Sutte é traduzido em algumas obras brasileiras e espanholas como francesa, Castel (19t)!i·IYllfl) (' M~'rrl('il (2()()5) lHIOlnm O termo "Élal Social". No kelatórlo
Estado de Bem-Estar e Estado de Bienestar Icf. tradução do livro de Norrnan John$On/I99U e Beveridge; publicndn (11111\1<13111)
I)rUMII,n "xprl'~~('" "~()ci,11 security" foi traduzida como se-
Ia" Gough/"1982cibdos na bibliognlfi;'l). J~ em algumas obras portuguesas, esse mesmo termo gurança social. N(iS~~' IlIxtll, PMIll'vltill'I1N ilrtl1l1ll1lhll~ d.IM II'adl.l~Cll'S, iremos manter as expres-
Wlí"ild\I~Jdocolll() "Estado Providência" que, por SLW vez, origina-se do francês "Étal Providence". sões em seu idiuma 1ll'il11n111.
''''\~P'rj1I(fÂ~r,n:·I'lt.)~('Ht:ltt Ní~l!ill}J\I(:!A,'}Orli'!it Tt'H!/i.tllIU 1(" NrrrAfrIT/\í'.iMO
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também a utilização do termo Estado Providência para designação segundo tU. auloridadesm LU) icipa is. provoca va rn urna ca rga excessi-
. genérica da ação social do Estado capitalista." . va para Old centros de assistência municipais destinados a socorrer os
A primeira precisão a ser feita é que a categoria Es~ado social p()bn:~s"(Kott, jl 995, p. 16). As primeiras instituições assistenciais de
adotada aqui par<l designar a regulação social do Estado .capitalista socorro aos pobres que abrigavam inválidos e indigentes eram os
não deve ser confundida com seu equivalente utilizado na Alemanha. hospi tais, os hospícios e os centros assistenciaís de socorro aos pobres.
Nl'HH~' po(t-l, berço dos seguros sociais bisrnarckianos, ou seja, da ga- A primeira legislação alemã responsabilizando as prefeituras a socor-
runtln rumpulaórtn (.1(' prestações de substituição de renda em 1110- rcr os pobres C0l11 residência superior a 3 anos data de 1842. Pa ra
11\l'l1ltlHdI' rlHco lk\l'Iv'H.lol:i de' perda do trabalho assalariado, a expres- limitar o acesso de trabalhadores pobres à assistência social, as pre-
(llHlndo social) é utilizada para designar () conjunto de
11\ ,I10.//I/,4/1/I1l fei turas começ~m a substituir a assistência sacia I por seguros e inci tarn
pnl(lil'uli dl' PI'Ol~\\l'\() l.4ol'\ol que inclui os seguros sociais, mas não se os trabalhadores a contribuir ao seu financiamento. Uma lei nacional
IWl\ 1'1ngl.! [1 eles (Kou, ·1995), Por outro lado, o termo Wol7lfil1rrstaat, que de 1845 autoriza as prefeiturasa obrigarem os trabalhadores a con-
scrln a tradução literal de WL'ifllre S/Me, era empregada na Alemanha tribuire começa a instituir presente ainda J10je entre tra-
a clivagem
desde 1870 no Manifesto de Eisenach por simpatizantes socialistas balho, seguro e.assistência social. Essa lei de 1845, segundo Kott (1995,
chamados de "socialistas de poltrona" pelos liberais," que adotaram p. 27), "Introduz pela primeira vez umaobrigação de seguro social,
a expressãopara qualificar as reformas sociais propostas por Bismarck, verdadeira substituição à óbdgação de assistência municipal", Na
Também era utilizada pelos historiadores alemães para designar as- interpretação da autora, as legislaçôes: sobre os seguros sociais obri-
pectos queconsideravam positivos da ação da polícia nos governos gatórios de 1883 e 1884 têm sua origem na tradição assistencial ante-
alemães do século XVlII destinada a regular preços e que era critica- rior: "Éa esta legislação particular existente na Alemanha do Sul que
da por Adam Smith (Rosanvallon. ]981, p. 141). se deve atribuir a manutenção, na lei de 1883, do seguro municipal.
Para a autora alemã Kott (1995), as primeiras leis que ins.titucm Sua natureza subsidiária, e sobretudo seu funcionamento. remete à
os seguros obrigatórios para algumas poucas categorias profissionais esta tradição assiseencíal" (Kott,1995, p. 30).
sob o governo de Bismarck - Lei do Seguro Saúde (1883) e Lei do Desde sua origem, o Sozialstaat alemão assentou-se na tensa re-
Seguro contra Acidentes de Trabalho (1884) - foram precedidas por lação entre assistência social e seguro, entre os propósitos de vincular
lima série de Iegislaçôesmunicipais pontuais que asseguravam assis- os direitos dos trabalhadores ao traba lho obrigatório e, assim prescr-
tência social aos pobres. Segundo ela, uma das funções dos seguros VM a força de trabalho, ou proteger os trabalhadores ela indigência
sociais foi "responder ao crescimento do número deindigentes que, por meio da assistência social. No Sozialstuat predominou largamen-
te a expansão dos seguros sociais, tidos como a matriz do "modelo
8. A polêmica sobre a utilização genérica dOtí.'TI110, ou como identificar se um país é ou bisrnarckiano" de proteção social. Contudo, a expansão desse mode-
não. UIll We{fnre Stuíe está presente em vasta Iíterarura. Para citar os autores mals conhecidos, lo, e sua quase universaliznção, não eliminou a assistência social e a
vcr:Titmus:s{:1974),.!,loraeJ~leíd~.i1hdmer (1981), Espíng-Andersen (1991), GOllgh{l982),l'\.1.ishra
(19~5), ROSil.IlI'ill1ür: (1981), Durnont (1995), M uf<ld(l99J), Filgueira (1997)" No Brasil, as a li 101"<1s
primeira Ll)i de Seguro-Saúdo de 1.883 mantém a tradição da assis-
. precursoras' na adoção da expressão We1ji/r(~ Sttü« e sua tradução Estado de Bcm-Estarsão : tôncla: I' t\ dtvorsidadc da trnd ição lcgislatlva sobre a qual se construiu
Aurelianoer)raibe(]989); Draibe (1990), Vianna (1994,1999).
a lei de 'IHH3t!xplicll ~lIn c(ln~pjcxldndc c a Ix'rll1t1n0ncíl'l em seu seio
9-,0 termo "Socialismo de 'poltron'l", segundo Rosanvallon (1981. 1'.151), foi cunhado por
liberais adversários dos socialistas que participaram no Congresso de Eisenach, ocorrido em ;10 1'(lgil1w I)HMI~I('l\dlll, 1'I'I'qlll'lllunWIllt' nr,,'ul'Il'nlnd() como contradi-
:1872, e que em suamaioria eram professors, economistas. juristas e funcionários . l(ll'io t'01l1,1 Ilip.kn 1110111\)1) do /41'1\111'0" (1<0/1, Il)t)ti, p, 31),
"'~~'l'!Je:n" i\lANn~ r<ti~r.Hf'nl id,I', rt'N(' 1.'\ se1\':1.<\[ f; \iiA;~~úitilii.l(
Áf'i'J M li.lvll.! J',

o
roconhecimento cios' direitos de seguro saúde e acidente de Para d autora,
sua hostilidade I'l política social bisrnarckiana decorria
trabalho COI1,O direitos nacionais obrigatórios e sua expansão a todas de: desacordossobre SlI<1 natureza e funções e não sobre sua existên-

as categorias de trabalhadores se deu em contexto de luta de classes cia, Os socialistas Zsocial-dernocratas afirmavam que a insuficiência
e divisão do movimento operário alemão. A criação do Partido Ope- das prestações 'de seguro sacia I as assemelhava à assistência tradicio-
rário Socialista da Alemanha em 1875,10 visto como ameaça ao gover- nal e não passava de um magro paliativo, Os socialistas/social-de-
no de Bismarck, leva este a aprovar a "Lei Contra Socialistas" em mocratas exigiam do Estado legislações de regulação do trabalho e
1878, que proíbe toda organiznção e manifestação socialista. A nacio- apresentaram várias proposições nessa direção: seguro acidente de
nnliznçi'in compLtlsóri<1 do seguro saúde em 1883 é apreseetada pelo trabalho para todos os trabalhadores, jornada de 10 horas, proibição
f\OVl'l'110 corno aspecto positivo em contra posição à lei antissocialista, cio trabalho aos domingos e feriados, proibição do trabalho de mu-
p\ll!l ~w dl'Hlirh\V~1 n garantir tl mclhoria das condições de vida da lheres em algumas condições, e controle dos regulamentos das fábri-
di'hH~\ unbnlhador« sem "revolução". O Sozialeiaat nascente significa, cas (Kott, 1995 p. 73), í
I
fH)I'~nIHO, n InstilLlcinn,1Iizt)çô() C O deslocamento da "questão saciá 1"-1 I De fato, estas proposições se assemelham às reivind icações
pnrn o campo da política lcgislativa, conforme anuncia a autora (Kott, constan tes no Programa de Cotha," criticado duramente por Ma rx I~
1995, p. 73), . pela sua adesão a valores burgueses, peja "influência lassalliana".
O programCl do Partido Operário Socialista da Alemailba, dura- pela SU<1 concepção burguesa de trabalho, de direito igual, de justa
mente criticado por Marx em Crítica do Programa de Cotha, indica a distribuição, de Estado livre, de subvenção estatal para "solucionar"
posição que será assumida por parte dos socialistas que virão a cons- a "questão social". O texto do programa dizia: "O Partido Operário
tituir a social-democracia, para quem as legislações sociais avança- Alemão exige, 'para conduzir fi solução da questão social, a criação de
riam na direção do socialismo por meio do Estado, Para Kott (1995, cooperativas d~ produção com suovenção esttua! e sob controle demo-
P: 73-74), apesar de os socialistas/social-democratas votarem contra crático do povo tvnbalhadar", Sobre essa programatica, Marx é certeiro
a legislação social bisrnarckiana. defendendo que "li melhor pol ítica e absoluto:
social é aquela que ataca mais diretamente o processo de produção e
coloca em-xeque o funcionamento do capitalismo (...), os socialistas o lugar da luta de classes existente é tomado por urna fraseologia de
não se opõem radicalmente à intervenção do Estado na questão sacia 1". escrevinhado!' de [ornal - a questão social, a cuja solução se conduz: A
organizaçãol socialista do trabalho total, em V(;!Z de surgir do processo
revolucionário de transformação da sociedade, surge da suboenção es-
10, o Partido Operário Socialista da Alemanha. que posrerlorrnente passou a ser chamado t atnl, subvenção que o Estado concede às cooperativas de produção
I'drliu() Social Democrata Alemão. nasceu da fusão de dois partidos operários.' ~ Associação
Coral dos Trabalhadores Alemães (ADAV. sigla alcrnà) criada emltl63 por Ferdinand Lassalle,
criadas por de, c l1i10 pelos trabalhadores. É a Igo digno de presunção
que dialogava secretamente com u.go\lcrno de Bismarck e tinha por base a idéia de socialismo
Estatal: c o Partido Operário Social-Dcrnocrnta (SDAP) fundado em 1869 por August Bcbel c
Wi.lhelm Liebknecht, próximos de Marx e Engcls (Kou. 1995, P: 71), As polêmicas relativas à 12, I',H'n n 1t'~lorornplcto do Pl'()!\r~l\'" de Colha. consultar o csclarecedor livroorgantza-
fusâo e <10 Programa do novo partido e a dura crftica de Marx estâo em Critica do Pl'Ognllllll de do 1,,:ln !3oll",J\\I'o (21J12), qllt~ reúne .1 Criticu riu I'rogl'il1lW de Gotíin, de Marx, cartas trocados
Cotlui(1875), par" quem o Programa demonstrava urna "credulidade servil no Estado", C(lJ)- ('nll'(' r:,I\!;I'IS, 1l,'1 1\'1, IIl'lIrkl' l' Knulsky, c os programas da social-democracia a]('1115,
forme sinaliza Michael Lôwy no prefácio à edição brasileira da Crítica do Progrf1llll1 di' Got/", 1:1.NI1 ~nrl(l di' Mnrx n lír.tckc (5/5/1$75), enviando suas notas críticas ao progr,1Il111 d •.
publicado pela Boitempo em 2012 (p, li), ;ol1l1~nç~\I dOI>dlll~ PI1I'lIdIlH opl'rl\rlus, Marx afirma: "Depois da realização do congresso de
11. Sobre a relação entre pauperismo, "questão social'; e acumulação do capital, consultar l'(lI\II~I\(l, 11nf\11111
l' 1'11 I'lIhll.',lr\'Ill"~ UIlHl curta nota. esclarecendo que nos distanciamos total-
Netto (2001)i Mora (2DOB);Muranhâo (2008); Iamarnoto (2008). d\'~"I' pl(IW,11l11\ dI' 1'r1lldpl()~
111\'1111' I' não lemos nada a ver com ele" [p , 20),
r:-':'::"'~~r;1:;!-:".""""-"
IVANl1r. il(W'fí~rtt A'V\íqt:~KliI'.Ó(IAi I 1:,tJ\flAIHflt~l) t"N'r'ff\!I~,Mn . jt

de Lassalle imaginar que, por meio de subvenção estatal seja possível ,llgurna forma de aposentadoria contributiva, quase todos tinham
construir uma nova sociedade da mesma forma que se constrói uma planos para atender acidentes no trabalho e moléstias industriais,
nova ferrovia. (Marx. 2012, P: 39-40; grifos do autor) somente H tinham seguro obrigatório contra o desemprego e apenas
::I cobriam as três situações de riscos: doença, velhice e desemprego
Marx não só denuncia o caráter reformista do Partido Operário (Marshall, 1967a, p. 8]).14
Alemão, como acusa sua traição aos valores socialistas: "Apesar de Essa modalidade de proteção social alemã, contudo, não tinha
toda sua cstridôncin democrática, o programa está totalmente infes- caráter universal e nem recebia a designação de VVelfare State. O que
,Indo do credulidade servil no Estado que caracteriza a seita lassallia- parece marcar a emergência do VVelJi1re State é justamente a ampli-ação
11,1, ou, o tjllt.' náo é melhor, da superstição democrática, ou, antes, da lógica securitária e a incorporação de um conceito ampliado de
l'on/'lll'll' num i1l'rnnjo entre esses dois tipos de superstição, ambos scguridade social na Inglaterra, que provocou mudanças significativas
Mw,lmenlc dlslnnll'~ do socialismo" (Marx, 2012, p. 46). A história nCIâmbito dos seguros sociais até en tão predom inantes. Mishra (19%,
mostrou o certeira análise de Marx. O Sozialslaat alemão, forjado a p. 113),15 ao qualificar o Welfare Slaie, explicita que o conceito corri o
partir destas primeiras legislações sociais, tornou-se referência mun- qual trabalha é "uma abstração dos princípios e instituições subjacen-
dial dos sistemas capitalistas de proteção social regidos pela lógica tcs ao Estado-Providência inglês do pós-guerra, influenciado pelas
do ~egllro, como as aposentadorias, pensões, seguro-saúde, seguro idéias de J. M. Keynes e W. Beverídge". Ao datar histórica e gcogra-
acidente de trabalho, seguro-desemprego. O Sozialstaat avançou para fica men te o surgirnento do fenômeno q ue passa a ser designado como
além dos seglU'os sociais e incorporou os direitos à educação univer- Wc(fare Siate, () autor busca distingui-Io da compreensão genérica de
sal, habitação e segurid<lde social que, por sua vez, engloba a saúde política social. Para o autor, não são todas e quaisquer formas de
e a assistência social, além dos seguros. Apesar de sua expansão, não política social que podem ser designadas de VVdJill'l:' Staie. "( ... ) é de
instituiu um sistema de seguridade social universal, com prestações certo modo enganador, na minha opinião, utilizar o termo 'política
uniformes a todos. Os regimes de seguros sociais obrigatórios, orga- social' corno quase equivalente a 'Estado ..Providência'. A 'política
nizados por categorin profissional, cujas prestações dependem do
social', parece-me, é um conceito genérico, enquanto o Estado-Provi-
montante e cio tempo de contribuição do segurado, dei~avam entre
dência tem uma conotação histórica (pós-guerra) e norrnativa ('insti-
l'X, c 5'1., da população excluída do acesso a um dos regimes existen-
tucional ') bastante específica, que não podemos ignorar" (Mishra,
tes na década de 1990 (Dumont, 1995, p. 4), e essa situação se agravou
I 1995, p. 113). Os princípios que estruturarn o Welfare Stuie, segundo
com C1 crise e as contrnrreformas recentes (Boschetti, 2012a). Contra-
riamcnte às convicções reformistas social-democratas, o Sozialsluat
alemão não enfraqueceu o capitalismo e nem levou ao socialismo. U. Mnrshall r.lL essa an;íliR~~a partir do I~datório Bcveridge. que apresenta, no Apêndice
F, P: 287," relacão c' a situação ele 30 pnises. sem incluir a Inglaterra. Essas informaçôes j.í foram
Bem ao contrário. se revelou um instrumento de reprodução amplia-
parcialmente s\lcinlizi)d.ls no livro Po/ílim ,ociI7J:jil//{lillllt'1I111~ e Ilisfória.
da do capital. Os seguros obrigatórios nascidos na Alemanha, desti- 15. A versão (,ri~inol do livro de Mishra foi publicada em 1990 com o urulo The Wd/nre
nados inicialmente a reduzidas categorias profissionais, espalham-se S/nlt' in cilJ!i/~Jist ~ck·il·/.Ij -policies (lf rr/n'/lchcnn",/ und rIInilllelltl/lce;,/ Enrape. North America and
Austmlia. Esse Il'X.I(1(clllrll(hlz.id(l para \1I11i! edição portuguesaem 1995, com o titulo O Estado-
no final do século XIX e início do séculoXX por toda a Europa de tal
Prllvid"IIt'Í1/ /1/1 Sacic'c/ml,' CrIJli/IIIIHII/: J't>lílims ptíl>lims IUI Europa, AII/rrim 1.111Norte l' Austrúti«.
modo que, em 1938, en tre 30 países da Europa, Ásia, 'Américas e Oeiras, Celta Editora. ()h~l.'I·Vl'-~Cque P termo originill Weljarc S/IIII.' foi traduzido na edição
Australásia, 20 tinham seguro compulsório contra doença, 24 possuíam l'"rtu/4u('slI COrn(1 I!sl~d\l·l'wvld(1"da.
'/ ':"7'~~Ifis'lrlli'ít,i,lltill M'~I~'It:"HIA ~!")ÚÍ\I f'IHAHÍ\iHh NÔr.-I\I·lll\ll'<Mn ~u

'/ o autor, são aqueles apontados no Plano Beveridge:" L) responsabi- guerrn, meteruru mãos II obra de elaborar o projeto de UIT1i1 nova so-
lidade estatal na manutenção das condições de vida' dos cidadãos. cicdade (...) orientada pelos mesmos princípios de reunião e da parti-

por meio de .um conjunto de ações em três direções: regulação da lha que orientaram as medidas de emergência da guerra. Desse modo,
a idéia do .Estado de Bem-Estar Social" veio a identificar-se com os
economia de mercado é) fim de manter elevado nível de elJ1prego;
objetivos de guerra de lima nação que lutava por sua sobrevivência.
prestação pública de serviços sociais universais, como educação, se-
(Marshall, 'l967a,p. 95) .
gurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de
serviços sociais pessoais: 2) universalidade dos serviços sociais; e 3)
Os três pí~ares do que passou a constituir o Welfare Siate inglês
lmplnntação de UIT1i1 rede de segurança de serviços de assistência,
- educação, seguros e saúde- foram confiados a três comissões que
N0Sll1 mesma linha de raciocínio, [ohnson (1990, p. 17) também
apresentaram, cada uma, um plano para essas áreas. Afirma Marsha 11
Ivrlm.\ o W('ljill't l Stnt» n partir da experiência iniciada na Inglaterra, sobre este processo:
dl)()l1l,)ndD clS priuclpais mudanças ocorridas e que definiriam o que
; o Wcljilrl'SII1/t': I) n introdução e ampliação de serviços sociais onde
A Lei. de Educação, a Lei de Seguro Nacional e a Lei de Serviço Nacio-
se inclui ,1 scguridadc social, o serviço nacional de saúde, os serviços nal de Saúde se constituíram nas três vigas-mestras do Estado de
de educação, habitação, emprego c assistência aos idosos, inválidos Bem-Estar Social britânico. Estão associadas com os nomes ele Butler,
e crian~as: 2) a manutenção do pleno emprego; 3) um programa de Bevcridge e Bevan - um conservador, um liberal e um socialista. (...)
nacionalização, Segundo Marshal] (1967a) é um equívoco confundir nâo é de se surpreender que se verifique que () Estado do Bem-Estar
o vvelfove State clnglo-saxão com o Plano Beveridge ou atribuir exclu- Social, quando finalmente veio à luz, era de parentesco misto. (Marshall,
sivamente a Sir Williarn Beveridge a autoria do sistema inglês. Se- 19678, p. 111)
gundo esse autor, não se pode dissociar o surgimento do We/fare
State das circunstâncias vividas pela lnglaterra na Segunda Cuerra o liberal sir Beveridge, assim, torna-se o autor de um aspecto do
Mundial: Wí'~fare State inglês, qual seja, a seguridade social, corno indica em
seu relatório Social Lnsuvance and Allied Seroiccs:" Na interpretação de
A magnitude de seu esforço de guerra e sua vulnerabilidade ao ataque Marshall, o Plano Beveridge consistiu em fazer uma fusão das medi-
exigiram sacrifícios de todos e, igualmente, assistência concedida, de das esparsas já existentes, ampliar e consolidar os vários planos de
bom grado e sem discriminação, a todos os que passavam necessidade. seguro social, padronizar os benefícios e incluir novos benefícios como
(,..) E a estabilidade política do país, combinada com sua confiança seguro acidente de trabalho, abono familiar ou salário-família, segu-
inabalável na vitória, explicam a característica mais notável da história, ro-desemprego c outros seis auxílios sociais: auxilio-funeral, auxilio-
a saber, a maneira ~wla qual o povo e seu governo, no decorrer da

17. Na edicão original, de 1965, () lermo utilizado é WeJjim' Siatc. A publicação brasileira.
,16. O 1'1<111(1Be"eJ'id,ge foi pllbliG~do no ?rasil em 194~, com o titulo 01 Plano Bcueridg»: liLo 1967, Ir,u.lll" o u-rmo para Eslado de Bem-Estar Social. O belo filme de Ken Loach '"O Espí-
rdlllorm sobre o ,egw'o soda! e sercl/ços 11/111$. O titulo original e Social J/lS/lnmee ond a/lred $cnJlce. rito de 45" (titulo I.lril'lnnl: TI1l' Spiril !)f "15), de 2013, mostra o espírito da época e apoio da
rh~ IJClIcridgc reJlort 11/ /1I'iLi London, J942, No texto original em inglês, a expressão utilizada é classe trabalhadorn .1() Wdji7rl' Stnt», uté sua derrocada pelo neoliberalismo tatchcriano n:1
N~ tradução brasileira, assim como portuguesa,
socinl sccuriu), o
termo utilizado. é "segurança década de 1970,
social". No.Brasil, lembre-se que o termo seguridade social só foi cunhado apartir da Consn- 18. No rclt1l\\rlo, 1\,'v~rld!4C lIllli~.fI 0' termos "social insurance' c "social security" (scguri-
tuíção de 1988. I dado social) Incllllc"\l'I1ll1ul!lIoll'nl'o, como sinônimos.
·\";Wl'Zt\~mMVfiü<!rlí~nl N, !;N'f tNi11iirj~lltl~~'~lfliJlR,m$ff"Ai,tí:M
ll,MO Ili

1/'
,.7 -mnlernidfldc, benefícios para esposas abandonadas,
abono nupcial, 13sli.\llr!l'lliOÇl.lo suscita ao menos
duas observações. Primeiro, as .
assistência às donas de casa enfermas e auxíJio-treinamento para os polttícas de substituiçâo de renda (sejam sob a forma de seguros ou
que trabalhavam por conta própria (Boveridge, 1942, p. 7-9; Marshall, de assistêncla social) e a atenção à saúde podem ser pilares do Wellnre
'19670, p. 99).'~JCabe ainda precisar que o termo saciar eecuritu, pópu- Siaie, mas não são as únicas, de modo que esta perspectiva restringe
larizado e universaLízado após sua incorporação no Plano Beveridge, o escopo da proteção social. Segu.ndo, a limitação do vveifare State aos
contudo. foi utilizado oficialmente pela primeira vez nos Estados seguros sociais nega o próprio movimento histórico inglês de atribuir
Unidos, em 1935, pelo governo Roosevelt em seu Social Securitu /vct, ao We~fare State uma dimensão bem mais ampla que os seguros. Não
11111/i L'l)!11 senrid» bastante restritivo em relação àquele atribuído pos- importa aqui, especificamente, discutir o conceito.utilizado por um ou
I l'l'1 O I'IlH.'11 te pM l.h'vt·ridgl.' (Rosanvallon. 1981; Lesemann, 1988) .. outro autor, m~s sinalizar como as imprecisões existentes podem levar
I\U\1 !-lI' OhHl'I'V(l Wl'lji/l'(: Suüe, uma das expressões mais
Ó que (l
a interpretações e compreensões equivocadas ou limitadas sobre o
" :, ,. 'I

1I111\:I.(\dm~,) p.irtlr de meados do século XX, para designar o conjun- papel do Estado capitalista na garantia depol íticas sociais como me-
lu de pt)! Iljçlls socln is que se L;rigi 1'<1111 com base no modeloford ista- diação na reprodução do capital.
-keynesiano, é utilizado, muitas vezes, de modo impreciso, seja para Apesar das "armadilhasrna tradução dos conceitos, constata-se
designar todo e qualquer tipo ele política social ímplernentada, seja que a expressão Welfare Siate surge e. se generaliza a partir de sua
para reduzir seu escopo ~ esfera de políticas específicas. EXCITlp)O LI tilizaçãona lpglaterra na década de 1940, e designa uma configu-
de$t(l~ltim(l possibilidade é o trabalho de Marques (1997, p. 23), ração especifica d.e políticas sociais. A seguridade social integra o
quando define Weljilre Statc como "( ...) um conjunto de políticas sociais IA/e!rare 5ta/e, mas não se confunde com ele. Por outro lado, a segu-
desenvolvido pelo Estado no intuito ele prove.r a cobertura dos riscos ridade social também pode apresentar características e abrangência
advindos da invalidez, da velhice, da doença, do acidente de trabalho diferenciadas, de acordo com as especificidades de cada país, poden-
e do desemprego". Nessa definição, o \A/e!{oJ'c State é restrito à políti- do limitar-se aos seguros ou incorporar outras políticas sociais. Se
ca que, no Brasil, denominamos previdência social e que, nos países existe consenso que a expressão Weifare State origina-se na Inglaterra,
europeus, é frequentemente designada como seguro social. A própria omesmo não se pode afirmar quanto à sua utilização como referência
autora explica sua opção pejo USO restrito do termo: para todos os países europeus. Autores como Meny e Thoenig (1989),
por exemplo, mesmo reconhecendo que a expressão nasce na Ingla-
Alguns autores, luis como wilensky, ampliam este conceito ao agrega- terra, afirmam que urna visão ampliada de Weljàl'e State () concebe
[em, entre outras, a habitação e a educação, como áreas de atuação do como todo esforço do Estado para modificar as condições do merca-
"wclfare". Preferiu-se usar ,1 definição restrita porque, na maioria dos do e proteger os indivíduos das consequências econômicas e sociais
países, as políticasrie renda de substituição e de cuidados com a saúde c, nesse sentido, ações públicas nesta direção, ainda que "rudimen-
são consideradas, tanto do ponto de vista do volume de recursos en- tares", seriam originárias do século XIX e se ampliariam no século
volvidos como das pol iticas desenvolvidas, o principal objeto de ação XX (1989, p. 25). M<.lS também reconhecem que a expressão Weifare
do Estado em matéria de proteção social, (Marques, 1997, p. 23)
State seria mais i1 proprlada pa ra designar a generalização destas ações
após a Segundo Guerra Mundial.
---'-'--~"-
] 9, Observe-secorno muitos desses benefícios estão (ou estiveram) presentes na previdên-
As reservas na utillzação generalizada do conceito Welfil1'é'State
cia social brasileira. Em Boschetti (2006) mostro a influência do Plano Beveridge no desenvol-
vimento da Sl~guridadc Social no Brasil,
são mais marcantes 11•.' literatura francesa, de onde é possível extrair
II/ANf n [j{J~(111, rn '\"';if;T~t<Ií'(" ~flnÁI r WAt!Ai HeI Nt1 ~,\liftAII'ifAü ~'f

<llgUn:1éiS conclusõesquase consensuais entre os autores. A,primeira é (Palicr e 130noli, '1995; Hatzfcld, 1989),21 Outro autor, referindo-se ao
que os conceitos possuem profunda ligação com a historicidade de modelo francês (Dufourcq, 1994), afirma que este evoluiu do modelo
cada nação, Nesse sentido, a maioria da literatura não incorpora o puramente assistencial predominante no século XiX para um modelo
termo WelfareSlate para designar o sistema de proteção social francês, de seguridade.social fundado predominantemente na lógica do se-
preferindo utilizar a expressão État Prooidence como uma referência à guro entre as décadas de 1940 e 1970 e tornou-se recentemente um
de /lI/I Estado providencial, construido no século dezenooe"
"1'1'11/'('SCl/t1lÇfio misto dos sistemas bisrnarckiano ebeveridgiano. com a distinção
(({'.'nnrd, '1995, P: '13), 1\ expressão foi forjada por pensadores liberais entre seguro e .assistência social cada vez mais diluída.
'nnIJ'I~l'Im; I~ intervenção justamente para criticar a ação
do Estado, O regimegeral de seguridade social francês comporta quatro
'l.Ilnh)1 ~I'I~'SI.! nll'lbu(n umn "sorte de providência" (Rosanvallon, 1981, ramos (aposentadorias, saúde, seguro acidente de trabalho, prestações
". 1'11), O concclto rl'(l nn's (;/01 J1rouidcncc, em sua acepção atual, asse- farniliaresjautônomos em termos de gestão e financiamento, mas que
mclhn-se 00 conceito inglôs Wc!f'nrl' Surte ao incorporar a idéia da se complemen1tam na prestação dos serviços, e são organizados em
responsabllldadc estatal na rq;u,lação do mercado, com vistas a res- três Caixas Nacionais, geridas pelo Estado e pejos "paricnaires scciaux"
ponder a situações de riscos pessoais e sociais. Mas, difere tanto no (representantes dos empregadores e dos trabalhadores), A "Caixa
sentido mesmo da expressão (enquanto () primeirotem uma conotação Nacional de Seguro Velhice (CNAV)" responde pelas aposentadorias
positiva de bem-estar, o segundo está associado à ligação entre Estado por idade e pensões e segue a lógica do seguro; a "Caixa Nacional de
e Providência) quanto na definição de SU<\ emergência. Para os autores Seguro Saúde idos Trabalhadores Assalariados (CNAMTS)" gere <l
franceses, o Élat Prooidence nasce em 1898, com a primeira Lei de se- saúde e cobre 'os riscos de doença, maternidade, invalidez, morte e
guro cobrindo os acidentes do trabalho (Ewald, 1986, 1996) porque acidentes de trabalho/ doenças profissionais e segue a lógica do se-
estabelece a proteção sacia lobriga tória aos trabalhadores, sob respon- gmo; a "Caixa, Naciona I de Prestações Familiares (CNAF)" é respon-
sabilidade estatal (Dorion e Cuionnet, 2004). Outros autores, como sável pejas preftações familiares e sociais, assistência social às famílias.
Castel (1995, ,
1998) preferem utilizar o termo Estado socialpara
' . desig- '
auxílio moradia, renda de solidariedade ativa/HSA, que substituiu a
nar o modelo francês, fugindo assim tanto do conotação de "Estado rendamínima .de inserção/Rlvll. não contributiva, ou seja, não segue
Providência" quanto da importação do conceito 'vVe1!Í1reState. a lógica do seguro. Além dessas, a "União das Caixas Nacionais de
A segunda conclusão é que, na literatura francesa, a seguridade Seguridade Social , (UCANSS)" . asseglLra tarefas de interesse comum
social isécuriíé sociale), instituída legalmente após a Segunda Guerra ao conjunto do regime geral da seguridade social, sobretudo em
Mundial, é compreendida como uma dimensão do Étot Prouidence, termos de recursos humanos (convenção coletiva, formação e quali-
mas não se confunde COI11 ele, Embora sua organização tenha incor- ficação profissional, negociação salarial, entre outras). (Dorion e
porado, princípios do Plano Beveridge,2t1 sobretudo a uniformidade e Guionnet, 2004; Behring, 2012). Os funcionários públicos possuen'l
universalidade dosdireitos (Murad, 1993, p. 59), a segurídade social regimes específicos, como ocorre no Brasil. Recentemente (1999) foi
francesa resulta de um longo processo de articulação entre seguro e instituído um regime público especifico de saúde destinado àqueles
assistência social, ou entre os modelos bismarckiano e beveridgíano

2'1. Em texto 1I111~rlnr (nll~dlt'lIl,21)1)()) discuti detalhadarnenre as caracterfsticas desses


20, O Plano Beveridge foi traduzido e publicado em francês em 1945 (Murad, 1993, P: 58), modelos, sustcntnndo que n IISHMClI1r1il c a previdência conformam lima justaposição e uma

No Brasil, a tradução foi publicada eIl1194~,


unidade de COl1lrM!\l~ 11,1 ~llll"l'1dndl'~oc1.,b
'VANfTI no s n'rr!1 1jOi;i~1 f lMilllLltn NÓ fAl""'I,<,I'AO
1\~·.I·ijt~VíA -1''j

não inseridos em um regime profissional contributivo designado alcance da eruanclpnção política e, por vczcs.é superestimada corno
Couueriure Ma/adie Unioerselle (CMU), financiado exclusivamente pelo possibilidade de rnarerialização da emancipação humana. Contudo,
Estado, e que não segue a lógica do seguro. I d cidadania P9ssivel e concretizada no âmbito do Estado social Ci:l-
Com base nessas considerações, é possível afirmar que a seguri- pitalista, se, por um Indo, pode "perturbar" a lei geral da acumula-
dade social não se confunde e nem é sinônimo de Welfare State, ttal çiío capitalista, ao tensionar o capital, por outro, contraditoriamen-
11.', participa da reprodução ampliada do capital, sendo a este cada
Pnniidencc ou Soziulsuuu, mas é I?arte integrante, e mesmo elemento
vez mais subordinada, sobretudo .em tempos de agud ização das
fuud.into e constituinte de sua natureza, bem como de sua abrangên-
crises do capital.
'lu. IHHll ~j!-\nifjcé1 qLII.~ ,1 compreensão da seguridade social predorni-
111\1111.' 0111 qualquer' p(1(S é imprescindível para a compreensão
., da
1"11 LlI·I.'~n do Estado social. Também é evidente que a seguridade social
não til,.' confunde e nem se restringe no seguro social (ou previdência
1.2 Que cidadania para qual emancipação no capitalismo?
social, pura utilizar a expressão brasileira). Ainda que possa haver
importantes distinções em cada país, pelo menos três elementos pas-
saram a constituir historicamente a seguridade social: os seguros, a Parece inegável que a insti tuição do Sozialstaai a lernão esteve no

assistência médica/saúde e as prestações assistcnciais, cpicentro dos debates e movimentos políticos que opuseram as lutas
sociais revolucionárias pela emancipação humana às ilusões reformis-
Creio já ter deixado bastante evidente que a opção pelo uso da
tas soda l-democratas capitaneados por revisionistas como Eduard
categoria Estado social assenta-se na busca pela explicitação do caril-
Bernstein.F para quem a legislação social trabalhista poderia evoluir
ter capitalista das ações sociais do Estado. Não se confunde com a
c assegurar direitos iguais para todos. O que se pretende refletir aqui,
perspectiva social-democrata alemã de Sozialeraai que atribuiu ao
portanto, é o significado do Estado social no Capitalismo e sua im-
Estado uma conotação "socialista", como possibilidade democrata de
instituir um socialismo de Estado. Também não se confunde com a possibilidade de superar as desigualdades por meio dos direitos sociais.
perspectiva liberal anglo-saxã que atribui ao Estado a possibilidade Conforme já sinalizado anteriormente, Marx (2012) criticou duramen-
de garantir o bem-estar no capitalismo e nem com a perspectiva fran- te o programa do Partido Operário Alemão (Programa de Cotha) pela
cesa de creditar ao Estado qualquer sorte de providencia, divina ou sua crença e reivindicação na subvenção estatal às cooperativas de
n50. Também n50 se contenta com as traduções literais de "Welfare produção, como possibilidade de superação da "questão sacia]" e
State' que, intencionalmente ou não, propagam a ideia de igualdade construção de uma nova sociedade. Também desferiu críticas duras
c bom-estar no capitalismo, Fundamentada na abordagem marxiana, J sua crença na autonomia do Estado e à possibilidade de alcançar
o uso da categoria Estado social, como se propõe aqui, parece-me ser um "Estado livre" nos marcos da sociedade capitalista. Em sua críti-
mais apropriado para situar sua essência em uma perspectiva de tota- ca ao estatisrno onipresente no Programa de Cotha, Marx afirma:
Iidade nas relações capitalistas. "Tornar o 'Estado livre' n50 é de modo algum O objetivo de trabalha-
A relação entre Estado, direitos e política social que estrutura dores já libertos da estreita consciência do súdito. (...) A liberdade
o Estado social capitalista pode assegurar uma determinada forma
de cidadania, qual seja, a cidadania burguesa, Uma cidadania que, 22. Um dus pl'il,drnl~ I!Xr\l\'nlc~ da social-democracia alemã e revisionista do marxismo.
ao conjugar direitos resultantes da luta de classes, possibilitou o Para lima crttica til>''úVislllill~mn, Vl'" Lux~l11bul'g()(:1975).
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M'INI' I r Ot'iklitn I ,\'.'.I~.HNOA ',CiCl"1 r 1I\i\llAl íltj Nn O,PnAi I~M() ,:11

consiste em converter tl I1suldo, de órgão que subordina a sociedade, ,J() Estado capitalista. Fried rich Engels, corroborando as críticas de
em um. órgão totalmente subordinado a ela (...)" (Marx, 2012, p.42). Marx, escreve que as reivindicações eram de caráter dernocrata-bur-
K\ll.~Si'1S, queabandonavam a luta internacionalista do movimento
Marx segue sua crítica às reivindicações políticas e sociais apre-
sentadas no Programa, qüe "não contém mais do que avelha canti- operário e que se submetiam à "panaceia universal da assistência
lena democrática, conhecida de todos: sufrágio universal, legislação \:81<11<11" para superar a questão social."
direta, direito do povo, milícia popular etc, (...) Não passam de rei- O que iplporta aqui é demonstrar que, desde sua origem, a H!-
vind icnçõcs que, quando não são exageros Iantasiosos da imaginação, LIção entre <\ ampliação de ações sociais pelo Estado e a garantia ele
Irí l\Hl'iio /'mlizndl/:;" (idem, P: 43). O que Marx critica é exatamente o direitos sociais na sociedade capitalista, ou seja, na reprodução das
I

rl\lo d~\ o Pnrtido Opcrárto limitar SUélS reivindicações a uma progra- relações sociais, possui um cara ter reform ista no sentido de reforma r" /I

IlhHlcn lllll\ 111,11:4 rlll'tnl(\Cl' O Esrado capitalista do que se opõe a ele. () Estado na direção de manter sua natureza capitalista, mas ampliar
proposlção de "um imposto único e progressivo sobre a renda", SlWS funções sociais. Por isso, em trabalho anterior, sinalizamos qlll'

Mnrx rebate: fIOS impostos são é1 base econômica da maquinaria go- "n50 existe polarização irreconciliável entre o Estado social e Estado
vernamental e nada mais. (...) O imposto sobre a renda pressupõeas liberal, ou, de outro modo, não houve ruptura radical entre o Estado
diferentes fontes de renda das diferentes classes sociais, logo pressu- liberal predominante no século xrx e o Estado social capitalista do
põe a sociedade capitalista" (idem, P: 45). À reivindicação de "edu- século XX" (Behring e Boschetti, 2006, p. 63). A posição, reafirmada
. .

cação popular universal e igual sob incumbência do Estado. Escola~ aqui, é de tlue o Estado social, ao ampliar suas funções na sociedade
rização universal obrigatória. Instrução gratuita", MarxI, não é menos capitalista.no contexto da democracia burguesa, o faz não exclusiva-
crítico e denuncia a impossibilidade de assegurar igualdade substan- mente como instrumento da burguesia, e tarnpouco como concessão
tivo por meio da educação pública no capitalismo: "Crê-se que na unilateral em resposta ZI pressão revolucionária operária. O reconhe-
sociedade atual (e apenas ela está em questão aqui) a educação pos- cimento histórico de direitos sociais pelo Estado social é resultado de
sa ser igual para todas é1S classes? (...) Que em alguns 'estados deste longo e secular conflito de classes, crivado por perspectivas revolu-
último-' também sejam 'gratuitas' as instituições de ensino 'superior cionárias e reformistas, mas também determinado pelas condições
significa apenas, na verdade, que nesses lugares os custos da educa- objetivas de desenvolvimento das forças produtivas.
ção das classes altas 5,10 cobertos pelo fundo geral dos impostos"
Mandei (1982), ao se referir ao Estado no capitalismo tardio,
(idem, P: 45-46). As críticas desfilam a cada item do Programa de
sustenta que a arnpliação da legislação social na virada do século XIX
COlha: "liberdade da ciência; liberdade de consciência; jornada normal
para o século XX precisa ser entendida na transição do capitalismo
de trabalho; limitação do trabalho das mulheres e proibição do tra-
concorrencial para o imperialismo e para o capitalismo monopolísta.>
balho infantil: supervisão estatal da indústria fabril, oficina! e domés-
Ao lado das funções repressi vas/ coercitivas e das funções in tegradoras
tica; regulamentação do trabalho prisional: lei de responsabilidade
civil eficaz" (ideru.p. 46-48). Para Marx, as reivindicações do Progra-
ma de Gotha abandonavam as lutas revolucionárias e se subordinavam 24. Carta dI' Fril'ddd1 Engdl'.1 August Bcbcl, datadas de ·18-28 de março de 1875. Publi-
cada como opêndkl' 1111Crtticu do I'roSnllllil de Cothn, Marx (2012).
25. No livro 1'011/1(1/ ~(Ic1"I:.{llIIdll//I'·1I/0$ I' história (2006), escrito com Elaine Behring, css~
23. Marx S~· refere aos países da Alemanha, Suíça e Estados Unidos, que j<i viviam expe- questão (oi nbnrdlldll nn~ CMI,rt\llll~2 I~;1, Aqui, ressaltarei tão somente alguns elementos ne-
riências de escolas gr<ltuililS (d. p. 45). cessários h rcln~'~o \'1,11\' 1\Hllldn, dlrellos, cidadania e emancipação.
fHI

do Estado, Mandei situa o Estado social" no conjunto das (LltlçÔeS buíção crt\14CtH1h~dm renda nacional, que tiraria do capital para dar
destinadas a "providenciar ,)5 condições gerais de produção" (1982, ao trabalho", o que levaria a urna possibilidade de "socialização
p. 334). Pata o autor, essa função difere das duas anteriores por "rela- através da redistribuiçâo" (Mande], 1982, p. 339). O autor contesta
cionar-se diretamente com a esfera da produção e, assim, assegurar enfaticamon te essa ilusão da burguesia reformista sociaI-denlOcrata,
uma mediação entre a infra e a superestrutura". No âmbito econômico, demonstrando que o "fim lógico [desse reformisrno] é um programa
o surgirncnto dos monopólios gerou uma tendência à superacumulação completo para a estabilização efetiva da economia capitalista e de
i levou ao crescimento ainda major do Estado, "envolvendo um desvio seus níveis de lucro" (idem, p. 339). Contestando as teses social-
mnlordo rendimentos sociais parn o Estado" (idem, p. 338). No âm- democratas que acreditaram (ou acreditam) na possibilidade de o
hlln j'lolrtko, (p. 338) reconhece que o "surgimento
rvI'lIH."lI.:1 de pode- Estado social conduzir a um Estado socialista, Mandei (idem, p. 346)
1'l)HllH j1\II'lido/oj cln classo lrab •.ilhadora aumentou a urgência e o grnu é taxativo: "Imaginar que o aparelho de Estado burguês pode ser
lIu l'l1pul Il1tt.!gl"ndoJ' do Estado". usadopara LIma transformação socialista da sociedade Glpiti~ljsta é
Aluda qUt~ inserido e resultante da luta da classe trabalhadora tão ilusório quanto supor que seria possível dissolver um exército
por melhores condições de vida e de trabalho, o reconhecimento da com a ajuda cle 'generais pacifistas'."
legislação social que gilJ'antiu il expansão dos direitos sociais tem UI11a Contudo, esse Estado social, que é estruturalmente determinan-
funcionalidadepolítica e econômica para o capital, pois é inegável te do capitalismo, é perrneado por relações contraditórias. Por um
que se tratou de "uma concessão crescente luta de classe do proleta-
à lado, se mostrou historicarnenteimpresdndível na criação de condi-
riado, destinando-se a salvaguardar a dominação do capital de ataques ções objetivas de reprodução e integração da força de trabalho e
mais radicais por parte dos trabalhadores. Mas ao mesmo tempo reprodução ampliada do capital, ou seja, corno U/TI elernentoindis-
correspondeu também aos interesses gerais da reprodução ampliada pensável na manutenção das relações de produção capitalista. Por
do modo de produção capitalista. ao assegurar a reconstituição física outro, (1 ampliaçiío.de direitos trabalhistas e sociais decorrente da
da força de trabalho onde ela estava arneaçadapela superexploração", luta da classe, trabalhadora assegurou a esta o acesso a bens e servi-
(Mandei, 1982, p. 338). ços antes inexistentes, como aposentadorias, seguro saúde, seguro-
A ampliação
do Estado social determinou uma Lgnificativa desemprego, ieducação, moradia, transporte. Em algumas situ~ções
redistribuição do valor socialmente criado em favor do orçamento específicas e .temporalmenm determinadas do capitalismo central
público, distribuído parcialmente em políticas sociais materializa- logrou reduzir a desigualdade de rendimento e acesso a bens e ser-
d.oras de direitos. Essa expansão do Estado social por meio da ga- I viços públicos, sem, contudo,superi'1r a estrutural concentração da
rantia de direitos to' implantação de bens e serviços públicos, sobre- propriedade privada.
tudo após a crise de ] 929, criou U1T1a falsa interpretação sobre a . Ainda que países do capitalismo central possam ter alcançado
construção da cidadania e a possibilidade de garantie' de direitos algum grau de redução da desigualdade de rendimento por meio do
iguais a todos no capitalismo. Também forjou umaperspectiva re- que a utores corno Castel (1995, 1998) chamam de "sociedade salarial",
distributivista, alimentada por uma "falsa crença em uma redistri- ou seja, da expansão dos di reitos sociais e trabalhistas, o Estado social
não foi (e nãtl é) capaz de superar a desigualdade de classe, O reco-
26. Mandel us a o lermo Estado social entre aspas, criticando a ilusão sodal-démocrata de nhecimento flfmna.1 de direitos, se, por um lado, possíbllitou a me-
que este poderia evoluir em direção n um Estado socialista. lhoria de condíçõcs de vida, por outro, também revelou () quanto Ó
IVANf,j~ 11C)l,C!-lIi'f"ll A,~''il~'rN~t,II\ ('AI'I iA!J~M~',1 ~,~
i

incompatível a igualdade substantiva e a emancipação humana com e direito sucinl fiO século XX) o autor assume que estes coincidem
a cidadania burguesa, contrariando suposições como as de Marshall" com o desenvolvimento do capitalismo e questiona:
(dentre outras), para quem a cidadania é capaz de superar a desigual-
dade. Não são poucas as análises que, ao incorporar a perspectiva Seu crescimento coincide CÓI1l o desenvolvimento do capitalismo, que
" .
marshalliana de cidadania, veern a conquista de direifoscomo o ca- é o sistema não de igualdade, masdedesigualdade, Eis u que necessi-
ta de explicação: Como é possível. que estes dois princípios opostos
minho para a emancipação humana, confundindo cidadania com
possam crescer e florescer, lado a lado, no mesmo solo? (...) O impacto
-manclpação humana.
da cidadania sobre tal sistema estava condenado fi ser profundamente
Ihil1tnntl.! conhcclde. a perspectiva defendida por Marshall (1967b) perturbador e mesmo destrutivo. (Marsha 11,1967b, p. 76-77)
('(lI11LI~l1 ll'01iclcrnuntos dUl:iignndos de d irei tos civis, políticos e sociais
('011)0 n b(HH,' IJl:ill'lltLlrantcda cidadania." Para esse autor, a cidadania Para M<.1rshall,à partir do século XX, quando os três elementos
ti\>nl'lnglll 111.10completude no século XX, com a associação desses três - civis, políticos e sociais - se encontram e constituem a cidadania
L1pos de direitos. Ao estudar seu desenvolvimento na Inglaterra, o em sua cornpletude, esta adquire substância capaz de abalar a desi-
autor queria discutir o impacto da cidadania na desigualdade social gualdade declasse: "A igualdade implícita no conceito de cidadania,
no capitalismo. Sua concepção de cidadé1nia a limita ao staius legal embora limitada em conteúdo, minou a desigualdade do sistema de
de cidadão, OLl, como ele próprio afirma, a "cidadania é um staius classe, que era, em princípio, urna desigualdade total" (idem, p. 77).
concedido àqueles que s50 membros integrais de uma comunidade" Para o autor, até o final do século XIX os direitos civis e políticos já
(1967b, p. 76). Trata-se de uma definição abstrata, que leva em consi- existentes n~o se destinavam a reduzir a desigualdade de classes
deração tão somente o reconhecimento legal de direitos e obrigações: porque não estavam em conflito com a sociedade capitalista. mas, ao
"Todos aqueles que possuem o suitu» são iguais com respeito aos contrário, eram necessários à sua manutenção. Os primeiros - direi-
direitos c obrigações pertinentes ao staius" (idem, P: 76). Para o autor, tos civis - eram indispensáveis à economia de mercado competitiva,
o siaius de cidadão (integrante de um Estado-nação) assegura uma pois não só asseguravam a liberdade individual, como garantiam a
igualdade formal, em contraposiçáo i'l classe social, que constitui um propriedade privada. Os segundos - direitos políticos - embora
sistema de desigui'lldade, conforme reconhece Marshall. Ao traçar o apresentassem uma ameaça potencial .ao capitalismo, diz o autor, não
reconhecimento Icgal/desenvolvim.ento histórico destes direitos na o eram realmente porque "naquela ocasião, o direito de voto estava
Inglaterra (direito civil no século XVfll, direito político no século XIX bastante difundido, mas aqueles que o tinham adquirido recentemen-
te não haviam ainda aprendido éi fazer uso do mesmo" (idem, p. 85).
A tese central de Marshall é de que, até o final do século XIX, a
27. o livro 'de TIH\rnaS Humprcy Marshall, CidadmlÍrI, c/asse social i: SlillllSr foi publicado
no Ür~5i1 pela Editora Zahar, em lY67b, com ensaios extraídos do livro Sociology /lI crcesroads cidadania (finda n50 tinha impactado sobre a desigualdade de classe
11/111 olheI' essl/ys, publicado em Londres em 1963. O capítulo 3, intitulado "Cidadania e classe porque lhe faltava um elemento determinante - os direitos sociais
social". que se tornou uma rderénci~ 110 debate sobre direitos c cidadania, resultou de uma
- que só viriam a conhecer um desenvolvimento mais efetivo a
conferência proferida por T. H. Marshall em Cambridgc. em 1949, dedicada ao economista
britânico Alfred Marshall.
partir do século XX. Nas palavras do autor: "Os direitos civis eram,
28.Já éba~tanteconhecidil edobatida a caracterização e historicizaçáo desses direitos pelo em sua origem, acentuadamente individuais e esta é a razão pela qual
autor, Não será esse o caminho aqui, poisque o interesse está em aprofundur o sentido desses
se harmoniza rnrn com operíodo individualista do capitalismo" (p. 8$),
direitos na constituição do Estado social capitalista c o real sentido da cidadania rnarshalliana
E segue em SWl argumentação .
na sustentação das desigunldadcs de classe, '
li 'I flAHlíVI', NO t AilrfAU:;MO ~~
.;

Os direltos civis deram poderes legais cujo uso foi drastlcamcute pre- liquidas, A terceira seria unta produção em massa para o mercado
judicado por preconceito de classe e falta de oportunidade econômica. tnterno .e (,)iinteresse da indústria pelas necessidades e gostos das
Os direitos políticos deram poder potencial cujo eXE'rcícioexigia expe- massas (idenup. 88).
riência, orgcmização e uma mudança de idéia quanto a funções próprias $ evidente que a perspectiva de cidadania marshalliana n50 é
'. I
do governo. (...) Os direitos sociais compreendiam um mínimo e não
incompatível com a desigualdade de classe, ao contrário, o autor con-
faziam parte do conceito de cidadania. A finalidade comum das tenta-
sidera que ~ igualdade de staius (ser reconhecido como cidadão) é
tivas voluntárias e legais era diminuir o ônus da pobreza sem nlterar
mais importante que;,1.igualdade de renda (p. 95). Também. reconhece
o padráoda desigualdade do qual a pobreza era, obviamente, a conse-
a "desigualdade social como necessária e proposital [porque) oferece
quência mais desagradável. (Idem, P: 87-88)
o incentivo ,ao esforço e determina a contribuição de poder. (...) A
desigualdade, portanto, embora necessária, pode tornar-se excessiva"
Em Marshall, portanto, predomina a interpretação de que o
(idem, p. 77). Por isso, os direitos sociais de cidadania rnarshalliana
desenvolvimento dos direitos sociais reconhecidos legalmente como
devem contribuirpara limitar a "desigualdade excessiva". Para tanto,
direitos de cidadania, ou seja, o desenvolvimento do Estado social,
constituem Q que ele define como a garantia de mínimos sociais, a
nos marcos do capitalismo, será detcrrninante para () estabelecimen-
partir dos quais.cada cidadão, tendo reconhecido o slaius de cidadão,
to de. políticas igualitárias no capitalismo. Diz oautor: "Assim, em- ou da-igualdade formal, deve ir além.e buscar melhores condições por
I
bora a cidadania, mesmo no final do século XIX, pouco tivesse feito
mérito e esforçopréprio, ou seja, competindo no mercado:
para reduzir a desigualdade social, ajudara a guié1r o progresso para
o caminho que conduzia diretamente às políticas igualitárias do
O Estado garante o mínimo de certos bens e serviços essenciais (tais
séculoXX" (idem, p. 84). Mas não são quaisquer direitos sociais que, como assistência médica, moradia, edtlcaç~'íoJ ou lima renda nominal
para.o autor, podem participar [H1bstí'll1cinlmentt' na superação das mínima (ou salário mínimo) a ser gasto em bens e serviços essenciais
desigualdades. A mudança em direção ao reconhecimento dos direi- - como :nocaso da lei que dispô e sobre a aposentadoria por velhice,
t()~ !:l(H.:!l1Iscomo olcmcnto d~' cldadnnln ocorreu no final do século behefíci~s de seguro e salários-família, Qualquer pessoa capaz de ul-
XIX, I'wgllndo II 1111h \I', Vil,)ll1i\(,lo dL\ "UI11 novo período" que "assistiu trapassar; o mínimo garantido por suas qualidades próprias esté livre
1() 1','IIl1\dl'll IVI11HJI' nvanço no campo dos direitos sociais, e isto para Iazê-lo. (Iderri.p. 93)
1\'iII'l'('(/l1I 1IIIIdiIIH,'lll'llilgnlfil\\liv.H' no princípio igualitário corno ex-
ll
1'1'I;~tllI 11\\ ('Idlldlll'lill (Idom, P: H8). Para o autor, o grm.l de igualdade possível na cidadania capita-
/\Ii 11111IId"IH;m, por Marshall cornpreen-
I"Ilgnlflcatlvé'ls" sinalizadas lista dependerá de quatro fatores: o primeiro se o benefício será
é

íllllIl\ \) qlw velo fi se tornar a base do Estado Social capitalista. A focalizado em uma classe específica ou destinado a todos; o segundo
I'l'Il\wll'(\ HUI'I,~ um aumento nas rendas nominais que teria modifica- ése o benefício assume a forma de prestação de serviços ou repasse
do 11 dístãncla econômica entre as classes, diminuindo as distâncias de dinheiro em espécie; o terceiro é seo mínimo é alto ou baixo; e o
mtre ,tl'abnlhadores especiaLizados e não especializados, e entre os quarto é a origem dos recursos levantados pelo Estado para pagar
primeiros e os trabalhadores manuais, e o aumento .de pequenas os benefícios (idem, p. 93). Na esteira dessasreflexões, Marshall de-
pOllpa.nças teria diminuído as distinções de classe entre capitalistas fende que os benefícíos focalizados, em dinheiro, submetidos a testes
e proletários sem bens. A segunda seria a instituição de impostos de meio, possuem um efeito igualitário "simples e 6bvio",'p'Qr(J'\~~
diretos mais progressivos que teria comprimido a escala de rendas ampliam a renda dos mais pobres e-conclui: "não se podesu,$t~.I;\:t'll~',:',:
•.:lf.
- . ·"'~~"":"..~~~~~~.t" .,
, iVANrff rt1)~nIt:rí'i f ri\"tii\LlfÓ t:)ri CAI'iTAli"MtJ
A'.~I~llfNtiiÍ'~.t}(illi ~)tj

que os benefícios sejam igualmente distribuídos em íunç50 da neces- por conseguinte. a desigual capacidade dos trabalhadores" (Mnrx,
sidade real, Mas o direito básico de ter o cidadão uma moradia, seja 2012, P: 30-3p. Como os direitos iguais podem reduzir a desigualda-
1<1 qual for, é mínimo" (idem, P: 97). de R0.U sociedade capitalista é estruturalmente determinada pelo
A conclusão central de Marshall é que a cidadania, ao incluir os acesso desigual aos meios de produção e 11 riqueza socialmente pro-
d irei tos sociais, passou a alterar o padrão de desigualdade social no duzida? -- questiona Marx, A iguald,ade de direitos no capitalismo
apitalismo e provocar influências profundas sobre a estrutura de s6 pode ser formal, porque sua base fundante é a desigualdade.
'Insscs a partir do século XX, sem, contudo, ter o propósito de acabar Ao discutir a distinção entre cidadania e emancipação humana,
'om t\ JUsigLlllldadc. Em sua perspectiva, a desigualdade é compatí- Tonef" critica essencialmente dois argumentos que ele atribui à "es-
vol com " c1dndnnla porque não é seu objetivo pretender uma I'igual- querda democrática". Por um lado, critica a perspectiva que trata a
Indu ubsolurn" (p. 1(9). cidadania como um processo que existiu e existirá fora dos marcos
/\ cidadania marshalliana, portanto, não pode ser referência de do capitalismo. Para esse autor, a cidadania moderna, que conjuga
princípios c valores que defendem a emancipação humana, e muito direitos civis, políticos e sociais, não pode ser compreendida fora dos
menos a emancipação humana pode ser confundida com a cidadania. marcos da sociedade capitalista. Diz o autor: "na ótica rnarxiana. a
Embora os direitos sociais possam conflitar eventualmente com os enrificação da cidadania moderna é inseparável, não apenas em termos
interesses da acumulação, não estabelecem com estes uma relação cronológicos. mas em termos ontológicos, da entificação da sociabi-
antagônica. lidade capitalista" (Tonet, 2005; p. 59). Nisso, e apenas nisso, Tonet e
Ainda que alguns autores chamem a atenção para o surgimento Marshall convergem, pois ambos relacionam o surgimento da cida-
da cidadania na Crécia e Roma Antigas (Coutinho, 2008; Covre. 2001; dania às relações capitalistas. Mas a convergência termina aí. Para
Telles, 1999), o que se caracteriza corno a cidmiania moderna, fundan- Tonet, a cidadania, é um pressuposto da sociabilidade capitalista, é
te do Estado social capitalista, é a conjugação dos direitos civis, po- determinante na sua reprodução e não implica em conflito ou redução
líricos e sociais, nos termos discutidos por Marshall. A crítica da das desigualdades de classe, pois se fundamenta no "aro de compra
tradição marxista nos direitos burgueses, ou à particularidade destes e venda de força de trabalho e que resulta na produção de mercado-
;Iil'citos no cap ita llsmo, já está presente em Marx, ao se referir às rias" (idem, ~~.70). [á Marshall, não marxista assumido, acredita que
propostas de direitos ainda incipientes do Programa de Cotha. Em a cidadania impacta na desigualdade de classe, o que é compreensí-
!.lIIU crfrice. Marx jó sinalizava a incompatibilidade entre igualdade vel visto que não vislumbra a possibilidade de construção de urna
substnnclal de direitos e capitalismo, quando mostra que o "igual sociedade não capitalista, sem desigualdade de classes. Ou seja, em
dirl'ito 6, ainda, de acordo com seu princípio, o direito burguês'?'! E Marshall o horizonte societário é de uma sociedade com reconheci-
explica: "Esse igual direito continua marcado por unia limitação bur- mento formal legal do etatue de cidadão compatível com uma desi-
guesa. (...) Esse igual direito é direito desigual para trabalho desigual. gualdade que não seja "excessiva".
Ele não reconhece nenhuma distinção de classe, pois cada indivíduo
é apenas trabalhador tanto quanto o outro; mas reconhece tacitamente 3U. Tonet 0UJ11 dos i1UIMeS brasilcirõs <lU"" vêm se dedicando a sublinhar a distinção entre
a desigualdade dos talentos individuais como privilégios naturais e, cidadania e cmancipnção humana 11;' perspectiva marxiana, O autor tem várias publicnçôes
nessa direção. O livro Cdllcnçllo, cidadnnía e CllIIlIIcípoçJill humuna (2005) aborda. essa questão I'

'h
está disponível em: <I\i'tp:/ /lvotoncl.xpg.lIol.com.br/.1rquivos/EDUCACAO_CTDADANIA_E_
fi EMANClPACi\O_IIUMANA.pdf>.
29. Em itálico no original.
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outro lado, TOnel (2005) questiona


ror a convicção reformista
da crnancipaçãc humana dentro da ordem mundial vigente até aqui.
l)ue fique claro: estarnos falando aqui de emancipação real, de
na relação entre cidadania e democracia como caminho para ti igual-
dade substancial. Para o autor, "A democracia mais pperfel.çoada emancipação prática. (... ) Todavia, não tenhamos ilusões quanto ao
Ihnite da emancipação política" (idem, p. 41-42).
continua sendo uma forma de opressão de classe" (idem, p. 59), e
sua superação só será possível C 0111. a supressão das relações capita- A emancipação política está, portanto, relacionada ao reconheci-
listas. Por isso, afirma o autor, a cidadania burguesa nada mais é do mento legal e,prático do direito de cidadania na sociabilidade capita-
que uma possibilidade de ernacipação política (idem, p. 55), nos lista. A essência da emancipação política é a relação entre Estado po-
ll'rrm>t:! dcfcndidcs por Mnrx no texto "Sobre a questãoI judaica'P' lítico e sociedade burguesa, ou, em outras palavras, ao reconhecimen-
. .
ILll1ndo discute os limites da emancipação política e d.;o Estado po- tu dosdireitos do cidadão pelo Estado no capitalismo. Na perspectiva

Irtico no capitalisrno. marxiana, a emancipação política adquire concretude na dissolução


A cmnnclpação polltica é o reconhecimento de direitos no ârnbi- d: sociedade feudal e instituição da sociedade burguesa e a constitui-
l' .

ção do Estadcpolítico COIUO "assunto universal", como Estado repu-


to do Estado político, do Estado como república, sem que isso impli-
blicano real, de todos os cidadãos (idem, P: 52). Marx faz a distinção
que qualquer
te da emancipação
superação das relações
política fica evidente
capitalistas.
de imediato
Diz Marx: "O limi-
no fato de o
crítica entre os
direitos do homem (direito liberal, natural, civil, indi-
J

vidual). dos direitos do. cidadão (direito político, coletivo, de toda


Estado'J2ser capaz de se libertar de uma limitação sem que o homem
comunidade política), entendendo a emancipação política como reco-
reahnenie fique Livre dela, no fato de o Estado ser capaz de ser um
nhecimento dos direitos do cidadão (portanto coletivos) na sociedade
Estado livre [Freisttlat, república] sem que o homem seja UDl homem
burguesa. Estes direitos, contudo, não libertam o homem das relações
livre (Marx, 2010, p. 38"39; griJosdo autor). O que significa, em termos
capitalistas, e não levam, portanto, à emancipação humana:
de direitos, que o cidadão pode ser reconhecido como cidadãopoli-
tico, ou nos termos marshallianos, adquirir staius político de cidadão,
sem se libertar das (anel ições objetivas que o obrigam a vender sua Toda emancipação é redução do mundo humano e suas relações ao
prôprio /1011/1'111. A emancipação política é a redução do homem, por um
força de trabalho.
lado, a membroda sociedade burguesa, a indivíduo egoísta indepen-
Marx não nega o avanço da emancipação política, ou o reco-
dente, e, por outro, a cidadão, a pessoa moral. Mas a emancipação hu-
nhccimcnto dos direitos do cidadão, ruas sinaliza seu limite no mana só t;sl"ariÍplenamente realizada quando o homem individual real
âmbito da sociabi lid ade capitalista: A emancipação /I poiiticaà« fato tiverrecuperado pari) si o cidadão abstrato e se tornado ente gClu;rico
representa um grande progresso; não chega a ser a forma definiti- na qualidade de homem individual na sua vida ernpírica, no seu 11';1-
Ví.1 da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva balho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver
reconhecido e orgànizi1do suas 'forcee propres' [forças próprias] (:OI1i()
3'1. Sobre ti uucstão jlidniCil foi escrito entre agosto e dezembro de 1&43, antes, pOlymt"o, da
forças sociais e, em consequêncía, não mais separar de si mesmo .'1 for-
CriticlI do Plpgmmo de Goih«, escrito em 1875 e antes das primdrasJegisl"\:l>Cs de seguros socinis ça social na forma da força política. (Marx, 2010, p. 54)
Ili> Alemanha. A discussão de Marx sobre emancipação política e humana ocorre no contexto
de reconhecimento dos direitos políticos dos judeus na Alemanha, quando esses, para serem
reconhecidos C.0!110 cidadãos alemães, deveriam renunciar à. religião. Para aprofundar esse Corno sinaliza Bcnsard (2010, p. 87), a emancipação política em
.:orlllIXlo, v(~r iÍ apresentação de DanielBerísrúdao fulcral texto marxlarro.jia edição publicada Marx não é uma etapa para a emancipação humana, e tarnpouco é
pliihl Uollcmpó Editorial em 2010.
irrisória, ou pouco i'lignifiCé'ltiva. Seu reconhecimento da emancipação
é12, ItAlíc(J nn orlginnl.
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política corno uni "progresso" mostra que Marx reconhecla o !iigniJí- sociedade de pl'Ojeto socictário que se deseja afirmar. Esse processo
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cado histórico da conquista de direitos democráticos e de determina- não pode prescindir da organizarão política das classes trabalhadoras
. das liberdades na sociabilidade capitalista. Contudo, também mostra nem a estas se limitar, pois depende de um conjunto de condições
I

illegavelmente que esta é a única forma de emancipação nesta soda- objetivas que interferem na história,"
bilidade. A constituição e expansão do Estado social no século XX vêm Se, no plano teórico-político, a conquista da emancipação políti-
reafirmar essa análise. A expansão dos direitos sociais possibilitou a ca ou da cidadania burguesa não pode ser confundida com emanci-
lislribLliçiío horizontal de parte do fundo público, reduziu él desigual- pação humana, no plano prático, sua conquista lega l-institucional, no
I,ld~de rendimentos em espaços geopolíticos em que se realizou mais contexto pós-crise de 1929 €, especialmente, após a Segunda Guerra
'pl~lnl,nwl'l~, possibilitou () acesso da classe trabalhadora a certos bens Mundial, revelou a essência contraditória do Estado social capitalista.
li HI..'I'vlçO!4 antes lnnccssfvels. mas não a libertou do imperativo de A luta e conquista pelos direitos de cidadania, contudo, não podem
vendur sun forçn de trabalho, portanto de se submeter aos imperativos e não devem significar contentamento com a emancipação política e
do capital. Em outras palavras. a emancipação humana é impossível com o Estado Social. Fazer dessas lutas e dessas conquistas urna base
no capitalismo. Ou, corno sintetiza Mandel (1982, P: 350): "O pré-re- material de tensionamento contra o capital, contudo, é imprescindível
quisito dessa emancipação é a conquista do poder político e a demo- no processo histórico pela emancipação da humanidade de todas <1S
lição do aparelho de Estado burguês pejos produtores asdociados". formas de exploração e opressão.
Como "única forma possível de emancipação" na sociabilidade
ca pi ta Iista. a emancipação
pol ítica está, historicamen te, inseri ta na
luta da classe trabalhadora pela conquista de direitos e l~elhoria de
suas condições de vida. Sua materialidade é condicionada por deter-
minações econômicas, políticas, culturais e pelos antagonismos entre
as necessidades do trabalho e as imposições do capital' (Behring e
Santos. 2(09).
A libcrdnde e igu(lldnde formal, asseguradas pela emancipação
política nos marcos da sociabilidade do capital, estão longe de garan-
tir n liberdade e igunldnde substantivas reivindicadas pela emanei-
poção humana. A emancipação política constitui uma importante
mediação nas lutas contra o capital, especialmente no momento de
decadência do Estado social, quando este não incorpora mais as con-
quistas da emancipação política, como vem ocorrendo neste momen-
to histórico. Por isso, a luta por direitos deve se constituir como
mediação na lutahistórica pela emancipação humana, ou, conforme
sinalizam Behring e Santos (2009, p.280): "O destino das lutas por
direito está determinado na dinâmica da luta de classes, num com-
plexo jogo que envolve disputas ideológicas quanto à concepção de
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um agressivo e "renovado" processo de exproprtação social, o que dos sistemas pübllcos de' previdência po)' meio de diversas "rnudan-
será problernatizado a seguir. çus léçnicas"Cjuc não são assumidas como privatização: aumento da
idademínima exigida paraaposentadoria, ampliação do tempo de
contribuição,
"\
,
estabelecimento deteto.máximo.para
' , '
as aposentadorias
públicasr.diminuição dos montantes dasaposentadorlas e pensões;
3.2 Expropriação pela privatização e redução da
alinhamento da idade exigida para homens e mulheres; introdução
previdência e da saúde públicas?
de novas formas de-financiamento por impostos mais regressivos e
que oneram substancialmente a classe trabalhadora; desenvolvimen-
Em contexto de crise do capital, todos os países capitalistas
de
to de sistemas de aposentadorias complementares obrigatórios indi-
I1mtl' n su] do globo sq~uimn"l orientações do Banco Mundial e insti-
viduais ou profissionais (fundos de pensão fechados) financiados por
tuírnm contrarrcforrnns (Bchring. 2003; 2012ô) no âmbito do Estado
capitalizaçãorz) estimulo fiscal e normatizações que possibilitaram a
sucinl que reduziram direitos conquistados pela classe trabalhadora.
criação e o desenvolvimento de sistemas privados de poupança indi-
Esta tendência geral foi agressiva tanto nos países do capitalismo
vidual (fundos de pensão abertos), não obrigatórios, com ou sem
central em que a previdência e a saúde públicas atingiram a quase
subvenção do Estado; 3) redução do financiamento dos sjs~(:,l1las
totalidade da população, como nos países do capitalismo periférico,
públicos de saúde e instauração de sistemas de saúde públicos dife-
em que essas políticas ficaram longe da possibilidade de universali-
renciados em quantidade e qualidade: sistemas públicos mais restri-
zação. Desde a década de 1970 direitos sociais como aposentadorias,
tos, com serviços de menor qualidade, financiados por impostos
pensões e saúde são acusados ele serem os "vilões" que impedem a
destinados para os pobres; manutenção de serviços de saúde contri-
superação da crise estrutural do capital, sob acusação neoliberal de
butivos públicos para trabalhadores inseridos no mercado de traba lho
absorverem parte importante do fundo público. de onerarem asem-
e estimulo aos' planos privados de saúde.
presas e impedirem o desenvolvimento, De "motor" do crescimento
na perspectiva keyncsiana. o Estado social passa a ser acusado pelos A intensidade e os efeitos das "contrarreforrnas" implernentadas
neoliberais e por setores da social-democracia de ser um. "freio" ao sob estas oJheritaçôes são diferentes em função dos contextos históri-
rescimcnto econômico. Desde então, sucedem-se as críticas ao "peso" cos e sociais de cada país, mas Palier (2005, p. 13) aponta algumas
do Estado social, às suas "despesas" crescentes e às "generosas" tendências comuns, caracterizadas, princip~lmente, pela introdução
prestações sociais, o que levou à proliferação de medidas conserva- e/ou reforço dos sistemas privados e/ ou complementares de previ-
10m:) de "ajustes" destinadas a superar a crise. dência é saüdé.T'ode-se constatar que todas as tendências a seguir
Essas medidas constituem, na verdade, estratégias de restauração sumariadas são equivalentes às contrarreforrnas em implementação
capitalista na busca de ampliação das taxas de lucro, e que impõem nos países do capitalismo periférico," apesar da part-icularidade do
desenvolvimento capitalista nesse continente:
perversas perdas sociais à classe trabalhadora. Elas seguem orientações
do Banco Mundial e foram incorporadas com maior ou menor inten- • Endurecimento dos critérios de elegibilidade para acesso às
sidade nos.países capitalistas, sob três direções essenciais:I 1) redução, prestações socia.is contributivas (seguros) e assistenciais, em
,
I

7. Os itens 3,2 e 3.3 resgatam reflexões iniciadas no artigo" A insidiosa corrosão dos siste- 8. Para a Jmllls\i d.:tnlhlldn .1.\ contrnrreforma no Brasil e outros países,dtl,A:i'!lÓ'of
mas de proteção social europeus", e são aprofundados sob nova lógica analítica. consultarBehrlng (20IXI). ljoHchulI1 (201J8, 2012b); Mora, Amaral e Peruzzo (lQ) ',c

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lrüf;t~Hltll li.~'l!"iTr: tJClA ~üc11\1. í~-tiÀírn.ÍI~nJtjt::',
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especial a previdência social. pensões, seguro-desemprego. c • Desenvolvimento acelerado de serviços e seguros privados
alocações para pessoas com deficiência." com estímulo governamental, tanto por meio de subvenções
e inci~ação fiscal pôra estimular a aquisição de seguros pri-
• Pocalização das prestações sociais, sobretudo prestações as·
vados r por capitalização no mercado na área da saúde e da
sistenciais familiares, que passaram a ser dírigidas exclusiva- •
previdência, como por meio da redução ou corrosão dos
rnentepara famílias de baixa renda sob o argumento de maior
redistribuiçào e "justiça social"; o que, na verdade, constitui serviços públicos, que foram fundamentais para impelir a
demanda para o mercado. I'>
uma estratégia pa ra redução das despesas.!"
Redução do nível das prestações vinculadas à previdência • Introdução, no setor público, de métodos de bestão do setor
• . privado a fim de controlar o volume de despesas e, sobretu-
social, por meio de diferentes mecanismos como alteração
dos índices de reajuste das prestações em espécie, mudança do, atribuição de orçamento anual limitado com delegação
. no modo de cálculo das aposentadorias (aumento no tempo de responsabilidade e autonomia financeira às próprias ins-
da contribuição, estabelecimento de teto nos valores), endu- tituições públicas que devem buscar recursos próprios, corno
recimento dos critérios de estabelecimento dos graus de in-, escolas, universidades e hospitais. \01
validez pélra obter aposentadoria." • Transferência de atividades públicas de proteção social parn
Aumento (ou introdução) de contrapartida exigida aos bene- as famílias e a sociedade civil, o que provoca o crescimento

fioiários para acesso a alguns serviços antes inteiramente constante de atribuições e responsabilidade das famílias e de
gratuitos, como aquisição de medicamentos, de certos apare- associações, em nome daparticipação e solidariedade familiar
lhos de órtese e prótese, ou mesmo assistência médica." e comunitária."
• Redução ou estabilização dos salários no poder público por
9. No Brasil, é exemplar i.1ínstit'"iç,;o de' çritérins que "medem o grau de deficiênciil" e meio de ausência ou reajustes abaixo da inflação que, imple-
rC:ilJ.'Íngcm () acosso ao LlC'nefkiü de' Prcstaçào Continuada (13PC) pi\r<1 pessoas com deficiência. rnentadas em praticamente todos os países, provocou enorme
pelu)NSS. Ver diss(,rt,li,'!W di; rlwslrildo de Tais l.cite 1'101'<'$: COl/cL'ÍI.[) de deficiência IIn /Ilaleriali-
do IICI:SSIJ 1/0 /)I'C: i/lI/'f/l'/clS Ji{j I'rol"Ç')OI'
ZI/(I!(I' 1/(1 ,.dIlÇt7() 1/$sistê/1Ô11 SOÔ'l/ e ImlJlll1lO (PPGI'S/SERI

Un Il, 20 14). Ou as recentes ai tera(;<\,~:i no ,cgu ro-dcscm prlJgo e abono salarial peil;MP n, 665/20 l4
(wnv"rlkb nn I.('i n, 13.1:'\,1,d,~:16/b/21l1'» C as restrições impostas à pen550 pM morte o au- 13. Sobre essa tendência, ver <15 teses ele doutorado de Maria do Perpétuo Socorro Albu-
xtlio d(lcl1çn pela MI' 1\.66<1/2tll'> (convcrtjda na I..ei n. 13.:135,de 17/6/2015), quprgue MaiOS, IJdi'r1l1ill/1lllcs da baixa oalorização da aICl1Ç1i'opl'iwtiriflllo ;lmbito do Sislel/lfl Único
de Saúde (pPGI'S/SER/UnB, 2013), e de [uliana Fiuza Cislaghi, fI"mcl/los pam il critica dIlI'COIIO'
10. No Brasil nâo se lnst iluiu umi' política de prestações sociais para todas <15 famílias como
polílica dn SflIídl' "(I 81'115;/' "tlra.riils pli/Jlico-pri'vlulm~ e !Jn/ori:wç!io do tai'itlll (PPCSS/FSS/UERj,
IIli"
110 l.srndo social europeu, 1ll.1S o salário família, 1\(1 âmbito da previdência, tinhr essa perspecti-
2015). Sobre a previdência s()Çial, consultar Sara Cranernann, "Fundos de Pensão e f\ metamor-
Vd para todos os C01\lribuinll's; contudo. sua localização em famílias de ~baíx.a renda e redução
fose do 'salário em capital": '(2012).
do montante mensal ocorreu na. prlmcira contrarrcíorma da previdência social duranteo go-
vemo Femando Henriquc Cardoso. em 1998 (cf. Boschettí. 2003b). '14. No Brasil, fi mais signlftcativo exemplo é a criação da EBSERH, com apologia de 111('-

1.'1.No Brasil, uma modídaexeroplar nesse sentido foi a instituição do iat9r previdcllci<irio lhoric nos hospitais ,universil,írios. Para ver: a propaganda governamental. consultar: <http://
www.ebserh.gov.br I>. Para lima contundente críti.ca a essa modalidade de gestão na saúde,
l.'d.dcsvinclIlação da "posentadori,l dos reajustes do salário mínimo .na conrrarjcforma de 199ft
consultar a t0SC de dourorado de Cislaghí. já citada. Para acompanhar C>movimento nacionnl
" Lei n. 13.135,.d~ 17/6/2015, alterou o fator previdenciário, mas manteve suaIógjca rcstritiva.
contra a prívatlzocão da saúde, consultar: <http://www.contJ:aprivatizacao.com.br/>.
I'Ma análise rica e exaustiva da previdência social no Brasil. consultar o trabalho de Silva (70]2):
15. Mullns n,~.ilIBc9In mostrnram a tendência do '''familisJllo'' na assistência social. sobre-
12. No Brasil, ascguridade social nunca assegurou recursos aos contribuintes para aqui-
tudo a responsublltznçãu d,lS mulheres em programascomo o Bolsa-Família. Também s50
~iç.'() de medicamentos. mas ~ previdência social e a assistência social auxiliAm- na concessão
inúmeros os cst Lldo~ sobrt- (l,1VOI1ÇO
do chamado "terceiro setor" e sua inócua e ,impotente a~'iío
\;/I)~'Ilqllísiç~() de algumas órteses e próteses. Nos bendicios'assislcnciais em espécie, como o
diante di! qucNllln ~()\II1I.Cf, Miolo (2014).
l'l'ogl'lllna 1)(\I$a-Fall1flii1, as condicionalid.ades solo urna forma de cóntrnpartida.
i'VftN~n /fo~.(lin fi
.- "'~~';'Y'~C ln

"
economia em setores onde a maior parte doscustos é prove- queda da l.'ílXl'i de IUCI'll1:>
e hlzer rolar o capital, mas sempre sendo
niente dos salários (escolas, hospitais, serviços sociais, centros disputados nó solo da história, no contexto da luta de classes, ainda
de Jazer). que numa correlação de forças desfavorável ao trabalho, como nos
últimos decênios" (Behring, 2012, P: 178),
• Criação de agências não estatais ou transferência de serviços
ao setor privado em alguns países, sobretudo no norte da Na mesma direção de buscar explicar a condição do capitalismo
Europa, com transferência da regulação e de parte das res- contemporâneo e as particularidades do Brasil, o estudo de Fontes
ponsnbilidudcs administrativas e financeiras de certos dispo- (2010) apresenta a instigante hipótese de que a elevada concentração
HIII vml di.' pl'l':.I,W~()du scrvlços e prestações sociais; em alguns de capitais sob a forma monetária impulsiona formas variadas e per-
\HOH, \I IIIH11\1.:hlllll'l1tO l' 11 g'-'~l~() de certas prestações sociais versas de expropriações (p. 38),18 como condição fundamental paril
\\0:' dl,IH I),io tr.ibulhados
l'I.!jI.I!'\'n\I.'H (como seguro-saúde e "transformar o conjunto da existência social I1lU1)aforma subordina-
, 111.:L'I'~\)·I~'ill~II·l\ld,HJV) ruram transferidos para os empregado- da ao capital":(p. 42). Na compreensão da autora, a expropriação não
I'L'H/ cmpl'(.:~HII'I.II' pode ser entendida como fenômeno meramente econômico. pois
possuí um sentidopropriamente social: l/Trata-se da imposição - mais
• Desenvolvimento de políticas de ativação paraprestações de
ou menos violenta - de uma lógica da vida social pautada pela su-
segu ro-desempreg~ ou assistenciais, que corresponde à ins-
pressão de meios de existência ao lado da mercantilização crescente
tauraçào ou fortalecimento de contrapartidas obrigatórias
dos elementos necessários à vida, dentre os quais figura centralmen-
como cursos de formação/qualificação OLl realização obriga-
te a nova necessidade, sentida objetiva e subjetivamente, de venda
tória de certas atividades em troca do recebimento das pres-
da força de trabalho" (idem, p. 88). Partindo da análise marxiana dos
tações sociais."
processos de expropriação na acumulação primitiva," Fontes (2010)
considera que:J1o capitalismo contemporâneo "a expansão da expro-
Essas c outras medidas em curso desde a década de.1970 não
priação dos recursos sociais ele produção não diz respeito apenas à
constituem medidas técnicas gercnciais inevitáveis diante da crise
expropriação da terra, de forma absoluta, mas ,'I supressão das con-
contemporânea, como quer nos fazer acreditar os representantes do
dições dadas de existência dos trabalhadores, e sua consequentc in-
capital. Elas participam direta e ind iretamen te do processo da rotação
serção, direta e mediada peja tradição, nas relações mercantis (e no
do capital e do circuito do valor, como vêm demonstrando os estudos
mercado de força de trabalho)" (idem, p. 89).
de Behring (2008, 2010(2012) que ressaltam a relação entre.as políticas
Trata-se de tese que não passa sem polêmica." já que a interpre-
. sociais e a condição do capitalismo contemporâneo, e explicam "os
tação corrente do sentido de expropriação trabalhado por Marx na
nexos do fundo público e da política social com o circuito ampliado
do valor em múltiplas dimensões, tendo em vista contrarrestar a
18. Para a análisc du \otalidiHic
c complexa reflexão de Fontes, consultar O I3I'J1;;ill~ () fill'ill7l
ill/períll/islIll.I: tcori« 1'lli"llÍrí~1(211lll).
Aqui nos limit'1H.'1110S ,10 debate das expropriações.
[6. No Brasil, verifica-se essa tendência no âmbito de serviços públicos que foram priva- 19. Cf. discutido no capírulo 2 deste livro,
. tizados, com a criação das agências reguladoras
como Anel, Anatel, ANP,Anee[, AN$, Anvisa, 20. Cislaghi (2015) discorda da tese de Fontes, considerando que esta autora cria uma
ANA, Ancine, Antaq, ANTr, Anac. Disponível em: <http://www.brasiLgov.brJgovemoJ dualidade em termos de expropriação primána que manteria a acumulação primitiva L' expro-
2009Jll/agencias-reguladoras>. Acesso em: 14 [ul. 2015. priação secundária quI.! avunçarla sobre novos espaços (os direitos) para a mercantilizaçào. [",)1'<1
'17. O item seguinte abordara com mais profundidade a relação entre assistência social e Cislaghi, a ideia de expropriação de direitos pressupõe que em período anterior esses direitos
trabalho nas políticas de a rivação. eram esferas socializadus dll rlql'CJ:n socialmente produzida e estariam do lado de fora do
"\~""""i~",ii"""'i"~'i:li~I';'H\ fll")~'<:'Hn r I (~Mt~ i)\j

análise da acumulação primitiva remete ao processo ele separação subordinar, definir, circunscrever a atividade mais propriamente hu-
entre produtor e meios de produção, especialmente na expropriacão mana ~ o trabalho - sob qualquer modalidade concreta que este se
da base fundiária. Contudo, conforme jfí discutido anteriormente, apresente, alterando incessantemente a maneira específica de seu
Marx explica que nesse processo os trabalhadores são arrancados de exercício, modificando suas características, em prol da acumulação
seus meios de subsistêncln t' In"çndol' no merendo de trabalho como ampliada do capital" (idem, p. 43).21
"prolctérlos IIvn'l'\ nll1Hl pl~I'\HllI'\lil/l, l'O/1\O ,"ol1dlçiio pf1ra constituir () A autora ressalta que o capitalismo não pode ser reduzido ao
lAHI,lrll'lnIIW1\lo IWIPtllI111'1\)tiO I1\tHI(I dI' pl'Odllç~o capltalista. Os pro- movimento das expropriações e estas, tampouco, devem ser relacio-
I'\.,jljl'lnl~d/I PI\I'IIII'I'IIII;OIl 1IIIIIIIHlllloli I)()J' Murx. ulr,do qw~ se refiram nadas exclusivamente à acumulação primitiva como um momento ou
1"/'dlllltllllllllllllll'lIll! 11HIII'IWIHI)U do PI'Pj1I'lüdl1uL!' dos meios de pro- período anterior ao capitalismo. Para a autora, as expropriações são
III~"II, 11'1111'111/\11 d'\llInl\lllI\,'(I" 11dIHPOl1lbilií::oção daforça de traba- processos permanentes e condição da constituição e expansão da base
lho PI\I'11 l'IHllpl'll I' Vi'ildd IHI merendo corno uma condição para a social do capital, ou seja, não há aquiqualquer dualidade, mas sim
1IIIIplltl,(l(l .ln lltlHI' 140dl\I do capital. Também foram considerados por uma relação di<~[étícaintrinsecamentedeterminada entre expropriação
Murx t:OI11l) expropriação o "roubo cios bens da Igreja, a fraudulenta e base social, leia-se unidade entre todos os momentos do processo de
alienacão dos domínios do Estado" (1984, p. 274), entre outros pro- produção e reprodução: do capital. Para qualificar e pa rticularizar esse
cessos destinados a criar a "oferta necessária de um proletariado Livre processo, Pont~s (2010, p. 44) afirma que a expropriação primária original
como os pássaros" (idem, p. 275). A expropriação, portanto, , não se das massas. campesinas ou agrárias da posse da terra não se limita a
limita fi supressão direta dos meios de produção dos camponeses e um "momento" pré-capitalista (acumulação primitiva), mas permane-
trabalhadores do campo, mas incluem processos que provoquem a ce e seaprofunda no capitalismo contemporâneo." A imensa disponi-
submissão dos trabalhadores à lei geral da
acumulação. bilização de trabalhadores expropriados de suas condições de subsis-
Nesses termos, no capitalismo contemporâneo, a subtração de tência não só agudiza a desigualdade de classe e!TI todo o mundo,
condições materiais que possibilit,un à classe trabalhadora deixar de como também favorece ti exploração da força de trabalho pelo capital,
vender sua força de trabalho e asseguram sua subsistência em deter- que ternà sua disposiçãouma imensa massa de trabalhadores que têm
minadas situações (corno é caso das aposentadorias, seguro-desem- 1'10 trabalho a única forma de sobrevivência.

prego, seguro-saúde) também pode ser entendida como um processo Para diferenciar alguns processos contemporâneos desubsunção
deexpropriação, conforme aponta Fontes (2010, p. 42). A ampliação do trabalho a(~ capital da chamada expropriação primária, a autora
da base social do capital, explica a autora, pressupõe a subsunção forja a expressão expropriações secundárias para se referir aos processos
real do trabalho ao capital, o que significa "que () capital tende a contemporâneos que constituem L1mJ "nova - e fundamental- for-
ma de exasperação da disponibilidade dos trabalhadores para o
mercado, impondo novas condições e abrindo novos setores para
circuito do valor (p, 16). Em que P(!S(' considerar inadequada a caracterizaçào de Fontes das
cxpropriaçôes contemporâneas corno "secundárias", o que pode realmente favorecer essa ideia
de dualidade ou pcriodizaçào, não 111!! parece, contudo, que Fontes descole o reconhecimcnío
21. No livro citado, Fontes (2010) realiza um diálogo crítico com a categoria acumulação
egnrantia de. direitos do circuito do valor. Ao contrário, o esforço da autora éde demonstrar
que a subtração de, direitos participa da vexpansão da base social do capital", ou seja, é condi- por espoliação de David Harvey e também apresenta ângulos diferentes de análise de EII,,"
Wood, lrnmnnuel wallcrsreln e Anlbal Quijano. Para esta polêmica ver Fontes (2010, p, 6;?·!):l),
ção PÚt;l " produção socia] de trabalhadores livres (expropriados) necessários à ampliação das
condiçôcs do capital, (Fontes, P: 43), Fontes também critica <1 dualizaçâo que trata a acumulação 22. Fontes (20'10, p. 45-53) ~pol1ta diversos fenômenos contemporâneos de exproprlnçrio
, primitiva corno nlg') prévio nu anterior ao capitalismo (p. 45). primária em todo () mundo,
,lAr"

IVi\Nf<1 ~'IlCI!'II::J![H 11 IW;I~!;~:~i~if;'~W~l~l)l'~\Tff~t!Mírllrl~Ii!Yr~~,'riÂI


1';Mó 11\1

extração de mais valor" (Fontes, 2010, p. 54), As expropriaçõee secun- Não s\;l\;rotf'I.Cvh.loIÜCIYH.'ntt" de consíderar os direitos, sobretudo os
dârias, portanto, não correspondern à perdada propriedade dos meios seguros s()c1i~h\, corno "propriedade social" nos termos de Castel
de produção, mas designam. os processos econômicos e sociais que (1995,1998), bu corno antivalor nos termos de Oliveira (1998), Tra to-
intensificam a disponíbilização do trabalhador para o mercado e, se de qualificar a bárbara subtração de direitos sociais por meio de
ainda, criam novas formas de acumulação e extração de mais valor, sucessivas e avassaladoras contrarreformas nas políticas sociais, que
a exemplo da mercantilização que se processa em campos anterior- obrigam a classe trabalhadora a. oferecer sua força de trabalho no
mente instituídos corno de prestação de serviços e bens públicos, mercado a qualquer custo e a se submeter às mais perversas e pre-
!\lg~lfnm1 dt'Hsns formas de expropriação secundária indicadas pela carizadas relaçõesde trabalho, qLIC exacerbam a extração damais-
lu101'\1 !ll\ relacionam com n dcrru ição dos di rei tos historicamente -valia relativa e absoluta.
l'Ol'~llIlHlnd()Hpcln clm,~~'írabnlhadorn c concrctízados no Estado social A redução dos sistemas públicos e expansão dos sistemas priva-
('nl~llnIlH~u.1I00,tw~ (2()IO) aponte vários "exemplos" de expropriações dos d.e saúde e previdência concretizam lima forma de expropriação
,"/('(,'/llItld/'los contemporâneas relacionadas à subtração de direitos sociais. social, ao menos, por três mecanismos: a) ao restringir o uso do fun-
Uma das mais significativas é a supressão ou redução de direitos de do público para as políticas sociais que são privatizadas ou minirni-
aposentadorias e pensões, com vistas a eliminar um anteparo histórí- zadas, desloca parcela do fundo público, que constitui parte da ri-
co <'1plena dísponibilização de trabalhadores para o mercado, já que queza socialmente produzida, para a acumulação, por meio de sub-
as aposentadorias permitiam ao trabalhador "cessar" a venda de sua venções aos fundos de pensões públicos (regimes fechados de apo-
força de trabalho em determinadas circunstâncias (idem, P: 56). sentadoria administrados por fundos de pensões) e privados (regimes
Outra forma de expropriação igualmente avassaladora para os abertos de aposentadorias instituídos majoritariamente por bancos
trabalhadores foram as sistemáticas supressões ou reduções de direi- ou seguradoras privadas), que já constituem as principais agências
de financeirizaçào, c também para os planos privados de saúde." Esse
tos do trabalho associados diretamente à produção de valor: a preca-
rização, a terccirização, a realização de trabalhos desprovidos de di- processo pode ser uma forma contemporânea de "alienação dos do-
mínios do Estado", junto com as privatizaçôes de bens públicos; b)
reitos, por meio de "bolsas" de estágio, os contratos intermitentes de
ao suprimir ou restringir os direitos sociais de saúde e previdência,
curta duração, as atividades sem nenhum tipo de direitos vinculados
obriga a classe trabalhadora a dispender parte de seu salário com a
(idem p. h), A a ntoru eira, ainda, expropriações no campo da saúde,
r

compra de bens e serviços no mercado, operando a transformação


que submorc i1() controle privado as próprias condições de existência
dos direitos do cidadão em mercadorias e criando a figura do "cida-
bitlltigicl1 (Idem, P: 62),
dão consumidor" (Mota, 1995, 2008a). Opera-se aqui urna dupla
O que nos parece fecundo nesta análise é compreender êI expro- subsunção do trabalho ao capital: a subtração de direitos sociais de
priação como processo de subtração de condições históricas de re- subsistência (lUC obrigam os trabalhadores a disponibilizar sua força
produção da força de trabalho, por meio da reapropriação, pelo ca- de trabalho no mercado e a mercantilização de direitos qlle passam
pital, de parte do fundo público destinado aos direitos conquistados a ser mercadorias disponíveis no mercado; c) ao suprimir ou reduzir
pela classe trabalhadora. Como sintetiza a autora, "asexpropriações os direitos de aposentadoria, seguro-desemprego, seguro-saúde, obriga
são a contraface necessária da concentração exacerbada de capitais e
que, menos do que a produção de externalidades, sãojl forma mais,
23. Sobre os Fundos de Pensão, consultar o primoroso trabalho de Cranemann (21)(]6,20"12),
se] vagem da expansão (e não do recuo) do capitalismo" :(idelll, p. 93). Sobre a saúde, consultar o jn citado trabalho de Cislaghi (2015)
IVi'\r,ílnr rr"ÚL"f(l"f, IH

() trabalhador a oferecer sua força de trabalho a qualquer custo e em produçâoem que () trabalhadorexiste para as necessidades de vale-
qualquer condição e, ainda, obriga-o a se submeter às regras vexa- rização de.valores existentes, em vez de a riqueza objetiva existir para
. -.
tórias para acessar a assistência social. as nccessidadeslde desenvolvimento do trabalhador" (1984, P: 193).
Esses mecanismos estão presentes em todas as contrarreformas A derruição dos direitos do trabalho, da previdência e da saúde,
impingidas ao Estado social capitalista. Sob orientação do Banco portanto.se presta largamente à valorização do capital. Nessa direção,
Mundial; todos os países capitalistas da União Européia e da Améri- podem-se apont,ar três grandes implicações resultantes das sucessivas
ca' Latina e.Caribe passaram a introduzir políticas de privatização ou contrarreformas implementadas desde a década de 1990.25 A primei-
reduçãodos sistemas públicos de aposentadoria e de estímulo aos ra foi a mudança nos sistemas públicos (designados corno primeiro
sistemas privados. As aposentadorias com financiamento por repar- pilar de aposentadorias) com reduçãonos direitos, por meio de di-
. , I
tição estão sendo progressivamente substituídas pelos regimes finan- versas mlldanç~s: aumento da idade mínima exigida para aposenta-
dados por capitalização; as prestações definidas estão dando lugar doria; ampliação do tempo de contribuição; estabelecimento de.teto
às aposentadorias com contribuição definida; a idade para obter máximo e/ou ~iminuição do nível relativo dos montantes das apo-
aposentadoria está ficando cada vez mais distante. O objetivo não é sentadorias e pensões; alinhamento da idade exigida para homens e
.mais "proteger" a classe trabalhadora em momentos de "risco" e mulheres e introdução denovas formas de financiamento regressivo
necessidades sociais, mas limitar o aumento das despesas públicas por impostos. A segunda implicação, decorrente e em articulação com
pela via da restrição/redução dos direitos, estimular a oferta mercan- a primeira, foi O desenvolvimento de sistemas de aposentadorias
til desses serviços e assegurar a subsunção do trabalho nesse contex- complementareJobrigatórios individuais ou profissionais (fundos de
to de ofensiva do capital. O que este) no coração destas contrarrefor- pensão Fechados) Financiados por capitalização (segundo pilar). A
mas é a garantia da reprodução ampliada do capital em larga escala, terceira foi o estímulo fiscal e normatização que possibilitaram a
já que o desenvolvimento de sistemas privados de aposentadoria criação e desenvolvimento de sistemas privados de poupança indi-
presta-se largamente n acumulação capitalista. Ou, conforme sinaliza vidual ffundos de pensão abertos), não obrigatórios, com ou sem
(20'l'l, P: ,'1H): "0:-; assaluriado» aposentados deixam de ser
'lll.:.':m<:lis subvenção do Estado (terceiro pilar). São tendências destinadas a
11pl'lHlK 'coutr: buli \ tl~~' oi, 'pOLI padorcs'. IIlcs se tornam, na maioria reduzir o aperte.do fundo público na reprodução da força de trabalho
dnH V\'I,VH tWIll 1~11'i:OIlHdDI\cl.l, parte do uma I:!ngrenagem que C0111- e criar novos nichos de acumulação.
1)(11'111 I1 UPI'Opl'ltH.;,ill dl' rundirucntos originados na exp\oraçãó do
,
Essas. h;ansformações não ocorreram com a mesma intensidade
ll'ubl1li1u dPH \1Hi'hl 1i1 riudus, tanto nos países onde o sistema de pensão
em todos os países. Noârnbito da Europa, de acordo com Palier
por copltnllzação foi criado, quanto naqueles onde os investimentos
(201Oc) e Cornilleau et ",1.(2010)1 os países que mais estimularam!
o especulações serão realizados.'?' Mesmo sem ter consfiênda,os
desenvolveramjo segundo e () terceiropilares foram os países do
trabalhadores (com ou sem trabalho) participam ativamente dopro-
leste europeu, OS Países Baixos, Reino Unido, Finlândia, Irlanda,
cesso de acumulação, ou, como afirma Marx: "( ...) num modo de
Suécia e Dinarrlarca, Nos países continentais e do sul da Europa,
embora 0$ governos tenham estimulado os sistemas por-capitalização,
í
24. EX'~lnplo dessa situação no Brasil são os estímulos 80S empréstimos consignados
para. aposentados e pensionlstas.ique os COIOÓlIll na armadilha do endlvidamento junto ao
sistema bancáríuc constitui fonte segura de especulação, jij descontados automaticamente 25. Essas 'oriel1ta~ôL~So distinções das contrlrrelormas estão em Hoschetti (20]2.a), Aqui
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das aposentadorias. I retorno somenteàs grandes tendências. l
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esses nào se desenvolveram em larga escala devido à resistência da médicas com espccialistus que não foram prescritas por uni méd ice
classe trabalhadora. No caso dos países da América Latina e Caribe, ~encraJisti'l (antes grntuitas), e supressão de reembolso de certos ser-
todos realizaram contrarreforrnas que alteraram os sistemas públicos viços, corno med icarnentos sem receita médica, óculos, esterilização,
e estimularam os fundos públicos e privados de aposentadoria curas termais, transporte. Essa contrarreforma também atingiu o modo
(Boschetti, 2008; Mesa-Lago, 2003 e I 996; Filgueira, 1997,2007). de financiamento, introduzindo fontes baseadas em impostos para
A saúde pública tem sido o segundo alvo das contrarreformas, licença-maternidade, duplicando a contribuição dosaposentados para
após a previdência social. Palier (201Oc, P: 77) afirma que, nos últimos cuidados de lo~ga duração e transferindo a responsabilidade de fi-
25 anos, todos os países europeus realizaram mudanças com o obje- nanciamento do; auxílio saúde para o trabalhador e não mais para o
tivo comum de liberalizaçào dos sistemas de saúde e introdução de empregador (Palier, 201Oc, p. 92). Outra tendência tem sido a insti-
mecanismos de mercado nas políticas públicas. Nos países onde a tuição de sistemas
.
duais de saúde, com introdução de regimes .públi- "

saúde segue a lógica beveridgiaua (sistema público, com acesso uni- cos com serviços limitados para cobrir a população pobre não inseri-
versal, independentemente de contribuição e financiamento por im- da em LUn regimf profissional contributivo e a manutenção de regimes
posto fiscal), as mudanças da saúde se iniciaram na Crã-Bretanha, profissionais destinados à classe trabalhadora empregada, sendo este
espalharam-se na Europa do sul e por fim atingiram os países nórdi- financiado majoritariamente pelas contribuições salariais (Palier, 2010e;
cos. Todas seguem na direção de restrição do sistema público, intro- Ouval,2008).
dução demecanismos de pagamento ou contrapartida por parte dos Para Duval (2008), as contrarreforrnas decorrem do primado das
usuários, e substituição do financiamento por impostos pelo finan- políticas macroeconôrnicas neoliberais, pouco preocupadas com seus
ciamento por contribuição, o Cjlle muda o sistema com a introdução efeitos sobre a desigualdade social. A busca do lucro a qualquer custo
da lógica bisrnarckiana de seguro social (Deletang. 2003). faz com que os "reformadores" sejam acometidos de uma dupla "ce-
Entre os países cujo sistema de sa úde segue a lógica bismarckia- gueira", diz o autor." Ao se fixarem na eficiência e eficácia econômi-
na (acesso vinculado ~ prévia contribuição), as sucessivas contrarre- ca e financeira, ignoram as condições como precarização do trabalho
formas seguem globaLmente as seguintes tendências: introdução de e das condições de vida que, na situação contemporânea de crise,
"tickets moderadores'?" para os gastos com medicamentos, cuidados exigem reforço da proteção social e não sua redução. Segundo, mas-
de auxiliares medicais. prótescs dentárias, ótica e transporte de am- caram os efeitos sociais das contrarreforrnas por meio de análises
bulância: privatização ou liberalização da escolha das Caixas de Se- "encantadas" segundo as quais as medidas políticas aparecem corno
guro-Saúde pelos usuários, o Cjue significa Livre concorrência entre as excelentes soluções para resolver os problemas mais urgentes. As
caixas de seguro-saúde; aumento das contribuições dos trabalhadores contrarreformasi afirma o autor: "são totalmente desloca das em rela-
c redução das contribuições dos empregadores com vistas a "estimu- ção a uma situação social que elas correm o risco de agudizar e de
1<11' o emprego": introdução de "ticket moderador" para consultas agravar seriamente" (Duval, 2008, p. 121).
Embora com particularidades nacionais, também nos países do
26. Os tíquctes moder<1(Jores são exigências de participaçãc dos usuárius ~o pagamento
capitalismo periférico, em especial na América Latina e Caribe, essas
do serviço. Em vez de as caixas reembolsarem a totalidade ele gastos do usuário com (i serviço,
os tiquetes moderadores estabelecem diferentes perceniuais de reembolso serão
tllll~ assumidos
I
pdas caixas, sendo que o restante deverá ser assumido pelo próprio usuário. Os percentuais a 27. Ovauror intítulou UI11 cnpítulo de St)U livro de Lt'5 oeiltire« de, rijilrl/wlclIl's (d. Duval,
serem assumidos pelos usuários podem variar de 10% a 50%, dependendo do tiro de serviço. 2008, p. 90).
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tendências sào encontradas: As contrarrcforrnas atingirrun em pró- c de sua fnmfll.\, ou seja, os lança ao jugo das relações de merendo
fundidade a política de saúde, com implicações no financiamento sem proteção:
público e concorn itante aumento do gasto privado das famílias,
A redução do dispêndio do Fundo público na realização de di-
empresas e ONGs (organizações não governamentais), acompanha-
reitos do trabalho, previdência e saúde, especialmente, produz uma
da de uma deterioração dos serviços públicos. O Panorama Social
dupla operação na constituição da base social da acumulação. Por um
da Cepa] (2014, p. 47-48) mostra que a saúde foi a política social que
lado, obriga a classe trabalhadora a buscar meios de reprodução de
menos recebeu investimento em relação à educação, previdência e
sua força de trabalho no mercado, por meio da compra de serviços e
assistência social. Nos países da América Latina eCaribe. entre 1990-
benefícios que deixam de ser públicos e se tornam mercadoria, o que
1991 e 2012-2013 o investimento público em saúde cresceu somente
implica em criação de mais excedente, portanto mais acumulação.
]'}:) do PIB, enquanto o gasto social total cresceu 5,3(1<) do PIB. A
Por outro lado, muda o papel do Estado na reprodução ampliada do
própriaCepal afirma:
capital. sem retira!" sua importante função de participe desse proces-
so, mas agora sob novas configurações do Estado social. Por um lado,
Este incremento rio gasto em educação ocorreu em detrimento da ex- suas funções se limitam cada vez mais à regulação e normatização
pansão do setor da saúde, i,í que se registra um incremento relativa- das políticas sociais que são potencialmente capazes de se constituir
mente leve de sua prioridade macroeconômica (um ponto porcentual em nichos de acumulação por meio de sua privatização e redução,
do PIB). Ante as contrações orçamentárias deste setor, costumam-se corno é o caso da saúde, previdência, mas também ed ucação. habita-
sacrificar os investimentos nu reinvestirnentos em infraestrutura, a
ção, transporte e outras. Por outro lado, suas funções se agigantam
renovação de equipamentos e a reposição de insurnos médicos, o que
na interposição da assistência social, que ganha relevância em con-
suscita problemas no setor público da saúde, afeta a cobertura e, prin-
texto de crise e, como afirma Mora, "as classes dominantes invocam
. cipalmente, a qualidade das prestações, situações que demoram a
a assistência social como uma solução para combater a pobreza rela-
normalizar-se. (Cepal, 2014, p. 48)
tiva e nela imprimem () selo do enfrentarnento da desigualdade"
(2008b, p. 141).
Os processos priviltiznnl'('s, diretos l~ indiretos, da previdência
I O Estado social mantém sua função de regulação e distribuição
I' 1-1,)\'111(' púhllcn», :-Il\Jy\,\dllS ~ sllpr\'ssiio dos direitos do trabalho, se
de parcelas dQ excedente social e não deixa de participar da repro-
,lIl>IlWll'll1 .l0 111\p~ll'l1llv\l d,) .1CUJnUI,1Ç<lU C, (10 expropriar os direitos
dução ampliada do capital, mas realiza as funções de reprodução da
\'llIl\lld1'!tl\d\lH, HlIpl'illh'1ll d()~ lrabulh.ulorcs ,) possibilidade de aces-
força de trabatho e de manutenção da população não trabalhadora
,...lll' p.Hll.' d.l rlquczu social mente produzida, apropriada pelo Estado
nos limites da sobrevivência. No âmbito da previdência e saúde, a
,-.ob (orma de fundo público constituído por impostos e tributos para
ação estatal se limita cada vez mais à manutenção de sistemas públi-
flnancinr os serviços públicos. A supressão ou restrição de direitos
cos mínimos ou básicos (os chamados planos de base) e regula a
existentes reduz a participação social do Estado na reprodução am-
instituição de planos privados abertos e / ou fechados que se constituem
pliada da força de trabalho, conforme discutido no capítulo anterior em novos nichos de acumulação. No âmbito do trabalho, reedita a
e, em novo contexto e condições históricas, deixa os trabalhadores antigaéjnsoll~vel tensão.entre assistência. social e trabalho, mas ago-
"livres como pássaros", o que os impele a se submeter a não impor- ra COI;nnovas homencla turas e configurações chamadas políticas de
ta que tipo de trabalho ou atividade para assegurar.sua subsistência ativação da proteção social.

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