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Resumo
Na contemporaneidade, o fazer literário pode explorar tanto elementos verbais quanto
não-verbais, os quais participam da criação e recriação da palavra. A tecnologia produz
uma versão interativa e experimental do texto, a ciberliteratura. Trata-se de uma arte no
meio digital, em que o computador é manipulador de signos, deixando de ser mero
armazenador e transmissor de informação. Este trabalho discute a inserção da
ciberliteratura em sala de aula, destacando as novas tecnologias de informação como
alternativas metodológicas para estimular o desenvolvimento das competências de
leitura e escrita.
Abstract
In contemporary times, literary writing can explore both verbal and non-
verbal elements, which participate in the creation and re-creation of the word.
Technology produces an interactive and experimental version of the text: cyber
literature. It is an art within the digital medium, in which the computer is a sign
manipulator, no longer being a mere information keeper and transmitter. This
paper discusses the integration of cyber literature in the classroom, highlighting
the new information technologies as methodological alternatives to stimulate the
development of reading and writing skills.
1
Mestranda no programa: Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias – MIELT –
da Universidade Estadual de Goiás (UEG). CEP: 75.110-390. Anápolis-GO. Brasil. E-mail:
nararubi@ig.com.br
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Pós-Doutora em Literatura e Hipermédia. Professora e Coordenadora do Mestrado Interdisciplinar em
Educação, Linguagem e Tecnologias – MIELT. Universidade Estadual de Goiás (UEG) CEP: 75.110-390
Anápolis - GO. E-mail: desants@uol.com.br
Keywords: Cyber literature. Digital poetry. Experimental poetry.
Introdução
Como consequência, tem-se a rejeição por parte do estudante ao ato de ler já que
reconhece nessa tarefa uma atitude mecanicista que privilegia respostas às perguntas: o
feito ao fazer; o resultado ao processo. Assim, há uma grande lacuna na leitura, a qual
vem sofrendo constantes mudanças, aceleradas pelos avanços científicos e tecnológicos
que, juntamente às transformações sociais e econômicas, revolucionaram as formas de
comunicação e de relacionamento. Encurtaram-se as distâncias, expandiram-se as
fronteiras. O mundo ficou mais globalizado, móvel e interativo. A utilização das novas
tecnologias passou a ser uma importante ferramenta para a realização de tarefas e
afazeres básicos, complexos e prazerosos em nosso cotidiano.
Com efeito, no sentido de buscar e promover qualidade, modernidade e prazer
no ensino de literatura nas escolas, propõe-se, neste artigo, o estudo das textualidades
presentes na poesia experimental do web-poeta Rui Torres. Seus webpoemas
possibilitam ao leitor se colocar conscientemente diante da contemporaneidade e da
hibridização3, fusão de gêneros diferentes como poema e pintura; vídeo e poesia que se
demarcam em mídias convergentes, fazendo surgir uma “produção intermédia, pois
quando dois ou mais meios discretos se fundem conceitualmente, eles se tornam
intermédia”, Higgns (1984 apud SILVA, 2010, p. 7, grifos do autor). Nessa
perspectiva, ocorre uma espécie de simbiose entre o computador e o autor, pois a
máquina se envolve no processo de criação como elemento ativo de produção semântica
no texto literário a partir do material informado pelo autor. Dessa forma, aquilo que é
fornecido pelo compositor é alterado pelo PC por meio de uma linguagem binária.
Obtêm-se, então, como resultado, dados diferentes do que foram anteriormente
indicados, tornando o texto um gênero alterado, híbrido.
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Neologismo formado pela justaposição das palavras 'escrita e leitura'. Apesar de Arnaud Gillot declarar
que ele foi criado em português, em 1992 (em Lisboa, na tese de Pedro Barbosa, intitulada “Criação
literária e computador, Julia Kristeva em Sémiotique”, cuja primeira edição data de 1968, utilizava o
termo écriture-lecture com a mesma acepção de écrilecture.
A poesia virtual promove ainda a capacidade de criação e recriação do discurso
por meio do computador como recurso semiótico no tratamento do texto sob à luz da
ciberliteratura. Desse modo, em meio eletrônico, responsável por uma efetiva edição-
rizoma5, o leitor entra em contato com um “texto animado, interativo e multimídia,
(TORRES, R., 2004a, p. 321-28), capaz de descentralizar a “hierarquia linear e
reconceitualizar a dimensão gráfica do texto” (SANTAELLA, 2012, p. 236).
Assim, o trabalho literário virtual contempla uma tridimensionalidade no texto
por meio da expansão dos signos, da espacialidade, da visualidade e da simultaneidade
da informação, o que pode ser sintetizado pelo sistema verbivocovisual, cunhado por
James Joyce, caracterizador da poesia concreta, modalidade inaugurada nos anos 1950,
pelos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino
Grünewald e Ronaldo Azeredo. Tal modalidade promove ao texto a especificidade de se
organizar no papel, explorar o fenômeno da simbiose entre o signo e o espaço na
construção textual e negar o modelo fixo de produção de literatura. O poema, que era
apenas lido, passa agora a ser visto; “nesse formato, a poesia apresentava uma
linguagem concisa e objetiva e o poema concreto era feito para ser visto como um todo
homogêneo e fragmentário” (SILVA, 2010, p. 6).
Destarte, prevendo a dinamicidade e o fragmentário próprios da
contemporaneidade, os poetas concretistas realizaram um trabalho minucioso ao se dar
expressividade à poesia experimental com elementos líricos, verbais, visuais e sonoros.
Tal trabalho, por sua vez, deu luz a uma nova estética, denominada ciberliteratura com
seus representantes maiores E. M. de Melo e Castro, Pedro Barbosa, Rui Torres, Salete
Tavares e outros. Assim, torna-se relevante destacar que, em meio à hipermédia,
concretiza-se, pelo processo de transposição didática, um cabedal de textualidades,
configurando três tendências textuais:
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Termo que designa “a partilha de funções cognitivas, como a memória, a percepção e o aprendizado por
todos via meios de comunicação que, segundo Levy (2009 apud PERSIVO, 2009, p. 1), ‘podem ser
melhor compartilhadas quando aumentadas e transformadas por sistemas técnicos e externos ao
organismo humano’, referindo–se aos meios de comunicação e à internet” (p. 1).
Isto posto, outro objetivo do poeta, por meio de seus textos verbivocovisuais, é
fazer com que autor e leitor vivenciem com mais frequência e intensidade a linguagem e
a interação por meio da internet, além de promover, por consequência, novas produções
poéticas e romper, simultaneamente, com o paradigma gutemberguiano, apregoador de
um academicismo e classicismo dominantes.
Sendo assim, é necessário examinar as ferramentas que compõem a hipermédia
para a leitura e produção da literatura digital por meio de um sintetizador de textos,
como o Sintext, cujas bases de configuração poética estão presentes nos trabalhos
experimentais dos poetas E. M. de Melo e Castro e Herberto Helder. Pode-se observar
no exemplo a seguir, em que a troca dos vocábulos permitiria o número
999.999.767.908.987 de opções para se escrever um texto literário e virtual. Observe:
Amor de Clarice
(A partir dos textos de Rui Torres e Clarice Lispector)
Versão original Opção 17
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Amor de Clarice, versão de Rui Torres. Disponível em:
<http://www.telepoesis.net/amorclarice/v2/amor_index.html>
construção coletiva de leitura e escrita, à luz do conceito de “Inteligência Coletiva”
(LEVY, 2001, p. 152). Ao se entrar em contato com tal experiência de construção
virtual de textos, o leitor depara-se com elementos concretos da virtualidade como a
linguagem, que pode ser sonora, visual, verbal, cinética ou todas ao mesmo tempo; com
as estruturas sintática, semântica, espacial e temporal; com o suporte (mídias
convergentes); com os gêneros textuais, caracterizados por hibridismo; e com a
mensagem, além das suas próprias impressões e sensações diante de uma poesia
combinatória programada.
No blog Poemário, os leitores produzem releituras de textos poéticos e têm a
oportunidade de divulgá-los, instantaneamente, on-line no próprio site, oportunizando,
dessa forma, interatividade entre autores e leitores, além de entrar em contato com o
diálogo que há entre as multissemioses e a convergência de mídias na construção de
gênero híbrido, a qual se dá “quando em um mesmo ambiente estão presentes elementos
da linguagem de duas ou mais mídias interligados pelo conteúdo” (PELLANDA, 2003,
p. 3), ou seja, a mídia rádio, a exemplo, adentra a mídia internet, a qual, por sua
natureza multimodal, já possui outras mídias que interagem naturalmente entre elas.
Além de toda esta gama de especificidades da literatura experimental de Rui
Torres, os poemas podem ser explorados em seu nível fonológico, sintático semântico.
Ao se analisar o poema original e uma versão deste, um estudo exploratório do
vocabulário escolhido pelos autores pode ser realizado, pois as palavras que surgem à
tela, para serem escolhidas, ao click do mouse, fazem referência ao conto Amor da
escritora Clarice Lispector, sendo que os vocábulos são expressões retiradas do próprio
conto. Um aspecto importante nas reescritas é o nome ana com letra minúscula,
apontando como se ela não se sentisse importante ou se anulasse diante do mundo em
que vivia. Os sons do poema, outro elemento fundamental, conseguem envolver o leitor
em um processo de introspecção de forma que ele mesmo se torne o eu-lírico do poema.
A sintaxe do poema, por sua vez, leva a uma observação de que existe uma preocupação
em aproveitar o espaço do papel. Nesses casos, pode-se valorizar a questão da
intencionalidade do autor do texto, pois, embora não havendo uma aparente relação
semântica intratextual, há sentido entre os elementos que constituem o texto de forma
implícita. Por isso, é possível contemplar o material em uma dimensão relativa à
comunicação de uma mensagem qualquer.
4. Considerações finais
Referências bibliográficas
FILIPOUSKI, Ana. Para formar leitores e combater a crise de leitura na escola: acesso à
poesia como direito humano. 2006. Disponível em:
<http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista39/art22.pdf> Acesso em 05, jun.,
2014.
MOURÃO, José Augusto. A criação assistida por computador. 2001. Disponível em:
<http://www.educ.fc.ul.pt/hyper/resources/jmourao/criacao.htm> Acesso em: 12, set.
2013.
SANTOS, Alckmar Luiz dos. Leitura de nós. Ciberespaço e literatura. São Paulo: Itaú
Cultural, 2003.
TORRES, Rui GOUVEIA, Luis B.; GAIO, Sofia (orgs) Poesia em meio digital:
algumas observações. Porto. Edições UFP. 2004a.
VEEN, Wim; WRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto
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