Você está na página 1de 3

A ÉTICA DO DISCURSO EM HABERMAS: a conciliação entre justiça e solidariedade

A Ética do Discurso dispõe do potencial para estabelecer uma estreita relação entre justiça e
solidariedade. Para Habermas, esta relação entre justiça e solidariedade destacada na ética do
discurso, torna-se possível quando orientada por uma forma de comunicação mais exigente que
possa transcender as forma de vida concreta. A justiça e a solidariedade não são elementos
complementares, conforme Habermas, antes são dois aspectos de uma mesma realidade. A
preocupação com o bem-estar do outro e com o bem-estar geral se dá numa relação de
reconhecimento recíproco. Este tratamento igual que cada indivíduo conclama para si (justiça) tem
no seu complemento o mesmo tratamento para todos (solidariedade). “A justiça tem a ver com as
iguais liberdades de indivíduos inalienáveis e que se autodeterminam, enquanto a solidariedade
tem a ver com o bem-estar das partes irmanadas numa forma de vida partilhada intersubjetivamente
e, assim, também com a preservação da integridade dessa forma de vida.

No entanto, justiça e solidariedade convergem pressupondo expectativas de reconhecimento


recíproco construídas na formação da vontade geral discursiva capaz de enfrentar as barreiras que
se encontram inseridas nas estruturas sociais. Dessa forma, a racionalidade que opera no interior
de uma argumentação discursiva é uma racionalidade tornada reflexiva e que, em situações
problemáticas compreende a formação discursiva da vontade, integrando a individualidade do
sujeito e os laços que o prendem objetivamente a todos os outros, de forma universal. Este é o
cerne da Ética do Discurso. Neste processo de formação da vontade discursiva, a “plena
responsabilidade” (Habermas, 2004) dos sujeitos é esperada na auto-relação refletida nas atitudes
com os outros participantes do discurso. A possibilidade vista por Habermas, em uma comunidade
de comunicação pressupõe a possibilidade de se retomar valores éticos importantes, até então, no
atual contexto mundial.

Para Habermas, no convívio social mediado pelo agir comunicativo, as expectativas de superação
do egocentrismo, são ancoradas em uma racionalidade voltada ao entendimento e que se submete
a critérios públicos de discussão. A forma discursiva do entendimento mútuo, a partir de
argumentos racionalmente aceitos por todos, é a base da Ética do Discurso. A Ética do Discurso
proposta por Habermas é complexa e levanta questões que poderiam cada uma, ser extensivamente
discutidas, uma vez que recorre a muitos autores de diversas áreas do conhecimento em um
processo que denominou de reconstrução teórica.
Para Habermas, o indivíduo só forma sua personalidade através da socialização via linguagem. A
linguagem utilizada no entendimento com o outro se torna condição necessária diante da
fragilidade do ser humano no entrelaçamento com as diferentes formas de vida sócio-culturais. O
indivíduo isolado, “por si só, não consegue afirmar sua identidade” (Id.Ibid., p. 19). Segundo o
autor, a moral posiciona-se enquanto dispositivo de proteção nas relações interpessoais construídas
sobre uma base comunicativa como forma de orientação “à extrema vulnerabilidade dos
indivíduos” (Ibid., p. 18). Uma vez que a individualização se constitui na socialização, para
Habermas, a moral tem duas tarefas a cumprir: exige o respeito à dignidade e à liberdade de cada
um (justiça); e, da mesma forma, em reconhecimento mútuo, exige a reciprocidade desse respeito
ao outro como membro do grupo, na preocupação como seu bem-estar (solidariedade).

a Ética do Discurso é apresentada por Habermas como uma reconstrução da ética kantiana
fundamentando-a na base do discurso argumentativo, tendo como referência a teoria de Apel.
Segundo Apel (1994) somente o discurso argumentativo seria capaz de validar normas e juízos
que se tornam problemáticos no mundo da vida. Habermas considera a Ética do Discurso,
inaugurada por Karl Otto Apel, como sendo a abordagem mais promissora para a discussão das
questões práticas. No processo argumentativo, os participantes levantam expectativas por
pretensões de validez, orientadas para o entendimento mútuo, de modo que possam posicionar-se
entre o “sim/não”. Esse processo de comunicação dialógica só pode se dar na intersubjetividade e
não na imposição coercitiva de um conhecimento sobre o outro. Habermas desce à terra esse
conceito de dever kantiano de forma que o que é válido, ou a decisão correta, tenha como base as
razões incontestadas apresentadas em forma de argumento discurso as quais possam conta com a
anuência de todos os participantes.

3.2. A Ética do Discurso

O método do discurso prático apresenta vantagens quando confrontado em ambas as construções.


Quando argumentam, os intervenientes têm de partir do princípio de que, em regra, todos os
indivíduos em questão tomam parte, enquanto sujeitos livres e iguais, numa busca cooperante da
verdade. O discurso prático é visto como uma forma exigente da formação da vontade”(
HABERMAS, 1991, p. 17).
Dessa forma, o método do discurso prático contempla os dois aspectos importantes num processo
argumentativo: a autonomia de cada um em seus proferimentos e a relação recíproca do
reconhecimento desse interesse de modo em geral. É uma relação de empatia solidária em que
cada indivíduo projeta-se no “Na qualidade de interveniente numa argumentação, cada indivíduo
está posicionado na sua própria perspectiva, embora continue inserido num contexto universal é
isto que Apel pretende dizer com ‘comunidade ideal de comunicação’. No discurso, não se quebra
o laço social do sentimento de pertença, se bem que o consenso que a todos é exigido transcenda
as fronteiras de todas as comunidades concretas” (HABERMAS, 1991, p. 22).

A ética discursiva ordena diversas formas de argumentação a questões éticas e morais, a saber,
discurso de auto-entendimento, de um lado, discursos de fundamentação normativa (ou de
aplicação) de outro. Com isso, no entanto, ela não reduz a moral a tratamento indistinto, mas
procura fazer justica a dois aspectos; à justiça e à solidariedade. Um comum acordo almejado via
discursiva depende simultaneamente do “sim” ou do “não” insubstituível em cada um dos
indivíduos, bem como da superação egocêntrica, indissociável de todos os envolvidos em uma
práxis argumentativa pautada pelo convencimento recíproco (HABERMAS, 2004b, p. 50)

Esta forma de socialização comunicativa consegue superar de uma só vez três aspectos passíveis
de crítica na ética kantiana (Habermas, 1991, p.23): a) em seu aspecto formalista na divisão dos
dois mundos, sensível e inteligível. A Ética do Discurso considera a justiça e a solidariedade como
forma complementar no convívio social. b) a Ética do Discurso supera a avaliação interna da
conduta moral do sujeito monológico pelo processo de um discurso público como forma de
generalização das normas. “Não é por acaso que o imperativo categórico dirige-se a uma segunda
pessoa do singular, dando a impressão de que cada um por si, in foro interno, pode submeter às
normas a prova, segundo convém” (HABERMAS, 2004b, p. 48).

Você também pode gostar