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BUG 

NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS


ANDRÉ PAZ | SANDRA GAUDENZI  ORGs.
ORGs.
BUG

ANDRÉ PAZ
SANDRA GAUDENZI
NARRATIVAS

E IMERSIVAS
INTERATIVAS
PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA,
LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA - LEI DO ISS APRESENTAM

ALBERTO SARAIVA
COORDENADOR DA COLEÇÃO
ARTE E TECNOLOGIA

1ª EDIÇÃO
RIO DE JANEIRO, 2019

EDITORA COEDIÇÃO

PROJETO APOIO

PATROCÍNIO
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B946
Bug: narrativas interativas e imersivas /
organização André Paz, Sandra Gaudenzi;
coordenador da coleção Alberto Saraiva. -
1. ed. - Rio de Janeiro: Automatica, 2019. 

224 p. : il. ; 25cm.  (Arte & tecnologia)

Inclui índice
“Formato bilíngue”
ISBN 978-85-64919-31-0
ISBN 978-85-64919-30-3

1. Artes - Miscelânea. I. Paz, André. II.


Gaudenzi, Sandra. III. Série

19-55497 CDD: 700.2


CDU: 7.011

Vanessa Mafra Xavier Salgado -


Bibliotecária - CRB - 7/6644

27/02/2019  01/03/2019
APRESENTAÇÃO

Bug é um erro de programação. Algo inesperado, estranho a um sistema.


Este livro trata de obras assim: incomuns no universo programado
que encontramos na internet. Vivemos hiperestimulados por imagens,
sons ou frases que nos chegam por televisores, celulares, monitores
em elevadores. Um caleidoscópio informativo, alimentado por novas
tecnologias digitais conectadas à internet. Nesse ambiente, entre-
tanto, conseguimos também garimpar uma série de obras que propõem
experiências mais instigantes.
São narrativas interativas e imersivas com diferentes formatos e
plataformas (websites, aplicativos para dispositivos móveis, headsets
de realidade virtual, instalações, webdocumentários, documentários
interativos, vídeos 360, realidade virtual, realidade aumentada).
Uma variedade de produções que incorporam a interatividade ou imersão
das novas mídias à estrutura de suas narrativas.
Por trás de suas interfaces, os projetos exploram diferentes
práticas de criação, produção, difusão e recepção entre realizadores,
participantes e público. Processos de co-criação, produção de mídias
participativas e realização de obras colaborativas potencializam
diferentes formas de agenciamento. Os projetos assumem propósi-
tos além do artístico: impacto social, ressignificação de espaços
urbanos, preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, da
memória social.
Este livro faz parte do projeto da Mostra BUG, realizada no
Centro Cultural Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro, Brasil, entre 14
de agosto e 9 de setembro de 2018, com curadoria de André Paz, Julia
Salles e Arnau Gifreu-Castells. Ele representa um aprofundamento
do objetivo da Mostra: fazer uma introdução ao campo que inspire
novos projetos de produção ou pesquisa de narrativas interativas e
imersivas.
Não há, entretanto, um formato a ser seguido pelos projetos
por vir. Trata-se de uma produção de obras híbridas, cujo processo
criativo está entre o audiovisual, as novas tecnologias, o design,
a programação. Requer uma colaboração entre artistas, filmmakers,
programadores, designers, tecnólogos, especialistas, ativistas,
pesquisadores.
Assim como a própria Mostra BUG, este livro segue os princí-
pios do Bug404 (bug404.net), que deu origem a ambos. Os artigos e

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entrevistas a seguir, ao incorporar diversas vozes e visões, repre-
sentam mais uma tentativa de aprofundar o diálogo entre pesquisadores
e aqueles que criam e produzem as obras.
O primeiro capítulo aborda todo o cenário por trás dos proje-
tos de narrativas interativas e imersivas. André Paz e Mayra Jucá
apresentam um retrato da paisagem, para além das obras: produtores,
festivais, labs, centros de pesquisa. Mostram também como essas
obras acontecem em ecossistemas inovadores e apresentam a proposta
do Bug404 nesses termos. Sandra Gaudenzi complementa o cenário com
suas considerações sobre as mudanças de mentalidade necessárias ao
desenvolvimento de projetos, baseada em sua experiência como idea-
lizadora e coordenadora do !F Lab, entre outras fontes. Por fim, os
produtores Laure Cops e Wouter Vanmol, da NuNam, contam em entrevista
a experiência de participarem do mesmo LAB.
O capítulo Narrativas Interativas está focado no espectro de
obras chamadas de documentários interativos, webdocumentários, living
documentary ou documentário transmídia. Em “Além das interfaces:
conceitos e obras fundamentais de narrativas interativas”, André
Paz e Katia Augusta Maciel apresentam uma introdução ao campo de
pesquisa e aos conceitos básicos para se compreender e desenvolver
novos projetos. Já o artigo de Arnau Gifreu-Castells aborda o está-
gio de desenvolvimento do documentário interativo e transmídia em
diferentes lugares do mundo. Em seguida, em entrevista a Jéssica
Cruz, Marina Thomé e Marcia Mansur, do Estúdio Crua, diretoras do
documentário interativo e transmídia Som dos Sinos (2015), anali-
sam os bastidores deste projeto que utiliza as novas mídias para a
divulgação do patrimônio imaterial, representado pela tradição dos
toques de sinos das igrejas históricas de Minas Gerais, no Brasil.
O terceiro capítulo é dedicado às Narrativas Imersivas. O artigo
“Narrativas imersivas: imaginando múltiplas realidades”, de Julia
Salles e María Laura Ruggiero, apresenta os novos desafios que se
colocam no processo criativo na visão de quem produz. A entrevista
a seguir oferece uma viagem guiada pelo prestigioso estúdio de rea-
lidade virtual canadense Félix & Paul, que tem se destacado, por
exemplo, com obras como Through the Masks of Luzia e Dreams of O,
com o Cirque de Soleil. Para completar, Xavier de la Vega apresenta o
Okio Studio, pioneiro francês em realidade virtual, com obras como I
Philip e Altération, duas ficções científicas em realidade virtual.
Trabalhos de Félix & Paul e Okio estão entre as obras selecio-
nadas para a Mostra BUG, apresentadas no quarto capítulo. O evento
apresentou um panorama diverso dividido em sessões e projeções de
documentários interativos, narrativas mobile, vídeos 360, animações
em realidade virtual e instalação. Grande parte das obras do catálogo
é analisada ao longo do livro, ilustrando as questões aprofundadas
nos artigos e entrevistas. Ficam aqui como um convite ao leitor
para explorar esse universo de novas formas de se contar, provocar
e vivenciar histórias.
ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI
ORGANIZADORES

APRESENTAÇÃO OI FUTURO

Contar histórias é a matéria-prima do que pode ser visto na radical


exposição que ocupou todo o centro cultural Oi Futuro, de 14 de
agosto a 09 de setembro de 2018. O trio de curadores – André Paz,
Julia Salles e Arnau Gifreu – aliou-se a um grupo de profissionais
que investigam, há muito tempo, os efeitos das tecnologias contempo-
râneas nas formas de narrar. Muitos desejos, muitos lugares, muitas
trajetórias formaram esse grande BUG.
Por meio dos mais diversos aparatos tecnológicos, a mostra
mapeou, de modo instigante, as infinitas possibilidades de se contar
histórias, num jogo de percepções que incluía celulares, computa-
dores, vídeos e projeções em espaços virtuais e físicos, imersivos
e interativos. Narrativas singulares e construídas para espaços
diferenciados dos lugares clássicos do teatro, do cinema, da TV e
mesmo da web. Um extenso território de criação, com realizadores
do Brasil e do exterior.
BUG reuniu obras que configuram diferentes perfis plásticos, no
desafio da interseção entre ciência, arte e tecnologia, borrando as
fronteiras entre a literatura, o audiovisual, a fotografia, a arte
computacional e o design. Um projeto que colocou, de modo único,
o espectador no centro, convocando-o a interagir e construir sua
própria narrativa, recriando personagens e promovendo novos caminhos
entre a ficção e a realidade.
BUG, agora, virou livro, integrando a nossa Coleção Arte e
Tecnologia, que registra as mostras que passaram pelo Oi Futuro. Ao
ser recontada, uma história nunca mais será a mesma. Como o mundo,
as narrativas estão em constante movimento. Eu, você e o outro, em
mutação permanente. Sem começo, meio e fim.

ROBERTO GUIMARÃES
GERENTE-EXECUTIVO DE CULTURA DO OI FUTURO

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VISÃO PANORÂMICA

O CENÁRIO INOVADOR DAS


NARRATIVAS INTERATIVAS
E IMERSIVAS

ANDRÉ PAZ1
E MAYRA JUCÁ2

1 André Paz é professor e pes-


quisador da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Leciona no Mestrado
Profissional em Criação e
Produção Digital da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Diretor e produtor de narrati-
vas interativas. Idealizador e
coordenador do Bug404. Curador
da Mostra Bug em 2018.

2 Mayra Jucá é jornalista (UFRJ),


pesquisadora e realizadora
de documentários e platafor-
mas interativas e colaborati-
vas. Doutoranda em História,
Política e Bens Culturais (FGV/
CPDOC), leciona na Pós-Graduação
em Cinema Documentário da FGV-
RJ. Fundou e dirige a produtora
Cria Projetos e Narrativas.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 8
INTRODUÇÃO Hamlet no Holodeck - o Futuro da Narrativa no
Ciberespaço (2007), aponta o conceito de inte-
ractive storytelling e faz previsões que englo-
Novas tecnologias sempre estiveram associadas bam diversas formas de narrativas digitais que
ao surgimento de novas linguagens, modos surgiriam posteriormente.
de comunicação e formas narrativas. Alguns Nesse contexto, surge todo um amplo espectro
exemplos dessa relação se tornaram clichês de obras que chamamos neste livro de ‘narra-
inevitáveis: no século XV, Gutenberg marca tivas interativas’ ou ‘narrativas imersivas’,
o nascimento da imprensa com a invenção de por incorporarem a interatividade ou a imersão
uma máquina tipográfica; no século XIX, o do espectador como um princípio fundamental da
daguerreótipo impulsiona o surgimento da estrutura narrativa. Trata-se, na realidade, de
fotografia; e no final do mesmo século os uma produção muito diversa, de obras híbridas,
irmãos Lumiére, com o cinematógrafo, lançam com diferentes formatos, plataformas de suporte,
uma pedra fundamental para a fundação da dimensões de investimento. Produções multipla-
‘forma’ cinema. Desde o século XX, o ritmo taforma, como Highrise (2009-2017)3; webdocu-
de inovações se acentua, as mídias se sucedem mentários seriados, como Do not Track (2016)4;
(filme, vídeo, CD-Rom, DVD) e as formas de narrativas mobile baseadas em aplicativos, como
narrar também entram numa fase prolífica de Alma: Une Enfant de la Violence (2012)5; vídeos
experiências. No início do século XXI, vivemos imersivos em 360o como 6x9: A virtual experience
o marco da chegada da internet 2.0, abrindo of solitary confinement (2016)6; instalações com
as porteiras do upload e colocando em questão uso de plataformas de realidade virtual e apli-
a comunicação centralizada (além do ‘um para cações em realidade aumentada, como The Enemy
muitos’, passamos a contar com novas formas (2018)7. Parte dessa produção tem sido reconhe-
de comunicação de ‘muitos para muitos’, como cida nos últimos anos em mostras e festivais de
observou Pierre Levy). prestígio internacional como o IDFA DocLab, do
A difusão das mídias digitais e a con- International Documentary Film Festival Amsterdam
solidação da internet abriram uma série de (IDFA), na Holanda, ou o Sundance New Frontier
novas possibilidades narrativas. Quando o Lab, nos EUA. As principais referências têm sido
ciberespaço se torna uma dimensão tão real e mapeadas por projetos como o Docubase8, do MIT
inevitável para a existência humana quanto Open Documentary Lab (Massachusetts Institute
o território; a cibercultura ou a cultura of Technology), uma base de dados disponível
digital dita novos hábitos e comportamentos; online, comentada por curadores internacionais.
a produtividade e a criatividade se potencia- Este artigo se propõe a esboçar um retrato
lizam a partir de uma inteligência coletiva do cenário por trás das obras: produtores, festi-
(Levy, 1994: 1997), é natural que as formas de vais, financiadores, labs, centros de pesquisa.
se criar, interpretar e acessar histórias se
3  http://highrise.nfb.ca/. Ver página 106.
transformem. Observando essas transformações,
4  www.donottrack-doc.com. Ver página 111.
por exemplo, Henry Jenkins (2006) introduz 5  http://alma.arte.tv. Ver página 121.
6  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2016/
os conceitos de ‘cultura da convergência e apr/27/6x9-a-virtual-experience-of-solitary-confinement

narrativa transmídia’; e Janet Murray, em 7  www.theenemyishere.org/. Ver página 120.


8  https://docubase.mit.edu/

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17 9
Buscamos assim dar uma visão geral do pano de surgiriam posteriormente abordando o mesmo tema
fundo do surgimento e realização dos proje- (a vida em arranha-céus pelo mundo) por novos
tos. Não se trata de um mapeamento exaustivo. ângulos. Os projetos subsequentes a Highrise
Estamos abordando uma profusão de obras de mantiveram seu aspecto inovador, seja em termos
difícil classificação e com processos de pro- de narrativa, método ou tecnologia, contribuindo
dução e criação diversos. Apenas localizamos para o desenvolvimento de novas fronteiras para
referências que possam servir aos leitores as narrativas interativas em geral.
que desejam se lançar como realizadores, que Outro projeto relevante deste período é
buscam inspiração e apoio na viabilização de Alma: Une Enfant de la Violence, realizado em 2012
seus projetos. pelo grupo francês ARTE e pela produtora Upian.
Trata-se de um documentário sobre a violência
de gangues urbanas na Guatemala, que está base-
UM CENÁRIO EM EBULIÇÃO ado em um aplicativo para dispositivos móveis.
Rider Spoke (2007)9, do coletivo Blast Theory,
O percurso histórico das narrativas interativas da Inglaterra, já havia utilizado um dispositivo
e imersivas digitais remete a tecnologias e móvel, mas para construir uma narrativa com
experimentações de décadas anteriores. Neste conjunto de relatos em áudio referencialmente
trabalho, entretanto, nos concentramos sobre geolocalizados, acessado por um passeio de bici-
os últimos dez anos, quando se constata a cleta. Sejam baseados em websites, aplicativos
ebulição de um cenário criativo e produtivo, ou mesmo instalações, a verdade é que a última
com alguns marcos já consolidados. década viu proliferarem narrativas interativas
No caso das narrativas interativas, tal- não ficcionais que foram sendo classificadas como
vez a referência fundamental seja Highrise, documentários interativos, i-docs, intercative
obra lançada em 2010 pela canadense Katerina factuals, documentário expandido, documentário
Cizek e posteriormente vencedora do Emmy. transmídia, gerando assim novas possíveis catego-
Esse documentário interativo, realizado pelo rias, todas ainda em processo de reconhecimento.
National Film Board (NFB), trata das questões Essas obras inauguraram campos de realiza-
sobre moradia em grandes edifícios ao redor ção e pesquisa com seus conceitos próprios, como
do mundo. Highrise na verdade é um conjunto é apresentado no artigo “Além das interfaces:
de projetos realizado ao longo de anos, que conceitos e obras fundamentais de narrativas
se tornou um case emblemático por diversas interativas”, de André Paz e Katia Augusta
razões: pela inovação estética, onde o per- Maciel, neste mesmo livro. Em 2011, por exemplo,
curso do espectador é conduzido não apenas em Bristol, na Inglaterra, Judith Aston, Jon
pelo texto ou pelo vídeo, mas pelo design Dovey e Sandra Gaudenzi organizaram o primeiro
criado a partir de colagens; por seu modelo i-docs, simpósio sobre narrativas interativas
de produção colaborativa, com profissionais vinculado ao projeto de pesquisa homônimo do
de 13 cidades do mundo criando conteúdo de Digital Cultures Research Center, da University
forma descentralizada para o documentário; of the West of England. A partir de 2012, Mandy
e pelo fato de se tornar uma obra em pro-
gresso permanente, com produções derivadas que
9  https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/
Rose passa a integrar o grupo e o evento exploração espacial da montanha onde o evento
se torna bienal, com mais quatro edições aconteceu, em Seattle, nos Estados Unidos. O
realizadas até 2018. O livro I-Docs: The texto traz informações sobre o fato, os vídeos
Evolving Practices of Interactive Documentary, acrescentam a visão subjetiva de personagens e
lançado em 2017 por três das quatro respon- a apresentação do cenário oferece possibilidades
sáveis pelo evento (Judith Aston, Sandra de interação como, por exemplo, a escolha do
Gaudenzi e Mandy Rose), se tornou referência ângulo para a visualização do local e posição
inconteste no campo. Em 2013, aconteceram a de cada esquiador no momento do desastre. Esse
defesa e difusão das teses de doutorado de formato simples se tornou uma referência que
Sandra Gaudenzi, The Living Documentary: from influenciou reportagens desde então. Um ano
representing reality to co-creating reality depois, em 2013, por exemplo, o The Guardian
in digital interactive documentary, e Arnau lança Firestorm11, também como scrollytelling,
Gifreu-Castells, El Documental Interactivo: desta vez mais centrada em conteúdo audiovisual,
evolución, caracterización y perspectivas de que também recebeu diversos prêmios.
desarrollo, que se tornaram referências teó- O jornalismo se tornou assim um mercado
ricas no campo então incipiente das narrativas para conteúdos digitais que adotam as novas
interativas. A esta altura, era crescente o linguagens e mídias. The Guardian e The New
interesse por estas obras digitais, que já York Times, entre outros, se destacam hoje como
não se adequavam aos gêneros e categorias criadores, compradores e difusores de obras,
tradicionais do audiovisual. seguindo uma tendência que já vinha em curso e
As narrativas interativas não ficcio- que vem sendo impulsionada pelo barateamento das
nais se expandiram por diferentes áreas, novas tecnologias.
mas o jornalismo teve um papel destacado na A partir de um trabalho amplo de pes-
disseminação mais ampla dessas novas possibi- quisa, o MIT Open Documentary Lab lançou, em
lidades. Em 2012, o lançamento da reportagem 2015, a publicação Mapping the Intersection
interativa Snow Fall , pelo The New York
10
of Two Cultures: Interactive Documentary and
Times, contribuiu para uma compreensão mais Digital Journalism (Mapeando a Interseção
concreta sobre como uma narrativa interativa Entre Duas Culturas: Documentário Interativo
poderia impactar o jornalismo convencional. e Jornalismo Digital), trazendo um panorama
Ainda centrada em um texto extenso (long- das instituições, modelos de produção, obras,
form), dividido em seis partes, a reportagem perfis de profissionais, principais apostas,
tinha um percurso narrativo conduzido pelo desafios e tensões. O estudo confirma a adesão
rolamento vertical da página (scroll), o que de grandes empresas jornalísticas, públicas e
gerou a expressão scrollytelling, e a edição privadas, a experimentações em formatos ino-
entremeada de elementos em diversas mídias vadores envolvendo diversas plataformas, com
(fotografia, vídeo, sound design, computação recursos não apenas interativos, como imersivos.
gráfica, simulações em 3D). A história de Parte do projeto Highrise, A Short History
uma avalanche de neve é contada a partir da

10  http://www.nytimes.com/projects/2012/ 11  https://www.theguardian.com/world/interactive/2013/may/26/


snow-fall/#/?part=tunnel-creek firestorm-bushfire-dunalley-holmes-family

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17 11
of The Highrise (2013)12 é um exemplo desta inédito de produção, comercialização e disponi-
aproximação entre o documentário interativo bilização em massa de dispositivos e conteúdos,
e o jornalismo digital. Realizado a partir que ampliaram as possibilidades de produção e
da colaboração entre o The New York Times recepção de narrativas imersivas através do uso
e o National Film Board, a obra utiliza de óculos adaptados para a visualização de vídeo
desde material histórico extraído do acervo em 360o ou de realidade virtual.
documental do jornal até conteúdo enviado O ano de 2015 foi marcado pelo início
pelo público, com o objetivo de investigar da comercialização dos óculos da Samsung Gear
as raízes históricas da vida em torres ver- (Oculus). Em 2016, o Oculus Rift passou a ser
ticais pelo mundo. comercializado, possibilitando uma experiência em
Em 2009, a renomada jornalista norte-a- realidade virtual autêntica. Grandes corporações
mericana Nonny De La Peña, com passagens pelas como Facebook, Google, Sony e Samsung passaram
revistas Newsweek e The Times, pela agência a investir na realidade virtual, entendida como
Associated Press e pelo The New York Times, se uma plataforma computacional com infinitas pos-
tornara pesquisadora sênior da Universidade sibilidades de aplicação na sociedade. A partir
da Califórnia do Sul e iniciara as primeiras daí, um grande número de narrativas imersivas
experiências com realidade virtual aplicadas começam a surgir. O universo de conteúdo para
ao jornalismo. No mesmo ano, por exemplo, ela essas aplicações é muito amplo, incluindo, por
já tinha lançado Gone Gitmo13, uma reportagem exemplo, materiais educativos ou games. Nosso
digital sobre a penitenciária de Guantánamo interesse se restringe, porém, a produções do
que conquista a capa da revista International gênero documentário ou do segmento artístico, como
Documentary Magazine. A obra interativa e aqueles selecionados pela Mostra BUG. O capítulo
imersiva utiliza o videogame Second Life para Narrativas Imersivas deste livro aborda um recorte
criar uma versão virtual da prisão, onde o dessas produções. Como exemplo, apontamos 6x9:
usuário pode ser encarcerado e até mesmo A virtual experience of solitary confinement e
sofrer sessões de tortura. The Party (2017) , ambos realizados pelo The
14

A disseminação do que chamamos neste Guardian, ilustrando a adoção desse formato por
livro de narrativas imersivas digitais acontece grandes empresas jornalísticas.
alguns anos depois das narrativas interativas, Emissoras de rádio e TV, especialmente as
quando a comercialização dos dispositivos se públicas BBC, na Inglaterra, RTVE, na Espanha,
intensifica, com custos menores acompanhados e a franco-germânica ARTE, também vêm investindo
de uma melhora significativa na experiência em produções de narrativa interativa e imersiva.
do usuário. Tecnologias de realidade virtual As três mencionadas, por exemplo, estabeleceram
existem há décadas, sua origem remete ao século departamentos específicos para a criação e teste
XIX (La Valle, 2017). As narrativas imersivas de conteúdos digitais. Algumas vem investindo em
e volumétricas também não são um fenômeno plataformas inovadoras, conquistando prêmios e se
recente. O que vivemos, entretanto, é um ciclo destacando como referências centrais na cadeia
produtiva de documentários tanto interativos

12  http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html
13  http://gonegitmo.blogspot.com/2009/03/on-cover-of- 14  www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/the-party-a-virtual
documentary-magazine.html -experience-of-autism-360-video. Ver página 129.
como imersivos. Elas são responsáveis tam- e conferências, empresas produtoras, eventos
bém por um crescente número de co-produções e mercados catalisadores de novos projetos,
internacionais, como é o caso do docugame fundos financiadores de projetos, universidades
Prison Valley (2010)15, fruto de co-produção e centros de pesquisa.
entre o grupo ARTE e o National Film Board, O Canadá é talvez o país que mais se destaca
que recebeu diversos prêmios por sua aborda- atualmente como ‘ecossistema inovador’. O já
gem inovadora onde o espectador se cadastra, comentado National Film Board (NFB) é reconhe-
ganha uma identidade anônima e percorre o cido internacionalmente como um dos principais
conteúdo como se estivesse num jogo, podendo produtores e distribuidores de narrativas intera-
inclusive fazer comentários que ficam visí- tivas e imersivas. O Documentary Organization of
veis para outros visitantes. Também é o caso Canada (DOC) é uma instituição bastante atuante
de Altération (2017)16, narrativa imersiva no país. Desde 1994, em Toronto, o HotDocs Film
de ficção científica em realidade virtual Festival, um dos maiores eventos de exibição
produzida pelo grupo ARTE em parceria com o de documentários do mundo, anos depois veio a
estúdio Okio. concentrar as atrações com narrativas digitais
Embora as obras de narrativas interati- interativas e imersivas no programa HotDocX.
vas e imersivas configurem dois campos dis- Do DOC também surge o docSHIFT, que organiza o
tintos, quando observamos os seus bastidores, DocSHIFT Summit. Em Montreal, as universidades
notamos uma série de interseções. Situada e produtoras aparecem como um hub de pesquisas,
entre a produção audiovisual, o design e a interatividade e experimentação artística. O
programação, toda essa produção requer não estúdio Felix & Paul surge nesse ambiente e
apenas os recursos, técnicas e conhecimen- desponta como um dos produtores mais criativos
tos dessas áreas como precisam desenvolver e profícuos de narrativas em realidade virtual17,
novas ferramentas, processos e habilidades com obras como Through the Masks of Luzia18 e
técnicas, bem como referências estéticas. São Dreams of O19, ambas produzidas em 2017 com o
necessários ainda novos arranjos produtivos Cirque de Soleil. Na costa Oeste, por sua vez,
dentro da chamada ‘economia criativa’ que Vancouver se consolida como um pólo de tecnologia
viabilizem os projetos e redes propulsoras e inovação em realidade virtual e aumentada.
de inovação tecnológica e de experimentações Ao longo dos últimos anos, uma série de
estéticas. Por isso a produção tanto de nar- festivais contribuíram para a consolidação do
rativa interativa quanto imersiva, sobretudo cenário e evidenciaram o reconhecimento das
quando falamos dos documentários e animações obras interativas e imersivas. Na Europa, o IDFA
artísticas, se desenvolve inicialmente no DocLab, em Amsterdam, exibe e premia documentá-
contexto de alguns pólos criativos na Europa rios produzidos em novas mídias e plataformas
e América do Norte. Nesses lugares, emergiu com duas categorias de premiação: o DocLab Award
uma série de iniciativas relacionadas entre for Digital Storytelling e o Immersive Non-
si que constituem ecossistemas inovadores Fiction Award. Também oferece treinamentos para
mais férteis, como os principais festivais
17  Veja entrevista com um dos fundadores do
Studio Felix&Paul na página X
15  http://prisonvalley.arte.tv. Ver página 110. 18  https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia. Ver página 127.
16  http://www.okio-studio.com/okio-project1-alteration.html 19  https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127.

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17 13
a elaboração de projetos (DocLab Academy), realidade virtual surgem, não por acaso, nestes
sessões de pitching e possui uma linha de pólos. Upian (Paris); Okio Studio (Paris); Honkytonk
financiamento para trabalhos de natureza Films (Paris); Felix & Paul Studios (Montreal e Los
interativa, imersiva e outras formas de arte Angeles); Helios Design Labs (Toronto); Submarine
digital. Outros festivais como o Sheffield Channel (Amsterdã); Penrose Studios (San Francisco),
Doc/Fest (Inglaterra) ampliam ano a ano o estão entre as produtoras que vem se sobressaindo
destaque para mostras de realidade virtual neste cenário, desenvolvendo projetos autorais mas
e outros formatos interativos e imersivos. também obras sob encomenda para clientes da publi-
Até mesmo festivais internacionais de cinema cidade, do jornalismo, ONGs. Além desses players
tão prestigiosos e tradicionais como os de destacados, muitos produtores de pequeno e médio
Cannes (França) e Veneza (Itália) já possuem porte passaram a se dedicar a projetos interati-
programas específicos para obras em plata- vos e imersivos buscando financiamento a partir
formas inovadoras, com destaque para mostras de rodadas de pitchings em festivais ou atentos a
e categorias competitivas exclusivamente novas linhas de financiamento abertas por antigos
para obras em realidade virtual. Há ainda investidores. Ligado ao Tribeca Film Festival, o
os festivais que se tornaram referência para Tribeca Film Institute oferece, por exemplo, uma
documentários interativos como o Interdocs linha de financiamento, o TFI New Media Fund, que
Barcelona (Espanha), que atualmente possui apoia projetos de não-ficção sobre questões sociais
versões em países da América Latina como contemporâneas que usam o poder do storytelling e
Chile e Colômbia. da crossmedia em plataformas online, videogames e
Nos Estados Unidos, o Tribeca Film aplicativos móveis, entre outros formatos.
Festival foi pioneiro - os organizadores Para os novos produtores, os labs represen-
garantem que foi o primeiro - ao incluir uma tam mais uma oportunidade para o desenvolvimento
categoria exclusiva para obras em realidade de projetos. Trata-se de workshops e treinamentos
virtual (Tribeca Immersive) e a incorporar oferecidos em feiras e festivais, como os já
obras online e até mesmo games em seu programa. citados IDFA DocLab Academy e o Sundance New
Em 2018, o festival inovou ao abrir uma sala Frontier. Mas há também programas mais extensos
especial para exibição de obras imersivas, de acompanhamento e desenvolvimento de projetos
o Tribeca Cinema360. Não menos relevante, o como o Interactive Documentary Workshop (IDW),
Sundance Festival tem o programa New Frontier na Suiça, e o !FLAB20, na Inglaterra. O !FLAB,
Lab, que em 2013 já incorporava projetos de programa criado e coordenado por Sandra Gaudenzi,
realidade aumentada entre outras formas de consiste em uma série de encontros onde coaches
narrativas digitais interativas e imersivas. Na especializados oferecem mentoria aos parti-
mesma linha do IDFA DocLab Academy de Amsterdã, cipantes, através de dinâmicas e ferramentas
o New Frontier oferece treinamento e mentoria direcionadas, baseadas em uma metodologia21 que
para desenvolvimento de projetos, mantendo um parte do conceito de Desing Thinking. O programa
vínculo de médio prazo com os selecionados é aberto a realizadores provenientes de diversos
para ajudá-los a entrar no mercado.
20  www.iflab.net
Os primeiros estúdios especializados 21  Sandra Gaudenzi assina artigo e entrevista, nas páginas seguin-

em obras digitais interativas e imersivas em tes, sobre a metodologia do programa !F Lab e o processo criativo de
narrativas interativas.
campos e indústrias, com os mais variados fundador da produtora, é também responsável
backgrounds profissionais. pelo website webdocumentário.com.br, o primeiro
Neste universo de inovações constantes, dedicado a disseminar novas formas de se contar
não há um formato ou processo de produção que histórias no ambiente digital nesse sentido. Nos
funcione como um modelo a ser seguido. Cada anos seguintes, uma série de projetos surgiu. A
projeto deve conceber seu formato, suas estra- maioria deles esteve representada no programa da
tégias narrativas e seu processo de produção. Mostra BUG 2018. Se destaca o premiado projeto
Essa característica acentua ainda mais a transmídia Som dos Sinos (2014)24, do Estúdio
relevância dos laboratórios de desenvolvimento Crua, que se multiplica em um webdocumentário,
de projetos, mas também o papel dos centros um longa metragem documental, um aplicativo
de pesquisa e universidades na composição para dispositivos móveis, um mapeamento sonoro
dos ‘ecossistemas inovadores’. Mais uma vez e projeções itinerantes. O projeto se debruça
cabe destacar as iniciativas que vêm sendo sobre a tradição dos toques de sinos das igrejas
realizadas pelo Open Documentary Lab, do MIT históricas do estado de Minas Gerais, no Brasil.
(Massachusetts Institute of Technology), como Como acontece em toda América Latina, a
o já citado Docubase, eventos como o Virtually produção brasileira tem um perfil de engajamento
There, estudos como Mapping the Intersection social e muitas obras são financiadas com recur-
of Two Cultures: Interactive Documentary and sos de organizações da sociedade civil, fundações
Digital Journalism e o programa de residência privadas com programas de financiamento a cam-
artística do Instituto. panhas e projetos sociais, ou editais públicos
voltados para iniciativas de cunho social. É
o caso do próprio Som dos Sinos, da plataforma
CENÁRIO BRASIL: O BUG404 colaborativa Meu Rio Vale um Webdoc (2016)25, o
documentário interativo Ilha Grande: cada praia
Ao longo da última década a produção de nar- uma ilha; cada ilha um história (2016)26. O mesmo
rativas interativas e imersivas se estendeu a se observa em relação a narrativas imersivas do
outras regiões além da Europa e na América do gênero documentário, que começaram a surgir no
Norte. No segundo capítulo deste livro, Arnau Brasil a partir de 2016, ano em que foi lançado
Gifreu-Castells traz um mapeamento atualizado Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do
no artigo “Desenvolvimento atual do documen- Brasil (2016)27, da produtora Junglebee. Na mesma
tário interativo e transmídia nas Américas, linha, estão Fogo na Floresta (2017)28, da mesma
Europa e Austrália”. No Brasil, os primeiros produtora, e Amazônia Adentro (2017)29, ambos
documentários interativos surgiram no começo de 2017 e My Africa (2018)30, da ONG Conservação
da década. Filhos do Tremor – Crianças e seus
Direitos em um Haiti Devastado22, da produtora
24  www.somdossinos.com.br. Ver página 135, e entrevista com as
CrossContent, foi lançado em 2010, por exem- realizadoras no capítulo 2.
25  www.meuriovaleumwebdoc.com.br/. Ver página 117.
plo. Rio de Janeiro: Autorretrato (2011)23,
26  http://ilhagrandewebdoc.website/. Ver página 108.
da mesma produtora, é de 2011. Marcelo Bauer, 27  www.riodelama.com.br. Ver página 124.
28  https://youtu.be/Jv8nkw8hy-c
29  https://www.conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia-
22  http://www.webdocumentario.com.br/haiti/ Adentro.aspx
23  www.riodejaneiroautorretrato.com.br. Ver página 109. 30  www.conservacao.org.br/myafrica. Ver página 125.

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17 15
Internacional, em coprodução com parceiros. Faz-se necessário não só
No final de 2017, um grupo de profis- um trabalho de comunicação
sionais apoiados por empresas se reunia para entre os principais atores
criar uma comunidade brasileira de empre- deste campo (realizadores,
endedores atuantes no mercado de X-Reality pesquisadores, críticos
(realidade virtual, realidade aumentada e e público), como de
realidade mista – conhecidos como XR). Em divulgação das referências
fevereiro de 2018 é formalizada a fundação internacionais, tanto
do XRBR, um Hub Brasileiro de X-Reality. A no sentido das obras,
iniciativa sem fins lucrativos visa conectar processos produtivos,
os elos da cadeia criativa e produtiva em procedimentos e estratégias,
um ambiente de troca de experiências entre como das discussões e
profissionais, empreendedores, pesquisadores, propostas estéticas.
gestores e financiadores. O HUB agrega todas Trata-se de construir um
as possíveis aplicações com XR, represen- terreno fértil que agregue
tando um universo ainda mais amplo do que o inovações tecnológicas e
coberto pela Mostra BUG e por este livro. experimentações estéticas
Mas aponta para um cenário auspicioso de e de linguagem, o que
desenvolvimento de um ‘ecossistema inova- requer a cooperação
dor’ para o campo das narrativas imersivas, entre realizadores e
conforme definimos aqui. centros de pesquisa,
Ainda que pareça dotada de um futuro base de dados, festivais
promissor, a produção de narrativas imersivas e canais de informação
no Brasil, hoje, não acompanha o volume e a respeito desse campo
sofisticação da produção dos pólos inter- incipiente e promissor.
nacionais. Mas, se olhamos para além das
(PAZ E SALLES, 2015: P. 157)
interfaces, notamos a riqueza de propostas
criativas, realizadas com limitados recursos
financeiros. O incipiente cenário brasileiro Este diagnóstico foi a motivação central para a
se baseia na iniciativa de empreendedores fundação do Bug40431, um portal e rede de diálogo
que trabalham com pequenas equipes e baixo e colaboração entre pesquisadores e realizadores
orçamento, sem um bastidor que impulsione os que visa contribuir para a disseminação das
projetos, como festivais, linhas de finan- narrativas interativas e imersivas no Brasil,
ciamento apropriadas, atuação de grandes sobretudo no sentido de apoiar a concepção,
empresas. O diagnóstico apresentado em 2015 desenvolvimento e produção de novos projetos. A
por André Paz e Julia Salles, em artigo sobre ideia é incentivar a articulação da Universidade
os documentários interativos no Brasil, segue com diferentes atores: artistas, produtores,
atual e se estende facilmente ao que chamamos gestores, público. O projeto partiu da divulgação
aqui de narrativas imersivas:

31  bug404.net
de conteúdo especializado em mídias sociais e de difusão de narrativas interativas e imersivas
website e articulou acadêmicos de diferentes no Brasil, com mais de 50 obras selecionadas,
universidades, produtores audiovisuais e incluindo uma conferência e diversos workshops
interessados oriundos de diversas áreas profis- na programação. Tanto a Mostra como este livro
sionais, que passam a colaborar com a produção estão organizados como uma introdução ao campo e
de conteúdo textual, eventos, e oportunidades uma contribuição para o fortalecimento de nosso
de parcerias técnicas ou científicas em torno ‘ecossistema’ para a realização de novos proje-
de documentários interativos, realidade vir- tos. Os autores aqui reunidos são parceiros na
tual, docugames, narrativas mobile. empreitada de, para além de documentar e mapear
Logo o Bug404 foi diversificando suas um cenário, contribuir para um diálogo amplo
ações com os mesmos princípios. Na Universidade entre os que nele atuam: curadores, pesquisado-
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), res, produtores, artistas e público.
o programa de extensão BugLab apoia encon-
tros de produtores e interessados em todo o
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
Brasil, realiza workshops e ações de divul-
gação. Pesquisadores e alunos criam o projeto
BugBrasil, um mapeamento inicial do campo das GAUDENZI, Sandra. (2013). The Living Documentary: from repre-
senting reality to co-creating reality in digital interactive
narrativas interativas e imersivas em esfera documentary. Tese de Doutorado, Goldsmiths College, University
of London.
nacional, e assumem as traduções para o por-
tuguês do Docubase, em colaboração com o MIT GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2013). El Documental Interactivo:
evolución, caracterización y perspectivas de desarrollo.
Open Documentary Lab. A parceria com Arnau Barcelona: UOCPress

Gifreu-Castells leva à tradução, legendagem


Jenkins, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New
e divulgação do metadocumentário interativo Media Collide. New York: NYU Press.

COME/IN/DOC. Em uma das oficinas em São Paulo,


LaValle, Steven M. (2017). Virtual Reality. Cambridge, Mass:
em parceria com a Associação Kinoforum, o Cambridge University Press.

Bug404 é facilitador do desenvolvimento de


LEVY, Pierre. (2000). A inteligência coletiva: por uma antro-
um webdocumentário em formato de hackathon. A pologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola.

oportunidade articula um grupo de profissionais


___________. (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 260 p.
criativos em torno da proposta de realizar um
projeto em seis dias. Após atingirem a meta MIT Open Documentary Lab. (2016a). Virtually There. Documentary
Meets Virtual Reality. A Conference Presented by The Mit
com o lançamento do webdoc Pedalei Até Aqui? Open Documentary Lab, The John D and Catherine T. Macarthur
Foundation and The Phi Centre.
(2015)32, alguns deles seguem unidos e fundam
o Crop Coletivo33, em São Paulo, dedicado a MIT Open Documentary Lab. (2016b). Mapping the Intersection of
Two Cultures: Interactive Documentary and Digital Journalism.
documentários interativos. A Report supported by the John D. and Catherine T. MacArthur
Foundation
Em 2018, em parceria com a produtora
cultural Automática e com financiamento do Murray, J. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa
no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural; UNESP.
Centro Cultural Oi Futuro, o BUG404 desenvolve
a proposta da Mostra BUG, o primeiro evento Paz, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra
a sua Cara: aproximações ao cenário brasileiro de docu-
mentários interativos. Revista Doc On Line 18: 130-165.
http://www.doc.ubi.pt/.
32  http://www.bug404.net/pedalei/. Ver página 119.
33  http://www.cropcoletivo.com.br/

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17 17
VISÃO PANORÂMICA

PENSANDO AS NARRATIVAS
INTERATIVAS ‘FORA DA
CAIXA’: UMA CONVERSA
COM SANDRA GAUDENZI

POR ANDRÉ PAZ1

1 André Paz é professor e pes-


quisador da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Leciona no Mestrado
Profissional em Criação e
Produção Digital da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Diretor e produtor de narrati-
vas interativas. Idealizador e
coordenador do Bug404. Curador
da Mostra Bug em 2018.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 18
Quando Sandra Gaudenzi começou a acompa- Nesta conversa que tivemos em Londres, em
nhar o campo das narrativas interativas, o março de 2018, nos dias seguintes à rea-
termo da moda era multimídia. Depois veio lização do i-Docs, onde estivemos juntos
a narrativa crossmedia e depois vieram em Bristol, Sandra explica melhor o que a
as narrativas transmídia. “Já passamos levou a definir sua própria terminologia
por tantos termos diferentes que nem me e aprofunda sua visão sobre os ‘interati-
lembro mais”, ela brinca. Quando escreveu vos factuais’.
sua tese de doutorado , há 10 anos, ela
2

usava o termo ‘documentário interativo’.


Mas havia uma insatisfação, pois ela
acreditava que esse conceito significava
mais do que apenas um projeto que vem do VAMOS COMEÇAR PELA DEFINIÇÃO DO
universo dos documentários. Sua busca por ‘INTERATIVO FACTUAL’. NAS SUAS
PALAVRAS, O QUE SIGNIFICA, E O QUE
um termo mais ‘inclusivo’ a levou ao con- A LEVOU A SUGERIR ESTE TERMO?
ceito de ‘narrativa interativa factual’,
ou simplesmente ‘interativos factuais’
Quando qualquer campo novo está surgindo,
(interactive factuals, no inglês).
a terminologia muda o tempo todo. De modo
Sandra iniciou sua carreira como produ- que é sempre uma escolha, se você aceita
tora de TV, mas migrou para a academia, o último modismo ou procura criar sua pró-
se especializou em narrativas digitais pria terminologia. O motivo que me levou
interativas e hoje é professora sênior do a adotar o termo ‘interativo factual’ nos
novo Digital and Interactive Storytelling últimos quatro ou cinco anos foi que eu
LAB, na Universidade de Westminster, na percebi que manter apenas ‘interativo’
Inglaterra, “um lugar para explorar, e ‘documentário’ era enganoso para mui-
experimentar e se destacar nas maneiras tas pessoas que não vinham da área dos
de se contar histórias em nossa cultura documentários.
digital”. Criou o !F Lab3 (Interactive
Quem trabalha com educação, por exemplo,
Factual Lab), um programa de treinamento
e está criando um aplicativo sobre a anti-
criativo onde projetos são incubados e os
guidade, normalmente não vai achar que
realizadores recebem apoio para chegarem
está criando um documentário interativo
a um protótipo, é autora de livros e arti-
porque a maior parte das pessoas vai
gos, coordena o i-Docs4, principal evento
dizer “ah, mas eu não trabalho com docu-
acadêmico exclusivo sobre o tema, presta
mentários”. A mesma coisa vale para os
consultoria e ministra palestras.
jornalistas. Há um grande campo de jorna-
lismo interativo e de jornalismo digital
acontecendo agora, e nenhuma das pessoas
2  The Living Documentary: from representing reality to co-crea- envolvidas se vê, ou ao seu trabalho, no
ting reality in digital interactive documentary, está disponível
em http://www.interactivefactual.net/phd/
âmbito dos documentários interativos,
3  http://www.iflab.net/ porque a palavra documentário se tornou
4  https://idocs2018.dcrc.org.uk/

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25 19
um empecilho. E é por isso que eu resolvi podiam se expressar, postar seu conteúdo.
mudar o termo e abrir para uma definição É quando há, de repente, um grande aumento
mais ampla, ‘interativo factual’ que é um de conteúdo que vem das pessoas que falam
termo que uso e acho que praticamente o de suas vidas, de suas realidades, e que
grupo todo do i-Docs, com o qual colaboro, estão efetivamente criando conteúdo digi-
está usando. tal factual.

É uma maneira de se colocar da forma mais Com o tempo a internet progrediu, deixamos
inclusiva possível, para que as pessoas para trás a era CD-ROMs - é claro que os
que trabalham no campo da arte, por exem- CD-ROMs e os DVDs foram os avós das nar-
plo, e que fazem não ficção com HoloLenses rativas interativas – e veio o momento das
e realidade virtual, também percebam que bandas largas (ou seja, a capacidade de ter
fazem um ‘interativo factual’. Então o bastante conteúdo de vídeo). Foi então que
resultado é abrir o campo, e a única dis- as revistas, os jornais, as emissoras, o
tinção aqui passa a ser se é puramente campo da educação, as universidades aber-
factual e se usa interatividade. Destaco tas, todo mundo começou a pensar: “espera
a interatividade, pois, a meu ver, se você aí, isso é um campo inteiramente novo,
posta a sua matéria jornalística ou docu- é aqui que podemos expor e oferecer às
mentário na internet, no YouTube, você pessoas conteúdo de não-ficção. E, já que
está definitivamente criando uma narra- permite interatividade, por que não usar?”
tiva digital, mas não interativa. Para
No momento em que os grandes jornais como
que seja interativa você precisa dotar o
The Guardian e o The New York Times, diga-
usuário de alguma capacidade de agência,
mos, há uns 10 anos, começaram a pensar
e é a partir deste ponto que eu acredito
que o futuro do jornalismo não está mais
que nasce um produto diferente.
no papel, mas está online, passaram a ter
uma escolha: queremos postar apenas maté-
rias lineares que são baseadas em texto
(porque a internet é apenas um modo de
distribuí-las), ou queremos usar o que
COMO VOCÊ AVALIA, HISTORICAMENTE,
O SURGIMENTO DESTE NOVO CAMPO? o meio possibilita, ou seja, permitir
movimentos para adiante e para trás, um
loop que se retroalimenta, e inclui a par-
O surgimento do campo interativo factual
ticipação dos usuários na narrativa? E,
se associa estreitamente ao surgimento da
claramente, de forma bem gradual, houve
internet. Foi quando a internet 2.0 per-
uma abertura para a segunda opção, que é
mitiu às pessoas criarem conteúdos par-
de usar o meio no seu máximo potencial.
ticipativos, colaborativos e individuais,
entre o ano 2000 e 2005, nos primórdios Então eu acho que é uma evolução gradual.
da Wikipedia e do YouTube. Ali nascia E que a internet, quando começa, há uns 15
a ideia de que a internet poderia ser anos, na forma como entendemos a internet
um lugar de liberdade, onde as pessoas hoje - como um instrumento participativo
- foi o início da narrativa interativa. E levou ao desenvolvimento do Oculus Rift,
cada vez mais a indústria compreendeu que que então se tornou repentinamente uma
esta era a nova forma de ser. Na verdade, proposta viável para o mercado.
nos últimos cinco anos foi quando real-
Agora só o que se ouve, nos últimos três
mente começamos a ver grandes projetos.
anos, são pessoas pensando “oh, agora que
Com as televisões entrando nesse campo, e
temos uma tecnologia nova, a bom preço,
até organismos de financiamento de cinema
vão precisar de conteúdo, então vamos nos
começando a criar, a nível nacional, ao
lançar nesta nova coisa e vamos produ-
redor do mundo, alguns órgãos de finan-
zir conteúdo, quer de ficção ou não-fic-
ciamento do cinema interativo, ou de jogos
ção, factual, quer para educação, para
interativos, para criar mais deste tipo
pornografia, para treinamento”. Então,
de conteúdo.
sim, há um boom, e sim, é uma tendência
significativa.

Dito isto, cabe dizer também que os dis-


positivos de RV vendidos ao redor do mundo
NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS A REALIDADE ainda estão bem longe de se tornarem de
VIRTUAL (RV) VEM SURGINDO COMO UMA fato um novo meio que poderíamos con-
POSSIBILIDADE NARRATIVA ATRAENTE,
E VEM GANHANDO FORÇA. QUAL A siderar comercialmente disponível para
SUA OPINIÃO SOBRE ESTA MÍDIA? todos. Por ora, o que vemos é que a curva
de usuários está na verdade começando a

Para começar, a realidade virtual já diminuir, e não está seguindo as previ-

existe há pelo menos 25 anos, aqueles sões. Então vamos ver o que acontecerá

que acompanham o trabalho de Jaron Lanier com a realidade virtual. Acho que, fre-

sabem que nos anos 80 houve um grande quentemente, é mais uma questão das rea-

boom, e que a realidade virtual era pos- lidades comerciais e de desenvolvimento

sível, mas o problema era o seu custo. de mercados do que sobre como poderíamos

O que realmente mudou essa equação foi usá-la (a realidade virtual) do ponto de

quando o Oculus Rift conseguiu produzir vista criativo.

os primeiros dispositivos a um preço Tenho observado que estas tendências têm


razoável, e quando resolvem o problema vida bastante curta. Nos últimos dois anos
do enjoo provocado pelo movimento, que se falava da ‘realidade virtual’, e agora
ainda era um problema considerável se a palavra da moda é a ‘realidade aumen-
você quisesse fazer deste meio um mercado tada’, porque se fala das HoloLenses, e a
de massas. Isso só aconteceu, diria, há Microsoft que criou a ‘realidade mista’
uns quatro anos. E foi, na verdade, o então já estamos entrando na próxima
resultado de bastante empenho por parte grande novidade...
da jornalista que vem trabalhando com a
realidade virtual e o jornalismo digital, A minha intuição me diz que a tecnologia

Nonny De La Peña. Parte de sua pesquisa está pronta para se baratear, e tomar a

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25 21
direção de criar um mercado de massa. Acho que exatamente a mesma coisa ocorre
Não acredito que a realidade virtual se com os webdocs, os webdocumentários. O
torne a rainha deste segmento de mercado, momento em que os webdocs eram novos, no
acho que será apenas de uma pequena parte sentido em que ninguém tinha visto nada
dele. Acredito que, no longo prazo, novos parecido antes, provavelmente já passou.
desenvolvimentos poderão surgir. Ainda
Eu diria que há sete anos, por volta do ano
precisamos ver muitos novos dispositivos
de 2010, havia talvez uns sete, e entre
que serão talvez mais próximos do que o
2010 e 2014 surgiram muitos webdocs. Isso
Google estava tentando fazer com o Google
fica evidente porque as emissoras estavam
glasses. Sim, nos próximos 10 anos isso
investindo neles, sabemos porque os jor-
vai se desenvolver e haverá definitiva-
nais faziam uma boa quantidade deles, e
mente um mercado, mas não creio que será
agora não falamos mais deles. Mas não quer
o único mercado.
dizer que deixaram de existir, significa
Tal como as plataformas móveis, os celu- apenas que eles não são mais uma novidade.
lares, tem tamanha importância na nossa O nosso sistema de mídia agora precisa
vida, pois é neles que as pessoas real- falar da realidade virtual porque ele
mente consomem seu conteúdo agora, acre- precisa alimentar a ideia da inovação.
dito que nos próximos cinco anos ainda Mas, para mim, isso também quer dizer que
teremos muitas novas plataformas, e a no meio tempo os webdocs, o jornalismo
RV (realidade virtual) e RA (realidade de formato longo (longform) que usa a
aumentada) e RM (realidade mista) e RX internet para criar matérias mais longas
(realidade estendida), seja qual nome se e ricas em mídias, com vídeo etc., hoje
dê a elas, ficarão apenas para consumido- estão se tornando a norma. E é desta forma
res pioneiros. que consumimos muito de nossas notícias,
quando usamos os aplicativos das grandes
emissoras.

De modo que o webdoc não morreu, ele sim-


plesmente se tornou parte de nossa cultura
HÁ AQUELES QUE DIZEM QUE
O WEBDOCUMENTÁRIO ESTÁ e não o chamamos mais por esse nome. Não
MORTO. O QUE VOCÊ ACHA? precisamos mais de um nome novo para ele,
porque ele está ao nosso redor e o usamos

Um aspecto que eu adoro da história das o tempo todo. Qualquer website que seja

inovações é que as coisas são novas até que um pouquinho mais empolgante e compli-

as pessoas se acostumem a elas, e então, cado, que não seja apenas de texto, que

de repente elas se tornam velhas. Basta tenha capítulos, histórias, entrevistas,

pensar na eletricidade e na torradeira, som e vídeo, é efetivamente um webdoc.

esses produtos tiveram uma vida como ino- Simplesmente não usamos mais esse termo.

vações que foi razoavelmente curta, mas


eles revolucionaram o modo como vivemos.
filhos e eles são adolescentes, e nenhum
deles jamais ligou a nossa televisão. A

TOMANDO UMA PERSPECTIVA MAIS televisão na nossa casa está morta. O que
AMPLA, QUAIS SÃO OS MAIORES não quer dizer que eles não consumam con-
DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO teúdo. Mas eles consomem conteúdo online e
DO CAMPO DO ‘INTERATIVO FACTUAL’?
eles o consomem com uma lógica diferente.
As emissoras precisam saber disso, e se
O desenvolvimento do campo do interativo alguém quer que essa garotada se envolva
factual basicamente se resume à quanti- com o mundo, que leiam as notícias, que
dade de dinheiro que é investida nele. se engajem em qualquer movimento, você
Acredito que as grandes instituições, precisa entender de que modo eles querem
sejam elas as emissoras, os jornais, edu- consumir informação e narrativas.
cadores, universidades, os investimentos
na inovação a nível nacional, têm seu Então, eu acredito que estamos em um

papel, e será necessário investir nisso momento interessante, para que o campo se

porque esse é o futuro. Mas o que eu estou desenvolva precisamos de investimentos

vendo é que há muitos grandes atores que massivos e as pessoas estão indo nesta

estão resistindo a assumir esse papel, e direção, mas o que vemos é uma espécie

é normal, é assim que acontece. Se você é de resistência, que ao meu ver vai ser

um jornal e investiu a vida toda em ter um bastante curta - no momento em que as

know how sobre contar histórias de maneira pessoas e as grandes instituições come-

linear, e era aquele o seu diferencial, çarem a perder a sua audiência, é nesse

o fato de que você precisa repentinamente momento que elas vão se ligar, porque

mudar sua forma de contar histórias é na vai ser um choque de realidade: ou nos

verdade bastante ameaçador. lançamos, ou morremos.

Então, entendo perfeitamente que há uma


tendência a se manter conservador e a
dizer não-não-não, não vamos nessa dire-
ção, porque se começarmos a investir em VOCÊ GOSTARIA DE DIZER
inovação e em mudar nosso modo de contar ALGO ESPECIALMENTE PARA A
histórias, vamos mesmo ter que mudar de AUDIÊNCIA BRASILEIRA?

forma radical. Então há uma tendência a


ficar no que já conhecemos, na esperança Bom, primeiro que eu gostaria muito de
de que as coisas não mudem rápido demais, ver mais projetos brasileiros. Eu conheço
e que, portanto, sabe, estaremos seguros. alguns, mas muito poucos, e tenho certeza
que há muita coisa acontecendo no Brasil.
Mas, ao mesmo tempo, acredito que vai
Por que não há mais projetos brasilei-
haver uma realidade de mercado em que as
ros de alcance internacional? A segunda
emissoras e os jornais que se recusarem a
mudar vão morrer. Olhe o meu caso: tenho

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25 23
coisa que gostaria de dizer é que acredito
que o mundo interativo tem muito ainda
de indústria artesanal. Ou seja, você
pode realmente cozinhar com seus próprios
ingredientes, você não precisa sempre
fazer uma refeição de master chef, você
pode criar uma refeição bastante empol-
gante, associando elementos que ninguém
nem iria pensar em juntar.

Eu acho que no movimento Open Source5 há


uma grande margem para jovens espertos
e talentosos, que não vêm de indústrias
definidas, que não estão pensando, ‘oh,
sou apenas um músico’, ou ‘sou apenas um
cineasta’, ou ‘sou apenas um fotógrafo’.
Acho que as pessoas de 20 anos hoje que
sabem um pouco sobre programação, sabem
que programação é uma porta de entrada
para todos esses campos, e eu acho que vai
ser aí onde veremos os talentos. Acho que é
aí que as pessoas podem ser incrivelmente
criativas, mesmo com poucos recursos. E
o que eu realmente adoraria é ver essa
incrível energia criativa que os brasi-
leiros têm para a música, sabe, o carnaval
e tantas outras coisas, ser aplicada ao
campo interativo, porque tenho certeza de
que ela está lá, só precisa se colocar de
forma um pouco mais audaciosa.

5  https://opensource.org/
VISÃO PANORÂMICA

DO LINEAR AO DIGITAL
INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO
QUE DEMANDA MIND SHIFTS

SANDRA GAUDENZI1

1  Sandra Gaudenzi é Chefe de


Estudos do !F Lab (Laboratório
Factual Interativo). Ela tem con-
sultado, orientado, pesquisado,
ministrado palestras, escrito, e
blogado sobre narrativas inte-
rativas nos últimos vinte anos.
É Senior Lecturer do LAB de
Narrativas Interativas Digitais
da Universidade de Westminster
(Londres, RU); Membra visitan-
te no Centro de Pesquisa de
Culturas Digitais (UWE, RU); co-
-diretora do site e conferência
i-Docs e co editora do livro:
i-docs: as Práticas Emergentes
dos Documentários Interativos.
(i-docs: the Evolving Practices
of Interactive Documentary).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 26
A maioria de nós concorda que histórias Então, o que será que acontece com a contação
possuem um papel fundamental em nossa com- de histórias nessa paisagem digital que tão
preensão de mundo (Bruner, 1986). Ao longo da rapidamente evolui neste século?
vida, precisamos aprender diversos padrões A história da mídia demonstra que as
do mundo para navegá-lo, e as histórias narrativas sempre se adaptam para permitir que
são de grande ajuda para que esses padrões fiquemos em dia com os novos tempos. Isso acon-
sejam explicados e lembrados sob a lógica teceu com livros, cinema, televisão, e agora,
de nossos pais e ambiente cultural. mais uma vez, com a internet. A narração de
As histórias esclarecem nossa existên- histórias (storytelling) nos ajuda a explicar,
cia e nos dão sensações de pertencimento. mas também a moldar o mundo em que vivemos.
Há psicólogos que argumentam que usamos Mídia, tecnologia e sociedade se conectam de
histórias até mesmo para a auto compreensão, formas reciprocamente influentes. Não é nenhuma
para entendermos o nosso mundo interior, e surpresa então que um meio associativo como
para achar alguma coerência dentro de nossa a internet gere novas opções narrativas hoje,
personalidade múltipla (Mc Adams, 1993). A estendendo a lógica causal de filme e livros. O
razão disso é que “histórias lineares tem a Obra Aberta (Eco, 1962) e o cinema avant-garde do
vantagem de simplificar coisas complexas” século 20 - que procuravam se libertar do autor
(Thalhofer, 2018:106). Uma vez que a história único e da narrativa aristotélica - finalmente
linear é baseada na lógica causal - isso encontraram um meio que os liberta: a World
aconteceu, depois aquilo aconteceu – ela Wide Web. A mídia digital reflete os nossos
contribui para formar nossa visão de mundo tempos. Em um mundo mais incerto, as histórias
determinista, em que coisas são processá- modernas precisam nos ajudar a lidar com as
veis e previsíveis, já que sempre terminam nossas incertezas. Como resultado, sentimos a
em um único final. O problema é que “mais necessidade de criar histórias abertas, que
frequentemente, as coisas não são causas podem variar, se adaptar, serem compartilhadas,
umas das outras, elas se influenciam entre serem co-autorais, e, às vezes, ter mais do
si” (ibidem)... Então, não seriam enganosas que um só final.
as narrativas lineares ao proporcionarem Não se trata de dizer que os filmes estejam
uma explicação simplificada para o mundo? ultrapassados, mas apenas que a mídia digital
Há mais complicadores: o mundo está se interativa hoje nos oferece uma plataforma para
tornando cada vez mais imprevisível. Vinte explorar nosso mundo complexo, multivocal, e
anos de tecnologia digital mudaram o mundo em rápida mudança. Nas palavras da teórica de
de tal forma que se exige constantemente que mídia de telas Patricia Zimmermann,
sejamos ‘inovadores’ e “fluidos” em nossas
abordagens, ou seja, nossos aprendizados a nova mídia polifônica
anteriores não são mais considerados tão possui estratégias
úteis hoje. Dois séculos atrás, quando a para rejeitar o autor
maioria das crianças eram aprendizes profis- único, a voz singular, a
sionais de seus pais, não era esse o caso.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35 27
interpretação final. Ao fazer com elas, e como elas moldam o relaciona-

invés disso, essas obras mento entre o autor/sujeito/audiência? Adotar

operam como tecnologias, as narrativas digitais é fazer uma transição

sistemas e práticas para uma nova forma de narrativa, que questiona

para unir muitas vozes nosso mundo compartilhado. Podemos fazer uso

que abrem espaços para de tipos de plataformas digitais em constante

que ideias complexas e evolução (celular, tablet, computador, reali-

trocas participativas se dade virtual, realidade aumentada, hologramas,

desenvolvam por sua vez, etc.) e aumentar nossa definição de narrativas

de modo inesperado e via para muito além da estrutura aristotélica de

agregações (2018:10). início/meio/fim. Por fim, é também uma tomada


de posição neste mundo digital aberto. Escolher
uma forma interativa, em vez de uma linear, é
Minha mensagem para os produtores de mídia é a uma declaração por si só. É sobre abraçar as
seguinte: usar a internet como uma plataforma mudanças de mentalidade que permitem se livrar
de distribuição mundial para os seus vídeos da ilusão de um mundo previsível e causal e se
é um bom começo, mas é um pouco como usar um mudar para um universo de ação mais fluido e,
carro para ir na velocidade de um cavalo. A às vezes, imprevisível.
mídia digital permite muito mais, por que não Quando percebi que contadores de histórias
avançar? A tecnologia móvel permite conectar tinham dificuldades para abraçar a interativi-
sujeitos e imbuí-los de uma voz direta. Como dade por motivos mais complexos do que a falta
adotar essa força criativa em seus projetos? de habilidades tecnológicas, decidi criar um
Adotá-la ao construir comunidades ou adotar workshop que questionaria e ‘remixaria’ as cren-
estratégias de co-criação e aceitar reduzir ças autorais, práticas de mídias audiovisuais e
a autoria de suas próprias histórias? A técnicas de ideação digital. A ideia por trás
mídia interativa permite envolver o público do que se tornou o !F Lab (Laboratório Factual
e dar a ele o poder de escolher, pesquisar, Interativo) era criar um espaço para que nar-
mudar, comentar ou adicionar elementos às radores entendessem a mídia interativa como um
suas histórias. Esse poder é a agência que espaço de liberdade, para que mergulhassem na
se dá aos usuários. Como usá-lo? Que limites fluidez como estratégia de co-criação, e por
vamos impor? O que vão aprender com isso? fim, criassem projetos que refletissem nosso
Plataformas digitais diferentes atendem a mundo compartilhado, nossos medos e esperanças.
diferentes tipos e níveis de interatividade.
Qual é o nível de interação e qual a plata-
forma adequada para a sua história? O !F LAB E O PROCESSO WHAT IF IT
Essas escolhas são tanto as oportu-
nidades quanto os dilemas de nosso novo O !F Lab (Interactive Factual Lab) é um workshop
mundo digital: temos mais liberdade e mais de treinamento financiado pela União Europeia e
escolhas, como nunca antes, mas onde estão produzido pela agência de inovação iDrops, que
os limites de tais escolhas, o que podemos eu co-lancei em 2015. O objetivo do !F Lab era
dar o fomento necessário para que pessoas seus países de origem com a tarefa de pesquisar
criativas e talentosas pudessem contar his- seu público, testar suas ideias, repetir e tes-
tórias de impacto usando a tecnologia digital tar o conceito, e voltar preparados ao workshop
e dar um empurrãozinho no desenvolvimento da seguinte, o Prototype Booster. A segunda sessão
indústria. O contexto para essa iniciativa era de 5 dias foi concebida para dar apoio às equipes
a adoção pioneira de narrativas interativas enquanto transformavam o protótipo no papel em
por parte de ‘grandes players’ (emissoras como uma versão digital inteiramente funcional. Com
a ARTE, BBC, SBS e jornais tais como o The esse objetivo, organizamos um Prototype Jam, em
New York Times e o The Guardian) que começou que programadores e designers externos se junta-
a ocorrer por volta de 2008. O problema é ram às equipes e os ajudaram a criar a primeira
que eles pouco compartilhavam sobre suas versão digital de seus projetos. Essa atmosfera
práticas de produção, e pequenas empresas de hackathon (maratona de programação) pressionou
audiovisuais tiveram dificuldades de entrar os participantes a compartilhar suas ideias com
no campo. Conscientes das dificuldades que pessoas novas, aceitar influências que vinham
os produtores criativos tinham ao se lan- de campos diferentes e conhecimentos diversos.
çarem em territórios desconhecidos, nosso Nem sempre foi fácil, mas na maior parte dos
objetivo no !F Lab era simples: 1. Ajudar casos, serviu como uma forma de abrir os olhos
no desenvolvimento de formas inovadoras de à natureza fundamentalmente pluridisciplinar da
contar histórias em âmbito digital ao nos produção interativa.
tornarmos mentores de novos projetos, e 2. Durante minha experiência como Chefe de
pesquisar as melhores práticas de produção Estudos do !F Lab, percebi que se lançar na criação
da indústria, testando-as. Entre 2015 e de um projeto interativo é excitante mas também
2018, o !F Lab guiou 72 participantes de assustador, e que o desafio que precisava vencer
25 países e convidou experts criativos de era criar um ambiente em que as pessoas se sen-
ponta do mundo todo para compartilhar seu tissem inspiradas, desafiadas, apoiadas e também
conhecimento conosco. completamente livres. No !F Lab, fizemos isso ao
A estrutura do !F Lab mudou com os anos, misturar apresentações, trabalho ‘mão na massa’
mas sua lógica essencial era funcionar como nos projetos, e um acompanhamento individualizado
uma incubadora de projetos via uma série de de mentores atentos. Para garantir que todos os
workshops para grupos com ênfase ‘mão na projetos passassem pelo mesmo processo, criamos
massa’, intercalados com períodos de descanso dois tipos de instrumentos de aprendizado: cards
de dois meses, nos quais as equipes podiam (cartões) e canvases (telas). Cards eram mini
atualizar as decisões tomadas nos encontros. palestras ministradas pelos nossos treinadores,
No último workshop do !F Lab, na primeira e já as canvases foram concebidas como exercícios
sessão de 5 dias de duração, (o Story Booster), práticos para ajudar cada equipe a tomar decisões
reunimos todos os participantes liderados pela relacionadas a seus próprios projetos, e progredir
equipe do !F Lab. Nesta fase, eles fizeram até o próximo passo. Passar de uma mini-palestra
a transição, ainda no papel, do conceito à realização através da prática ‘mão na massa’
inicial a um protótipo acabado de sua ideia proporcionou o ponto certo de equilíbrio que
interativa. Os participantes então voltaram a desejávamos entre guiar e dar total liberdade.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35 29
Chamamos esse processo de WHAT IF IT, IMAGEM 2. CARDS E CANVASES DO PROCESSO
WHAT IF IT (HTTP://WWW.IFLAB.NET/)
já que ele começa com uma pergunta (O QUÊ
é o meu conceito?) e depois pede que você
Interaja com o seu público (logo o “I”),
depois Formule seu desafio e impacto (“F”),
Idealize, através da criação de protótipos
(logo o “I”) e finalmente Teste (”T”) antes
de começar de novo.

IMAGEM 3. EXEMPLO DE CANVAS: O CANVAS DO


CONCEITO HTTP://WWW.IFLAB.NET/

IMAGEM 1. AS 5 FASES DO PROCESSO WHAT


IF IT(HTTP://WWW.IFLAB.NET/)

O processo WHAT IF IT é uma metodologia que pode


ser usada por qualquer pessoa ao iniciar uma
produção e não exige nenhum conhecimento técnico.
Se baseia em alguns princípios fundamentais,
que acredito sejam úteis como um guia na pro-
dução de narrativas inovadoras e interativas:
começar pelo usuário, dotar o seu projeto de um Ao mesmo tempo em que encorajo o leitor a

objetivo (ou impacto) claro, trabalhar com uma baixar o The !F Lab Field Guide to Interactive

equipe multidisciplinar desde o primeiro dia, Storytelling Ideation2 e usá-lo, também gostaria

e adotar uma abordagem do processo de produção de lembrá-lo que nenhuma metodologia é imutável,

que é iterativa (baseada na repetição, análise e que foi concebida para o auxiliar, não para

e aperfeiçoamento de ações) e centrada no usu- criar limites. Por favor, experimente o método,

ário. Para ter uma ideia, veja o resumo de todo e mude-o de acordo com suas necessidades e

o material de apoio que usamos para ajudar os ambiente profissional. Eu fiz a mesma coisa.

participantes a identificar o ‘conceito exato’


2  http://www.iflab.net/wp-content/uploads/2019/01/The-F-Lab-Field-
de seus projetos. Guide.pdf
O professor André Paz da UFRJ me con- DIRETRIZES, OU MUDANÇAS DE MENTALIDADE
tatou em 2017, com o convite para adaptar o (MIND SHIFTS), PARA A PRODUÇÃO DE
WHAT IF IT para o contexto brasileiro. Graças NARRATIVAS INOVADORAS E INTERATIVAS
ao apoio da British Academy Newton Mobility
Grant, começamos um projeto de pesquisa de Ao começar uma narrativa interativa, nos con-
um ano com o objetivo de trazer o nosso frontamos com uma série de perguntas: Qual
processo para o que chamamos de IF BUG LAB: plataforma deveria escolher? Como organizar a
quatro dias de ideação interativa voltados minha história? Qual parte deveria ser inte-
para produtores audiovisuais brasileiros. rativa? Quais habilidades técnicas preciso
Levando em conta a relativa novidade do ter? Quanto vai custar? Claramente não há uma
campo da narrativa interativa no Brasil, e resposta única, mágica, e as opções são tantas
a consequente falta de recursos financeiros, que podem ser difíceis de processar.
IF BUG LAB enfatizou fortemente os recursos Nosso aprendizado do !F Lab, e IF BUGLAB,
de produção ao mesmo tempo em que procurou é que ao invés de querer tomar todas decisões
preservar a natureza fundamentalmente ite- independentemente já no primeiro dia, é mais
rativa (processo de aperfeiçoamento através vantajoso confiar que as respostas vão se impor
de sucessivas repetições e testes de pro- sozinhas, surgir como uma evidência, o que se
tótipos) do processo WHAT IF IT. Através constata se seguirmos um processo de desen-
deste experimento, efetivamente testamos a volvimento criativo. Minha proposta é que o
flexibilidade e maleabilidade dos processos leitor se engaje com uma série de mudanças de
ideativos. Chegamos à conclusão de que mesmo mentalidade que nos abrirão para novos desafios
que processos precisem se adaptar a contextos digitais, e depois observar a evolução do pro-
culturais e econômicos, a sua estrutura pode cesso. O leitor irá notar que essas mudanças de
ser bastante estável e permanecer pratica- mentalidade caminham juntas com o processo do
mente inalterada. WHAT IF IT, mesmo que adotemos uma terminologia
No caso do processo WHAT IF IT o resul- com pequenas diferenças:
tado foi que se tornou necessário manter os
processos principais e sua natureza itera-
tiva, enquanto mudávamos a ênfase dada a 1. COLOQUE O USUÁRIO NO CENTRO
eles. Em outras palavras, o que nunca mudou DO SEU PROCESSO CRIATIVO.
foi o entendimento de que na interatividade
a criação não é linear e requer uma série Nas narrativas interativas, você pede para a
de mudanças de mentalidade, uma série de audiência intervir na sua história agindo nos
cliques que fazem com que você veja o mundo, pontos interativos que você criou (clicar em um
o seu trabalho, seu papel nele, de forma link, escrever um comentário, mandar um vídeo,
nova. No que segue, gostaria de voltar à se movimentar no espaço, construir algo, etc…).
essência de cada fase do processo WHAT IF Porém, se as opções que você criou não satisfazem
IT, adicionando o que aprendi no Brasil, e seus usuários, você os perde. A especialista em
chegando a uma lista que espero que seja jogos Jane Murray define agência como “o poder
útil para o leitor. que gera satisfação [ao usuário] ao tomar ações

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35 31
significativas e ver o resultado das decisões - aprendemos essa lição com os participantes do !F
e escolhas” (Murray, 1997:126). Lab que vinham do campo audiovisual. Eles estavam
Se os usuários não estão curiosos para acostumados a começar com sua própria ideia e
explorar as opções que você criou para eles, depois entrar na produção, uma vez que eles rece-
então você não conseguiu envolvê-los. Todos já beram a aprovação de seu projeto. Convencê-los de
assistimos programas de TV que não nos inte- que criar empatia com a plateia desde o início não
ressaram por pura preguiça e inércia. Em uma é só a melhor maneira de desafiar seus próprios
mídia interativa, porém, a história não vai preconceitos, mas também é um passo fundamental
adiante se nós não interagimos com ela, então… para deixar a plateia interessada e, em última
Fim da história. Por essa razão específica, instância, para gerar ideias interessantes e ‘fora
você deveria ter uma mentalidade em que você da caixa’, demandou uma atitude tente-você-mesmo.
projeta com a sua audiência, e não para sua
audiência. Isso é o éthos fundamental do ‘User
Centered Design’ (UCD) (design centrado no usu- 2.  FAÇA SUA PESQUISA
ário), uma vertente do ‘Design Thinking’, que
começa o design de qualquer produto, serviço Muitas pessoas desejam fazer uma narrativa
e experiência ao estudar e se envolver com seu interativa porque acreditam que assim poderiam
usuário final. Para Donald Norman, o primeiro evitar redes de distribuição fechadas e alcançar
designer a usar o termo, “o design centrado no uma plateia maior. É uma expectativa falsa.
usuário enfatiza que o propósito do sistema é O seu projeto pode ser online, mas se ninguém
servir o usuário, não é usar tecnologia espe- sabe dele, você efetivamente não tem plateia.
cífica, não é para ser um programa elegante” A mudança de mentalidade necessária nesse caso
(Norman, 1998:61). é a seguinte: não espere que a audiência venha
Se você olhar cuidadosamente o processo até você, é o seu trabalho atraí-la.
do WHAT IF IT (imagem 1), você verá que aco- Garantir uma plateia frequentemente
modamos as cinco fases do UCD às necessidades significa ter um orçamento promocional para
dos narradores interativos. A segunda fase é gastar, mas também significa que você vai
interagir com o seu usuário, o que significa: precisar ter uma estratégia de lançamento e
teste o seu conceito entrevistando seu público algumas parcerias firmes. Enquanto encora-
alvo, aprenda quais plataformas eles usam e o jamos o leitor a procurar parceiros desde o
que eles sabem sobre o tema, antes de começar início, nós também sabemos que, se você não
o seu processo de criação de ideias. Somente tem algo para mostrar, é difícil de envolvê-
depois de ter feito isso, você pode começar a -los. É uma situação de ovo-e-galinha na qual
trabalhar em um protótipo inicial do seu con- é necessário ter um protótipo para explicar
ceito, e que você irá testar, de novo, com seu sua ideia, mas você também precisa de ajuda
público alvo. Esse é o começo de um processo para criar o seu primeiro protótipo. Nossa
iterativo duplo entre você e a sua audiência. sugestão é que você trabalhe em pequenos
Por mais estranho que possa parecer, essa passos, onde o desenvolvimento da história e
pequena mudança de mentalidade tem sido a mais pesquisa de parceiros caminhem juntos. Quanto
difícil, e provavelmente a mais importante mais você progredir com sua ideia, mais você
poderá mostrá-la para pessoas diferentes conteúdo, design e programação, ainda é diverso
e pedir ajuda. demais para uma só pessoa conseguir fazer tudo
Para que ganhe credibilidade nesse com qualidade. Então aceite a seguinte mudança
equilíbrio delicado, é importante que esteja de pensamento: você precisa de ajuda, e você
preparado, e exerça absoluto domínio do seu precisa de ajuda de pessoas que vêm de indústrias
‘jogo’. Nunca subestime a importância de diferentes, pois elas estarão acostumadas a
conferir outros tratamentos do tema tanto nas processos e linguagens completamente diferentes
narrativas lineares quanto nas interativas. quando trabalham em grupos.
Não há como enfatizar o bastante a impor-
• Tenha uma série de pontos comparativos tância de se criar uma equipe multidisciplinar
entre o que você quer fazer e o que desde o primeiro dia. Pode ser difícil no iní-
outros já fizeram. cio, mas vai valer a pena quando você perceber
• Por que a interatividade é essencial que elas criam ideias e soluções que você não
para envolver a sua plateia de escolha? poderia nem imaginar. Para resolver o problema
• Seja consciente de tendências que já de ter abordagens diferentes no trabalho, nós
existem em narrativas interativas. sugerimos que você escolha uma série de passos
Quando a ‘próxima tecnologia’ começar que vão te levar à produção de um primeiro pro-
a ficar para trás, você vai precisar tótipo (também conhecido como o Menor Produto
justificar porque a adotou. Viável - “Minimum Viable Product”) e se com-
• Você também deve ser capaz de inserir prometer com ele, como equipe. Esse primeiro
seu projeto nos estilos diferentes de protótipo, uma vez testado com sua plateia,
narrativas interativas que já existem. será seu melhor aliado na busca de futuros
Afinal, você é o especialista… ou não? financiadores e parceiros.

Esse livro é em si um recurso para ajudar o


leitor a fazer análises comparativas, mas 4. CONSIDERE DAR O PAPEL DE CO-
também se deve ter em mente que há outros CRIADOR AO SUJEITO DO SEU TRABALHO
recursos online, como o MIT Docubase , IDFA 3

DocLab4 e i-Docs5. Se a sua história envolve comunidades especí-


ficas, então considere co-criar sua narrativa
com elas. Documentaristas e artistas experimen-
3. ADOTE EQUIPES MULTIDISCIPLINARES taram práticas participativas durante a maior
E PRODUÇÕES COM MÉTODO ITERATIVO. parte do século passado, mas a transição para
a mídia digital oferece uma flecha extra para
É desafiador ser uma ‘banda de uma pessoa só’ o seu arco: a mídia social é, por definição,
em produções digitais. O grupo de habilidades comunitária, e a internet é, antes de mais
que você precisa dominar, entre a produção de nada, uma rede. A mudança de mentalidade que as
narrativas interativas oferecem aqui, se resume

3  http://docubase.mit.edu
a: por que usar sua única voz para representar
4  http://www.doclab.org/category/projects/ outros? Se você já incorporou um certo nível de
5  http://i-docs.org/

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35 33
co-autoria com os seus usuários e sua equipe comunidade e ter um impacto social, e a pressão
multidisciplinar, por que não estender aos social pode aumentar muito e criar um impacto
seus personagens? a nível político. O impacto, portanto, possui
O recém criado Estúdio de Co-Criação do múltiplas camadas e não é linear (é sistêmico).
MIT (MIT Co-Creation Studio) enfatiza que
6
Isso nos leva para a nossa quinta mudança de
“A co-criação oferece alternativas para a mentalidade: pense no impacto como um processo
visão de autor único. É uma constelação de não-linear com vários pontos de entrada. O seu
métodos de mídia e enquadramentos. Projetos trabalho é definir estrategicamente o quão
se originam de processos, evoluem de dentro longe você quer que o seu projeto influencie,
de comunidades e com pessoas, ao invés de e projetar pontos de ação tanto em sua história
serem feitos para ou sobre elas”. Visite como em sua campanha de promoção para acionar
o site deles, e você encontrará ideias e um movimento de impacto. Você também precisa
recursos para ajudar a elaborar projetos estar ciente de que não lidamos com uma ciência
nos quais o impacto vem de uma colaboração definida, as mídias de rede são dominadas por
entre o design do projeto e as comunidades lógicas relacionais e não-causais, de forma que
a que se destina. você só pode dançar conforme a música, fazendo
ajustes constantes enquanto escuta as reações
que você está gerando.
5. TENHA UMA ESTRATÉGIA DE IMPACTO CLARA

Pense no impacto como a mudança que você quer 6. GARANTA A COERÊNCIA DO SEU PROJETO
que o usuário viva durante a experiência do
seu projeto. Veja isso como uma lista de Finalmente, como parte do processo iterativo
‘antes’ e ‘depois’. Se você listar mudanças de criação, volte para os fundamentos do seu
específicas que você quer que aconteçam projeto: sua plataforma escolhida, plateias,
(que o usuário se conscientize ao aprender impactos, parceiros e recursos. Se você deseja
sobre o seu tema, sinta uma certa emoção, aumentar suas chances de sair do estágio da demo,
e faça algo como assinar uma petição ou ou do protótipo, para uma produção completa, você
outros) você precisa fazer o design do seu deve ter certeza de que esses cinco pontos estão
projeto nessa direção. A jornada de usuário alinhados, porque isso é o que vai constituir
precisa levar a plateia onde você quer que sua proposta, ou o tratamento do projeto.
ela vá - veja a tela de impacto (impact Notamos através dos anos do !F Lab que,
canvas) do usuário no processo WHAT IF IT. frequentemente, os participantes tinham respostas
Agora se distancie do seu usuário e veja claras para cada um dos cinco pilares de seus
o panorama geral: impacto é como uma cebola, projetos, mas eles não estavam necessariamente
ele possui camadas diferentes. No centro relacionando-as. Por exemplo, víamos histó-
você tem o (usuário) indivíduo. Porém, seus rias destinadas a um público de adolescentes
usuários podem ter um impacto dentro de sua usando uma plataforma que o público não usava.
Ideias para projetos tecnicamente complexos
de transmídia, que exigiam vultuosos recursos
6  https://cocreationstudio.mit.edu/
financeiros, liderados por pessoas sem con- Uma vez que você encontra a resposta
tatos na indústria. Ou até mesmo projetos para essa pergunta essencial, você então deve
sobre tópicos que não tinham atrativos para decidir se quer seguir o seu instinto criativo
o público selecionado, mas que o autor queria ou prefere ter a orientação de uma metodologia
continuar por causa de seu próprio interesse de ideação, como o processo WHAT IF IT. Essa
neles. Todos nós nos apaixonamos por nos- escolha é completamente sua. Seja qual for a
sas histórias, mas isso não é suficiente se escolha que você faça, provavelmente, irá notar
queremos que elas sejam ouvidas/assistidas. que não se pode evitar algumas mudanças de
Em um ambiente não-linear em rede como é o mentalidade que estão listadas neste artigo.
digital, ainda é importante, para levar um Essas mudanças são mais ou menos inevitáveis
projeto adiante, que a nossa intenção seja porque elas são parte da jornada que nos leva
coerente. Isso nos leva à nossa última, e, a avaliar, e algumas vezes a descobrir, o que
provavelmente, mais contra-intuitiva mudança queremos da esfera digital e que papel quere-
de mentalidade de todas: ser coerente não mos que nossas histórias tenham ao forjá-la.
é ter previsto todas as causas que geram Bem-vindo à mudança de mentalidade digital.
algum efeito, mas ter uma visão sistêmica
onde forças diferentes podem expandir rumo
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
à direção desejada. Pense em sua narrativa
digital como uma forma viva que age no mundo BRUNER, Jerome (1986) Actual Minds, Possible Worlds.
Cambridge: Harvard University Press.
por múltiplas forças. Seu trabalho é dire-
cioná-la, e não fingir que a controla. ECO, Umberto (1962) Opera Aperta, Milano: Bompiani Editore.
Para concluir, embarcar na criação de
GAUDENZI, Sandra (2019) The !F Lab Field Guide to Interactive
narrativas interativas e inovadoras vai muito Storytelling Ideation. http://www.iflab.net/wp-content/
uploads/2019/01/The-F-Lab-Field-Guide.pdf
além de aprender novas habilidades tecnoló-
gicas. É uma afirmação política e ideológica MC ADAMS, Dan P. (1993) The Stories we Live by. London: The
Guilford Press.
dentro do mundo digital, no qual você se
posiciona ao enquadrar e forjar o discurso MURRAY, Janet (1997) Hamlet on the Holodeck. The Free Press.
digital, o que ele é, o que ele será. As
NORMAN, Donald (1998) User Centered System Design. New
narrativas interativas não são somente uma Jersey: CRC Press.
maneira de ter livre distribuição na inter-
Thalhofer, Florian, Judith Aston, and Stefano Odorico (2018)
net e de fazer nossas histórias globais, mas “A Few Questions for Florian Thalhofer.” Alphaville: Journal
of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp. 106– 112.
também são uma forma de pensar sobre o mundo www.alphavillejournal.com/Issue15/InterviewThalhofer.pdf
e sobre os relacionamentos que nós queremos
ZIMMERMANN, Patricia (2018) “Thirty Speculations Toward a
construir nele. As narrativas interativas Polyphonic Model for New Media Documentary.” Alphaville:
Journal of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp.
criam mais do que contam. Elas são ferramen- 9–15. www.alphavillejournal.com/Issue15/ArticleZimmerman.pdf
tas. Elas são uma forma de posicionamento.
É por isso que perguntar a si mesmo “Por que
essa história deveria ser interativa?”, desde
o primeiro dia, é essencial. A interatividade
é uma escolha autoral.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35 35
VISÃO PANORÂMICA

DE CONTADORES A
FACILITADORES DE
HISTÓRIAS: UMA ENTREVISTA
COM LAURECOPS &
WOUTER VANMOL, DA NUNAM

POR SANDRA GAUDENZI1

1  Sandra Gaudenzi é Chefe de


Estudos do !F Lab (Laboratório
Factual Interativo). Ela tem con-
sultado, orientado, pesquisado,
ministrado palestras, escrito, e
blogado sobre narrativas inte-
rativas nos últimos vinte anos.
É Senior Lecturer do LAB de
Narrativas Interativas Digitais
da Universidade de Westminster
(Londres, RU); Membra visitan-
te no Centro de Pesquisa de
Culturas Digitais (UWE, RU); co-
-diretora do site e conferência
i-Docs e co editora do livro:
i-docs: as Práticas Emergentes
dos Documentários Interativos.
(i-docs: the Evolving Practices
of Interactive Documentary).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 36
NuNam2 é um studio criativo baseado na de mapear essas transformações de mentali-
Bélgica. Seus fundadores, Laure Cops e Wouter dade (mind shifts, em inglês) com que Laure &
Vanmol, formados em cinema e comunicação, Wouter se depararam durante sua transição de
depois de viajar pelo mundo decidiram se “contadores de histórias” para “facilitadores
estabelecer em sua cidade natal. Criaram a de histórias”.
empresa em 2014 com o objetivo de fazer um
cinema socialmente engajado. Me encontrei
com eles em 2015, quando participaram do !F
Lab (Interactive Factual Lab), um workshop
EM 2015, VOCÊS PROCURARAM O !F
financiado pela União Europeia que dirigi LAB PARA DESENVOLVER UMA HISTÓRIA
entre 2015 e 2018, com o objetivo de criar DE FORMA INTERATIVA. QUAL ERA O
narrativas digitais interativas. PROJETO, E POR QUE VOCÊS ACREDITAVAM
QUE ELE DEVERIA SER INTERATIVO?
Laure e Wouter chegaram ao workshop
porque estavam trabalhando em um projeto
que não poderia ser realizado de maneira WOUTER VANMOL (WV): Toda história que se

simples no formato de documentário. Era uma conta é pessoal, mas essa foi (e talvez

história grande demais para se encaixar. A ainda seja) a história mais pessoal que

dupla queria que as pessoas se sentissem já sentimos a necessidade de contar. Aos

engajadas, queria gerar impacto, e estava se 18 anos Laure perdeu o pai, quando ele se

perguntando se a internet, ou outro formato suicidou. Ela precisou de mais de 10 anos

interativo, poderia ajudá-los a ir além da para se recompor depois do que aconteceu.

tela. No final, o !F Lab fez mais do que aju- No meio tempo, sua melhor amiga Saura tam-

dá-los com suas ideias, mudando por completo bém decidiu tirar a própria vida.

seus modos de pensar sobre seus papéis como LAURE COPS (LC): Talvez seja uma ousadia dizer
contadores de histórias. O resultado foi a isso, mas eu me tornei uma pessoa mais forte,
mudança de perfil da empresa, que passou mais rica. Me custou sangue, suor e lágrimas.
da produção de histórias lineares para “um Em algum ponto deste caminho decidi usar todo
estúdio criativo que molda histórias para aquele horror como a minha força. Porque ao
cinema, fotografia, palavras, instalações, e mesmo tempo em que cada suicídio é uma tragédia
projetos interativos para clientes, plateias para as pessoas que são forçadas a lidar com
e nós mesmos”. ele, os resultados para cada um podem ser muito
Mudar de uma mentalidade linear para diferentes. Algumas pessoas que sofrem o luto
uma perspectiva interativa e de 360o signi- do suicídio entram em espirais descendentes e
ficou mudar a forma de trabalhar, aprender desenvolvem pensamentos suicidas elas mesmas
novas ferramentas e, principalmente, olhar (20 a 30 por cento dos que perdem um ente
para o mundo de outro modo: menos no papel querido para o suicídio), enquanto outras,
de observadores e mais como facilitadores que conseguem passar pelo processo do luto de
de mudança. Esta entrevista é uma tentativa maneira a olhar adiante, podem encontrar novos
resultados, e um sentido, um entendimento mais

2  https://www.nunam.be/
profundo da vida (e da morte).

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43 37
WV: Desde o princípio sabíamos que The histórias digitais ou interativas. Os pro-
Golden Forest 3
(A Floresta Dourada) era fessores na nossa escola vinham de ambien-
um projeto sobre o período pós suicídio. tes offline, a maior parte tinha pouco
Como é esse processo complexo de luto? conhecimento sobre como o jornalismo estava
Como se leva adiante a nossa vida quando ou deveria estar se adaptando à internet.
perdemos um ente querido? Como se volta Mas é claro que eu sabia que havia algo
a abraçar a vida? Provavelmente intuímos se desenvolvendo. Ao trabalhar como jor-
que deveria ser algo interativo, mas foi nalista para um meio online, fui atraído
apenas no primeiro workshop do qual par- por projetos estimulantes que surgiam, que
ticipamos, o !F Lab Storybooster 2015, exploravam novos caminhos.
que conseguimos traduzir nossos pensa-
LC: Mais adiante começamos nossa própria
mentos iniciais em razões concretas.
exploração. Fizemos experiências com sof-
LC: Naquele momento sabíamos que que- tware como Klynt e Racontr e fizemos um
ríamos que nosso projeto fosse anônimo trabalho de longform com Pageflow4 sobre
e ad hoc. A Floresta Dourada deveria o abastecimento de energia da Europa, que
ser um guia para ajudar as pessoas a misturava textos, fotografia e vídeo. A
lidarem com seu luto de forma a olhar esta altura já sabíamos que existia reali-
para frente. O projeto precisou dar dade virtual, realidade aumentada, mas não
oportunidade ao usuário de percorrer o sabíamos como chegar até essa mídia e como
filme no seu próprio ritmo. O usuário produzir conteúdo para ela. Para A Floresta
precisava poder dirigir a história em Dourada queríamos que o projeto fosse
direção aos sentimentos e situações com baseado na internet porque nos parecia que
as quais estava lidando no momento. E, desta forma chegaríamos ao maior número de
para fazer isso, o formato interativo espectadores possível. Não era por vaidade,
era a única solução. mas era porque sabemos que muitas pessoas
que perdem membros da família por suicídio
nunca tiveram oportunidade de encontrar
ajuda em suas comunidades.

WV: Eu acho que também casou com nossa fé no


QUAL ERA O SEU ENTENDIMENTO DO
PROCESSO INTERATIVO DE CONTAR uso da ‘tecnologia para o bem’. Num mundo
HISTÓRIAS NAQUELA ÉPOCA? ME onde a tecnologia é uma das forças motri-
LEMBRO QUE VOCÊ QUERIA QUE O zes levando a rupturas sociais, culturais,
PROJETO FICASSE DISPONÍVEL
NA INTERNET, POR QUÊ? econômicas e políticas, acreditamos que
implementar novas tecnologias de forma a
catalisar mudanças positivas é necessário
WV: Acho que sou da geração que talvez
e gera esperança.
tenha sido a última a estudar jornalismo
de forma praticamente cega à narração de
4  Pageflow é uma plataforma criada para facilitar a publicação de
narrativas multimídia na internet. Exemplo de um projeto feito com
3  https://www.nunam.be/golden-forest Pageflow pela NuNam: https://www.nunam.be/walking-the-line
RV, RA e RX, instalações transmídia, etc,
que percebemos que estávamos ligados às

VOCÊ ME DISSE QUE O !F LAB TINHA ‘antigas possibilidades’ e que era o alvo-
SIDO UMA EXPERIÊNCIA QUE MUDOU recer de uma nova era de contação de histó-
A SUA VIDA. PODERIA EXPLICAR? rias. E afinal é isso que se persegue com
maior interesse: a sensação da exploração.
LC: [O conceito] “A interface é parte
LC: Estranhamente, entrar nesta busca aca-
da experiência” foi um estalo. O !F Lab
bou nos trazendo de volta para casa. Ao
desencadeou uma espécie de ‘amadure-
explorar essas novas mídias, descobrimos
cimento profissional’. Foi o primeiro
o poder da história. E mais ainda, a arte
lugar onde questionamos o meio. Onde
da história. A beleza do trabalho. Nos fez
aprendemos que ‘sua tela não é apenas uma
pensar em como estávamos usando histórias
tela’, é mais do que o espaço em branco.
nos nossos projetos audiovisuais de jorna-
Descobrimos que cada meio tem seus desa-
lismo até então.
fios e possibilidades. Possibilidades
de chegar ao usuário. Possibilidades WV: !FLab mudou nossas perspectivas. Não
para chegar ao seu objetivo como um apenas aprendemos a mudar de visão, mas
criador, mas também possibilidades no também aprendemos o fato fundamental que
campo da pura contação de histórias. é que há diferentes perspectivas. Acredito
Possibilidades para revelar, interagir e que !F Lab nos ensinou isso ao nos pres-
imergir… Gostamos de acreditar que cada sionar a pesquisar nossa estratégia de
história tem um meio que a veste como impacto. Nossa lição: onde a história e o
uma luva. Seja ela baseada em texto, meio entram em colisão? IMPACTO.
áudio ou vídeo. Seja ela linear ou não
linear. Seja o meio realidade aumentada,
realidade virtual, radio, podcast, chat-
bot e assim por diante.
FOCAR NO USUÁRIO - AO INVÉS DE
WV: Antes do !FLab nosso conhecimento APENAS NA NARRAÇÃO DA HISTÓRIA -
da mídia era limitado a texto, vídeo FOI UMA MUDANÇA RADICAL PARA VOCÊS?
ou foto. Havia ‘apenas’ TV ou cinema. COMO FOI QUE VOCÊS SE AJUSTARAM A
ISSO, E COMO VOCÊS PLANEJAM SUAS
E fazíamos parte do ‘nicho do vídeo’. O HISTÓRIAS INTERATIVAS ATUALMENTE?
que a !FLab fez não foi apenas nos per-
mitir perceber isto, mas também revelar
WV: Foi realmente uma mudança radical de
um mundo novo de mídias e possibilidades
perspectiva mental, mas, na verdade, não
baseado em tecnologias que ainda estão
foi tão difícil de se fazer. Talvez a maior
por vir.
mudança que os ‘realizadores tradicionais’
Na verdade, foi apenas ao nos depararmos precisam fazer é ir além dos seus egos,
com todos estes loucos, impressionantes porque uma grande parte do esforço de ‘focar
e intrigantes projetos na internet, em no usuário’ é sobre isso, acreditamos.

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43 39
Não é apenas a sua história que você mas essa é a parte da diversão! - e !F Lab
está contando. É encontrar um terreno realmente funcionou ao nos dar um guia de
em comum entre você e sua plateia. Você como atravessar esse processo interativo.
passa de um contador de histórias para
Já a parte financeira do nosso empreendi-
um arquiteto de histórias. O que exige
mento, por outro lado, é o maior desafio.
que você se adeque a esse papel inteira-
Fazer um filme, um documentário curto,
mente novo. E gostamos deste novo papel!
um longa-metragem... não custa tanto.
LC: Ao nosso ver, esse processo de focar Mas para gerar uma experiência imersiva,
no usuário está intimamente ligado ao interativa, com o nível de qualidade que
entendimento de que para realizar proje- queremos, implica em produções maiores.
tos interativos você não vai ser mais o E equipes maiores. E, portanto, desafios
único com controle da situação. Você quer maiores para conseguir o orçamento que se
tecnólogos criativos que pensem sobre a precisa. Principalmente em um campo em que
história também. Você quer que os desen- toda a indústria (financeira) ainda está de
volvedores somem algo à história. Você certa forma se desenvolvendo.
quer que a sua plateia interaja e pos-
sivelmente seja co-criadora da história.
Então, como realizadores, nos vemos cada
vez mais como facilitadores. Temos uma
visão e precisamos criar um ecossistema QUE CONSELHOS VOCÊS DARIAM
onde cada parte envolvida possa prospe- AOS NOVATOS NO CAMPO? COMO SE
EQUACIONA DE MANEIRA CORRETA A
rar e contribuir em algo para esse filme CRIATIVIDADE E A VIABILIDADE?
maior que temos em mente.

WV: E é assim que gostamos de trabalhar WV: Adoramos trabalhar com os nossos amigos,
hoje em dia. Procuramos nos cercar de mas sentimos muita falta de ter ‘amigos tech’
pessoas com as quais gostamos de tra- (ou saber mais nós mesmos sobre programação/
balhar e que são ótimas nas coisas que desenvolvimento). Seria maravilhoso cons-
nós não somos. Se fala em estar sobre truir alguns protótipos experimentais e se
os ombros de gigantes, não é?! Montar a lançar no percalço de uma ideia louca pelo
nossa equipe se tornou uma parte impor- grande desconhecido adentro, só pelo prazer
tante do processo de cada projeto. da coisa!

Quais foram os principais obstáculos Ao contratar uma equipe tech não sobra
que vocês encontraram depois do workshop muito espaço para experimentar e explorar
para desenvolver o projeto de vocês? apenas por diversão. Então encontre amigos
Foram financeiros ou conceituais? para brincar e experimentar juntos! E cer-
tamente amigos que tem habilidades que você
LC: Claro que levar adiante o processo
não tem. Amigos que tenham uma abordagem
criativo, ou conceitual, é sempre repleto
diferente. Vai lhe dar o prazer de co-criar
de desafios que precisam ser vencidos,
coisas que são mais ou menos livres, novas,
inéditas, loucas, que não são necessá-
rias e não precisam cumprir um prazo.
Vai lhe dar o prazer de fracassar sem E QUAL É O SEU PONTO DE PARTIDA
consequências. QUANDO UM CLIENTE CHEGA ATÉ
VOCÊ? IDEIAS? POTENCIAL
INTERATIVO? ORÇAMENTO?

WV: Realmente depende. No caso de alguns

QUAL É O SEU PRÓPRIO MÉTODO DE projetos, você percebe potencial intera-


DESENVOLVER PROJETOS ATUALMENTE? tivo imediatamente. Outros tem potencial
interativo, mas se o cliente já tem certas

LC: Temos 3 tipos de projetos acontecendo expectativas ou uma mentalidade mais tra-

simultaneamente: primeiro, os pequenos dicional, pode ser trabalhoso convencê-lo

projetos, na maior parte para clientes, a adotar o caminho da interatividade.

bastante viáveis, mas que também podem Em geral, quando fazemos experiências real-
gerar experiências pessoais de pura mente interessantes com a interatividade,
diversão. Depois temos alguns projetos são casos em que “todos os planetas se
de médio-porte. Projetos que abrem espaço alinham”. Tem que haver uma história, tem
para a expressão criativa, mas que não que ter potencial interativo, o cliente
desafiam o limite da viabilidade. São precisa estar disposto a segui-lo no cami-
projetos nos quais trabalhamos por algu- nho criativo (e frequentemente dar um passo
mas semanas ou alguns meses, onde fre- para o desconhecido) e tem que existir um
quentemente há expectativas de clientes orçamento que permita tudo isso. Essas coi-
que precisamos satisfazer. E, por fim, sas não são (ainda) fáceis de conseguir.
temos o ‘grande projeto’. Um projeto que No nosso caso, pelo menos. Apesar de que
faz nossos corações baterem apaixonados. também devemos dizer que parece que há uma
O grande projeto é o que te define. O espécie de ‘despertar pro digital’ entre
projeto que faz parte da sua obra. Este alguns de nossos clientes. Talvez também
projeto no qual você derrama toda a sua porque procuramos manter bons relaciona-
criatividade e no qual você luta como mentos com os nossos (potenciais) clientes,
dragão para que seja viável. É assim que e “divulgar a profecia interativa”.
fazemos hoje em dia, mas quem sabe como
faremos amanhã? Enquanto formos dragões LC: Dito isso, você sempre pode ajudar

mansos, vamos conseguindo, não é?! aqueles planetas a se alinharem. Há solu-


ções (você poderia chamar isso de fazer
concessões) sobre certos obstáculos como o
orçamento. Por exemplo: no caso do documen-
tário Nueva Prosperina nos vimos às voltas
precisamente com limites de orçamento.
Resolvemos então descartar o caminho da

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43 41
‘customização total’ e usamos Wiremax -
um software para fazer vídeo interativo5
para criar algo como um produto mínimo O QUE VOCÊ GOSTARIA DE DIZER
viável. O cliente acreditou na ideia PARA AS PESSOAS QUE SÃO NOVAS
de fundo, e gostou do documentário, e NO CAMPO, E QUE VOCÊ GOSTARIA
DE TER OUVIDO EM 2015?
para a próxima campanha está disposto a
providenciar mais fundos para continuar
pelo campo da interatividade e atingir um WV: Tenha objetivos claros. Seja ambicioso.

nível mais alto. Então, realmente é um Mas veja as coisas em perspectiva. Não se

processo de passo a passo. impaciente. Quando começamos A Floresta


Dourada, esperávamos tê-la terminado em um
prazo de dois anos. Mas depois de quatro
anos sabemos que ainda vai nos levar pelo
menos mais um (ou até mais dois) anos até

QUÃO DIFERENTE É O PROCESSO que se torne uma realidade. De início, isso


QUANDO VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO nos parecia uma eternidade. Mas quando
NOS SEUS PRÓPRIOS PROJETOS? colocamos em perspectiva, não estamos ape-
nas tentando realizar um projeto com várias
LC: Uma vez que A Floresta Dourada se versões internacionais (a esta altura isso
tornou um projeto de tão grande porte, quer dizer uma versão em flamengo e uma
tentamos não abrir para muitos outros em alemão), mas estamos também fazendo
projetos novos. Temos muitas ideias e o nosso primeiro documentário de média
continuamos colocando no papel, mas não metragem. Estamos construindo, expandindo
chegamos a produzi-las. Fazemos peque- e consolidando o nosso estúdio criativo,
nos experimentos, esboços de ideias e curtindo a companhia um do outro, os novos
as testamos, mas estamos aguardando a relacionamentos profissionais que criamos,
oportunidade certa antes de mostrá-los e a beleza da vida em geral. Então, a nossa
aos outros. grande mensagem de despedida pode ser um
pouco brega - mas nem por isso menos impor-
Agora, pensando nisso, realmente é um
tante e nada fácil de conseguir –‘viva o
pouco diferente trabalhar nas suas pró-
momento’.
prias ideias. Não incluímos o orçamento
no nosso processo criativo. Isso com
certeza! E mesmo o foco no usuário é
menos importante do que o nosso foco na
história. A história é o que nos deixa
apaixonados. É a história que nos motiva
a ir mais fundo.

5  Exemplo de um projeto criado com Wiremax pela NuNam: https://


www.nunam.be/nueva-prosperina
NARRATIVAS INTERATIVAS

ALÉM DAS INTERFACES:


CONCEITOS E OBRAS
FUNDAMENTAIS DE
NARRATIVAS INTERATIVAS

ANDRÉ PAZ1 E
KÁTIA AUGUSTA MACIEL2

1 André Paz é professor e pes-


quisador da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Leciona no Mestrado
Profissional em Criação e
Produção Digital da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Diretor e produtor de narrati-
vas interativas. Idealizador e
coordenador do Bug404. Curador
da Mostra Bug em 2018.

2  Katia Augusta Maciel é profes-


sora e pesquisadora da Escola de
Comunicação (ECO) e coordenado-
ra do Mestrado Profissional em
Criação e Produção de Conteúdos
Digitais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 44
Eu quero mapear produção tem sido reconhecida nos últimos anos

novos terrenos e em festivais consagrados, como no IDFA DocLab,

não cartografar do International Film Festival of Documentary

velhas fronteiras (IDFA), de Amsterdã.


Neste livro, o artigo “O cenário inova-
MARSHALL MCLUHAN
dor das narrativas interativas e imersivas”12
(Paz e Jucá, 2019) mostra como essa produção
surge dentro do contexto de ecossistemas
INTRODUÇÃO inovadores com produtoras, grandes empresas
de mídia, festivais, financiadores, centros
O espectro de obras que chamamos neste livro de pesquisa, congressos. Ela está situada na
de narrativas interativas digitais apresenta interseção entre o audiovisual, o design e a
uma produção muito diversa, com diferentes programação. Os processos criativo e produtivo
formatos, estruturas narrativas, plataformas requerem uma colaboração interdisciplinar e
de suporte, modos de interação e dimensões um diálogo amplo entre quem realiza e quem
de produção3. Estamos falando de grandes pesquisa. Por isso, a consolidação desses
produções multiplataforma, como Highrise ecossistemas inovadores aconteceu em para-
(2009-2017) ; pequenas produções, como Ilha
4
lelo à emergência de um campo internacional
Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, de pesquisa, com seus laboratórios e grupos
uma História (2015) ; obras colaborativas de
5
de pesquisa, como o MIT Open Documentary
impacto social como The Quipu Project (2015) ; 6
Lab13, em Boston; e congressos específicos,
webdocumentários seriados, como Do not Track como o I-docs14, em Bristol, e o Interdocs
(2015) ; narrativas mobile baseadas em apli-
7
Barcelona15. Esse campo de pesquisa estabeleceu
cativos, sejam ficcionais como Phallaina um amplo diálogo através de artigos, livros,
(2016) ou documentais como Alma: Une Enfant
8
congressos e blogs, em torno de autores que
de la Violence (2012) . De uma forma mais
9
se tornaram referências internacionais, como
geral, essas produções têm sido mapeadas por Sanda Gaudenzi, Arnau Gifreu-Castells, William
alguns projetos, como o exemplar Docubase , 10
Uricchio, Mandy Rose, Judith Aston. O livro
do MIT Open Documentary Lab (Massachusetts I-docs: The Evolving Practices of Interactive
Institute of Technology), uma base de dados Documentary (2017), de Judith Aston, Sandra
sobre o campo disponível online, comentada Gaudenzi e Mandy Rose, se tornou, por exem-
por curadores internacionais11. Toda essa plo, uma referência recente nesse campo. No
Brasil, André Paz, Júlia Salles, Denis Renó,
3  Cabe ressaltar que não estamos considerando as narrativas
imersivas como objeto deste artigo.
Katia Augusta Maciel, Vicente Gosciola, também
4  http://Highrise.nfb.ca/ vêm fazendo pesquisas importantes no campo.
5  www.ilhagrandewebdoc.website. Ver página 108
6  http://interactive.quipu-project.com. Ver página 109 Este artigo é uma introdução às narra-
7  www.donottrack-doc.com. Ver página 111
tivas interativas digitais através de alguns
8  phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php.
Ver página 121.
9  http://alma.arte.tv. Ver página 121 12  Ver página 8.
10  https://docubase.mit.edu/ 13  http://opendoclab.mit.edu/
11  O Bug404 tem traduzido esse material e divulgado também em 14  https://idocs2018.dcrc.org.uk/
português. http://bug404.net/ 15  http://www.docsbarcelona.com/en/ed-2016/festival-2016/programacio/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 45
conceitos básicos formulados no contexto NARRATIVA DIGITAL INTERATIVA
desse novo campo de pesquisa, organizados a
partir da perspectiva da estética relacional No amplo universo das possibilidades narrati-
que vem sendo desenvolvida por André Paz. vas advindas da difusão das mídias digitais e
Os conceitos foram selecionados para mapear da internet, o que caracteriza uma narrativa
o campo e apontar as potencialidades de suas digital interativa? Quais são as suas caracte-
obras, com o objetivo de funcionarem, assim, rísticas específicas? A marca primordial dessas
como referências para projetos inovadores obras é apresentar uma interface interativa,
de realização ou pesquisa. O próximo item ao invés da tradicional tela das criações para
apresenta o campo de uma forma geral, com seus cinema e televisão em geral. Nessas obras, o
diversos formatos e conceitos mais básicos. espectador encontra uma experiência de interação
O item seguinte apresenta a perspectiva da que o transforma em interator, assim como em
estética relacional que permite reconhecer outros campos da arte interativa, conforme já
as obras como projetos que vão muito além da descrevia Louis-Claude Paquin, em 2006, em seu
interface. Já os itens posteriores exploram, livro Comprendre les médias interactifs. Como
respectivamente, as potencialidades que as afirma Paquin (2006: 15): “Com as interfaces,
obras adquirem ao incorporarem diferentes a manipulação direta, os espectadores tornam-
práticas de agenciamento de participantes -se interatores”, pois é preciso interagir
e usuários. fisicamente com um banco de dados para que a
No campo das narrativas interativas narrativa aconteça.
digitais, não há um formato de obras que O exemplo mais oportuno é da obra que se
prevaleça ou tenha se tornado hegemônico. tornou a maior referência do campo: Highrise
Podemos identificar alguns formatos mais (2009-2017) . Esse documentário interativo de
consolidados. Mas, na verdade, o que obser- Katerina Cizek, realizado pelo National Film
vamos é o surgimento disseminado de obras Board (NFB), do Canadá, explora as questões
híbridas. A marca desse campo inovador é a sobre moradia em grandes edifícios ao redor
sua fertilidade criativa. Acreditamos que as do mundo. Como se define em seu website: “An
pesquisas possam contribuir para essa ferti- Emmy-winning, multi-year, many-media, collabo-
lidade e para o desenvolvimento do campo, ao rative documentary experiment at the National
alimentar novos projetos. Afinal, eles não Film Board of Canada, that explores vertical
vão ‘inventar a roda’, mas inovar a partir living around the world”. Highrise se tornou,
das obras de referências e dos diversos na verdade, um conjunto de narrativas inte-
caminhos e possibilidades que elas apontam. rativas sobre o mesmo tema. O documentário
Para isso, buscamos trazer conceitos que interativo Out My Window (2010)16, por exemplo,
nos permitam mapear o terreno desse campo, se debruça sobre a vida de pessoas que habitam
evitando classificar de forma muito rígida arranha-céus em diferentes lugares do mundo.
essas obras híbridas que não se encaixam em Pela interface, o interator pode escolher e
categorias muito específicas. navegar por 49 histórias vindas de 13 cidades

16  www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106.


ao redor do planeta, ao entrar em páginas Cabe aqui, entretanto, três esclarecimen-
que oferecem uma colagem interativa em 360o tos. Primeiro, uma websérie de documentários
de suas moradias, com diferentes histórias disponibilizada por episódios no Youtube ou
acessíveis por hiperlinks, disponíveis em Vimeo, por exemplo, não faz parte desse universo.
conteúdo textual e audiovisual. Se escolhe Por um simples motivo, a interatividade não
o apartamento de São Paulo, por exemplo, o faz parte da interface da obra, ela está nos
interator terá acesso às histórias de Ivaneti comentários ou compartilhamentos exteriores.
e sua família, moradora de uma ocupação no Segundo, os games não fazem parte do campo aqui
Bairro da Luz e coordenadora do Movimento abordado neste livro. Eles incorporam a inte-
dos Trabalhadores Sem Teto do centro de ratividade e a participação à narrativa, mas
São Paulo. A narrativa acontece quando o representam um universo próprio, muito maior,
interator, através da interface, faz suas com suas próprias especificidades, players,
escolhas dentro de um número limitado de práticas e propósitos. Terceiro, apenas uma
possibilidades produzidas e disponibilizadas pequena minoria das obras é ficcional, como, por
pelos realizadores previamente. exemplo, Phallaina (2016), de Marietta Ren, uma
A estrutura informacional de uma narra- graphic novel francesa de rolagem, especialmente
tiva digital interativa é, portanto, um sis- projetada para as interfaces táteis de dispo-
tema no qual várias mídias (textos, vídeos, sitivos móveis. Disponível para Android e IOS,
animações, gráficos, dentre outros) são a obra em aplicativo conta a história fictícia
disponibilizados pela interface. O design de Audrey, que mora em uma cidade construída
gráfico da interface é parte fundamental sobre palafitas por conta da ascensão contínua
da obra. A interface que dispõe o acesso ao das águas e ondas catastróficas, e que vive uma
banco de dados. A navegação do interator a jornada de transformação pessoal, combinando
partir de suas escolhas resulta em uma versão ciências cognitivas e mitologia.
particular de narrativa. Nesse sentido, as
ações dos interatores são cheias de signi-
ficados, como observa Arnau Gifreu-Castells, DOCUMENTÁRIO INTERATIVO
em The Interactive Multimedia Documentary:
a proposed analysis model (2010). Por isso, A grande maioria da produção de narrativas digi-
em seu livro seminal, Inventing the medium: tais interativas não é ficcional. Por isso, em
principles of interaction design as a cul- grande medida, essas obras são chamadas de docu-
tural practice (2012), Janet Murray afirma mentários interativos ou I-docs - abreviação do
a necessidade de considerar os interatores termo em inglês interactive documentary. Muitas
como ‘seres culturais’ que ativamente criam das principais referências do campo utilizam
e negociam o significado de informações com- esse termo, como Arnau Gifreu-Castells. I-docs
partilhadas. Portanto, quando falamos aqui em também é o nome de um dos principais congressos
narrativa digital interativa nos referimos do campo, realizado pela University of West
às obras que incorporam essa interatividade England, em Bristol, Inglaterra. Em um sentido
à narrativa em meios digitais, dentro de um amplo, os documentários interativos trabalham
contexto discursivo mais complexo. com o tratamento criativo da realidade enquanto

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 47
incorporam a interatividade à narrativa. projeto é representante de um conjunto de obras
Essas obras podem existir em um ou mais dos que utiliza algoritmos na interatividade, como
seguintes suportes: websites, aplicativos Digital Me (2015)20, de Sandra Gaudenzi. Nos
para dispositivos móveis, instalações em episódios, o interator é solicitado a forne-
galerias ou museus e performances. cer alguns dados sobre si mesmo e experimenta
A grande maioria dos I-docs têm web- durante a fruição da obra um processo análogo
sites como suportes, por isso também são aos métodos e ferramentas que rastreadores
chamados de webdocumentários ou webdocs. usam comercialmente na internet. Do not Track,
Exemplos incluem Out My Window, A Short portanto, é um documentário interativo em série
History of the Highrise (2013) 17
e Universe que não apenas narra uma história ou um dis-
Within (2015) , todos do projeto Highrise
18
curso, mas oferece ao interator uma experiência
. É o caso também de obras reconhecidas e similar àquela da temática que explora. Assim
premiadas internacionalmente como Hollow também é Network Effect (2015)21, de Jonathan
(2013)19 da documentarista Elaine McMillion Harris e Greg Hochmuth, que explora o efeito
Sheldon, e Do not Track , do documentarista psicológico do uso da internet na humanidade. O
Brett Gaylor, realizado pela Upian, umas das interator tem cerca de sete minutos para visu-
produtoras de maior destaque no campo. Com alizar um gigantesco banco de dados, induzido
uma montagem gráfica e o uso da técnica de a um estado de ansiedade. Uma provocação a
paralaxe, Hollow explora o declínio popu- respeito da ilusão de conhecimento e comple-
lacional de áreas rurais nos Estados Unidos tude gerada pela internet. Essas obras fazem
por meio da história dos moradores do condado parte do conjunto de documentários interativos
de McDowell, na Virgínia Ocidental, que tem que colocam questões do próprio ambiente da
uma população de 20 mil habitantes, quando internet, assim como os já citados Digital Me
já teve 100 mil na década de 1950. O projeto e Universe Within.
contou com a participação direta da própria Apesar de a maioria dos documentários
comunidade, que sugeriu temas e propostas interativos estarem baseados em websites, alguns
para as pesquisas, além de fornecer parte casos usam como principal suporte um aplicativo
do próprio material audiovisual que compõe para dispositivos móveis. Talvez o exemplo mais
a obra. A partir de colagens interativas conhecido seja Alma: Une Enfant de la Violence,
surpreendentes (acionadas por scroll), Hollow realizado pelo grupo ARTE e pela produtora Upian,
utiliza vídeos, infográficos, fotografias e dois dos maiores realizadores no campo. Alma
imagens de arquivo para explorar o universo é um documentário sobre uma jovem homônima de
dos personagens e histórias locais, arti- 26 anos que nasceu na Guatemala e cresceu na
culadas com campanhas em mídias sociais e pobreza, em meio a guerras de gangues urbanas,
campanhas para doação. conhecidas como maras. Alma integrou por cinco
Já Do not Track é uma série documen- anos um dos grupos mais violentos do país e
tal sobre privacidade e economia na web. O viveu imersa em assassinatos, agressões e bru-
talidade. Nesta obra, o interator pode escolher

17  http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html
18  http://universewithin.nfb.ca/mobile/index.html 20  http://www.interactivefactual.net/digital-me/
19  http://hollowdocumentary.com/ 21  www.networkeffect.io. Ver página 107.
entre Alma narrando seus relatos ou imagens oferecendo experiências complementares dentro de
de algumas cenas que ilustram o que é nar- um mesmo universo narrativo. Como aponta Carlos
rado. Também baseado em aplicativo, Rider Scolari no livro Narrativas Transmedia: cuando
Spoke (2007), do coletivo Blast Theory, da todos los medios cuentan (2013), diferentes
Inglaterra, já explora um conjunto de relatos sistemas de significação (verbal, icônico,
em áudio referencialmente geolocalizados audiovisual, textual) são agregados de uma
nas ruas enquanto os interatores circulam maneira complementar e se expandem. Em Cultura
pelas cidades onde o trabalho foi exibido da Convergência (2009), Henry Jenkins mostra
e experimentado. Usar as mídias de forma como cada nova obra é fundada na anterior, ao
geolocalizada se tornou um procedimento bas- mesmo tempo em que oferece novos ‘pontos de
tante comum entre documentários interativos acesso’ ao universo narrativo criado. Para o
em websites ou aplicativos. Esse também é o público, o contato com uma parte leva poten-
caso do aplicativo do projeto Som dos Sinos cialmente à descoberta de outras. A experiência
(2014)22, que disponibiliza conteúdos audio- transmídia, de fato, acontece através da uma
visuais georreferenciados sobre a tradição busca ativa do público por esses ‘pontos de
dos toques de sinos das igrejas históricas acesso’ ao sistema23.
do estado de Minas Gerais, no Brasil. Nele, Dessa forma, um i-Doc pode ser um ‘ponto
o interator pode navegar por esses conteúdos de acesso’ a um documentário transmídia mais
à distância, em qualquer lugar do planeta, amplo, que atravesse diferentes plataformas on
identificando no mapa a localização das ou off line: filme, website, livro, instalação
igrejas as quais se refere. Mas pode tam- ou aplicativo. O projeto Som dos Sinos, por
bém, ao circular pela região e pelas ruas exemplo, integra um webdoc, um longa-metragem
das próprias cidades, encontrar e navegar documental, um aplicativo para dispositi-
por conteúdos das igrejas que estão perto vos móveis, um mapeamento sonoro e projeções
de si fisicamente. O aplicativo faz parte, itinerantes. Elementos estéticos singulares
na verdade, de um projeto maior que inclui atravessam as diferentes plataformas, tais
um webdocumentário que explora o universo como o design gráfico e o estilo de montagem
das torres dos sinos e se desdobra ainda em audiovisual. As projeções itinerantes levam
outras plataformas. Assim, Som dos Sinos é conteúdos audiovisuais para as paredes externas
um documentário interativo que se apresenta das igrejas em pequenas localidades no interior
também como um documentário transmídia. do estado de Minas Gerais. Já para Mostra BUG,
especificamente, Marina Thomé e Márcia Mansur
realizaram uma vídeo instalação no centro
DOCUMENTÁRIO TRANSMÍDIA cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Dessa
forma, o Som dos Sinos disponibiliza um universo
A lógica transmídia pressupõe um conjunto narrativo sobre a temática dos toques de sinos
de conteúdos que atravessa múltiplas plata- em igrejas históricas através de múltiplas
formas com conexões narrativas e estéticas,
23  Essa lógica transmídia foi amplamente debatida e aplicada à
análise de narrativas digitais interativas, como webdocumentários,
no livro Direção de arte e transmidialidade (2018), organizado por
22  www.somdossinos.com.br. Ver página 135. Amaury Fernandes e Katia Augusta Maciel.

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 49
plataformas para diversos públicos e espaços denuncia uma política não reconhecida oficial-
físicos. Pela natureza intrinsecamente fluida mente de esterilização em massa de forma não
e subjetiva do encontro entre o público consentida de mais de 300 mil mulheres e 20 mil
e cada uma das obras, o nível de imersão homens das classes mais pobres do Peru nos anos
bem como de engajamento é sempre variado e 1990, durante o governo de Alberto Fujimori. A
distinto. A experiência do público depende grande inovação do projeto partiu da forma como
de como cada um transita pelos diferentes conseguiu levantar os testemunhos das vítimas,
pontos de acesso e pelo universo narrativo em grande maioria mulheres e indígenas, e desen-
do documentário transmídia como um todo. cadear ações integradas em busca de justiça.
O projeto oferece uma linha telefônica para a
qual as vítimas podem ligar de forma gratuita
UMA PERSPECTIVA PARA ALÉM DA INTERFACE e fazer seus testemunhos de maneira anônima.
Esse recurso foi fundamental, pois a maioria das
Uma vez que entendemos os conceitos de ‘nar- mulheres falava idiomas quechua e, inserida em
rativa interativa’, ‘documentário interativo’ uma tradição oral e indígena, tinha dificuldade
e ‘documentário transmídia’, podemos, assim, de se expressar de forma escrita ou através de
nos localizar melhor nesse campo. Surge vídeos, ainda mais por se tratar de um tema tão
então a pergunta: o que essas obras trazem delicado. A partir daí, o projeto se baseia na
de significante para o conjunto de possibi- integração das tecnologias – linha telefônica
lidades narrativas em um contexto mais amplo, e a interface digital. A interface foi conce-
humano? Pra reconhecer esse potencial, vamos bida em função dos propósitos do projeto e da
adotar a perspectiva da estética relacional solução criativa de engajamento das vítimas na
conforme vem sendo desenvolvida por André produção de conteúdo em registros sonoros. Ela
Paz nos últimos anos (Paz e Salles, 2013 e disponibiliza os registros sonoros na página
2015; Paz, 2017), a partir da redescrição web de uma forma que diferentes interatores
criativa das propostas de Nicolas Bourriaud possam também contribuir com novos registros
(2009) e Vilém Flusser, articuladas com as em áudio. Assim, o documentário interativo se
contribuições do campo de pesquisa da tra- conforma como uma obra colaborativa formada por
dição dos documentários lineares. Por essa contribuições de diferentes grupos.
perspectiva, as obras assumem uma conotação Pela interface de sua plataforma online,
processual em função de noções relacionais. o interator pode escutar relatos de vítimas,
Além da interface, elas são vistas como ‘dis- testemunhas, especialistas. Pode enviar seus
positivos’, sendo reconhecidas como processos próprios relatos ou enviar suas mensagens e apoio
mais amplos de práticas interativas e de às vítimas. Pode fazer doações ao projeto ou
agenciamento entre equipe, participantes e colaborar com seu desenvolvimento, pressionando
interatores, ao longo dos processos criativo a Justiça peruana para que os responsáveis sejam
e de realização. Vejamos um exemplo. punidos. Portanto, o interator tem uma série
De Maria Court e Rosemarie Lerner, The de possibilidades práticas de engajamento na
Quipu Project é um projeto de documentário narrativa e no propósito que ela materializa.
interativo, colaborativo e transmídia, que Mais do que uma obra terminada, o documentário
interativo The Quipu Project é um processo luta por justiça e a necessidade do engajamento
de práticas colaborativas de agenciamento de diferentes pessoas nesse sentido.
de vítimas e interatores em uma plataforma A interface promove uma espécie de agen-
híbrida de conteúdos polifônicos, em mídias ciamento lúdico das pessoas, ao abrir uma série
diversas, canalizadas por um propósito. de possibilidades de interação e engajamento
Dessa forma, o projeto não apenas narra as que dissolvem as fronteiras entre produção,
histórias das vítimas, ele enreda as pessoas distribuição e recepção. Não se trata aqui de
na tentativa de resultar em impacto social uma narrativa fechada e pré-determinada pela
concreto. Não é apenas uma narrativa que equipe de realização, mas de experimentações
conta uma história, mas um engajamento para possíveis. Narração e interação se mesclam em
a construção de uma nova história. um processo aberto e indefinido. Nesse sen-
A apresentação do The Quipu Project tido, conceber um documentário interativo é
ilustra bem o conceito de ‘dispositivo’. uma aposta nas dinâmicas próprias que ele pode
Quando olhamos os documentários interativos desencadear. Não é por outra razão que Gaudenzi
como um ‘dispositivo’, vemos além da inter- (2013a e 2013b) considera os documentários
face. Um ‘dispositivo’ aqui não se refere ao interativos como uma entidade relacional aberta
sentido no senso comum de um aparato eletrô- com dinâmicas próprias e propõe usarmos o termo
nico, como um celular ou tablet. Trata-se living documentary. “They put the emphasis
de um cruzamento de práticas e elementos on becoming, rather than explaining. (…) The
técnicos, discursivos, organizacionais, message is not in the form, it is in the inte-
estéticos, que promove efeitos e afetos em raction” (Gaudenzi, 2013b: 26). Nesse sentido,
algum sentido24. Visto assim, a interface é como aponta Paz (2017), a poética do documen-
um núcleo de cruzamentos de práticas e formas tário interativo reside em grande medida na
de interação, agenciamento, relações. Mais fertilidade do ‘dispositivo’, ou seja, em sua
do que uma obra enquanto produto, trata-se potência para desencadear dinâmicas próprias e
de um processo para o qual não há um modelo autônomas com efeitos e afetos imprevisíveis.
pré-concebido. Como já foi dito, não há No caso de Quipu, o impacto do projeto
um formato ou processo produtivo consoli- também veio em função da potência do ‘disposi-
dado de narrativas interativas. Conceber um tivo’ criado e de uma estratégia de comunicação
documentário interativo inovador é, antes e ações transmídia. O projeto contou com uma
da produção do conteúdo, desenvolver um ampla divulgação pelas mídias sociais e uma
‘dispositivo’ próprio, ou seja, um cruza- campanha extensa e delicada para conscien-
mento específico de práticas e processos tização, articulação de uma rede nacional e
que passam pela interface. No caso de The levantamento dos testemunhos através do trabalho
Quipu Project, a interface foi definida em de ativistas em inúmeras localidades. Assim,
função de seu viés ativista, movida pela como Zambrano e Gifreu-Castells colocam, em
Aproximación al potencial colaborativo de la
24  Entendemos o conceito de dispositivo em um sentido amplo narrativa documental interactive en los procesos
a partir da apropriação e redescrição do conceito original de
Foucault, que representa um conjunto específico de campos de
de cambio social (2016), o projeto funcionou
força e elementos heterogêneos, técnicos, arquitetônicos, dis- como uma caixa de ressonância das demandas das
cursivos, afetivos, filosóficos, morais.

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 51
comunidades locais e suas vítimas para o relações. O próximo item aponta exemplos nesse
mundo. As denúncias iniciais desencadearam sentido de projetos que estruturam de forma
todo um processo social que resultou em inves- coerente propósitos, condições de produção e
tigações e ações na justiça peruana. Esses práticas de agenciamento.
impactos estão em sintonia com a perspectiva
da estética relacional. Os documentários
interativos são experimentações criativas, A COERÊNCIA DOS PROJETOS
‘dispositivos’ de interação que ensejam a
possibilidade de novas relações no mundo. Considerando então os documentários interati-
“Não se trata mais, entretanto, de projetos vos além de suas interfaces, quais práticas
utópicos e da reconstrução totalizante das têm sido usadas e como elas se relacionam com
formas de relação da sociedade, mas de ofere- os propósitos e modos de produção do projeto
cer pequenas possibilidades de modificações como um todo coerente? Voltemos ao exemplo de
concretas e circunscritas. A possibilidade Highrise. O projeto apresenta de forma clara
de uma arte relacional consiste em tomar em seu website que seu propósito é desencadear
como horizonte teórico a esfera das rela- e participar de processos de inovação social,
ções humanas e seu contexto social e não a além do registro e documentação: “Collectively,
afirmação de um espaço simbólico autônomo” the projects — and the ones to come — have
(Paz, 2017: p. 90). both shaped and realized the Highrise vision:
Nesse contexto, a autoria se desdobra to see how the documentary process can drive
em diferentes dimensões. O processo criativo and participate in social innovation rather
começa na concepção do ‘dispositivo’ dentro than just to document it; and to help re-in-
do projeto como um todo, como no caso de The vent what it means to be an urban species in
Quipu Project. Estamos falando da autoria the 21st century”. Por um lado, Highrise se
das formas de interação em um sentido amplo. dedicou a explorar formas e procedimentos que
A autoria aqui remete para a coerência entre contribuíram de forma incontestável para o
o propósito do projeto e sua temática, pla- desenvolvimento das linguagens e do campo das
taforma, formas de interação, práticas e narrativas interativas digitais. Por outro, o
formas de engajamento e, enfim, interface. projeto coloca em questão a vida em arranha-céus
Essa dimensão do projeto vai influenciar através do agenciamento criativo em direção a
ou determinar em grande medida a narrativa mudanças concretas. Pela perspectiva relacio-
e a produção e recepção do conteúdo. Outra nal, enreda participantes e interatores de uma
dimensão da autoria diz respeito a produção forma inovadora que visa pequenas modificações
do conteúdo em si. Por um lado, essa autoria – inovações sociais.
pode seguir práticas de co-criação ou mídia Highrise ilustra essa dupla natureza de
participativa. Por outro, pode seguir pelas propósitos dos documentários interativos. Por
possibilidades de envio de conteúdo através um lado, os projetos inovadores se propõem a
da plataforma. O desafio é não apenas ser um explorar novas fronteiras da linguagem, alme-
processo criativo de um ‘dispositivo’, mas jando contribuições formais para o campo, que
um ‘dispositivo criativo’, que enseje novas são de extrema importância. Inúmeros projetos
se dedicaram e realizaram seus propósitos padronize a realização das obras. Há possi-
nesse sentido ao se debruçar sobre dife- bilidades de projetos de diferentes escalas,
rentes temas, como os já citados Hollow, Do complexidades e estruturas produtivas. Dessa
not Track, Alma, The Quipu Project, Network forma, Highrise se propõe o desafio da inovação
Effect. Por outro lado, como defende Paz social através de um projeto multiplataforma de
(2017), parece uma espécie de propensão grandes dimensões e ousado em termos estéticos,
natural dos documentários interativos tra- porque o National Film Board é uma instituição
zerem também propósitos para os projetos com amplos recursos que tem uma longa tradição
exteriores às investigações estéticas ou de de incentivo a documentários inovadores em
linguagens. Em What is interactivity for? termos de proposta e linguagem. Realizado por
The social dimension of web-documentary uma pequena produtora, o já comentado Som dos
participation, Kate Nash (2014) defende Sinos utiliza também diversas plataformas com
que a continuidade entre a tradição de uma inovação social para registro e divulgação
documentários e a nova produção de docu- de um patrimônio imaterial, mas com recursos
mentários interativos acontece justamente financeiros e humanos muito mais reduzidos. The
pelo exercício de certas funções sociais Shirt on Your Back (2014)25, realizado pelo The
- mais do que pelas convenções do gênero Guardian representa todo um conjunto de obras
ou práticas de produção. Entre elas, Nash com viés jornalístico, produzido por grandes
aponta: i. Registrar, revelar ou preservar: empresas do setor. Já As quatro Estações de
os documentários interativos podem ser Iracema e Dirceu (2015)26 é um documentário
bancos de dados ou coleções que podem ser interativo que conta a rotina de uma família
acessadas e organizadas de diversas formas, em situação de miséria no sul do Brasil com
o que potencializa a convergência entre recursos financeiros bem mais modestos, rea-
documentário e documento, como o caso já lizado pelo Diário Catarinense.
comentado de Som dos Sinos; ii. Engajamento Com orçamentos bem mais restritos, em espe-
cívico: os documentários interativos podem cial na América Latina, as universidades também
promover a construção de comunidades de têm uma produção própria, com propósitos e modos
interesses comuns e incentivar o debate e de produção específicos. É o caso de Mujeres
ações, como Highrise; iii. Persuasão: os en Venta (2015)27, por exemplo, que registra
documentários interativos podem exercer e denuncia o crime de tráfico de mulheres na
papel de convencimento no discurso e opinião Argentina, realizado pela Universidade Nacional
pública sobre determinadas questões, como de Rosário. O trabalho usa relatos de vítimas,
em The Quipu Project. depoimento de especialistas e dados levantados
Assim, em grande medida, os projetos por investigação jornalística. Já O que a baía
de documentários interativos e transmídia tem (2018)28, realizado pela Universidade Federal
assumem diferentes propósitos e funções do Rio de Janeiro (UFRJ), se apresenta como uma
sociais, de acordo com os recursos que con-
segue mobilizar e seus modos de produção. 25  www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh
-shirt-on-your-back. Ver página 112.
Como não têm um formato pré-estabelecido 26  www.clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu.

no campo, não há um modo de produção que 27  www.documedia.com.ar/mujeres. Ver página 110.
28  www.baia.net.br

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 53
aplicação prática da pesquisa de Katia Augusta foi desenvolvida com moradores do subúrbio de
Maciel sobre como expressar e experimentar a Toronto ao longo de dois anos. A equipe traba-
diversidade ecológica da Baía de Guanabara lhou em oficinas com urbanistas, arquitetos,
através de uma criação audiovisual intera- designers, programadores e os moradores, que
tiva, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. foram convidados a imaginar como gostariam que
O I-Doc inclui filmagens em flat screen e fosse o entorno e áreas comuns dos edifícios.
em 360o buscando diferentes níveis e modos Esse processo resultou na interface de One
de engajamento. A ideia, como afirma Katia Millionth Tower, o primeiro documentário 3D de
Augusta Maciel no artigo “Documentário inte- código aberto, no qual o interator pode navegar
rativo: a Baía de Guanabara prêt-à-porter” por esses projetos imaginados. Antes da plata-
(2018), é que a obra possa ser utilizada por forma e de sua interface, porém, o ‘dispositivo’
professores para agenciar e também potencia- integrou um conjunto de ações de restauração
lizar o ensino e aprendizagem para além dos do patrimônio, reforma de zonas deterioradas e
muros da escola. Também realizado na mesma até cursos de formação digital e alfabetização
universidade, por André Paz, Ilha Grande: de jovens. Tanto em Ilha Grande, como em One
cada praia uma ilha, cada ilha, uma história Millionth Tower, a concepção da plataforma como
é um documentário interativo que traz his- a produção do conteúdo seguiram princípios da
tórias vividas por personagens nas diversas co-criação. A diretora Katerina Cizec se tornou
comunidades pesqueiras das praias ao redor da talvez o nome mais reconhecido no campo que
Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. A defende os processos de co-criação, sendo uma
narrativa interativa é baseada em uma série das responsáveis pelo Co Creation Studio do
de vídeos que foi publicada também de forma MIT Open Doc Lab. Os projetos de co-criação
sequencial nas mídias sociais. A interface incorporam representantes dos grupos que são
é bastante simples. Como descreve André Paz o assunto do projeto como participantes com
(2017), o documentário interativo foi conce- voz ativa no processo criativo. Contam assim
bido a partir do diálogo com as comunidades com o diálogo aberto e a colaboração entre os
locais durante uma série de ações realizadas participantes e pesquisadores, especialistas
em um projeto maior chamado Voz Nativa, que em tecnologia e outros profissionais, no desen-
visava apoiar o turismo de base-comunitária volvimento do projeto e no processo produtivo.
na Ilha Grande e o protagonismo dos jovens No livro I-docs: The Envolving Practices of
locais nesse processo. Interactive Documentary (2017), Mandy Rose
A simplicidade da interface de Ilha coordena a edição de toda uma sessão dedicada
Grande contrasta com a complexidade de One ao tema co-criação.
Millionth Tower (2015) , de Highrise. No
29
Há diversas formas de se incorporar a voz
entanto, os princípios por trás do processo de dos participantes que representam o assunto do
criação e da relação com os assuntos e parti- projeto. Em Ilha Grande e One Millionth Tower,
cipantes dos projetos são, em grande medida, a concepção do dispositivo e da interface já
similares. A concepção de One Millionth Tower é resultado desse diálogo. Outros projetos
incorporam os participantes como produtores
de conteúdo, de mídias, que são então chamadas
29  http://Highrise.nfb.ca/onemillionthtower/
de mídias participativas. Quando o conteúdo ATRAVÉS DA INTERFACE
participativo tem um volume determinante na
constituição do conteúdo da narrativa, os
documentários interativos são chamados de Os documentários interativos exercem dife-
colaborativos. Esse é o caso do reconhecido rentes práticas de agenciamento através da
internacionalmente 18 Days in Egypt (2011)30, interface, que disponibiliza ao interator o
de Jigar Mehta e Yasmin Elayat. O conteúdo acesso e navegação pela sua estrutura narra-
da obra é o conjunto de mídias enviado por tiva - a forma como está organizado o conjunto
pessoas que viveram os 18 dias de turbu- de mídias do sistema. Essa estrutura é com-
lência política e social no Egito. Como posta por uma combinação finita de segmentos
coloca Paz (2017), esses projetos requerem narrativos e assume um aspecto rizomático com
a mobilização dos participantes como um diferentes formatos. Em trabalhos publicados
componente fundamental. Para viabilizar a em 2001, 2011 e 2015, Marie-Laure Ryan, por
criação do conteúdo, o processo produtivo exemplo, descreve possíveis arquiteturas
precisa criar uma comunidade de partici- de narrativas interativas, de onde resulta
pantes ou agenciar participantes de uma o potencial narrativo da obra. Um exemplo
comunidade pré-existente. Outros projetos básico é o circuito em rede (ver Figura 1),
buscam agenciar os interatores através da no qual interatores podem saltar entre uni-
interface como produtores de conteúdo ou dades narrativas (também chamadas de nós).
outras formas de participação. Zambrano e Nesse tipo de estrutura não há um significado
Gifreu-Castells (2016), por exemplo, focam narrativo totalizante, como explica Tatiana
suas análises nas práticas participativas e Levin em sua tese de doutorado Narrativa e
colaborativas em documentários interativos. Interatividade no Webdocumentário (2016).
Eles apontam alguns casos conhecidos de docu- Outro exemplo detalhado por Levin (2016) é
mentários interativos e colaborativos nesse a ‘anêmona-do-mar’, estrutura na qual cada
sentido, como Mapping Main Street (2010) 31
unidade narrativa é conectada a um núcleo
e Question Bridge: Black Males (2011)32 . O central (Figura 2). A partir de cada núcleo
caso já comentado de The Quipu Project busca se organizam segmentos narrativos menores
tanto o engajamento dos participantes como ou micro histórias. Aqui, a partir de um
dos interatores. O item a seguir discorre núcleo central inicial, o interator pode
sobre a potência da interface em função dos seguir por uma trilha e descobrir várias
modos de interatividade. micro histórias correlacionadas, ou voltar
e seguir por outra trilha.

30  http://www.18daysinegypt.com/
31  www.mappingmainstreet.org
32  http://questionbridge.com/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 55
hiperlinks, sem interferir no conteúdo da obra.
O modo hipertextual está presente em maior
ou menor grau em todos os I-docs, dando ao
interator um caráter de explorador. Ele segue
a lógica do “clique e vá” ou “clique e veja”.
Dessa forma, I-docs hipertextuais podem, por
Fig.133 e Fig.234 exemplo, disponibilizar vários caminhos e uma
gama de perspectivas em torno de um tema ou
No trabalho já citado, Arnau Gifreu-Castells assunto. É o caso do já apresentado Hollow, onde
(2010) apresenta todos os formatos de estru- os moradores de McDowell, nos Estados Unidos,
turas narrativas observadas por Ryan e, mais buscam desmistificar a visão estereotipada do
além, aprofunda a relação delas com os modos município. McDowell sofre com a falta de empre-
de navegação. O mergulho nessas questões gos, o tráfico de drogas e a violência, mas
está além do escopo deste artigo, mas esse não se entrega e resiste. Através de relatos
tema é fundamental para o desenvolvimento de várias famílias, diferentes perspectivas
de novos projetos. As obras oferecem modos são apresentadas. De forma hipertextual, o
de navegação e interatividade que se baseiam interator rola o mouse para cima e para baixo,
em distintas estruturas narrativas. Para para um lado e para o outro, desvelando opções
ilustrar os modos de interatividade, entre- de links para diversos vídeos e fotos sobre
tanto, vejamos alguns exemplos em função da as diferentes realidades naquela localidade.
perspectiva organizada por Sandra Gaudenzi No modo de interatividade conversacional,
em The Living Documentary: from representing há uma espécie de diálogo entre o interator e o
reality to co-creating reality in digital i-Doc. O sistema responde de forma específica
interactive documentary (2013). A autora aos gestos do interator, havendo uma constante
apresenta quatro modos de interatividade: troca na obra. O interator não apenas transita
hipertextual, conversacional, participativo por um conteúdo fixo previamente determinado
e experiencial. Esses modos não são exclu- como no modo hipertextual. Suas ações também
sivos. Ou seja, o mesmo i-Doc pode utilizar influenciam no conteúdo e na história enquanto
mais de um, ainda que um deles predomine ao ela se desenrola. As tecnologias digitais são
ponto de marcar a interatividade da obra. empregadas aqui para dar ao interator a impres-
O modo de interação hipertextual é o são de navegar num mundo simulado, como em um
mais empregado. Nele, o interator apenas jogo. Universe Within, do projeto Highrise,
navega entre diferentes conteúdos previamente encarna essa conversa tanto no sentido metafó-
arranjados pelo autor e disponibilizados rico aqui empregado, como no sentido literal.
pela interface. O interator se move entre Três personagens se apresentam e se propõem
a guiar a experiência narrativa. Os avatares
33  Estrutura em rede. Fonte: Peeling the Onion: Layers of
representam algoritmos com os quais se pode
Interactivity in Digital Narrative Texts (2011). Marie-Laure
Ryan. Disponível em: http://www.marilaur.info/onion.htm dialogar, a partir de questões provocativas
34  Legenda: Estrutura da Anêmona do Mar. Fonte: Peeling the
Onion: Layers of Interactivity in Digital Narrative Texts
sobre a vida digital. A obra explora assim a
(2011). Marie-Laure Ryan. Disponível em: relação de pessoas que habitam arranha-céus em
http://www.marilaur.info/onion.htm
diversas cidades do mundo com a web, enquanto Facebook, artigos de blog ou até mesmo apenas
provoca o interator a refletir sobre como contar a um amigo ajudará muito”. Assim, o
ele próprio se relaciona com a rede. O já que configura esse modo de interatividade é a
comentado Do not Track se utiliza em geral participação do interator no conteúdo, a partir
do modo hipertextual para disponibilizar da disseminação da banda larga, como nos casos
conteúdo sobre como funciona a economia da já destacados de 18 Days in Egypt, Mapping Main
vigilância na web. Mas se utiliza também do Street e Question Bridge: Black Males (2011)35.
modo conversacional em diversos momentos O que se destaca nessas obras não é a escolha
chave, quando, por exemplo, solicita dados pelo interator da ordem de visualização dos
pessoais do interator para respondê-lo com conteúdos previamente disponibilizados (modo
um retrato do seu perfil. Essa é uma marca hipertextual), nem a conversa interator-sistema
do projeto: oferece uma experiência ao inte- (modo conversacional), mas a participação do
rator de como, de forma análoga, seus dados interator na criação, produção e difusão do
são utilizados por sites, redes sociais, conteúdo da obra.
plataformas de streaming. Portanto, utiliza No modo experiencial de interatividade,
o modo conversacional para conscientizar o as obras exploram um espaço híbrido entre o
interator de como a web é um espaço onde ambiente digital e o mundo concreto. Buscam
movimentos, falas e identidades são grava- expandir a vivência de um lugar ou de uma ins-
das, rastreadas e utilizadas. Dos telefones talação artística, por exemplo, correlacionando
celulares a redes sociais, tudo é vigiado a narrativa digital interativa a movimentos do
na busca por informações estratégicas para corpo no espaço, percepções da visão, audição,
a publicidade. tato. Como explicam Gaudenzi e Aston (2012),
Já no modo participativo, o interator é I-docs podem adicionar camadas à percepção da
inserido no processo criativo da obra, con- realidade, gerando uma experiência para os
vidado a enviar fotos, depoimentos, vídeos, interatores que é física e virtual ao mesmo
ou editar, remixar, traduzir, legendar. tempo. É comum as obras integrarem as mídias
Como já comentado sobre o projeto Quipu, geolocalizadas (locative media), através da
o interator pode enviar seus relatos ou utilização do GPS (Global Positioning System)
mensagens às vítimas para fazer parte da e dispositivos móveis. É o caso, por exemplo,
obra. Pode também se tornar voluntário e do aplicativo do já citado Som dos Sinos, onde
ajudar a transcrever e legendar testemunhos o interator pode acessar fisicamente nas peque-
enviados ao projeto. Mais além, como dito nas localidades do interior de Minas Gerais
anteriormente, o interator também pode fazer conteúdos diversos geolocalizados sobre os
doações, assinar uma petição pública, ou se toques de sinos das igrejas que visita. Também
engajar em diversas ações de divulgação do baseado em aplicativo, em Rider Spoke (2007)36,
projeto. Afinal, como coloca o website da do coletivo Blast Theory, da Inglaterra, o
obra: “O objetivo do nosso projeto é ajudar interator circula de bicicleta por pontos da
essas histórias a alcançar o maior número cidade onde explora um conjunto de relatos
de pessoas possível e, para isso, confia-
mos em pessoas como você! Tweets, posts no 35  http://questionbridge.com/
36  https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59 57
em áudio georreferenciados, deixados por interatores, ao longo dos processos criativo
outros interatores que passaram pelos mesmos e de realização. E destacamos a necessidade de
lugares. Já A Cartography of Iconic Memory coerência entre essas práticas, o formato, a
(2014)37, de Morgan Rhys Tams, conta com estrutura produtiva e o propósito do projeto.
códigos QR permanentemente instalados na Esperamos, assim, contribuir de alguma forma
pequena vila de pescadores de Skagströnd, para a fertilidade criativa desse campo ino-
na Islândia. Usando um smartphone para ler vador e estimulante.
os códigos, o interator pode ver pequenas
animações especificamente criadas para cada
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
local, buscando trazer vida nova a luga-
res praticamente esquecidos no interior da ASTON, J. (2017). Sandra Gaudenzi and Mandy Rose. I-docs:
The Envolving Practices of Interactive Documentary. London
Islândia rural. Para interagir com a obra, and New York: Columbia University Press.
o participante deve seguir um mapa de um
BOURRIAUD, N. (2009). Estética Relacional. São Paulo: Martins
local a outro, percorrendo ruas de cascalho, Fontes.
campos enormes e a costa rochosa. A outra
GAUDENZI, Sandra. (2013a). The Living Documentary: from
alternativa é conhecer o projeto através do representing reality to co-creating reality in digital
interactive documentary. Thesis. London: University of London.
webdocumentário que tenta recriar a experi-
ência da instalação artística para aqueles GAUDENZI, Sandra. (2013b). The Interactive Documentary as
a Living Documentary. Revista Doc On Line 14 , p. 9-31.
que não podem estar fisicamente na Islândia. Accessed 30 August 2017. http://www.doc.ubi.pt/
Os I-docs utilizam um ou mais modos de
GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2010).The Interactive Multimedia
interatividade de diferentes formas. Como Documentary: a proposed analysis model. Thesis. Pompeu
Fabra University.
foi dito no início deste artigo, não há
um formato hegemônico, mas um conjunto de JENKINS, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New
Media Collide. New York: NYU Press.
obras híbridas que compartilham uma série de
características comuns de maneira criativa LEVIN, T. (2016). Narrativa e Interatividade no Webdocumentário
[Tese]. Universidade Federal da Bahia.
e inovadora. Nesse ambiente, cada projeto
precisa encontrar a maneira mais eficiente de MACIEL, K.A e Fernandes, A. (2018). Direção de arte e
transmidialidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
explorar as atribuições e especificidades do
meio digital, bem como das diversas lingua- MACIEL, K.A. (2018). Documentário interativo: a Baía de
Guanabara Prêt-à-Porter. Revista de Geografia. v.35, n.1.:
gens, mídias e tecnologias que o atravessam. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistageografia/index
Nosso intuito não foi, portanto, apontar
MURRAY, J. (2012). Inventing the medium: principles of
caminhos a serem seguidos, mas referências interaction design as a cultural practice. Londres: The
MIT Press.
que possam inspirar novos projetos de nar-
rativas interativas digitais ou de pesquisa NASH, K. (2014). What is interactivity for? The social
dimension of web-documentary participation. Continuum:
nesse campo. Para isso, assumimos uma pers- Journal of Media & Cultural Studies, p. 37-41.
pectiva que reconhece as obras como processos
PAQUIN, Louis-Claude. (2006). Comprendre les médias inte-
mais amplos de práticas interativas e de ractifs, Québec: Isabelle Quentin Éditeur.
agenciamento entre equipe, participantes e
Paz, André and Júlia Salles. (2013). Dispositivo, Acaso e
Criatividade: Por uma estética relacional do webdocumentário.
Revista Doc On Line 14, p. 33-69. http://www.doc.ubi.pt/.
37  http://www.morgantams.com/cartography/
PAZ, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra a sua
Cara: aproximações ao cenário brasileiro de documentários
interativos. Revista Doc On Line 18, p. 130-165. http://
www.doc.ubi.pt/.

PAZ, André. (2017). Documentário interativo e estratégia


de impacto social. Revista Doc On Line. Num. Esp.: 81-108.
http://www.doc.ubi.pt/.

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Baltimore: Johns Hopkins University Press, series
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Participation in Digital Narrative Texts. New Narratives:
Stories and Storytelling in the Digital Age. P. 35-62.
Eds. Ruth Page and Bronwen Thomas. Lincoln: University
of Nebraska.

RYAN, M.L. (2015). Narrative as Virtual Reality 2:


Revisiting Immersion and Interactivity in Literature and
Electronic Media. Baltimore: Johns Hopkins University
Press, series Parallax.

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los medios cuentan. Barcelona: Grupo Planeta.

ZAMBRANO, V. & Gifreu-Castell, A. (2016). Aproximación


al potencial colaborativo de la narrativa documental
interactive en los procesos de cambio social. Cultura,
Lenguage y Representación. XV 53-169.
NARRATIVAS INTERATIVAS

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E
TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS,
EUROPA E AUSTRÁLIA

ARNAU GIFREU-CASTELLS1

1 Arnau Gifreu-Castells é pro-


fessor, pesquisador e diretor no
campo do audiovisual multimídia.
Foi pesquisador associado do
Comparative Media Studies / Open
Documentary Lab (MIT, 2013-2018)
e participa do i-Docs (University
of the West of England). Leciona
na Universidade ERAM em Girona
e coordena atividades interati-
vas no Festival Internacional
DocsBarcelona. Publicou vários
livros e artigos sobre documentá-
rios interativos.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 60
1. INTRODUÇÃO (Inglaterra), interDocsBarcelona (Barcelona),
entre outros, promovem e exibem ano após ano
obras deste tipo, assim como congressos especia-
O documentário interativo e transmídia tem lizados no documentário interativo como i-Docs
como base formas de expressão narrativas (Inglaterra), ou em não-ficção como Visible
que nascem do encontro dos novos caminhos Evidence. Cada vez mais empresas e produtoras
possibilitados pelo gênero documental a decidem entrar neste tipo de produção, embora
partir da tecnologia. O objetivo e propósito o grosso da produção continue sendo liderado
deste trabalho é oferecer uma aproximação por emissoras como ARTE (França), National
do todo e uma análise (não exaustiva) sobre Film Board do Canadá ou Special Broadcasting
o estado de desenvolvimento dos países que Service (Austrália). Também o meio informativo
têm um trabalho e produção notáveis neste e jornalístico tem entrado com força, com The
campo na atualidade (2018). Para isso, vamos New York Times e The Guardian na liderança. As
focar nos três continentes que, atualmente, produtoras mais prolíficas continuam se con-
concentram uma boa parte do desenvolvimento centrando na França e no Canadá, onde existem
e produção nesta matéria específica: as mais meios e recursos para produzir, como no
Américas, a Europa e a Austrália. caso de Upian ou Honkytonk Films (França),
Em 2013, apresentamos uma tese de douto- Submarine Channel (Holanda), Helios Design Labs,
rado sobre o estudo e análise do documentário Felix & Paul Studios ou Akufen (Canadá), apenas
interativo. Aproveitando a pesquisa efetuada para citar alguns exemplos. Também o número de
durante o período 2007-2013, também publicamos pesquisadores que abrangem o documentário inte-
um artigo na revista científica Obra Digital, rativo e transmídia em seus trabalhos aumenta
denominado “El documental interactivo: estado dia após dia, destacando-se neste campo vários
de desarrollo actual” [O documentário inte- nomes femininos como Sandra Gaudenzi, Kate
rativo: estado do desenvolvimento atual] Nash, Mandy Rose, Judith Aston ou Julia Scott-
(Gifreu-Castells, 2013). Nessa primeira abor- Stevenson. O software como fórmula específica
dagem, dividimos o estado de desenvolvimento que parece consolidar-se neste tipo de produ-
em quatro partes: ‘Eventos e congressos’ ções é o desenvolvimento web nativo através da
(1); ‘Empresas, produtoras especializadas, linguagem HTML 5 (com CSS, Javascript e Bases
praticantes e atores’ (2); ‘Pesquisadores’ de dados principalmente como complemento), os
(3) e ‘Software específico’ (4). gestores de conteúdos dinâmicos como Wordpress
Desde o momento que apresentamos a pri- ou Joomla, e especialmente alguns editores
meira pesquisa e seus relativos relatórios multimídia como Klynt ou Korsakow.
(tese doutoral e artigos), há seis anos, o Desse modo, as tendências que anunciá-
campo do documentário interativo e transmídia vamos nesse artigo sobre o estado de desen-
vem evoluindo e se consolidando continua- volvimento no ano 2013 apontam na direção da
mente, até chegar num ponto de normalização permanência, consolidação e expansão desse
dentro do gênero documentário. Eventos e fes- âmbito. Como observamos em trabalhos ante-
tivais como IDFA Doclab (Holanda), Hot Docs riores (Gifreu-Castells, 2017), parece que a
Film Festival (Canadá), Sheffield Doc/Fest forma do documentário interativo e transmídia

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS · 60-71 61
nos países anglo-saxões e francófonos está meios digitais e o documentário, assim como
mudando e se transformando num documentário produtoras especializadas no campo do documen-
do tipo imersivo, dentro do conceito que tário interativo e transmídia. No entanto, a
podemos denominar de ‘Realidade Aumentada’ principal rádio difusora do país, a National
(Milgram y Kishino, 1994). Ao mesmo tempo, Film Board of Canada (NFB), criada em 1939 pelo
estas novas vias adotadas pelo documentário, governo canadense, é a que mais se destaca.
tendo a tecnologia como mediadora, parecem A tradição e apreciação do Canadá pelo
encontrar-se num momento culminante nos cinema de não ficção, e especialmente, a nar-
países de língua latina, especialmente na rativa documental, não é recente: em meados
Ibero-América, em países como Argentina, do século XX se destacou como berço do Cinema
Colômbia, Chile ou México. Antes de iniciar Direto, uma corrente documental cujo principal
a análise dos principais países envolvidos no objetivo era filmar diretamente a realidade
desenvolvimento, produção e pesquisa dessas e representá-la de forma sincera. Este tipo
novas narrativas de não-ficção, é preciso de cinema, que nasceu entre 1958 e 1962, mais
observar que este trabalho não pretende fazer especificamente na província canadense de
uma análise exaustiva de tudo o que acontece Quebec e nos Estados Unidos, teve Jean Rouch
neste âmbito, mas uma primeira investigação como seu principal expoente. Outra inovação
sobre quais acreditamos ser suas pontas mais importante se deu através da temática social
relevantes em 2018. Dessa maneira, formulamos e de intervenção cidadã, sendo o projeto mais
para esta edição do livro BUG uma evolução representativo Challenge for Change (NFB,
do trabalho apresentado em 2013. 1967-1980), que ajudou a dar voz a comunida-
des desfavorecidas do Canadá empoderando-as
com câmaras e outros dispositivos de filma-
2. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO gem. Esse projeto seminal de cinema tradi-
NAS AMÉRICAS 2
cional resultou, no início do século XXI, em
Filmmaker in Residence (Katerina Cizek, NFB,
2.1 CANADÁ 2006)3, e, posteriormente, no símbolo chave
do documentário transmídia atual do National
Na nossa primeira parada vamos explorar Film Board, Highrise (Katerina Cizek, NFB,
o continente americano, especialmente a 2009-2015)4. Com o passar do tempo, o NFB vem
América do Norte. No Canadá, a cada ano são se especializando em quatro áreas que conver-
destinados milhões de dólares para a pro- gem e se complementam no campo da narrativa
dução interativa e transmídia de conteúdos transmídia de não ficção: o documentário, a
de ficção e não ficção. O governo oferece animação, a educação e a interação5. A pro-
financiamento público por meio do Canadian dução interativa e transmídia do NFB é ampla
Media Fund e outros editais, existem várias
3  O NFB ensaiando Highrise (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI
instituições dedicadas à convergência dos
– RTVE.ES) http://blog.rtve.es/webdocs/2016/01/9-filmmaker-in-
residence-nfb-ensayando-highrise.html
4  www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106.
2  Para ver as ilustrações desta seção com prints selecionados
5  As sete maravilhas do NFB (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI
pelo autor, acesse:
– RTVE.ES)
http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/America_P.jpg
http://blog.rtve.es/webdocs/2016/04/2-las-siete-maravillas-del-nfb-parte-1.html
e diversificada, e pode ser consultada de projetos com financiamentos generosos.
na seção Interactive 6
em seu portal web. Em relação à pesquisa e desenvolvimento de
Do NFB destacamos os projetos Highrise , projetos educativos, destaca-se, entre os
Waterlife (Kevin McMahon, 2009)7, Welcome centros e grupos de pesquisa americanos, o
to Pine Point (Paul Shoebridge e Michael MIT Open Documentary Lab.
Simons, 2011)8, Bear 71 (Jeremy Mendes e Em relação à produção, destacamos dois nomes
Leanne Allison, 2012) , A Journal of Insomnia
9
na vertente criativa: Sharon Daniel14 e Jonathan
(Thibaut Duverneix, Bruno Choinière, Harris15. Sharon Daniel é uma artista que pro-
Guillaume Braun e Philippe Lambert, 2013)10, duz documentários interativos e participativos
In Limbo (Antoine Viviani, 2015) , Way to go 11
focados em temas de justiça social, econômica,
(Vincent Morisset, Philippe Lambert, Édouard ambiental e penal, construindo arquivos online
Lanctôt-Benoit e Caroline Robert, 2015)12 e e interfaces que aproximam as histórias de comu-
The Enemy (Karim Ben Khelifa, 2017) . 13
nidades marginalizadas para além dos limites
sociais, culturais e econômicos. Destacamos as
obras Public Secrets (2008)16, Blood Sugar (Sharon
2.2. ESTADOS UNIDOS Daniel e Erik Loyer; Vectors Journal, 2010)17,
Inside the Distance (LINC-KU Leuven, STUK Arts
Embora os Estados Unidos não sejam um país Centre, Courtisane, University of California em
que ofereça financiamento público volumoso Santa Cruz, Fórum Europeu de Justiça Restaurativa,
para produzir este tipo de documentários, Suggonomè - Serviço de Mediação Flamenca, OPAK,
ao longo do tempo vêm proliferando vários 2013)18 e Undoing Time PLEDGE/S.O.S (2013)19.
festivais e iniciativas privadas que mere- Jonathan Harris é um criador único, já que devido
cem destaque. É o caso de festivais como a uma formação combinada entre fotografia e com-
Tribeca, Sundance ou South by Southwest, putação, trabalha como um artista renascentista,
entre outros, em que o documentário intera- tendo desenvolvido uma habilidade extraordiná-
tivo e transmídia faz parte da programação ria e domínio de vários códigos e linguagens.
há muito tempo. Diversos festivais também Destacamos seus projetos We feel Fine (Jonathan
introduziram a categoria do documentário Harris e Sep Kamvar, 2006)20, Cowbird (2011)21, I
interativo e transmídia dentro de suas love your work (2013)22 e Network Effect (Jonathan
respectivas competições. Mas talvez o Harris e Greg Hochmuth, 2015)23.
mais interessante nestes festivais seja
14  http://www.sharondaniel.net/.
o instituto de promoção e financiamento:
La travesía de Sharon Daniel: De Public Secrets a Inside the dis-
especialmente o de Tribeca e Sundance. A tance. Parte 1-3 (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES).
http://blog.rtve.es/webdocs/2014/08/3.html
Fundação Ford também promove este tipo 15  http://number27.org/. Jonathan Harris, el hombre orquestra (Blog
Webdocs. Historias del siglo XXI– RTVE.ES). http://blog.rtve.es/
webdocs/2016/02/4-jonathan-harris-el-hombre-orquestra.html
6  https://www.nfb.ca/interactive/ 16  http://www.sharondaniel.net/#publicsecrets
7  https://www.nfb.ca/film/waterlife/ 17  http://www.sharondaniel.net/bloodsugar/
8  https://www.nfb.ca/interactive/welcome_to_pine_point/ 18  http://www.sharondaniel.net/inside-the-distance/
9  https://bear71vr.nfb.ca/ 19  http://www.sharondaniel.net/undoing-time/
10  https://www.nfb.ca/interactive/a_journal_of_insomnia/ 20  http://wefeelfine.org/
11  https://www.nfb.ca/interactive/in_limbo/ 21  http://cowbird.com/
12  http://a-way-to-go.com/ 22  http://iloveyourwork.net/
13  http://theenemyishere.org/ 23  http://networkeffect.io/. Ver página 107.

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS · 60-71 63
2.3 ARGENTINA incompleta se não mencionássemos o departamento de
Comunicação Multimídia da Universidade Nacional
A Argentina é, sem dúvida, o país mais de Rosário que, através de seu diretor Fernando
fértil no âmbito estudado dentro da América Irigaray, lidera este projeto singular, e cuja
Latina. Os eventos e atividades na Argentina série de documentários transmídia sob a marca
em relação ao documentário interativo e DocuMedia Periodismo Social Multimedia, obteve
transmídia se concentram principalmente em importantes reconhecimentos durante os últimos
sua capital, Buenos Aires, e na cidade de anos. Destacamos Calles perdidas (Documedia-UNR,
Rosário. Os eventos dedicados ao tema como 2013)26 e Mujeres en venta (Documedia-UNR, 2015)27.
Doc Buenos Aires, Doclab, Foro de Periodismo Além disso, a Argentina é o único país da
Digital-Encuentro de Narrativas Transmedia América Latina que tem feito co-produções com
de Rosario, Mediamorfosis, Festival de Mar as duas emissoras públicas que mais apostam no
del Plata ou Ventana Sur incluem este tipo documentário interativo mundialmente: ARTE e
de narrativas em suas edições mais recentes. o National Film Board of Canada. Como exemplo
Em relação à experimentação e produção, citamos Primal (Bruno Stagnaro, Caroline Hayeur,
os especiais multimídia do jornal Clarín David Mongeau-Petitpas, Manuel Archain e Marc-
(1996-2009) foram os primeiros trabalhos Antoine Jacques, 2014)28, a primeira co-produção
pioneiros em não ficção no cone sul do con- da entidade canadense com o Canal Encuentro da
tinente americano. Trata-se de um conjunto Argentina, o canal de televisão do Ministério
de mais de 40 peças dirigidas por Gustavo de Educação da República Argentina.
Sierra e produzidas pela equipe multimí-
dia de Clarin.com, das quais destacamos El
viaje que el Ernesto se convirtió en el Che 2.4. COLÔMBIA
(2007). Em relação a criadores importantes,
o jornalista Alvaro Liuzzi é um dos pioneiros A Colômbia é outro dos países emergentes no cone
que vem trabalhando na convergência entre sul em relação à produção e promoção do documen-
documentário e jornalismo com um conceito tário interativo e transmídia. Este país conta
inovador: utilizar as plataformas de não com uma rede consolidada de eventos e mercados em
ficção com o objetivo de reviver em seu relação ao meio audiovisual e aos novos meios,
público fatos históricos chave na Argentina, entre eles: Bogotá Audiovisual Market, Festival
como o 30o aniversário da guerra entre Internacional de Cine de Cartagena de Indias,
Argentina e Grã Bretanha nas Malvinas, a Colombia 4.0, Festival de la Imagen, Muestra
identidade de Rodolfo Walsh em Clave Digital, Internacional de Documental de Bogotá, Festival
ou a comemoração dos 30 anos de democracia de Cine Creative Commons Bogotá, DocsBarcelona
no país. Destacamos seus projetos Proyecto Medellín, Ambulante Colombia, etc. Além disso,
Walsh (Alvaro Liuzzi, 2010)24 e Malvinas 30 existe um potente sistema de estímulos promovido
(Alvaro Liuzzi, 2012)25. pelo governo e Proimagenes, com financiamentos
Do mesmo modo, a análise estaria

26  http://www.documedia.com.ar/callesperdidas/
24  http://proyectowalsh.com.ar/ 27  http://www.documedia.com.ar/mujeres/. Ver página 110.
25  https://docubase.mit.edu/project/malvinas-30/ 28  http://primal.nfb.ca/es
e editais como Crea Digital (Ministério de 2.5. BRASIL
Tecnologias da Informação e Comunicação),
o Edital de documentário interativo para a No Brasil, o desenvolvimento da não ficção inte-
web (Ministério da Cultura), o Fundo para o rativa e transmídia apresenta bases sólidas,
Desenvolvimento Cinematográfico (Proimágenes embora se encontre em estado incipiente devido
Colombia), New Media Colombia e New Media à falta de subvenções públicas e investimento
Canadá (Proimágenes Colombia), etc. privado. Porém, mesmo com esse baixo investimento,
Na Colômbia, como na Argentina, as produtoras como Cross Content, sob a liderança
primeiras narrativas de não ficção inte- de Marcelo Bauer, têm criado plataformas como
rativa começaram pela via do jornalismo. ‘Webdocumentario.com.br’, que acolhem produções
Tratou-se de uma série de reportagens de baixo orçamento.
interativas denominadas Reportaje 36029 Em relação à pesquisa e formação, dois pio-
produzidas pela equipe de Novas Mídias neiros em narrativas digitais, Denis Porto Renó
do País de Cali, sob a direção de Felipe e Vicente Gosciola, tem se dedicado a estudar
Lloreda. Além da produção das reportagens e formar na área da não ficção a partir de suas
360o do País de Cali, destacamos os seguin- duas principais formas de expressão: o jorna-
tes documentários interativos e transmídia: lismo e o documentário. Destaca-se, também, o
4 Ríos (Elder M. Tobar, Orgánica Digital, trabalho do grupo de pesquisadores e cineastas
Centro Ático Universidade Pontifícia que se uniram e criaram a plataforma Bug404, uma
Javeriana, Identity School of Digital iniciativa promovida por André Paz com o apoio
Arts; Animaedro Estúdio de Animação e de Julia Salles, Claudia Holanda, Kátia Augusta
Fundação Chasquis, 2011)30; Cuentos de vie- Maciel e Mayra Jucá. Bug40435 tem como objetivo
jos (Marcelo Dematei, Carlos Smith, Laura contribuir para a expansão de dito campo no
Piaggio e Ana Ferrer, Hierro Animación, Brasil, não só através de pesquisa e divulgação
Piaggiodematei e Señal Colombia, 2013) ; 31
de estudos sobre narrativas interativas no mundo
Pregoneros de Medellín (Ángela Carabalí e e no Brasil, como também por meio de conferên-
Thibault Durand, Grupo Carabalí, 2015)32; cias, cursos, oficinas e eventos. Tem o mérito
Paciente (Jorge Caballero, Gusano Films, de estabelecer uma rede brasileira sobre novas
2016) 33
e Desarmados (Fabio Díaz Vergara, narrativas, oferecer conhecimento e suporte
Paola Morales Escobar e Juan Sebastián técnico para criar documentários interativos e
Zuluaga, Departamento de Comunicação apoiar a produção de projetos estratégicos, como
Social, Universidade EAFIT, 2017)34. Black-box e Bug Brasil.
Destacamos alguns projetos pioneiros como
Canto do Brasil (Geoffrey Hiller, 2006)36, Rio
de Janeiro: Autoretrato (Marcelo Bauer, Sérgio
Moraes, Giovanni Francischelli e Lucian Rosa,
2011)37, Copa para Quem (Maryse Williquet,
29  https://www.elpais.com.co/reportaje360/web/home.html
30  http://4rios.co/
31  http://cuentosdeviejos.com/ 35  http://bug404.net/
32  https://pregonerosdemedellin.com/#es 36  http://www.hillerphoto.com/brazil/intro.htm
33  http://pacientedoc.com/ 37  http://riodejaneiroautorretrato.com.br/dev2011/Content/Swf/in-
34  http://desarmados.org/ dex_portugues.html. Ver página 109.

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS · 60-71 65
Switch asbl, 2014)38, Ilha Grande: Cada ou Honkytonk Films, e de outras entidades
Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História que contribuem para a produção e expansão
(André Paz, 2016) 39
e Som dos sinos (Marcia deste tipo de obras.
Mansur e Marina Thomé, Estúdio Crua, 2017)40. A principal emissora europeia, o canal
ARTE, é uma entidade que sempre se inte-
ressou pelos produtos culturais e artís-
3. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO NA EUROPA 41
ticos, potencializando a cultura em todos
os níveis. Seu departamento de web sempre
3.1 FRANÇA apostou na experimentação e inovação com
as formas não lineares e com os gêneros
A França é o país europeu que mais apostou de não ficção (especialmente reportagem e
na narrativa documental interativa e documentário). Toda a experiência adquirida
transmídia desde suas origens. O sistema com o desenvolvimento dos formatos ópticos
francês audiovisual e de novas mídias (CD Rom e DVD Rom) dos anos 90 na França
conta com muitos estímulos que se originam abriu caminho, várias décadas após, para
e fundamentam principalmente em três uma constante inovação na experiência do
pilares chave: primeiro, o fato de que usuário e usabilidade na web.
o cinema foi fundado e é original deste A toda esta estrutura de base, temos
país (1895), portanto a França tem uma que somar um circuito de mercados e fes-
longa tradição cinematográfica junto a tivais que possibilita o desenvolvimento,
outros países como os Estados Unidos. Em financiamento, produção, exibição e distri-
segundo lugar, é um país que tem apostado buição destas obras. Para mencionar alguns,
na inovação e experimentação tecnológica destacamos Cross Video Days (Paris), Sunny
em vários campos. Por fim, e talvez o Side of the Doc (La Rochelle) ou Marche du
mais determinante: conta com um sistema Film (Cannes).
de estímulos e financiamentos públicos no Produzidos na França, recomendamos
campo cinematográfico e de novas mídias os projetos Gaza-Sderot. Life in spite
que contribuem para expandir a cultura of everything (Khalil al Muzayyen, Robby
francesa. Boa parte das produções intera- Elmaliah, Films/Trabelsi Productions ,
tivas e transmídia recebeu contribuições The Sapir College, Ramattan Studios, Bo
generosas por parte de emissoras públi- Travail!, Upian, 2008)43; Prison Valley
cas, como ARTE42 ou France Télévisions, (David Dufresne, Philippe Brault, Upian,
do governo, por meio do Centre National ARTE , 2010) 4 4; Alma. A Tale of vio-
du Cinéma et de l’Image Animée (CNC), e lence (Miquel Dewever-Plana, Isabelle
de um conjunto de produtoras, como Upian Fougère, ARTE, Upian, 2012)45; Type:rider
(Cosmografik, Agat Films & Cie, Ex Nihilo,
38  http://www.copaparaquem.com/
BulkyPix, ARTE, 2013)46; Do not track (Brett
39  http://www.ilhagrandewebdoc.website/
40  http://somdossinos.com.br/
41  Para ver as ilustrações desta seção com prints seleciona- 43  http://gaza-sderot.arte.tv/
dos pelo autor, acesse: 44  http://prisonvalley.arte.tv/?lang=en. Ver página 110.
http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Europe_P.jpg 45  http://alma.arte.tv/. Ver página 121.
42  https://www.arte.tv/sites/en/webproductions/ 46  http://typerider.arte.tv/#/
Gaylor, Upian, ARTE, ONF, BR, 2016) 47
; Femke Wolting. Atualmente, detém estúdios
Dada-Data (Anita Hugi e David Dufresne, em Amsterdam e Los Angeles, e embora nos
Akufen, RSI, RTS, SRF, ARTE, 2016) 48
e primeiros anos tenha se focado no desen-
Phallaina (Marietta Ren, Smallbang, CNC, volvimento e produção de filmes lineares
FranceTV Nouvelles Ecritures, 2016) . 49
e interativos, o objetivo da empresa nos
últimos tempos tem sido criar projetos trans-
mídia significativos com ênfase especial na
3.2 HOLANDA animação interativa e nos jogos digitais.
Da Holanda, destacamos três projetos
A Holanda é outro ator importante neste interativos de não ficção produzidos por
campo por dois motivos particulares: pelo Submarine Channel: Collapsus: The Energy
desenvolvimento do IDFA Doclab50, a seção Risk Conspiracy (Tommy Pallotta, Submarine
interativa do International Documentary Channel, VPRO, Dutch Cultural Media Fund,
Film Festival de Amsterdam, o festi- SNS Reaal Fund, VSB Fund, Gasterra, 2010)51;
val mais importante de documentários do Unspeak (Tommy Pallotta, Submarine Channel,
mundo, junto ao Hot Docs Film Festival, VPRO, Creative Industries Fund NL, Dutch
em Toronto (Canadá). Há mais de 10 anos, Cultural Media Fund, Netherlands Ministry
o IDFA Doclab premia os melhores docu- of Culture, The City of Amsterdam, The
mentários interativos em sua competição Netherlands Film Fund, 2013)52 e Last Hijack
anual, oferece exposições, uma conferên- Interactive (Tommy Pallotta e Femke Wolting,
cia, navegações guiadas e vários eventos Razor Film, ZDF, IKON, Creative Industries
relacionados no final de novembro. Também Fund NL, The City of Amsterdam, The Dutch
co-produz projetos numa linha de difusão Cultural Media Fund, The Netherlands Film
do conhecimento e preservação digital Fund, 2014)53.
(Moments of Innovation, Online Database,
etc.). O segundo ator chave neste país
é a emissora pública VPRO, que destina 3.3 INGLATERRA
fundos volumosos à produção de ficção e
não ficção interativa e transmídia. A Inglaterra, como a Holanda, conta com dois ou
Finalmente, o terceiro convidado três ativos importantes em relação ao campo ana-
para a festa são as produtoras, e espe- lisado. Em primeiro lugar, em Bristol se realiza,
cialmente uma delas se constitui como desde 2011, a conferência mais importante do
uma das empresas mais férteis na produção mundo sobre documentários interativos, denominada
do documentário interativo do mundo: a i-Docs54. Trata-se de um encontro realizado a
Submarine Channel. Este estúdio holandês cada dois anos organizado por Judith Aston,
especializado nas narrativas transmídia Sandra Gaudenzi e Mandy Rose. A este encontro
foi fundado em 2000 por Bruno Felix e assistem boa parte das pessoas interessadas neste

47  https://donottrack-doc.com/en/. Ver página 111. 51  http://www.collapsus.com/


48  http://dada-data.net/en/ 52  https://unspeak.submarinechannel.com/
49  http://phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/. Ver página 121. 53  http://lasthijack.submarinechannel.com/
50  https://www.doclab.org/ 54  http://i-docs.org/

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS · 60-71 67
âmbito a nível acadêmico, já que a Inglaterra 3.4 ESPANHA
concentra uma boa parte dos pesquisadores
deste campo, que embora não sejam naturais do A Espanha oferece um amplo leque de projetos
país, desenvolvem sua carreira acadêmica aqui. interativos de não-ficção, mas na maioria dos
Em segundo lugar, sua emissora prin- casos são produções com orçamentos limitados.
cipal, a British Broadcasting Corporation Se, por um lado, o país tem demonstrado
(BBC), lançou algumas iniciativas que pro- interesse e gerado expectativas, além de
moveram o desenvolvimento e produção deste deter uma boa formação e um sistema eficaz
tipo de narrativas, como é o caso de BBC de exibição e distribuição através de eventos
Taster 55
ou BBC Connected Studio , que são 56
e festivais consolidados (DocsBarcelona,
plataformas para a criação e desenvolvimento Documenta Madrid, Medimed, etc.), por outro
de narrativas digitais. Por último, vale lado o financiamento tem sido quase inexis-
mencionar que este país conta com formação tente. Isso limita a expansão das obras,
de alto nível no campo e centros de prestigio embora sirva como exemplo inequívoco de como
reconhecidos (DCRC-Digital Cultures Research é possível produzir com poucos recursos,
Centre da Universidade do Oeste da Inglaterra, muita criatividade e sistemas alternativos
Digital and Interactive Storytelling LAB da de captação de recursos.
Universidade de Westminster, etc.), assim como Na Espanha destaca-se em primeiro lugar
um circuito relevante de eventos e festivais sua emissora pública mais importante: Radio
que promovem a criação e financiamento de Televisión Española. O modelo de Laboratorio
documentários interativos: Sheffield Doc/ de Innovación Audiovisual criado no depar-
Fest, Mozilla Festival, etc. tamento de meios interativos de RTVE (Lab
Se a Inglaterra não se destaca pela sua RTVE)60 é único no mundo, reunindo uma equipe
produção, encontramos ainda bons exemplos pequena e muito qualificada que trabalha na
de convergência entre jornalismo e documen- experimentação constante em torno das lingua-
tário como em The Guardian, e os projetos gens das novas narrativas. O Lab RTVE começou
Global guide to the first world war (Francesca muito ativo nos primeiros anos, para terminar
Panetta, Lindsay Poulton e Iain Chambers, se centrando na co-produção de projetos de
The Guardian, Kiln.it, 2014) 57
e The shirt webdoc com sua marca denominada Factoría de
on your back (Lindsay Poulton, The Guardian, webdocs, e recentemente gerando conteúdos
WorldView, 2014) . Também destacamos Anyone’s
58
para Playz, a plataforma de conteúdos exclu-
Child Mexico: families for safer drug control sivamente digitais de RTVE.ES.
(Matthew Brown, Ewan Cass-Kavanagh, Mary Ryder O segundo importante ator espanhol é o
e Jane Slater, University of Bristol, 2017) . 59
festival DocsBarcelona61, que desde 2013 promove
sua seção interativa e transmídia do festival,

55  https://www.bbc.co.uk/taster/ denominada interDocs Barcelona, que conta com


56  http://www.bbc.co.uk/connectedstudio/
conferências, navegações interativas, casos
57  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/
jul/23/a-global-guide-to-the-first-world-war-interactive-docu- de estudo, exposições, hackaton e um pitch
mentary
58  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/
bangladesh-shirt-on-your-back 60  http://www.rtve.es/lab/
59  http://mexico.anyoneschild.org/ 61  http://www.docsbarcelona.com/
interativo. Este festival vem crescendo NA AUSTRÁLIA68
principalmente durante os últimos cinco
anos e atualmente o projeto compreende uma A Austrália possui duas emissoras inte-
escola de formação (DocsSchool); um dos ressadas em promover a interatividade e a
sistemas de distribuição de documentários narrativa transmídia em seus conteúdos: a
mais extenso do mundo, o DocsBarcelona del Special Broadcasting Service (SBS)69 e a
Mes, que abrange 95 salas na Espanha e em Australian Broadcasting Corporation (ABC). A
vários países da América Latina; e três SBS é a emissora que tem produzido as obras
festivais em diferentes cidades/países: mais importantes e representativas neste
Barcelona (Espanha), Medellin (Colômbia) campo desde 2010, que antes eram realizadas
e Valparaiso (Chile). Várias produtoras pioneiramente pela outra emissora do país,
espanholas completam este panorama, entre a ABC. A essas duas instituições temos que
as quais destacamos Barret films , com 62
acrescentar o órgão do governo destinado a
sede na cidade de Valencia e especializada fomentar a produção cinematográfica: Screen
em documentários interativos e transmí- Australia70, uma agência do Governo Federal
dia comprometidos com a temática social encarregada de apoiar o desenvolvimento,
e ativista. produção e promoção de filmes australianos.
Em relação a projetos com certo A Screen Australia tem como objetivo ins-
impacto e inovadores em relação à narra- pirar, informar e envolver o público através da
tiva na Espanha, destacamos Montelab (Lab narração de histórias australianas, oferecendo
RTVE, Documentos TV, 2014) ; 0 responsables
63
financiamento e estímulos a partir da etapa
(Barret Films, 2015)64; Las Sinsombrero de proposta e roteiro, financiando escritores
(Tània Balló, Manuel Jiménez e Serrana e equipes de produção cinematográfica, até a
Torres, Intropía Media, Yo la perdono, produção e pós-produção para que os autores
RTVE, Ministério da Educação, 2015) ; 65
possam desenvolver e concluir seus filmes. Em
Bugarach. Como sobrevivir al Apocalipsis relação à produção de documentários, há alguns
(Sergi Cameron, Nanook Films, Lab RTVE, anos lançaram a categoria Focus on interac-
Interactius e Playfilm, 2016) 66
e Sexo, tive com o objetivo de estimular e promover a
maracas y chihuahuas (Minimal Films, Lab produção de documentários interativos.
RTVE, TVC, Labyrinth Studio, 2016)67. Também destacamos o trabalho de pes-
quisa e formação que vem sendo realizado
em centros de pesquisa e universidades como
4. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO é o caso de RMIT University e seu non/
fiction Lab, grupo e centro de pesquisa

68  Para ver as ilustrações desta seção com prints


selecionados pelo autor, acesse:
62  https://barret.coop/ http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Auatralia_P.jpg
63  http://lab.rtve.es/montelab/ 69  https://www.sbs.com.au/features
64  http://www.0responsables.com/?l=ca 70  https://www.screenaustralia.gov.au/. Titles produced – Focus on
65  https://www.lassinsombrero.com/ interactive – Screen Australia
66  http://lab.rtve.es/webdocs/bugarach/ https://www.screenaustralia.gov.au/fact-finders/production-trends/
67  http://lab.rtve.es/webdocs/xavier-cugat/ documentary-production/focus-on-interactive/titles-produced

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS · 60-71 69
liderado por Adrian Miles e Francesca
Rendle-Short. Deste país destacamos os
projetos Long Journey, Young Lives (David
Goldie e Hilary Balmond, ABC, 2002)71,
Africa to Australia (SBS Online, 2010)72,
The Block: Stories form a Meeting Place
(Matt Smith, Alicia Hamilton e Poppy
Stockell, SBS, 2012)73, The Boat (Matt
Huynh, SBS Online, 2015)74, I’m your man
(Kylie Boltin e Damian McDermott, SBS,
2017)75 e Kgari (Ella Rubeli, Boris Etingof
e Kylie Boltin, SBS, 2017)76.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIFREU-CASTELLS, A. (2013). El documental interac-


tivo: estado de desarrollo actual. Obra Digital, 5.
pp. 29-55.Vic: Universidad de Vic. ISSN: 2014-5039.
https://www.raco.cat/index.php/ObraDigital/article/view/264707/352399

GIFREU-CASTELLS, A. (2017). Interactive Documentary


Aqui y Ahora (Here & Now) Themes and Directions in
South America. Judith Aston; Sandra Gaudenzi; Mandy
Rose (Eds.): (2017). i-Docs: The Evolving Practices of
Interactive Documentary. New York: Columbia University
Press. ISBN: 023118123X. MILGRAM, P.; Kishino, F. (1994).
A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays. IEICE
Transactions on Information and Systems, E77-D, 1321-1329.
http://www.alice.id.tue.nl/references/milgram-kishino-1994.pdf

71  http://www.abc.net.au/longjourney/documentary_broadband.html
72  http://www.sbs.com.au/africatoaustralia/
73  http://www.sbs.com.au/theblock/
74  http://www.sbs.com.au/theboat/
75  http://www.sbs.com.au/imyourman/
76  http://www.sbs.com.au/kgari/
NARRATIVAS INTERATIVAS

MÍDIAS E PLATAFORMAS
ECOAM O SOM DOS SINOS

POR JÉSSICA CRUZ1

1  Jéssica Cruz é formada em


Jornalismo pela Faculdade Cásper
Líbero (SP), trabalha como pro-
dutora audiovisual, é produto-
ra dos documentários lineares
Filhos da Aids (2012) e Carolina
(2016) e do documentário inte-
rativo Bixiga Existe (2017).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 72
A instalação interativa Som dos Sinos2,
exibida pela primeira vez na Mostra BUG,
faz parte de um projeto maior, homônimo, COMO NASCEU O
que inclui aplicativo mobile, documentário ESTÚDIO CRUA?
interativo, documentário linear e exibições
itinerantes nas cidades onde as imagens e MARINA THOMÉ (MT): O Som dos Sinos foi o
sons foram captados. A obra transmídia foi fundador na verdade, porque eu conheci a
pensada para valorizar os mais de 40 toques Marcia acho que foi em 2012 e ela trabalhava
de sinos tombados como patrimônio imaterial com antropologia e patrimônio imaterial e
em nove cidades de Minas Gerais. eu trabalhava com tecnologia e documentá-
Marcia Mansur e Marina Thomé, as funda- rio, e a gente queria fazer algum projeto
doras do Estúdio CRUA, em São Paulo, são as juntas que trabalhasse patrimônio imaterial
realizadoras do projeto. Ambas começaram suas e novas mídias. A Crua foi fundada a partir
carreiras no campo das narrativas interati- do Som do Sinos, vamos dizer assim, porque
vas em 2011, cada uma de um lado do oceano a gente teve essas experiências interna-
Atlântico, ainda sem se conhecer. Marina fez cionais, e aqui no Brasil em 2012 não tinha
parte da primeira turma de mestrado em docu- muita coisa, ainda mais na área de promoção
mentário interativo na Universitat Autònoma do patrimônio cultural.
de Barcelona. Las Sombras del Progreso3 foi
seu primeiro i-doc, produzido na Espanha. Já
Marcia fez parte da coordenação dos residen-
tes da UnionDocs, uma organização sem fins
lucrativos norte-americana que produz docu- COMO O SOM DOS SINOS
mentários e que tem sido grande incentivadora FOI FINANCIADO?
das narrativas digitais interativas. Living
Los Sures4, webdoc que se tornou referência Marcia Mansur (MM): Essa área cultural
do UnionDocs, estava sendo produzido na é muito diferente da área de entreteni-
época pelos residentes sob sua coordenação. mento, propaganda, é uma área que tem menos
Nesta entrevista, Marcia e Marina nos verba. Na época, a gente ganhou um edital
contam dos bastidores de seu mais importante da Eletrobrás, que eu acho que nem existe
trabalho, dos modelos de produção que vêm mais, na linha de patrimônio cultural ima-
testando, e das perspectivas de financiamento terial, então essa ideia de fazer um projeto
de projetos para a área. transmídia não estava no edital, não era uma
linha de tecnologia, não, o edital era de
patrimônio imaterial, só que a gente foi o
único preponente que pensou em um projeto que
envolvesse novas mídias, aí ganhou.

2  www.somdossinos.com.br. Ver página 135.


3  http://www.sombrasdelprogreso.com/
4  http://lossur.es/

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ · 72-81 73
E COMO FOI O PROCESSO DE PRODUÇÃO E TUDO SAIU COMO O PLANEJADO?
DO SOM DOS SINOS, ENGLOBANDO
TODA A OBRA TRANSMÍDIA?
MT: A gente cometeu um erro: não pegamos o
GPS de todas as igrejas que a gente foi,
MT: A gente fez uma viagem de campo, já
e isso para o App foi um problema, porque
colheu um pouco de repertório audiovi-
a gente não pegou as coordenadas e depois
sual, mas para pesquisa. Quando a gente
tivemos que buscar isso e deu um super
chegou para gravar, a gente tinha um
trabalho. Como é um projeto transmídia,
documento chamado forma do filme, um
tinha muita coisa em campo, a gente teve
pouco do formato audiovisual do pro-
que captar som, tinha as entrevistas para o
jeto como um todo, a gente sabia o que
App, as coordenadas das igrejas, as fotos,
a gente ia filmar, como ia filmar, já
os frames para o App, todo o material
tinha descrito quais os personagens que
para o longa-metragem, que tem um tempo
a gente queria achar, por exemplo, além
bem diferente dos planos, uma montagem bem
dos sineiros que já tinha essas repre-
mais espaçada, tem uma coisa toda com a fé
sentações da juventude, da tradição,
popular, então a gente tinha muito mate-
tinha também uma coisa de falar com a
rial para captar com direções audiovisuais
comunidade, a gente tinha uma relação
diferentes, mas a grande maioria a gente
de personagens, queríamos uma parteira,
conseguiu pensar antes, acho que só a temá-
porque ia ter uma questão do nascimento e
tica do webdoc que era dentro da torre foi
na morte do sino, coveiros, um escultor,
uma coisa posterior de edição e de conceito
santeiro...No campo, quando chegamos, a
principal, e essa parte do App que deu
gente foi descobrindo os personagens,
muito trabalho, acho que o produto que mais
mas a gente já tinha tudo isso mapeado.
deu trabalho foi o aplicativo.
Em termos técnicos, o webdoc precisaria
de cenas mais imersivas, então a gente
já ia com essa câmera mais imersiva, que
subia as escadas, que descia as esca-
das, que ia pegando detalhes da fachada EM TERMOS DE EQUIPE, O QUE TINHA DE
das torres, que ia pegando os nomes dos NOVO? VOCÊS TIVERAM DIFICULDADE PARA
ACHAR PROFISSIONAIS CAPACITADOS?
sineiros na parte interna, na pedra, a
gente já sabia que queria mostrar a torre
aos poucos, não queria nada de planos MT: A gente contratou 40 pessoas, que

gerais, você pode ver que tem poucos trabalharam nesse projeto, mas tinha uma

planos gerais. equipe principal, que eram os editores e


assistentes de edição, porque a gente tinha
muita edição de imagem. De tecnologia, a
gente teve uma empresa que fez o App no Rio
de Janeiro, e depois uma programadora MM: Foi legal que os profissionais de tec-
que fez o webdoc em São Paulo. Teve uma nologia com quem a gente trabalhou curtiram
diretora de arte que fez tudo, que foi fazer um projeto documental, eles tiveram
super legal. Eu acho assim, em termos de uma certa liberdade de criação, porque na
design foi uma coisa que a gente teve maior parte dos jobs de tecnologia são de
menos dificuldade nas interfaces, porque entregas um pouco mais rígidas. Então, eu
a Haydee Uekubo, que é essa pessoa de lembro que as pessoas também curtiam, um
criação, é alguém que trabalhou muito pouco apostavam, porque é raro um projeto
tempo em agência de propaganda, então é documental que use a tecnologia, quer
uma pessoa muito rápida para pensar em dizer, naquela época, hoje já está um pouco
interface e ela fez a marca, as solu- mais comum, mas há 4 anos atrás, era um
ções... A mulherada trabalhou muito, pouco mais raro para esses profissionais
programadora mulher, diretora de arte, com quem a gente trabalhou. Então, eu acho
a roteirista do filme, eu, a Marcia, a que a galera curtiu também.
produtora Julia Franceschinni, produção
local, então teve muita mulher na equipe.
Já em termos de programação, eu acho
difícil achar equipe, a pessoa geralmente
é de programação e trabalha com site, é QUE PRODUTOS ESTAVAM PLANEJADOS
difícil achar alguém que trabalhe com DESDE O INÍCIO DO SOM DOS SINOS?

user experience e com webdocumentário,


é muito difícil achar isso. Acho que MM: A gente já pensou nesse formato que
estão se formando pessoas que traba- teria: um longa-metragem, um documentário
lham com tecnologia e user experience, interativo, uma plataforma multimídia, um
programação para storytelling, mas eu aplicativo georreferenciado pelos toques
não acho fácil de achar, especialmente dos sinos de Minas Gerais e um retorno em
para a área de cultura, porque a área de todas as nove cidades onde a gente gravou
propaganda tem muito dinheiro. O budget para fazer projeção na fachada externa das
do Som dos Sinos foi R$ 297 mil para igrejas dessas cidades. Então, a ideia era
todos os produtos, o que não é nada, né? que cada um desses produtos tivesse um
Então na área de cultura é muito mais público diferente e um conteúdo diferente,
difícil achar pessoas de programação, a partir de um mesmo arsenal de material.
eles cobram por hora e são caros, então
essa foi uma grande dificuldade, acho
que é um grande problema. E acho que
os diretores também, documentaristas,
a gente vê muito isso nas aulas, eles
não conhecem o webdocumentário, então
não sabem nem como fazer um escopo de
tecnologia, não sabem demandar.

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ · 72-81 75
FALE UM POUCO DO MATERIAL COMO FOI CONCEBIDO O WEBDOCUMENTÁRIO
CAPTADO. COMO FOI O SOM DOS SINOS, ESPECIFICAMENTE?
APROVEITAMENTO?

MT: No webdocumentário, a proposta era pro-


MM: A gente teve uma produção de aproxi- porcionar uma imersão no universo das tor-
madamente 100 horas (de vídeo), mais de res. A gente viu no cinema itinerante nas
40 entrevistas, muitas festas, procis- cidades, que as torres são pouco visitadas,
sões... Desse conteúdo, a gente desmem- né? Não é uma coisa turística, porque tam-
brou os produtos que compõem o Som dos bém tem uma questão até de perigo, elas não
Sinos. O aplicativo, por exemplo, que são muito bem preservadas, o acesso físico
tem mais de 100 faixas de áudio, temos não é fácil, então as pessoas tinham muita
em torno de 45 igrejas que a gente geor- curiosidade para conhecer esse universo
referenciou no App e alguns áudios em dos sineiros, das torres. Cada torre tem
cada uma dessas igrejas, são sons tanto uma configuração da arquitetura, onde o
de toque de sinos, quanto de entrevis- sol bate, o tipo de sino, o toque, então
tas com sineiros e com a comunidade do nesse webdocumentário, a ideia era que
entorno. você ficasse imerso nas torres, a forma de
navegação também condizia muito com esse
trajeto que a gente faz, você vai subindo,
tem um vídeo que te pergunta “Você quer
conhecer os sineiros?”, você clica e vai
COMO FUNCIONA O APLICATIVO? subindo a torre, em uma navegação vertical,
vai conhecendo esses sineiros, cada um tem
MM: Você pode traçar seu caminho até um papel ali.
aquela igreja, a ideia era um pouco tra-
Tem uma navegação que é o contrário, é
balhar com esse conceito de áudio-guia a
para baixo, ela é vertical, mas você vai
céu aberto e trabalhar com públicos que
entrando, você dá um scroll para baixo,
visitam essas igrejas de Minas Gerais.
que é a seção sinos, nessa seção a gente
Mas também um público de jovens, que o
fez uma coisa em paralaxe, uma coisa mais
projeto pudesse se relacionar com essas
animada, com áudio das pessoas, e falando
novas gerações, são meninos que tocam
um pouco sobre o sino mesmo, que material
os sinos hoje em dia, meninos de 14,
ele é feito, harmonia, as notas musicais,
15 anos, que passam a adolescência ali
a gente foi fazendo uma coisa mais focada
na torre e estão se filmando, postando
em áudio, fotografias, animações e texto.
no Youtube eles mesmos. A gente pensou
também que era legal que esse conteúdo A seção toques, a gente fez uma animação
estivesse disponível no celular para focada no relógio, então quando o usuário
essa galera se ver também. entra, o sistema já reconhece pelo IP dele
que horas que é no lugar onde ele está, São Paulo e esse ano a gente já estendeu
agora são 13h20 nesse momento algum sino um pouco mais esses trabalhos coletivos,
toca em Minas Gerais, a gente queria fazendo laboratórios de dois, três meses
falar um pouco da relação do sino com de duração, sobre temas específicos. Fora
o tempo, o relógio é um menu circular uma série de workshops em festivais, a
e você vai vendo os diferentes toques gente teve no festival de fotografia de
dependendo da hora do dia em que você Tiradentes. Esse ano, a gente tem feito uma
está, e esse é o webdocumentário do Som estratégia de circulação internacional,
dos Sinos. tem residência na França, vamos dar uma
Masterclass na Espanha, justamente sobre
a produção de projetos transmídia para
patrimônio imaterial. Em Lisboa vamos dar
um workshop sobre patrimônio cultural e
E A INSTALAÇÃO INTERATIVA? novas mídias, então essa área de patrimônio
cultural e o uso de novas mídias é bem

MT: O interessante é que na Mostra BUG a atrelado a minha expertise e da Marina,

gente fez um produto inédito, que é um que é antropologia, comunicação digital,

6º produto do Som dos Sinos. Na mostra design, fotografia, documentário...

são três projetores que relacionam esse MT: No CRUA Doc estamos na fase de distri-
universo da torre, e você está imerso buição do Gary, que é um curta, finali-
nessas imagens. Tem um conteúdo que é zando a distribuição do Som do Sinos, que
do webdoc, e em um dos projetores tem um a gente vendeu para o Canal Brasil. Alzira
conteúdo inédito. Espindola, a gente ganhou o Itaú Cultural
agora para desenvolver o longa-metragem
da vida dela, então, estamos trabalhando
nesses projetos agora.

QUAL O ARRANJO PRODUTIVO


DO ESTÚDIO CRUA?

MM: A gente atua em duas frentes princi- COMO ESTÃO SE DESENVOLVENDO AS


pais, uma é a CRUA Doc, que é a nossa pro- NOVAS NARRATIVAS NO BRASIL?
dução autoral de documentários lineares
e a CRUA Lab, que é a área de formação. A MT: No Brasil, a gente está tendo uma série
gente tem concentrado a maior parte dos de investimentos, tanto públicos, a pró-
nossos projetos transmídia e interativos pria SPCine tentando fazer com essa oficina
na área de formação, seja teórica ou de economia criativa, que envolve trans-
prática. A gente desenvolveu no ano pas- mídia... Tem algumas empresas que estão
sado esse modelo dos hackthons, fazendo surgindo, focadas em realidade virtual. O
mapeamentos coletivos dos bairros de Brasil tem começado a aparecer mais nessas

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ · 72-81 77
feiras internacionais, também essas
grandes produtoras com núcleos intera-
tivos e que cada vez mais estão tomando QUE DESAFIOS VOCÊS TÊM ENFRENTADO?
chão, tanto na área de propaganda e agora
na área de entretenimento, que envolve
MT: Um é a gente conseguir formação, é
cinema, tem muito festival com VR, e
uma questão, porque quando a gente faz
acho que o Brasil está começando a criar
esses laboratórios, tem pessoas de várias
algumas alternativas nesse sentido.
áreas diferentes, tem um filmmaker, um
Quando a gente fez o Som dos Sinos era fotógrafo, um designer, um pesquisador,
uma coisa totalmente nova, e acho que um arquiteto, e muito pouco curso de for-
ainda é para a área de patrimônio cul- mação, curso técnico, tanto que a SPCine
tural. Acho que um caminho para as nar- está criando esses cursos, está chamando
rativas interativas é de impacto social. essas empresas para poderem criar cursos
Acho que mais do que para área de entre- de formação mesmo. Então acho que formação
tenimento, em um país como o Brasil, é uma questão, que a gente precisa. Dois:
que precisa, que tem uma necessidade de banda larga, no Brasil, a gente enfrenta
trabalhar com direitos humanos, impac- muito esse problema, a gente vai dar aula,
tos sociais, uma estratégia transmídia inclusive em São Paulo, não tem internet
é muito importante, tanto para alcançar para dar aula em instituições grandes.
mais público, quanto para fazer projetos
E, com certeza, investimento público para
que consigam viabilizar ajuda externa,
isso, são editais muito pequenos, as pessoas
articulação em rede.
não são muito bem remuneradas em todos os
E acho que a CRUA enxerga muito isso sentidos, como eu disse, projetos de tecno-
no nosso trabalho de formação, a gente logia são caros, as pessoas são remuneradas
produz colaborativamente, a gente tem por hora, então não é fácil você contratar
ideias de fazer parcerias para traba- com um custo tão baixo. Tecnologia você
lhar com VR nos próximos laboratórios. precisa de dispositivo, você vai fazer uma
Em termos de tecnologia, vai mudando, a exposição de 360o e RV, você tem que ter o
cada ano já muda muito, toda aula que cardboard, internet boa, fio, cabo, tem que
a gente vai dar tem tecnologias novas ter alta tecnologia, Led, a gente faz muita
para falar e discutir, o próprio celu- coisa com projetor, os lugares grandes não
lar, em termos de produção muda muito tem projetor, como você vai fazer uma expo-
a produção audiovisual, o Brasil tenta sição interativa? É muito difícil, eu fui
correr atrás, mas é difícil, porque lá na exposição do Bill Viola, são uns puta
fora eles já estão em outro momento, já projetores, projetando em granito, imagina
se discute preservação audiovisual nesse quanto custa, é muito dinheiro. Como você
meio de transmídia. vai ser artista visual e trabalhar com
projetor e RV? Isso é dinheiro! Falta de
investimento, formação e banda larga, só que onde tem verba para isso que não é
esses são os desafios. propaganda, não é interesse privado?

AS EMPRESAS PRIVADAS JÁ O DOCUMENTÁRIO INTERATIVO


ENXERGAM AS NOVAS NARRATIVAS ENTREVILAS5, DO ESTÚDIO CRUA,
COMO UM BOM INVESTIMENTO? TAMBÉM ESTÁ NA MOSTRA BUG. QUAL
A HISTÓRIA DESTA PRODUÇÃO?

MT: Vai ter cada vez mais investimento


privado, a própria propaganda já gira MM: O Entrevilas foi um projeto lindo,

em torno de storytelling, porque é a fazia tempo que a gente vinha desenvolvendo

jornada do usuário que a gente fala, mas o elemento temático, então a gente já vem

nesse caso é a jornada do consumidor, trabalhando com a cidade de São Paulo, e

todo mundo tem um celular, as empresas entendemos que as vilas operárias seriam um

vão investir nisso porque é onde os con- dispositivo narrativo incrível para falar

sumidores estão. O investimento digital da história de São Paulo, para falar sobre

está cada vez maior, e já ultrapassou a relações de trabalho e sobre questões que

TV. Só que na nossa área, que é impacto são muito atuais hoje, como imigração e

social e patrimônio cultural, isso sim formas de moradia na cidade. A gente apre-

é muito difícil uma empresa investir, sentou para o Centro de Pesquisa e Formação

porque quando você trabalha com impacto do SESC, que são parceiros da CRUA já há 3

social, mesmo, não estou falando de uma anos, um projeto de laboratório, isso era

empresa que fala que a beleza da mulher outro desejo nosso. A gente desenvolveu a

é o que vale, estou falando de impacto metodologia de hackathons, que são 6 dias,

social que envolve uma série de verten- 8 horas por dia, de 15 a 20 pessoas, então

tes políticas, não vai querer se expor, é uma maratona intensiva, que tem essa

não é propaganda. coisa de urgência, que une as pessoas na


criação colaborativa. Mas a gente queria
Então na área de patrimônio cultural, experimentar algo mais de longo prazo, mais
direitos humanos, tem que ter um finan- estendido, possibilidades da narrativa em
ciamento. Acho que é uma dificuldade, por relação à tecnologia, que a gente pudesse
exemplo, é a mesma briga que as insti- se aprofundar com isso. Essa foi a proposta
tuições sociais tem para conseguir ver- desse laboratório de três meses sobre as
bas para seus projetos, tipo Greenpeace, vilas operárias.
Unicef, Anistia Internacional, o que a
gente luta na CRUA é para trabalhar com MT: O projeto foi super bonito, com 14 pes-

projetos transmídia em direitos humanos, soas, cada grupo teve escolhas narrativas

5  www.entrevilasdoc.com.br. Ver página 115.

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ · 72-81 79
bem interessantes, eles foram em cinco
vilas operárias diferentes. Teve um
grupo que falou sobre moradia, como é
morar uma casa que é patrimônio, outro
grupo foi pelos esportes que têm nas
vilas, que é uma coisa que une as pessoas
mais idosas, histórias das vilas, e um
grupo que falou bastante do bairro de
Perus, onde tem uma fábrica antiga e uma
vila onde hoje em dia não se pode entrar.

MM: Eles criaram esse conceito de uma vila


imaginária, então eles não fizeram a navegação
principal por vilas. Eles usaram componentes
principais das vilas operárias em São Paulo,
a maioria tinha a fábrica, casas, áreas de
lazer, tinha escola, guarita, então são esses
elementos de controle, faziam com que os ope-
rários não precisassem sair, não precisassem
se dispersar, não perdessem tempo indo para
o trabalho, então era tudo um ambiente de
controle... O que eles fizeram foi procurar
conexões mais poéticas com esse conteúdo.
NARRATIVAS IMERSIVAS

NARRATIVAS IMERSIVAS:
IMAGINANDO MÚLTIPLAS
REALIDADES


JULIA SALLES1 E
MARÍA LAURA RUGGIERO2

1  Julia Salles é produtora e


curadora de mídias interati-
vas e imersivas. Julia também
é professora no Departamento de
Comunicação da Université de
Montréal (UdeM, Canadá) e douto-
randa em Comunicação na Université
du Québec à Montréal (UQAM). 

2  María Laura Ruggiero é pro-


dutora e roteirista de filmes,
e designer de narrativas na
SeirenFilms. Formada em Design de
Imagem e Som (UBA, Argentina), é
professora e consultora de proje-
tos de novas mídias interativas
pelo mundo. É também fundadora e
diretora criativa da StoryHackers.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 82
INTRODUÇÃO Apenas nos últimos anos as condições
tecnológicas possibilitaram o ressurgimento
da realidade virtual. Entre profissionais da
Em 1995, depois de 4 anos de desenvolvimento, área, é comum afirmar que 2015 é o ano zero da
a Nintendo lançou o Virtual Boy, um dos realidade virtual, considerando que o início
primeiros dispositivos comercializados a da comercialização dos óculos da Samsung Gear
utilizar imagens 3D estereoscópicas . O Virtual 3
(Oculus), seguido pelo Oculus Rift no começo de
Boy foi, porém, um fracasso de vendas e, com 2016, marcam o ponto de partida para um maior
lançamento limitado a alguns territórios, teve acesso ao conteúdo em RV.
a produção interrompida no ano seguinte ao Mas afinal, o que é realidade virtual? A
seu lançamento. O cenário 20 anos mais tarde realidade virtual é uma experiência audiovi-
é bem diferente. Calcula-se que em 2016 foram sual imersiva que oferece ao público a sensação
vendidos em torno de 6 milhões de óculos de de presença em um ambiente virtual através de
realidade virtual (RV) - 11 milhões se contar- técnicas de imagem em 360° e de áudio espacia-
mos os óculos Google Cardboard, dispositivo lizado. O fato de a imagem ser em 360° permite
de realidade virtual feito de papel-cartão que o participante olhe para todos os lados
e muitas vezes distribuído gratuitamente4. durante a experiência de RV (sua visão não é
Virtual Boy é considerado o precursor restrita ao enquadramento da tela 2D). Se além
dos óculos de realidade virtual vendidos de 360° a imagem for estereoscópica, a sensação
atualmente e acabou voltando à moda entre de profundidade e de volume da imagem é ainda
fãs nostálgicos. O fato é que o hardware dos mais acentuada. Soma-se a estes formatos de
anos 90 ainda não permitia uma experiência imagem o áudio espacializado (ou ambisônico),
confortável em realidade virtual. No Virtual que permite o posicionamento das fontes sonoras
Boy, as imagens eram bicromáticas (utilizando em uma esfera virtual ao redor do participante,
apenas preto e vermelho), o dispositivo para imitando a experiência sonora do mundo físico.
a visualização era muito grande e pouco con- Além das simulações de imagem e de som, algu-
fortável, causando dor nos olhos e na cabeça mas experiências de realidade virtual procuram
após algum tempo de uso, além de ser muito ativar outros sentidos como o olfato e o tato.
caro para os padrões da época. Burdea e Coiffet propõem a seguinte definição:
“A realidade virtual é uma interface de alta

3  A estereoscopia é uma técnica binocular de imagem que funcio- tecnologia entre usuário e computador, que emprega
na da seguinte forma: durante a captação da imagem, duas lentes
simulação em tempo real e interações via vários
alinhadas no eixo horizontal registram imagens da mesma cena
com um distanciamento correspondente à distância entre os olhos canais sensoriais. As modalidades sensoriais são
esquerdo e direito do sistema de visão humano. Em seguida, a
exibição da imagem estereoscópica é feita em um dispositivo
a visual, auditiva, táctil, olfativa e de pala-
binocular que exibe no visor do olho direito a imagem capta- dar” (Burdea & Coiffet, 2003, p. 3). Todas estas
da pela lente à direita do dispositivo de captação (o mesmo
procedimento é aplicado no visor do olho esquerdo). Assim, a características contribuem para uma impressão
sensação de profundidade é restituída de forma semelhante ao
viva de ter sido transportado ao espaço virtual.
processo de visão humana, que estima a profundidade com base na
triangulação entre o objeto observado e as posições dos olhos Em alguns tipos de experiência de RV tam-
esquerdo e direito. O mesmo procedimento pode se aplicar a
imagens de síntese.
bém é possível se ‘deslocar’ dentro da imagem.
4  https://www.statista.com/statistics/752110/ Um conceito que ficou bastante popular para
global-vr-headset-sales-by-brand/

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO · 82-91 83
classificar o grau de interatividade com a sobre os equipamentos corre o risco de estar
imagem em dispositivos de RV é o de ‘graus rapidamente desatualizado.
de liberdades’ (muitas vezes referido como Quanto ao conteúdo, algumas das principais
DoF, do inglês, degrees of freedom). No caso plataformas de distribuição de experiências
das imagens em 360° (estereoscópicas ou não), narrativas em RV são SteamVR, Oculus, Within.
fala-se em 3 graus de liberdade: o olhar pode Você pode fazer o download de games, vídeos e
se movimentar nos eixos horizontal, vertical outras experiências, como Kurious, do Cirque du
e diagonal. Neste caso, a imagem reage aos Soleil. A produção e distribuição de conteúdo
movimentos que o participante pode fazer para realidade virtual também tem ganhado força
com a cabeça: olhar para os lados, olhar no campo do jornalismo: The Guardian, New York
para cima e para baixo, inclinar a cabeça. Times, AJ+ e ARTE são exemplos de veículos
No entanto, se o participante movimentar pioneiros na área do jornalismo em RV. Como
seu corpo no espaço (sem alterar a posição relata Marcelle Hopkins, vice editora de vídeo e
da cabeça), a imagem virtual 360° não se co-diretora de realidade virtual no The Times:
altera. Para os deslocamentos do corpo no “Jornalistas e tecnologistas de várias áreas
espaço são necessários outros ‘graus de no The Times começaram a experimentar com a
liberdade’. Seis graus de liberdade, ou 6DoF, realidade virtual há poucos anos. Lançamos o
refere-se à possibilidade de a imagem reagir NYT RV em novembro de 2015 ao publicar o docu-
aos deslocamentos do participante para os mentário RV The Displaced (sobre três crianças
lados, para frente/trás, e para cima/baixo. refugiadas por guerra) e a distribuição de
Com isso, além dos movimentos de rotação da mais de um milhão de dispositivos de realidade
cabeça, a imagem também reage aos movimentos virtual Google. Desde então, produzimos mais
do corpo no espaço. de 20 filmes RV, e aprendemos muito com cada
No caso da RV 360° (3DoF), para poder um deles” (Hopkins, 2017).
fazer a experiência, o participante precisa Festivais de cinema também têm tido um
de um óculos de realidade virtual (preferen- papel importante na difusão de conteúdo de
cialmente com um fone de ouvido) e conteúdo realidade virtual criando programas dedicados
em 360°. A experiência em 6DoF exige um dis- à exibição de narrativas digitais e em RV.
positivo um pouco mais complexo, pois além Casos emblemáticos desta abertura dos festivais
dos óculos e do conteúdo específico, muitas de cinema à realidade virtual são o programa
vezes há a necessidade de sensores externos, New Frontier, do Sundance Film Festival, o
joysticks e computadores com processador e DocLab, do IDFA (International Documentary Film
carta gráfica muito potentes. Todos estes Festival of Amsterdam), e mais recentemente,
elementos necessários à experiência em 6DoF Venice VR, o programa dedicado à realidade
acabam encarecendo bastante o consumo deste virtual da Mostra de Veneza.
tipo de tecnologia, o que diminui muito sua Como podemos observar, as formas de difu-
acessibilidade. Hoje em dia existem muitos são e de consumo de realidade virtual apresentam
tipos de óculos de realidade virtual no algumas especificidades e diferenças em relação
mercado. O cenário de hardware evolui muito ao cinema e outras narrativas audiovisuais
rapidamente, portanto, qualquer comentário lineares. O mesmo acontece com a criação do
conteúdo. Neste artigo, abordaremos alguns todos esses fatores, vemos que o campo audiovi-
aspectos do processo criativo de reali- sual começou uma expansão em direção ao design
dade virtual: como pensar e desenvolver de experiência.
uma experiência imersiva que traz o corpo
do participante para dentro do conteúdo
audiovisual? Como construir uma narrativa COREOGRAFIA DA ATENÇÃO
na qual elementos essenciais da linguagem
cinematográfica (como o enquadramento) são Nas narrativas lineares as ações se inscre-
transformados? Buscamos neste texto propor vem dentro de um enquadramento definido pelo
algumas pistas iniciais para uma linguagem diretor. Já nas narrativas-de-experiência, o
em construção. enquadramento ainda existe como esfera, o que
permite ao diretor uma versão mais avançada do
seu papel tradicional. O diretor cria narrativas
EVOLUÇÃO DA NARRATIVA EM DIREÇÃO espaciais e gera algo maior que um quadro limi-
AO DESIGN DE EXPERIÊNCIAS tado: ele constrói um espaço 3D que contém um
universo narrativo de características especiais.
Desde a invenção do cinematógrafo e durante Entre as características que fazem da RV um
a explosão do rádio, teatro e TV massivas, modo narrativo singular, surge o conceito de
as narrativas passaram por vários graus de ‘coreografia da atenção’.
imersão e conexão com a plateia. A emergência Em experiências de RV, não se pode garantir
do mundo digital não apenas gerou a possibi- que o participante ou visitante observe exata-
lidade de criar um hiperrealismo sintético, mente o que o diretor deseja. Nem é o objetivo
mas também abriu as portas às narrativas deste tipo de tecnologia-técnica monopolizar
transmídia, recriando um mundo de entrete- a atenção do participante, mas é certo que há
nimento que hoje permite a participação no vários modos de projetarmos caminhos que serão
processo criativo e uma ampla gama de opções criados com base na atenção do participante.
de interação com as histórias. As narrativas espaciais podem ser cria-
O mundo digital abriu a porta para uma das de vários modos: como uma coreografia que
grande quantidade de mudanças que geraram trabalha com pontos nodais de emoção distri-
uma reconfiguração dos papéis na indústria buídos pelo espaço 3D, ou com uma direção de
do cinema e do audiovisual. Sem descartar arte detalhada que dirija o movimento da aten-
o passado e o presente, o futuro imersivo ção para propor significados. Movimento, cor,
desponta como uma construção repleta de luzes e sombras, design sonoro, e os próprios
desafios para criadores e participantes. diálogos podem agir como ganchos que levam o
Atenção, empatia, usuários, protótipos e participante a rotas possíveis no multiverso
interatividade são alguns dos termos que de histórias.
começam a se tornar centrais na criação A atenção pode ser dirigida como uma
audiovisual. Observamos a transformação de coreografia desde a fase de concepção: pode-se
histórias lineares em universos narrativos, trabalhar com modelos em diferentes escalas ou
de plateia em participantes. Considerando com atores que se deslocam no espaço. Também

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO · 82-91 85
é possível mensurar a atenção através de Square Enix, também explora diferentes téc-
mapas de calor em um protótipo que funcione nicas narrativas que podem contribuir com
como demo. Para que a força da experiência a ‘coreografia da atenção’. A combinação
imersiva não se torne opressora, é neces- do formato tradicional de Mangá em 2D com
sário entender e equalizar a quantidade de imagem e áudio 360o permite a passagem de
informação sensorial que o participante irá um regime de enquadramento para um regime
receber para traçar seus possíveis caminhos de imersão. Dessa forma, a coreografia da
na história. Algumas das obras em RV que atenção se constrói num vai-e-vem entre 2D
participaram da Mostra BUG ilustram bem e 3D, entre enquadramento da cena e presença
como o conceito de ‘coreografia da atenção’ no espaço virtual. Essa técnica também nos
opera em narrativas desse tipo. permite ter a sensação de entrar no mundo
A Mostra BUG exibiu dois trabalhos, fictício do Mangá, de forma que podemos
frutos da colaboração entre Felix & Paul entrar no enquadramento e nos vemos rodeados
Studios e Cirque du Soleil, ambos baseados de personagens fictícios que estão vivendo
em Montreal (Canadá). Nesta colaboração, a história ao nosso redor.
eles exploraram várias técnicas que podem
ser aplicadas na ‘coreografia da atenção’.
Through the Masks of Luzia5, baseado em ESPECTADOR. PARTICIPANTE. JOGADOR. VISITANTE
um dos espetáculos do Cirque du Soleil, é
“considerada a primeira experiência em rea- Desde que as histórias começaram a se expandir
lidade virtual feita por meio de processos ultrapassando as plataformas lineares tradi-
de hiperestereoscopia e hipoestereoscopia”. cionais e começaram a envolver dispositivos
Estas técnicas permitem que “o participante digitais, o papel da audiência mudou e evoluiu,
ora se sinta como um gigante ora como uma não só em termos de marketing, mas também em
miniatura em meio a cenas de acrobacias termos de narrativa. Neste processo, o grupo
inacreditáveis. Para aumentar ainda mais a que se denominava como audiência começou a
imersão, as equipes de criação da companhia entrar na narrativa de corpo inteiro e a
redesenharam as performances artísticas, retomar, de forma híbrida, outros papéis. De
criando algo completamente novo”. espectador a participante, a audiência ganhou
Já em Dreams of O6, para que a experi- uma nova perspectiva: se tornou visitante de
ência em realidade virtual pudesse acompa- mundos criados ou capturados.
nhar os momentos aquáticos da coreografia, a Como é entrar em uma narrativa com nosso
Felix & Paul Studios desenvolveu uma câmera corpo inteiro? Se por um lado essas experiên-
VR com imagem de alta qualidade adaptada cias não ocorrem apenas na realidade virtual
para o mergulho. e na realidade aumentada, mas também aconte-
Tales of Wedding Rings , uma expe- 7
cem em experiências abertas, mais parecidas
riência de Mangá imersivo produzida pela com teatros não-convencionais ou teatros sem
um palco principal, por outro, a experiência

5  https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia Ver página 127.


mediada pela tecnologia envolve um grau maior
6  https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127. de controle em seu design.
7  www.jp.square-enix.com/mangainvr/ Ver página 133.
O design da narrativa que envolve o e nosso envolvimento mudam de acordo com o
participante-humano-visitante no universo da papel que nos é dado na narrativa. Há alguns
história tem 3 estágios diferentes: a transição universos narrativos que são mais carregados
para o mundo virtual, a experiência virtual emocionalmente e nesses casos é preferível
propriamente dita, e a experiência subsequente. projetar essas experiências de forma que os
Na primeira fase, se cria um processo participantes as vivam de modo incorpóreo. Se
de pseudo desmaterialização: o participante, o participante é algum tipo de fantasma que
por um curto período de tempo, para de exis- tudo vê, isso pode em alguns casos distanci-
tir somente na realidade física enquanto se á-lo do conflito e protegê-lo emocionalmente
prepara para a transição ao mundo alterna- de uma situação altamente carregada. Há outros
tivo. Esta transição é parte fundamental universos de história onde a perspectiva será
da experiência total de design e é a chave intimamente ligada à capacidade de ação e inte-
para a imersão. ração do usuário-visitante.
Como se conecta o mundo físico (o espaço Step to the Line8, de Ricardo Laganaro,
onde a experiência ocorre) ao mundo virtual? apresentado na Mostra BUG, é uma experiência
A experiência deste universo se faz sentado, imersiva em prisões de segurança máxima na
de pé, caminhando? Como a sensorialidade do Califórnia, EUA que utiliza diferentes téc-
mundo físico penetra no mundo virtual? nicas narrativas para construir o papel do
Os primeiros segundos da experiência participante. Em Step to the Line, o ponto
são dedicados apenas ao ajustamento físico: de vista narrativo se alterna entre modos de
Sinto-me confortável no novo espaço e com- maior sensação de presença física e modos de
preendo as regras do mundo criado? Quem sou observação incorpórea. Um dos recursos que
eu? O que acontecerá comigo? O que eu posso contribui para a sensação de presença física
fazer? Tenho pés e mãos? Tenho corpo? na imagem é o direcionamento à câmera do olhar
Ao fazer a transição para o mundo vir- dos personagens. Ricardo Laganaro explora
tual, entram em cena questões sobre o papel diferentes técnicas para provocar, ora o
do participante na narrativa e a criação da sentimento no participante de ser testemunha
sensação de ‘presença’. Como saberei quem da realidade do sistema prisional americano,
sou como um visitante? Será por uma refe- ora para colocar em primeiro plano a perspec-
rência física ou uma pista da história? No tiva dos prisioneiros. Esta experiência em
momento em que adentramos na virtualidade realidade virtual é “parte do programa VR for
e nos observamos tendo um corpo, possuímos Good, que conectou dez cineastas em ascensão
existência naquele universo de história. com organizações sem fins lucrativos para
Estamos vivos no espaço virtual. O papel criar projetos provocadores sobre questões
dado ao participante na narrativa combina à sociais”9.
sensação de ‘presença’, com a possibilidade A fase após o término da experiência no
de mudar o curso do enredo. Não é o mesmo espaço virtual é parte integrante da experiência
ser o protagonista de uma história e ser um total. É o final ou a transição para outras
cúmplice ou uma testemunha. A nossa inter-
pretação da história, o impacto emocional 8  www.oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line. Ver página 126
9  https://www.oculus.com/vr-for-good/

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO · 82-91 87
plataformas. Dependendo do conteúdo e da complicado e inexato. Histórias, em qualquer
sensorialidade da experiência, a maneira plataforma, tem a possibilidade de mudar o
como saímos da história é completamente mundo, porque narrativas em geral despertam
diferente em cada caso: não é o mesmo sair um processo empático.
da experiência de um documentário de guerra Pensar em uma plataforma tecnológica,
e sair de um passeio de montanha-russa. É tal como realidade virtual, como um tipo de
importante ter em mente que durante essa plugin que nos permite sentir como outros, é
experiência o visitante é pura emoção, ele reduzir todos os processos humanos a uma mera
não se concentra em reflexões durante os ativação tecnológica. Se a história que esta-
minutos de existência na realidade virtual, mos contando não possui um design cuidadoso e
mas esse tempo de reflexão chega no final. imersivo, um desenrolar emocional habilidoso,
A transição de volta da virtualidade para o e um processo de narrativa detalhado, gerare-
mundo físico deve gerar um espaço adequado mos experiências que podem ser igualadas a um
para reflexão ou uma nova ação. ‘turismo de situação’.
Viagens virtuais podem nos levar a vários
eventos e emoções, mas o modo como chegamos
EMPATIA, EMOÇÕES E DESIGN FEITO lá fará a diferença entre poverty porn ou uma
POR HUMANOS: O PLUGIN EMPÁTICO? experiência de impacto profundo. O termo poverty
porn foi introduzido pela primeira vez nos anos
Desde o começo da última onda de RV, o conceito 80 e sugeria o uso de mídia, especialmente
de ‘empatia’ foi lançado como um componente filmes e fotos, explorando situações de pobreza
significativo. A ideia de ‘Máquina Empática’ ou injustiça para aumentar doações a uma causa
desenvolvida por Chris Milk, na palestra The ou para introduzir situações sociais difíceis e
Birth of Virtual Reality as an art form (O específicas para audiências privilegiadas. A RV
nascimento da realidade virtual como forma de e essa noção vaga de uma tecnologia empática e
arte), na plataforma TED Talk, em 2015, mostra imersiva imediatamente virou um terreno fértil
que a realidade virtual cria um solo fértil para uma nova onda de poverty porn.
para a indústria de entretenimento faminta por É importante lembrar que toda história e
engajamento e atenção. “A [realidade virtual] contador de história, que são eficazes em suas
conecta humanos com outros humanos de maneira missões, ativam empatia e esse processo não
tão profunda como jamais vi em qualquer outra diz respeito apenas à tecnologia utilizada.
mídia, e consegue mudar a percepção que as Estudos em neurociência (Stephens, Silbert, &
pessoas têm umas das outras. (...) É por isso Hasson, 2010) afirmam que nossos cérebros sin-
que eu acho que a realidade virtual tem o cronizam as emoções do contador de história com
potencial para de fato mudar o mundo10. as emoções da audiência que escuta ou assiste.
Apesar de existirem elementos factuais As mesmas partes do cérebro se ativam quando
para igualar RV com um processo empático, sentimos junto com outros, como uma ponte que
pensar em RV como uma máquina empática é nos conecta pela história. Então essa máquina
empática já existe, é o que conduziu a humani-
10  https://www.ted.com/talks/ dade por anos desde que os primeiros contadores
chris_milk_the_birth_of_virtual_reality_as_an_art_form
de histórias apareceram em nosso planeta, a porque elas criam um estranho tipo de compro-
máquina empática é a história sendo contada misso. Mas será que é um problema relacionado
ou vivida. Mas a RV estaria melhorando isso, à tecnologia? Não. A narrativa está faltando
fazendo isso evoluir ou apenas é um outro nesta equação. Precisaríamos construir mais
meio para se experimentar histórias? máquinas empáticas ou construir nós mesmos
A realidade virtual e nosso mundo como melhores contadores de história? Poderei
mediado por telas onde narrativas digitais ser empático no mundo virtual se não o sou na
nos protegem da opção de ser vulnerável, nos realidade?
dão uma forma segura para participar de uma Quando crio uma experiência de realidade
ação individual ou coletiva, sem realmente virtual em que o participante é jogado em uma
vivenciar isso e com uma saída de emergência zona de conflito, e vive a dor de outros,
bem definida. estaria despertando empatia? Ou provocando
As maravilhas do mundo digital nos per- empatia? Um meme me faz ser engraçado? Photoshop
mitem ser ativistas-de-um-clique, defendendo me faz ser bonito? Posso viajar para o inte-
causas dolorosas do nosso sofá de couro, a rior da dor enquanto estou protegido com uma
salvo da crueldade. Isso permite que nos armadura digital?
conectemos a centenas de pessoas em um dia Entender que estamos vendo o nascer de
sem realmente ter conectado com nenhuma. uma nova linguagem é a chave para nos pergun-
Também nos permite falar coisas que nunca tarmos como devemos tratar da empatia dentro
falaríamos pessoalmente. Nós já vivemos em do processo de design. Para ser mais preciso:
realidades virtuais toda vez que entramos em estamos no alvorecer de uma nova tecnologia que
redes sociais, equipados ou não com óculos ainda não criou sua linguagem. E linguagem é
de realidade virtual do Google. importante. A linguagem abre e destrói barrei-
Mais uma vez, o problema não está na ras do possível ou imaginável. A linguagem nos
tecnologia e sim no quanto participantes, permite dar nome aos nossos sonhos e medos e
criadores e cidadãos de um mundo digital se por esse processo, construir o que é possível.
dedicam para entender a realidade atual, A criação dessa linguagem é o processo
tendo que lidar agora com um mundo virtual, chave que não deveria ser ligado unicamente
real e aumentado, compartilhado. Ser um aos criadores da ferramenta. Nós não queremos
cidadão de milhares de lugares ao mesmo que os inventores da imprensa sejam os únicos
tempo não é fácil. que podem publicar livros, queremos?
O uso das ferramentas de realidade vir- Participar do processo onde linguagens e
tual para uma nova sociedade de informação narrativas emergentes são criadas deveria ser
ainda é questionável. Em uma experiência eu um diálogo diverso desde o princípio, consi-
posso ser o centro de um conflito, mas se eu derando origem, gênero, acesso à tecnologia e
estou olhando para ele de fora (desconexão) visões criativas. Se faltar essa diversidade
eu não consigo atuar, eu continuo um voyeur na proposta da linguagem audiovisual, faltará
externo e flutuante da dor dos outros. verdade, ela se tornará uma linguagem monopo-
As realidades sintéticas podem nos lizada ou uma linguagem morta. E o mesmo acon-
roubar a opção de ser realmente vulnerável, tecerá se faltar emoção ou se a narrativa for

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO · 82-91 89
conduzida por comiseração. Citando o trabalho linear até que o participante sentisse certas
de Brene Brown (The power of vulnerability, emoções ou foi uma jornada que levou o par-
XX), apresentado na plataforma TED talk, a ticipante por diferentes estados emocionais
“Empatia alimenta a conexão; comiseração (curiosidade-tensão-medo-terror por exemplo)?
conduz à desconexão” . 11
Como construímos medo, tristeza, alegria
A exploração atual da linguagem de RV ou êxtase? Da mesma forma que a imersão e empa-
irá mais cedo ou mais tarde levar à democra- tia não são processos automáticos dirigidos
tização da tecnologia, mas também à demo- pela tecnologia, gerar emoções também é um
cratização de uma linguagem aberta que irá processo construtivo e humano. Trabalhar com
começar a se mesclar com nossas vidas e com os nós emocionais em uma narrativa imersiva,
nossos meios preferidos de entretenimento, sugere conectar com a realidade física antes
informações e prazer. de conectar com a realidade virtual.
Como nos lembramos de experiências humanas
que foram realmente memoráveis? O que sentimos
DESIGN CONDUZIDO POR HUMANOS E EMOÇÕES naquela noite em que estávamos com muito medo
de ficarmos sozinhos na floresta? O que sentiu
Criações em transmídia, realidades virtuais e naquela vez em que você estava tão apaixonado
experiências interativas tem a peculiaridade pela vida que não conseguia parar de sorrir? Ao
de poder adicionar camadas de complexidade nos lembrarmos, se tentarmos esmiuçar as nossas
diferentes e novas habilidades para os pro- experiências, distinguindo elementos sensoriais
cessos criativos da narrativa audiovisual. e de narrativa, vamos chegar a vários elementos
Esses tipos de criações são abordados que vão nos ajudar a construir e reconstruir
por um processo de design que tem em mente emoções. Quando estamos felizes, sentimos tudo
o participante-humano durante a criação da em um ritmo diferente de quando estamos com medo.
narrativa e da jornada visual que ele irá As percepções variam em cores, tonalidades, a
experimentar. percepção de uma geometria fica mais amigável
Esse processo de narrativa também é ou mais intimidante. O relato detalhado de uma
um processo de design sensorial para criar, experiência vivida ajuda a conectar com todos os
balancear e gerar histórias (enredo) e emo- elementos que fizeram parte desta experiência.
ções em uma atmosfera virtual. Uma forma de Este relato pode contribuir para que possamos
entrar nesse processo de design pode ser pela em seguida analisar e replicar estes elementos
engenharia reversa, criando uma experiência na experiência na realidade virtual. A rea-
através de pontos nodais que concentrem lidade física, sonhos e memórias são cruciais
emoções diferentes. para o processo de design de outras realidades
Exemplo: Quando estiver saindo da expe- alternativas.
riência de RV, qual é o sentimento que desejo Entender a arte e o ofício de uma mídia
que o participante traga de volta consigo incluindo a vasta quantidade de elementos que
para a realidade-física? Foi uma trajetória a linguagem híbrida audiovisual e experien-
cial incorpora, requer paciência e vontade
de explorar. Essa exploração exige de nós que
11  https://www.ted.com/talks/brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br
entremos em um terreno diferente que começa
a surgir na sociedade atual: a transição do
contar-história para o vivenciar-história.
Nessa jornada de exploração das conexões
de conteúdo, plataformas tecnológicas e
interação, precisamos que os criadores não
apenas recriem o que vivemos como reali-
dade, mas também as vastas possibilidades
que se abrem de interferir neste universo,
com uma visão artística poderosa. O desafio
será identificar uma experiência que vale a
pena ser recriada, e depois levá-la adiante,
construindo versões alternativas daquela
experiência plena de significado, provocando
a exploração infinita do campo artístico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BROWN, Brene. (2010). The power of vulnerabi-


lity. TED Conference. https://www.ted.com/talks/
brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br

BURDEA, G., & COIFFET, P. (2003). Virtual


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of Sciences, 201008662. doi:10.1073/pnas.1008662107.
https://www.pnas.org/content/107/32/14425

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO · 82-91 91
NARRATIVAS IMERSIVAS

FÉLIX & PAUL STUDIOS:


VISITA GUIADA AO
PRESTIGIADO ESTÚDIO
DE REALIDADE VIRTUAL1

POR FANNY BELVISI2

1  Entrevista realizada em março de


2016. Publicada originalmente no
livro Au-delà du webdoc: Les nou-
veaux territoires de la création
documentaire (Le Blog documentaire
éditions, Junho 2018, Paris).

2  Fanny Belvisi é formada em


Letras e História da Arte, traba-
lhou no ramo da arte contemporâ-
nea e migrou para o universo do
cinema, tendo cursado formação em
documentários no Ateliers Varan,
em 2013. Desde 2017 produz docu-
mentários para diversos canais de
televisão. É colaboradora do Le
Blog Documentaire desde 2015.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 92
É no coração da vibrante Montreal que fica o filial, pois tem muitas oportunidades em LA”,
famoso Félix & Paul Studios, a dois passos afirma Cindy Philippe, que me recebeu para a
do Centre Phi, local de experimentações visita numa fria manhã de março no estúdio.
artísticas na cidade. A proximidade não Cindy é uma espécie de super assistente
é apenas geográfica, as duas instituições dos três fundadores do estúdio. Desde 2015, é
mantêm fortes relações, e não é incomum que ela que cuida da agenda lotada, coordena seus
o Centre Phi exponha os últimos projetos compromissos, os faz encontrar as pessoas certas
do estúdio. no momento certo, filtra os inúmeros projetos
Em março de 2016, o Centre Phi propôs que chegam na sua caixa de e-mails e apresenta
um ‘jardim de realidades virtuais’, onde o só os que condizem com a filosofia da casa. Ela
público era convidado a fazer uma imersão em também gerencia uma parte da comunicação da
quatro obras de RV (realidade virtual), com start-up (site, redes sociais, Instagram). “Não
um novo olhar sobre as grandes questões do dá tempo de se entediar aqui. O importante é que
século XX. Dentre elas estavam Inside impact: todo mundo gosta do que faz. Como nosso padrão
East Africa with President Clinton3 e Nomads: de qualidade é muito alto, precisamos dedicar
Maasai , de autoria de Félix Lajeunesse e
4
muitas horas e também alegria ao trabalho. A
Paul Raphaël, fundadores do estúdio. pessoa tem que querer dar o seu melhor. Todo
Nós quisemos, então, saber mais sobre mundo é muito empenhado”, valoriza.
essas duas personalidades. A logo do estúdio Com um prato de cookies caseiros e uma
os representa: um deles montado em um alce e xícara de chá pelando nas mãos, ela me apresen-
o outro em um dromedário. Apesar da imagem tou o espaço, onde tudo é secreto. Não se pode
fazer rir, ela traduz o desejo dos sócios, de tirar fotos, por exemplo. O estúdio se divide
expandir de Norte a Sul. De fato, a pequena em duas grandes partes: na entrada encontra-
start-up criada em 2013 não para de crescer mos os desenvolvedores que gerenciam os dados
e abarca projetos cada vez mais ambiciosos. recebidos (e eventuais bugs), garantindo que
Sabe-se que dromedários não são comuns na eles se adaptem corretamente à tecnologia uti-
vasta fauna da costa oeste americana, mas lizada – a saber: capacetes Gear VR Samsung,
ainda assim o Félix & Paul Studios abriu uma alimentados pelo periférico Oculus –, e que
filial em Los Angeles. desenvolvem uma câmera para RV que responda
“Em última instância, para Félix, Paul e melhor a necessidades de projetos futuros.
Stéphane (último membro fundador da start-up), A segunda parte do espaço, separada pela
a ideia é ser um VERDADEIRO estúdio de cinema cozinha, é composta pela equipe de pós-produção,
para RV. A tecnologia avança muito rapida- que gerencia a parte da montagem dos projetos,
mente. Não há razão alguma para que isso o som e a sincronização. Ao todo, 25 pessoas
não possa ir muito mais longe e que a gente participam das produções do estúdio, fora 10
não se torne um grande estúdio. Nossa sede vagas a serem preenchidas na pós-produção, que
fica em Montreal, mas foi preciso abrir a tem sempre mais importância. “Nós crescemos
muito em pouco tempo, mas ainda estamos pre-

3  https://www.felixandpaul.com/?projects/
cisando de pessoal, porque pretendemos ampliar
inside_impact_east_africa ainda mais”, anuncia Cindy.
4  https://www.felixandpaul.com/?projects/maasai

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI · 92-99 93
Depois dos cookies e do chá, é hora de e sintaxe, que estão aqui bem confusas. O
acessar as obras propriamente ditas. O que espectador está verdadeiramente dividido entre
sustenta a reputação da Félix & Paul Studios um aqui (seu corpo) e um ali (sua consciência).
é justamente o posicionamento que assumem Se esta mídia é a materialização de um antigo
frente aos projetos, com uma abordagem docu- sonho do Homem – o poder da onipresença – a que
mental que permite um mergulho no coração nova relação com o corpo ela nos leva?
de situações ‘reais’ onde o espectador vive Roland Barthes analisa, em 1968, o que
uma experiência quase ‘pura’. ele chama de ‘efeito do real’8 no âmbito da
Cindy coloca o imponente, e para ser literatura realista. Esse ‘efeito do real’ na
sincero bem desconfortável, capacete de RV presença, no contexto dos textos literários,
nos meus olhos e um par de fones nos ouvidos. mais especificamente dos romances realistas do
A viagem começa com uma das primeiras rea- século XIX, trata de elementos descritivos que
lizações do estúdio, Strangers with Patrick não tem nenhum valor funcional. Ou seja, que não
Watson5, na qual o espectador é imerso na são úteis para a narrativa em si do romance.
intimidade de um músico ensaiando em um estú- Esse ‘efeito’ surge claramente relacionado
dio. Seguimos nossa exploração com Nomads: aos elementos descritivos do texto que agregam
Herders6, fascinante incursão nas paisagens menos à ação, mas validam uma relação imediata
da Mongólia com uma cena impressionante onde e autêntica com o real. Tendo em mente esta
o espectador se infiltra no interior de uma reflexão, podemos nos perguntar: a força da
yurt e se encontra cercado por uma família realidade virtual não viria também justamente
de mongóis comendo e entretida em seus afa- deste ‘efeito do real’? Tomando esse entendi-
zeres. Temos a mesma sensação de vertigem mento como fundamento, pode-se concluir que a
diante de um tête-à-tête com Bill Clinton, narrativa dos filmes produzidos até agora é
praticamente em carne e osso, sentado no relativamente fraca, e que o espectador final-
seu escritório, falando conosco em Inside mente chega mais perto da sensação de assistir
impact: East Africa with President Clinton. à uma descrição da realidade – que não é a sua
E como o Félix & Paul Studios se lançou na – mais do que se ater a uma história.
ficção, Cindy nos mostra o projeto Wild - A realidade virtual oferece ao espectador
The Experience , apresentado no Festival
7
uma experiência estética potente de estímulo
Sundance em 2014, elaborado em parceria com dos sentidos. Contudo, privando o público de
Fox Searchlight e Fox Innovation Lab, à época uma distância física em relação à obra, ela não
da estreia do filme Wild. lhe tira também, de um certo modo, sua distância
No final das contas, a experiência crítica, aquela que permite apreciar uma obra
sensorial é convincente, ainda que a mídia e a representação do real que ela propõe? Além
levante muitas reflexões. A realidade virtual disso, que representação da realidade oferece a
altera questões críticas do cinema ‘clás- realidade virtual? Como ela difere do cinema? O
sico’, e nos obriga a repensar sua gramática que acontece com os conceitos de enquadramento
e planos? O papel do diretor permanece o mesmo

5  https://www.felixandpaul.com/?projects/introtovr
6  https://www.felixandpaul.com/?projects/herders
7  https://www.felixandpaul.com/?projects/wild 8  www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1968_num_11_1_1158
ou será que ele passa a assumir a função de dessas pausas, o espectador está mais apto
um diretor de teatro que organiza o cenário a retomar a intensidade dramática.
e os personagens e depois sai de cena para
Na realidade virtual, temos essa primeira
dar espaço ao espetáculo?
dimensão, ou seja, a intensidade do sto-
Ninguém com mais legitimidade do que
rytelling. Mas temos também a intensidade
Félix Lajeunesse para responder a esses
da presença do espectador que moldamos em
questionamentos.
função do tipo de experiência que preten-
demos proporcionar. Em Nomads: Herders,
temos planos que têm uma intensidade mais
forte do que outros. Assim que o espec-
SEUS FILMES TEM UMA DURAÇÃO tador chega na yurt com as pessoas, não
GERALMENTE DE 8 A 10 MINUTOS. tem narração propriamente dita, mas existe
ESSA TEMPORALIDADE ESTÁ, EM
PARTE, LIGADA A DIFICULDADES uma sensação de conexão muito forte com
TÉCNICAS. MAS ESSA ESCOLHA aquelas pessoas. No entanto, não acontece
POR FORMATOS CURTOS ESTARIA nada de especial. Se se tratasse de um
TAMBÉM RELACIONADA AO FATO DE
OS SEUS FILMES EXIGIREM UMA filme clássico, essa cena seria um acessó-
FORTE INTERAÇÃO DO ESPECTADOR, rio e ordinária. Contudo, se a pensarmos em
PRINCIPALMENTE NOS DOCUMENTÁRIOS? termos de evolução da sensação de presença,
É UM DESEJO DE CONTROLAR A
NOSSA CAPACIDADE DE ATENÇÃO? ela é protagonista na experiência vivida.

O laço com esses personagens é criado


neste momento. Normalmente, eu nunca teria
FÉLIX LAJEUNESSE (FL): A ideia de ‘pre- começado com essa cena logo no início da
sença’ na realidade virtual precisa ser experiência. Gradualmente, as coisas vão
moldada em função da história contada, se ajeitando e a cena é emocionalmente mais
como um instrumento. Em todo caso, é forte por estar onde está. O espectador
assim que trabalhamos. Não é um recurso precisa estar psicologicamente preparado.
que deva ser usado em intensidade máxima Nós levamos muito isso em consideração e
o tempo todo. Nós a moldamos através da trabalhamos a realidade virtual sob essa
história. Se a gente só cria momentos ótica, tanto nos projetos de ficção quanto
muito intensos, encadeados na narra- nos documentários.
tiva, isso nos leva a uma experiência
A matéria prima com a qual trabalhamos
densa demais. Nos filmes que produzimos,
é o estado de espírito do espectador. Na
há momentos em que tentamos reduzir a
realidade virtual, estamos na cabeça dele.
intensidade da sensação de presença, dar
A partir do momento em que você o insere
tempo de o espectador respirar e reto-
em uma obra, você tem toda a sua atenção,
mar o fôlego. É como em uma história
ele não pode escapar, nem se desconec-
onde recorremos a planos mais abertos,
tar. O espectador é confrontado a conhe-
vendo a cena de longe, para poder tomar
cer o que lhe está sendo apresentado. É
uma certa distância da história. Depois
uma mídia muito sensível, onde é possível

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI · 92-99 95
proporcionar um impacto real no estado máximo à experiência sensorial humana: a
de espírito do público. maneira como enxergamos as coisas natural-
mente na realidade, como as escutamos, e
Para mim, uma obra de RV sem qualidade
como as percebemos no espaço.
irrita, porque eu estou lá dentro e não
posso sair. Eu estou mergulhado em uma A RV recebe e expressa as coisas de forma
coisa que detém toda a minha percepção. muito análoga à do ser humano. Se trata de
Isso me tira do sério! Por outro lado, uma experiência imediata, muito íntima e
se fosse um filme clássico, eu poderia que não parece fazer grande distinção entre
diminuir meu nível de atenção e pensar a consciência do espectador e a do artista
em outras coisas. Isso não é possível que criou o filme.
em um filme de realidade virtual. Existe
A natureza própria da mídia é diferente,
um vínculo muito estreito criado com o
logo a posição do espectador também é. Mas
espectador. Em Herders, nós prestamos
eu não acredito que a RV, mesmo na sua forma
muita atenção na evolução da história e
mais real, permita uma confusão. Mesmo
na maneira como vamos agir no estado de
quando filmamos momentos da vida integral-
espírito do espectador. Porque essa mídia
mente, setores da vida não manipulados, o
consegue nos tocar de maneira muito sensí-
cérebro do espectador continua consciente
vel, nós tentamos fazer isso de uma forma
de que ele está imerso em uma experiência,
muito cuidadosa, respeitando a inteligên-
que ele pode sair a qualquer momento. Ele
cia e sensibilidade do espectador.
não acha que foi teletransportado. A RV
cria uma sensação de imersão na cabeça do
espectador, mas não se trata de uma desco-
nexão completa.

DO SEU PONTO DE VISTA, REALIDADE


VIRTUAL E CINEMA SÃO DUAS COISAS
COMPLETAMENTE DISTINTAS? SE A
RV PERMITE AO ESPECTADOR SE
APROXIMAR DA REALIDADE, TRATA-
SE AINDA DE UMA ‘REPRESENTAÇÃO NO CINEMA O DIRETOR SELECIONA E
DA REALIDADE’ NA SUA OPINIÃO? E, DECUPA O REAL GRAÇAS AOS PLANOS
SE SIM, QUAIS SÃO AS MODALIDADES QUE ELE ESCOLHE. NA REALIDADE
E AS CARACTERÍSTICAS? VIRTUAL ESSA OPERAÇÃO NÃO EXISTE
DESTA FORMA, JÁ QUE O ESPECTADOR
SELECIONA ELE PRÓPRIO O QUE ELE
FL: Sim, absolutamente, RV é uma repre- QUER – OU NÃO – ASSISTIR DA CENA
PROPOSTA. COMO O SENHOR PROCEDE?
sentação da realidade! A única grande
diferença é que há muito menos distância
entre a representação e o espectador. FL: Essa pergunta sobre enquadramento é

O que muda, então, é a relação que se um questionamento comum para muitas pes-

mantém com esta representação. A mídia soas que vêm do cinema. Elas enxergam a

é feita de tal forma a se assimilar ao RV essencialmente sob a ótica da liberdade


que é dada ao espectador. Esse aspecto
constitui uma mudança fundamental em que acabamos de relatar, porque é uma
relação ao cinema, mas sobre o qual não reflexão que se dá em termos de pontos de
pensamos nunca a respeito no momento de interesses. Se pensa em estratégia, assim
produção de um projeto. Para nós, esse é como um cineasta.
um conceito que não existe. Nós criamos
Ao contrário, a gente enxerga a câmera
momentos e trazemos o espectador para
de maneira mais antropológica, tendo em
o interior deles. Nós trabalhamos para
vista o papel e o ponto de vista do espec-
que o lugar que o espectador escolhe
tador dentro de cada momento. (Qual é o
para assistir a esses momentos não tenha
sentido da presença do espectador? Qual o
muita importância. Em todas as situa-
motivo de estar dentro desta cena?). Não é
ções da vida, nós temos a possibilidade
muito grave se o espectador não vê isto ou
de olhar para outro lugar, de exercer
aquilo. O importante é entender onde deve
o nosso direito de direcionar nossa
estar sentado o espectador. Assim que você
atenção para onde queremos, de mergu-
toma essa decisão, você enxerga a câmera
lhar onde desejamos, de acordo com o
como um personagem e você acaba fazendo
que chega para nós, de acordo com o que
escolhas que são coerentes com a natureza
queremos olhar. Isso acontece dentro do
deste personagem.
nosso inconsciente. A gente não diz para
nós mesmos: “estou fazendo a escolha de
olhar isto ou aquilo…”

Nós tentamos criar momentos nos quais


o espectador vá se sentir num estado de NA SUA OPINIÃO, QUAIS SÃO OS
espírito análogo ao da realidade, momen- EIXOS QUE VOCÊS AINDA PRECISAM
DESENVOLVER? QUAIS SÃO AS PISTAS
tos onde não tentamos controlar o que DE EVOLUÇÃO E DE APERFEIÇOAMENTO?
quer que seja. O espectador é livre de
viver o que ele quer, como na realidade.
FL: A realidade virtual é uma mídia frágil. É
O que é importante para nós é criar
muito fácil fazer uma besteira. Mas se você
condições que proporcionem o encontro
realmente quer atingir uma forma de expressão
entre o espectador e um momento. Nós
hábil, ser capaz de tocar as pessoas e que a
precisamos assegurar que nosso trabalho
obra persista nelas, é difícil! Você tem que
de diretor, que consiste em criar esse
conhecer bem os conceitos e o DNA da sua mídia
encontro, seja feito em boas condições
para que soe verdadeiro.
e que confira veracidade ao espectador,
seja corretamente realizado. Nos próximos anos, o que vai mudar é o que
diz respeito à duração dos projetos. Eles vão
Se a gente for pensar “minha câmera é uma
se estender no tempo e abordar histórias mais
360o, eu a posiciono em um determinado
complexas, contendo aspectos diferentes. A
ponto porque assim teremos um bom ponto
gente deve ganhar também mais flexibilidade
de vista quando o personagem entrar”,
e leveza.
então a gente se confronta ao problema

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI · 92-99 97
O desafio que a gente se impõe enquanto
estúdio e enquanto diretores é o de mergu-
lhar cada vez mais na ficção. Até o momento, APLICADA AO DOCUMENTÁRIO, A RV
estamos muito prudentes. É importante para PROPORCIONA ÀS VEZES AO ESPECTADOR
nós entender primeiro a matéria com a qual UM SENTIMENTO DE VOYEUR. ELE
ESTÁ PRESENTE NA CENA E, AO
estamos trabalhando. Nós estamos indo na MESMO TEMPO, EXPERIMENTA UMA
direção de projetos mais ambiciosos em ter- PASSIVIDADE. O PRAZER QUE A RV
mos de ficção. PROPORCIONA VEM TAMBÉM DE UM
SENTIMENTO DE TRANSGRESSÃO DO
PROIBIDO: O ESPECTADOR É CONVIDADO
A UMA CENA, MAS SABE PERFEITAMENTE
QUE NÃO DEVERIA ESTAR ALI. O
QUE O SENHOR PENSA SOBRE ESSE
ASPECTO: O ESPECTADOR QUE NAVEGA
SE VOCÊS MERGULHAREM ENTRE PRESENÇA E PASSIVIDADE?
COMPLETAMENTE NOS PROJETOS
DE FICÇÃO, VÃO ABANDONAR
O DOCUMENTÁRIO? FL: Neste momento, há muito discurso na
indústria com relação a essa problemática,

FL: Nós não vamos abandonar o documentá- especialmente entre as pessoas que vem do

rio, pelo contrário! O que eu vou dizer universo dos games. Segundo eles, estar

é um pouco exagerado, mas eu sempre tive presente não é nada, seria preciso poder

a impressão de que o documentário nunca mexer e interagir. É um discurso que não se

encontrou seu lugar de fato no cinema. baseia no storytelling, mas apenas na inte-

Como se a expressão documental através ração. No fim das contas, é uma tendência a

da mídia cinematográfica nunca tivesse dogmatizar as coisas: “isso deve ser assim,

encontrado seu ápice, pelo fato de o ou então não é RV”. Para mim, o problema

cinema ser artificialmente fabricado. com o fato de se sentir em movimento, é que


isso chega muito rápido no limite! Você se
O documentário no cinema tenta atingir encontra em uma espécie de jogo, obvia-
o real, mas isso fica longínquo e difí- mente, cheio de regras muito evidentes para
cil, a partir do momento que o cinema é ser uma experiência da realidade, onde, ao
uma mídia artificial, uma representação contrário, tudo é possível. Quanto mais
pura como a pintura. a gente dá liberdade, mais fica evidente

Por fim, o documentário que persegue a que ela é limitada. Isso acaba por definir

veracidade acaba passando por uma mídia regras do que se pode e o que não pode

artificial. Sinto que se o documentário fazer durante a experiência.

não consegue atingir o seu ápice no Por outro lado, estou convencido de que
cinema, é perfeitamente possível que quanto mais o espectador está em contato
isso ocorra na realidade virtual. Os com a RV, mais o sentimento de passividade
diretores vão finalmente encontrar uma diminui. Ele acaba se integrando completa-
via de desenvolvimento para suas obras mente a essa sensação.
onde possam se expressar plenamente.
NARRATIVAS IMERSIVAS

OKIO STUDIO, O PIONEIRO


DA REALIDADE VIRTUAL
FRANCESA POR TRÁS DE
I, PHILIP E ALTÉRATION1

POR XAVIER DE LA VEGA2

1  Texto produzido em 2016 e


atualizado pelo autor em 2018.
Publicado originalmente no livro
Au-delà du webdoc: Les nouveaux
territoires de la création do-
cumentaire (Le Blog documentaire
éditions, Junho 2018, Paris).

2  Xavier de la Vega é produtor e


roteirista de narrativas intera-
tivas. Oriundo do jornalismo, se
especializou em design interativo
na École de L’image des Gobelins.
É autor e produtor do newsga-
me BeMySavior (LeVentSeLève,
OBS, 2015). Atualmente é
produtor de realidade vir-
tual na Picseyes Films, em
Paris. Tradução: Mariana Gago. 

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Eles produziram, em 2016, a primeira ficção incorporou em sua programação, fala sobre o
científica francesa em realidade virtual: escritor de ficção científica americano Philip
I, Philip3. O filme integra um dispositivo K. Dick. É, sem dúvidas, o primeiro grande
transmídia criado pelo canal ARTE que gira projeto francês em realidade virtual. Nesse
em torno do universo de Philip K. Dick, com meio tempo, os dois trintões criaram o Okio
um documentário linear para a TV, o videogame Studio, produtora de realidade virtual que
Californium e I, Philip. Em seguida, a Okio logo virou referência no meio. “Passamos um
Studio retornou à ficção em realidade virtual ano experimentando a realidade virtual em todos
com Altération4. A atividade de Antoine Cayrol as direções”, conta Antoine. “Nós fabricávamos
e Pierre Zandrowicz não se resume a essas nossas câmeras. Filmamos de esqui, skate, de
duas obras, mas foram elas que os colocaram carro na montanha russa, para entender como
na vanguarda mundial, não muito longe dos funcionava, o que dava certo e o que não dava.
canadenses do Quebec Félix & Paul. A partir daí, as pessoas começaram a nos con-
Tudo começou com a exibição de uma vidar. Tínhamos nos tornado especialistas em
sessão de Grand Huit (montanha russa, em realidade virtual”.
francês). Uma sessão que provocou suor frio, De fato, o Okio viu suas produções se
vertigem e pânico. Nada incomum quando se multiplicarem rapidamente. I, Philip, e tam-
trata de montanhas russas... A não ser bém Altération, entre outros vários filmes da
pelo fato de que Antoine Cayrol e Pierre produtora, se inserem na categoria ‘drama’.
Zandrowicz, respectivamente produtor e Havia também o Okio-Report, que deu origem a
diretor criativo da FatCatFilms, não tinham inúmeras reportagens em vídeo 360 para o Le
previsto a ida à FoireduTrône (um parque Parisiene France Ô. Por fim, havia o setor
de diversões em Paris) naquela noite. Eles ‘marcas’: Okio fez produções de publicidade em
tinham ido encontrar uns amigos produtores realidade virtual para Jean-Paul Gautier, para
e um capacete DK - a primeira versão do a companhia de gás Engie, para o Téléthon... A
Óculus Rift - se encontrava no fundo da publicidade se tornou, inclusive, a atividade
sala. Podia-se experimentar uma descida principal do estúdio. Foi assim que Antoine
virtual na montanha russa, com uma imagem Cayrol e Pierre Zandrowicz se desvincularam do
de má qualidade. No entanto, assim que os Okio, no final de 2017, e criaram, junto com
dois deixaram a sala para fumar e trocar Arnaud Colinart, a Atlas V.
impressões sobre a experiência, ambos tive- I, Philip nasceu quase que por acaso.
ram um estalo. Disseram ao mesmo tempo: “e Pierre Zandrowicz teve, durante muito tempo, o
se fizéssemos um filme?”. projeto do filme na gaveta. “Tínhamos tentado
Dois anos e meio mais tarde, o filme fazer um documentário, um longa-metragem, um
estava pronto. I, Philip, um dos primeiros curta-metragem, mas a história era complexa
curtas-metragens de ficção em realidade e os patrocínios não davam conta. Percebemos
virtual que a emissora de TV francesa ARTE que uma solução seria contar a história com
um capacete de realidade virtual, fazendo o

3  http://www.Okio-studio.com/Okio-project4-I-philip.html
espectador criar um sentimento de empatia com
Ver página 129. essa cabeça de robô”, relata ele. I, Philip é
4  http://www.Okio-studio.com/Okio-project1-alteration.html

OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA...  ·  POR XAVIER DE LA VEGA · 100-104 101
um filme com ponto de vista subjetivo, onde o E foi assim que nasceu o nosso curta-metragem,
espectador se infiltra na cabeça de um robô onde, assim que o espectador coloca seu capa-
e reconstitui o espírito de Philip K. Dick. cete de realidade virtual, ele se encontra no
Assim que Antoine apresentou os primeiros interior da cabeça de um robô, uma espécie de
demos sobre sua experiência em realidade vir- criatura digital no meio dos humanos.
tual no polo web da ARTE, Gilles Freissinier, Para rodar I, Philip, foi preciso inven-
chefe do polo, convencido de suas capacidades, tar do zero um dispositivo de filmagem. “Nós
logo perguntou se tinham projetos em realidade alinhamos algumas técnicas para ter um efeito
virtual. Um projeto sobre Philip K. Dick? Que verdadeiro de cinema, não queríamos um efeito
coincidência! A ARTE acabava de lançar um de GoPro (seis câmeras GoPro acopladas são um
dispositivo transmídia que girava em torno padrão para reportagens em 360°). Além do mais,
do escritor. “Eu não tinha nem finalizado o desejávamos rodar em relevo”, conta Pierre.
roteiro quando Antoine chegou com a notícia de Sendo assim, ele acoplou duas câmeras Red (câmera
que a ARTE queria lê-lo”, conta Pierre. Algumas digital de altíssima definição) para filmar
semanas de trabalho depois, o canal anunciou: em 3D. Os microfones foram instalados no topo
“vamos ao banco!”. Patrocinaram a montagem do das câmeras, o que os obrigou a suprimir os
curta-metragem, cujo orçamento foi a bagatela ventiladores e a fixar um tubo comprido na
de 500.000 euros. Isso é o que chamamos de parte de trás dos equipamentos para garantir
estar na hora certa, no lugar certo. a ventilação necessária. “Era uma câmera bem
Os responsáveis pelo polo web da ARTE estranha...”. “De onde vem nosso desejo de
conseguiram financiar em um primeiro momento filmar em relevo? Ora, do desejo de recriar a
o demo do projeto, para submeter sua produção realidade! Assistir no capacete de realidade
à aprovação e verificar se seria possível virtual um vídeo em 360° é como ver através de
realizar o maior desafio do filme – rodá-lo uma bolha. A realidade é em relevo”, finaliza
integralmente com uma câmera subjetiva. Antoine.
Assumiram o risco, já que, até então, só se Os dois sócios e produtores pertencem a
tinha ciência de um único longa-metragem de um grupo internacional restrito de hackers da
ficção filmado com esse recurso (Lady in the realidade virtual, junto com os canadenses Félix
Lake, 1947), que teve mais repercussão pela & Paul ou o americano Chris Milk (de Within),
curiosidade que suscitou do que por ter se que fabricam seus próprios utensílios de fil-
tornado uma referência cinematográfica de magem para realizarem um sonho antigo: recriar
fato. Marianne Lévy-Leblond e Lili Blumers, a realidade da maneira mais fiel possível. “Se
da ARTE web, temiam que o olhar-câmera dos mantivermos o nosso nível de exigência, vamos
personagens, presente em muitas cenas do continuar a construir câmeras. Até o momento, o
filme, não funcionasse. “Trabalhamos um mês que fazemos é fabricar a melhor câmera possível
e meio no demo e fomos apresentar”, explica para aquele filme. A próxima não terá nada a
Pierre. “Eles viram o filme uma única vez – ver com a câmera de I, Philip”.
foi super frustrante – e disseram: “ok, cool!” Pierre rapidamente desistiu de filmar em
Perguntamos se não queriam assistir mais uma 360°, o que implicava em deixar a cena uma vez
vez. Responderam-nos “não, não, está bom!” acionada a câmera. Mas isso significava se lançar
em desafios arriscados. “Como queríamos um E tem outros elementos, dispostos lá e cá, que
stitching perfeito (o stitching consiste enriquecem a história”, acrescenta Antoine.
em costurar vários pontos de vista a fim E o enquadramento, essa decisão crucial
de reconstituir uma imagem em 360°), nós do cineasta, que exclui, acentua, aumenta,
rodávamos em muitas etapas. Concretamente, complexifica, dá ritmo à ação; esse quadro
quando dois atores dialogavam, eu não os não foi igualmente abolido? Logo imaginamos os
filmava juntos, mas primeiro um, depois o guardiões da sétima ARTE se exaltando, prestes
outro... Só que o segundo não tinha direito a mostrarem suas garras: sem enquadramento,
de responder, não podia nem sequer mexer, ainda podemos falar em cinema? “Essa história
porque prejudicava o som”. Ou seja, o filme de dizer que não existe quadro, porque sua
em 360° nos obrigava a reinventar o bom e câmera filma tudo...”, vocifera Pierre. “Em 360
velho plano-contra plano. “A filmagem era a gente não filma tudo. É a posição da câmera
muito desafiadora para os atores”, completa que induz – ou não – à sensação de estar no
Antoine. “Mas aí, Pierre podia dirigir os lugar de outrem. A composição do quadro ainda
atores, o diretor iluminava a cena...”. é uma escolha decisiva. Nós filmamos uma cena
Enfim, tratava-se de fazer cinema.  na praia de Etretat (na região da Normandia).
E o que acontece com o cinema em um Poderíamos ter colocado a câmera em milhares
filme em 360o? Sabemos que sua gramática de lugares diferentes. Escolhemos um, onde as
fica revirada. Para começar, não existe rochas, filmadas em relevo, acrescentavam à
“fora de cena”, já que a câmera capta a cena narrativa. Não podemos dizer que não há mais
em todos os ângulos. ‘O “fora de cena’ na quadro. Ao contrário, tem muito mais quadro do
realidade virtual é o cômodo ao lado. Tem que antes. A realidade virtual mete medo nos
uma cena, em I, Philip, em que escutamos realizadores, eles temem que seu papel desa-
a conversa de dois personagens que não pareça. No entanto, na realidade virtual, tem
vemos. Eles estão em outro cômodo, no final uma infinidade de decisões a serem tomadas”.
do corredor”, aponta Pierre. Sendo assim, A realidade virtual é um cinema com uma
para o espectador, o quadro se constrói por interatividade inerente, ativada pelos movi-
exclusão, já que, a cada momento, ele vê uma mentos da cabeça (e do corpo, dependendo do
fração da imagem em 360o. Isso significa dispositivo). Mas como antecipar como o espec-
que o diretor precisa de uma ação que se tador vai reagir àquela imagem? “Nosso papel
desenrole em vários pontos do quadro. “A principal é de guiar o olhar do espectador. Mas
realidade virtual implica em uma hierar- existe também o que eu chamaria de uma interati-
quia entre os elementos da cena. Primeiro vidade passiva: o espetador desbloqueia alguns
temos os elementos fundamentais, que o elementos dentro da imagem. Um personagem só
espectador não pode perder para compreender aparece se ele olhar naquela direção, mas ele
a história. Uma boa parte da narrativa na simplesmente não aparece caso o espectador não
realidade virtual consiste em guiar o olhar olhe para o lado certo. Essa interatividade
do espectador, através do som, da luz, dos é que acho mais interessante do que em webdo-
movimentos de imagem, para que ele veja o cumentários, onde as escolhas são claras (ir
que deve ser visto e quando deve ser visto. para a direita ou para a esquerda?). Aqui, o

OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA...  ·  POR XAVIER DE LA VEGA · 100-104 103
espectador não tem consciência do que ele a resposta é absolutamente afirmativa: “a rea-
perdeu”, observa Pierre. É possível que I, lidade virtual vai certamente ter uma grande
Philip tenha se beneficiado de tal interação importância no futuro – Goldman Sachs prevê uma
por redirecionar os movimentos do especta- trajetória comparável com a da televisão. Mas
dor para o coração da ação. A faculdade de ela vai continuar coexistindo com os conteúdos
virar cabeça por todos os lados, em algum da web e audiovisuais. Não há nada que diga que
momento, pode prejudicar a identificação o espectador tenha um desejo de ficar imerso
do espectador com o robô e, portanto, a sua permanentemente na realidade virtual. Eles vão
presença na ação. preferir alternar entre conteúdos imersivos e
Esse sentimento de ‘presença’ virou um uma partida de futebol em 2D, com alternância
mantra para os adeptos da realidade virtual. de planos; ou então entre uma aba da internet
Assim que assistiu com capacete à obra Síria: com um documentário e sequências específicas
a batalha pelo Norte, que o Okio-report em realidade virtual. O futuro está na comple-
produziu para o Le Parisiencom a agência de mentação das mídias”.
imprensa Smart, sediada na Síria, Pierre,
pela primeira vez em sua vida, teve a sen-
sação de onipresença. “De uma hora pra outra
a Síria era aqui, eu estava lá.”
Com essa experimentação que contempla
todas as potencialidades da realidade vir-
tual, ainda há lugar para a produção digital
clássica – se ousarmos falar em classicismo
para formatos de 10 anos atrás? Para Antoine,
CAPÍTULO 4 | CHAPTER 4

MOSTRA BUG - CATÁLOGO

THE BUG EXHIBITION – CATALOG

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG


ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS 
EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET 105
NARRATIVAS
INTERATIVAS

INTERACTIVE
NARRATIVES

Highrise: Out My Window 2010


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

outmywindow.nfb.ca

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) • REALIZAÇÃO/CREATOR: KATERINA CIZEK

Highrise: Out My Window fala da vida Highrise: Out My Window discuss-


urbana por meio de pessoas que habi- es urban life through the stories
tam arranha-céus e observam o mun- of people who inhabit skyscrapers
do de suas janelas. São 49 histó- and observe the world through their
rias vindas de 13 cidades ao redor windows. There are 49 stories from
do planeta. O documentário mostra 13 cities around the planet. The
recortes diverso`s de vidas imer- documentary shows various slices of
sas em gigantescas torres residen- life as immersed in gigantic, con-
ciais de concreto. É um dos primei- crete-slab towers. It is one of the
ros documentários interativos com world’s first, interactive 360o doc-
visualização em 360o do mundo e foi umentaries and was the first initia-
a primeira iniciativa do premiado tive from the award-winning, multi-
projeto multiplataforma e colabora- platform and collaborative project,
tivo Highrise, ainda em desenvolvi- Highrise, still in development,
mento, sempre com foco na experiên- and always with a focus on the hu-
cia humana em grandes edifícios. man experience in large buildings.
Hollow 2013
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA

hollowdocumentary.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: REQUISITE MEDIA, LLC • REALIZAÇÃO/CREATOR: ELAINE MCMILLION SHELDON

Hollow é um documentário interati- Hollow is an interactive documenta-


vo que investiga o declínio popula- ry which investigates rural Ameri-
cional da América rural por meio da ca’s population decline through the
história dos moradores do condado de story of the residents of McDowell
McDowell, na Virgínia Ocidental. Em country, West Virginia. In 2013, the
2013, a população era composta por population consisted of 22 thousand
22 mil moradores, bem abaixo dos 100 residents, well below the 100 thou-
mil durante o auge industrial vivi- sand experienced during the indus-
do em meados do século XX. O motivo trial boom in the 20th century. The
principal seria a saída de jovens e main motive for youths and adults to
adultos em busca de melhores oportu- leave was the search of better job
nidades de emprego em cidades maio- opportunities in bigger cities, a
res, um fenômeno ainda em curso. phenomenon which continues today.

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


Network Effect 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA

networkeffect.io

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH •


REALIZAÇÃO/CREATOR: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH

Network Effect explora o efeito psico- Network Effect explores the psycholog-
lógico do uso da internet na humanida- ical effects of internet use on human-
de. O projeto se baseia nos infinitos ity. The project is based on the in-
cruzamentos de informações que o usuá- finite cross sections of information
rio pode gerar a partir de um gigantes- which the user can generate through a
co banco de dados composto por 10 mil gigantic database composed of 10 thou-
videoclipes, 10 mil frases faladas, no- sand video clips, 10 thousand spoken
tícias, tweets, gráficos, listas e mi- phrases, news stories, tweets, graph-
lhões de dados postados por indivíduos ics, lists, and millions of data post-
na web. Só há uma questão: a janela de ed by individuals on the web. There is
visualização é limitada a cerca de sete only one issue: the viewing window is
minutos (cálculo feito a partir da ex- limited to around seven minutes (a cal-
pectativa de vida média no país de onde culation based on the average life ex-
a página é acessada), induzindo o usuá- pectancy in the country from which the
rio a um estado de ansiedade, de impos- page is accessed), inducing in the user
sibilidade de conclusão. Uma provocação a state of anxiety, frustrating any at-
a respeito da ilusão de conhecimento tempt at conclusion. A provocation re-
e completude gerada pela internet. lated to the illusion of knowledge and

107
completeness generated by the internet.
Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

ilhagrandewebdoc.website

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (LTDS) DA UFRJ •


REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ

O webdocumentário Ilha Grande: Cada The web documentary, Ilha Grande:


Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma His- Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha,
tória reúne histórias de personagens uma História, gathers stories about
e curiosidades sobre nove praias characters and curiosities from nine
deste que é considerado um paraíso beaches of Ilha Grande, an island
no sul do estado do Rio de Janeiro. paradise located in southern Rio de
Também traz sugestões de guias lo- Janeiro state. It also offers sug-
cais, hospedagens, restaurantes e gestions of local guides, housing,
serviços de transporte. O webdoc faz restaurants, and transportation ser-
parte de um projeto de desenvolvi- vices. The webdoc is part of a de-
mento e difusão de uma tecnologia velopment project aiming to promote
social voltada para apoiar inicia- social technology which supports
tivas de turismo de base comunitá- community-based tourism initiatives
ria no entorno de áreas protegidas. in environmentally protected areas.

A Cidade Inventada 2017


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

acidadeinventada.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: TEMPO PORTO ALEGRE • REALIZAÇÃO/CREATOR: LILIANA SULZBACH

A Colônia de Itapuã, localizada no Itapuã, located in the municipali-


município gaúcho de Viamão, foi um ty of Viamão in Rio Grande do Sul,
dos 33 “vilarejos-hospital” cons- was one of the 33 “hospital vil-
truídos na década de 1940 pelo en- lages” constructed in the 1940s by
tão presidente Getúlio Vargas para then-president Getúlio Vargas to
isolar pessoas com hanseníase. A quarantine people with Hansen’s Dis-
colônia chegou a abrigar 1.454 pes- ease. The colony was home to 1,454
soas, muitas delas abandonadas por people, many of whom were abandoned
suas famílias. Hoje, apenas 35 mora- by their families. Today, only 35
dores permanecem lá, todos com mais residents remain, all more than
de 60 anos. A Cidade Inventada re- 60 years old. The Invented Village
úne vasto material sobre o passado gathers a vast array of material
e o presente do lugar, como vídeos, on the village’s past and present,
mapas, gravações em fita cassete including videos, maps, cassette
feitas pelos moradores e um cinejor- tape recordings made by residents,
nal produzido na época da inaugura- and a newsreel produced for the
ção da colônia. O objetivo é evitar colony’s inauguration. The objec-
que Itapuã caia no esquecimento. tive is to keep Itapuã from falling
into the abyss of the forgotten.
Rio de Janeiro: Autorretrato 2011
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

riodejaneiroautorretrato.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CROSS CONTENT • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCELO BAUER

Por meio da autorrepresentação, Through self-representation, three


três fotógrafos moradores do Com- photographers, residents of the Maré
plexo da Maré (AF Rodrigues, Jaque- favela (AF Rodrigues, Jaqueline Fe-
line Felix e Ratão Diniz) trazem lix, and Ratão Diniz) provide their
seus olhares e colocam em discus- perspectives in discussing the ste-
são os estereótipos criados sobre reotypes of Rio de Janeiro favel-
as favelas cariocas. Esses jovens as. These youths narrate their lives
se ocupam em narrar suas vidas num amidst a backdrop of contradiction:
cenário de contrastes: retratam as they portray the happiness of every-
alegrias do dia a dia e as difi- day life and the difficulties faced
culdades de quem convive com con- by those who live in often precari-
dições urbanas muitas vezes precá- ous urban conditions. It addresses
rias. Trata-se de um Rio de Janeiro a Rio distant from the traditional
longe das imagens dos cartões-pos- postcard image. Due to this, howev-
tais tradicionais. Mas, por isso er, it is far more real and human.
mesmo, muito mais real e humano.

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


The Quipu Project 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA/ENGLAND

interactive.quipu-project.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CHAKA STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIA COURT E ROSEMARIE LERNER

The Quipu Project é um proje- The Quipu Project is a transme-


to transmídia, interativo e cola- dia, interactive, and collabora-
borativo sobre as mais de 300 mil tive project about the more than
pessoas afetadas pelo programa de 300 thousand people affected by the
esterilização forçada que ocor- forced sterilization project which
reu no Peru nos anos 1990. A pre- occurred in Peru in the 1990s. The
missa fundamental é divulgar os fundamental premise is to dissem-
testemunhos de quem sofreu e con- inate the testimonies of those who
tinua sofrendo as consequências suffered and continue to suffer
dessa violação, em termos físicos the consequences of this violation,
e psicológicos, e buscar maneiras both physical and psychological,
de apoiá-los tanto com reconheci- and search for ways to support them
mento quanto reparação dos danos. through recognition and reparation.

109
Prison Valley 2010
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • FRANÇA/FRANCE

prisonvalley.arte.tv

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE E UPIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: DAVID DUFRESNE E PHILIPPE BRAULT

Prison Valley é um road movie in- Prison Valley is an interactive road


terativo que coloca o usuário no movie which puts the user in the
lugar de um jornalista que investi- place of a journalist investigat-
ga a indústria carcerária nos Es- ing the United States prison indus-
tados Unidos. A história se pas- try. The story takes place at the
sa no coração do setor carcerário heart of the American prison sec-
americano: o condado de Fremont, tor: Fremont County, Colorado, the
no Colorado, lugar que abriga 36 home of 36 thousand people and 13
mil pessoas e treze prisões. Uma prisons. One of these is called ADX
delas é a chamada ADX Supermax, Supermax, the only maximum securi-
única prisão de segurança máxi- ty prison on American territory.
ma em território norte-americano.

Mujeres en Venta 2015


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ARGENTINA

documedia.com.ar/mujeres

PRODUÇÃO/PRODUCTION: #DCMTEAM | PRODUCCIONES TRANSMEDIA – UNIVERSIDADE NACIONAL DE ROSÁRIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: DFERNANDO


IRIGARAY E SUA EQUIPE DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (#DCMTEAM)

Mujeres en Venta aborda as etapas Women for Sale addresses the stages
do crime de tráfico de mulheres na of the criminal trafficking of wom-
Argentina, desde a captura e manei- en in Argentina, from their capture
ras de enganá-las até as rotas que and manners of tricking them, to the
são percorridas, a exploração se- trafficking routes, sexual exploita-
xual e o resgate. Os relatos cora- tion, and rescue. The courageous
josos das vítimas que conseguiram accounts from victims who managed to
escapar do horror se cruzam com os escape their horror intersect with
dados produzidos por uma minuciosa data produced from a detailed jour-
investigação jornalística e com o nalistic investigation and with tes-
testemunho de especialistas, fami- timony from specialists, relatives,
liares e organizações antitráfico. and anti-trafficking organizations.
Do Not Track 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

donottrack-doc.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: UPIAN, NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), ARTE E BAYERISCHER RUNDFUNK (BR) • REALIZAÇÃO/CREATOR:
BRETT GAYLOR

Do Not Track é uma série documental so- Do Not Track is a documentary series about
bre privacidade e economia na web. Durante privacy and the web economy. During each of
cada um dos setes episódios interativos, o the seven interactive episodes, the user is
usuário é solicitado a fornecer alguns dados asked to provide some data about herself
sobre si mesmo e, com isso, experimenta os and, with this, experience the methods and
métodos e ferramentas que rastreadores usam tools which trackers use commercially. The
comercialmente. A ideia é provocar reflexões idea is to provoke reflections regarding the
a respeito das informações pessoais que são personal information which is collected and
coletadas e utilizadas por inúmeras empre- utilized by numerous companies and services,
sas e serviços, mesmo quando a pessoa não even when the person does not consciously
autoriza conscientemente o uso. Cada episó- authorize its use. Each episode explores one
dio explora um aspecto de como a web tem se aspect of how the web has transformed into
transformado em um espaço onde movimentos, a space where movement, speech, and identi-
fala e identidade são gravados, rastreados ty are recorded, tracked, and used without
e utilizados sem permissão. Dos telefones permission. From cellular telephones to so-
celulares a redes sociais, de publicida- cial networks, from personalized advertise-
de personalizada a Big Data, cada episódio ments to Big Data, each episode will have

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


tem um foco, narrativa e visual próprios. its own focus, narrative and visual style.

Jerusalem: We Are Here 2016


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

info.jerusalemwearehere.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: HELIOS DESIGN LABS • REALIZAÇÃO/CREATOR: DORIT NAAMAN

Jerusalem: We Are Here é um documentário in- Jerusalem: We Are Here is an interactive


terativo que, por meio da tecnologia, traz documentary which, using technology, brings
os palestinos de volta a Jerusalém, de onde Palestinians back to Jerusalem, from which
foram expulsos em 1948 para a constituição they were expelled in 1948 for the cre-
do Estado de Israel. O projeto foi desen- ation of the State of Israel. The project
volvido entre 2012 e 2015 por meio de uma was developed between 2012 and 2015 through
plataforma colaborativa que mapeou e trouxe a collaborative platform which mapped a no
à tona histórias de uma cidade não mais longer visible city, bringing back a for-
visível. Para isso, contou com a partici- gotten history. It counted on the partic-
pação de palestinos que pesquisaram sobre ipation of Palestinians, who researched
o passado de suas famílias e seu doloroso their family’s past and their painful pres-
presente. Junto com a equipe do documentá- ent. Together with the documentary’s team,
rio, produziram vídeos curtos e poéticos, they produced short, poetic videos filled
repletos de nostalgia. Além de acessar os with nostalgia. As well as accessing the
filmes, o público também pode participar de films, the public can also participate in
três tours virtuais pelas ruas do bairro three virtual tours through the streets of
de Katamon. Enquanto as cenas mostram uma the Katamon neighborhood. While the scenes
Jerusalém contemporânea, a narração em off show a contemporary Jerusalem, the narra-
fala sobre o cotidiano na década de 1940. tor speaks of everyday life in the 1940s.

111
Momento MX 2017
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • MÉXICO/MEXICO

momentomx.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: AURA CULTURA · REALIZAÇÃO/CREATOR: PABLO MARTÍNEZ ZÁRATE

Momento MX é um documentário inte- Momento MX is an interactive doc-


rativo que traça um panorama sobre umentary which sketches a picture
as recentes comunidades criativas of the recent creative communities
no México. O usuário pode explorar in Mexico. The user can explore two
dois eixos temáticos: um dedicado thematic axes: one dedicated to in-
a editores independentes na Cida- dependent publishers in Mexico City,
de do México e outro que explora o and another which explores the elec-
cenário da música eletrônica e ex- tronic and experimental music scene
perimental no país. Cada tema in- in the country. Each theme includes
clui cinco seções – atores, proces- five sections - actors, process-
sos, produtos, mercado e panorama es, products, markets, and panora-
– e cada uma delas se desdobra em um ma - and each of them unfolds in
vídeo interativo e um vídeo imersi- one interactive video and one immer-
vo em 360o. A arquitetura de navega- sive, 360o video. For example, the
ção permite ao usuário, por exemplo, navigation architecture allows the
comparar as indústrias entre si. user to compare the industries. The
O projeto prevê a publicação futu- project foresees the future publi-
ra de mais quatro eixos temáticos. cation of four more thematic axes.

The Shirt on Your Back 2014


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA E BANGLADESH/ENGLAND AND BANGLADESH

theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh-shirt-on-your-back

PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: LINDSAY POULTON

The Shirt on Your Back é um documen- The Shirt on Your Back is an in-
tário interativo baseado no desas- teractive documentary based on the
tre de Rana Plaza, o acidente mais Rana Plaza disaster, the deadliest
fatal da história da indústria mun- accident in the history of glob-
dial. Em 2013, uma gigantesca fá- al industry. In 2013, a gigantic
brica têxtil ruiu, matando mais de textile factory collapsed, kill-
1.130 pessoas e ferindo o dobro. ing more than 1,130 people and in-
Neste trabalho, o ciclo de vida de juring twice that. In this work,
uma camisa é traçado e usado como the life cycle of a shirt is traced
mote disparador de questões sobre and used as a jumping-off point
o terrível custo humano envolvido for questions about the terrible
na fabricação dos milhares de peças human cost involved in fabricat-
que saem de Bangladesh direto para ing the thousands of pieces which
as prateleiras de marcas de roupas leave Bangladesh directly for the
“fast fashion” em todo o mundo. shelves of “fast fashion” cloth-
ing brands all over the world.
Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis 2011
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ESPANHA/SPAIN

lab.rtve.es/webdocs/bugarach/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NANOUK FILMS E LAB RTVE • REALIZAÇÃO/CREATOR: SERGI CAMERON

Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalip- Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis is an


sis é um documentário interativo sobre interactive documentary about the only place which,
o único lugar que, de acordo com a according to the ancient Mayan civilization, would
antiga civilização maia, sobreviveria survive the end of the world, which they predict-
ao fim do mundo previsto para o dia 21 ed for 21 December, 2012: the small village of
de dezembro de 2012: a pequena vila de Bugarach, north of the French Pyrenees. The playful
Bugarach, ao norte dos Pirineus fran- platform gathers data and trivia about the place,
ceses. A plataforma lúdica funciona and works like a videogame: the user can only ad-
como um videogame: o usuário só con- vance in the story and survive the apocalypse by
segue avançar na história e sobrevi- carrying out certain tasks - which include meeting
ver ao apocalipse se realizar algumas some of the two-hundred residents and exploring the
tarefas – o que inclui conhecer alguns streets and forests in search of clues about the
dos duzentos moradores e explorar ruas locale and the origin of the enigmatic prediction.
e florestas em busca de pistas sobre o The user’s choices, as well as the seasons of the
local e a origem da enigmática previ- year and its climatic changes are factors which
são. O projeto inclui um documentário alter the way the story is revealed. The project
linear, uma comunidade participativa also includes other facets: a linear documentary,
virtual e edições impressa e digi- a participatory virtual community, and print and

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


tal de um livro de fotografias base- digital editions of a photobook with reflections
ado nas experiências das filmagens. on the film, based on the experience of filming.

This Land 2010


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

thisland.nfb.ca

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) •


REALIZAÇÃO/CREATOR: DIANNE WHELAN E JEREMY MENDES

This Land é um documentário interativo This Land is an interactive documenta-


baseado na experiência vivida pela docu- ry based on the experience of the doc-
mentarista Dianne Whelan, primeira mulher umentarian Dianne Whelan, the first
a acompanhar a expedição de uma patru- woman to join the expedition of a mil-
lha militar no norte do Canadá. Formada itary patrol in northern Canada. Com-
por sete homens, ocidentais e inuítes, o posed of seven Western and Inuit men,
objetivo da missão era alcançar o extremo the mission’s objective was to reach the
norte do país. Viajando em trenós moto- country’s extreme north. Riding snow-
rizados, eles percorreram mais de 2 mil mobiles, they traveled over 2 thousand
quilômetros em um dos locais mais ermos kilometers in one of the most isolated
do planeta. Dianne registrou toda a expe- areas on the planet. Dianne document-
riência em vídeo, fotos e texto, narrados ed the experience in video, photos, and
para esse projeto por Karin Konoval. A text, with narration by Karin Konoval.
navegação é orientada em função dos dias Navigation is guided by the days - six-
– dezesseis, no total – que o grupo levou teen in total -which the group took
para completar a épica aventura no Ártico. to complete the epic, Arctic adven-
Além disso, também são disponibilizados ture. Beyond these, there is also cli-
alguns dados climáticos que evidenciam mate data which demonstrates the ex-

113
as condições extremas que enfrentaram. treme conditions faced by the team.
Amazônia 2017
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

revistapesquisa.fapesp.br/webdoc/amazonia

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PERIPÉCIA FILMES • REALIZAÇÃO/CREATOR: TIAGO MARCONI E CAIO POLESI

O webdocumentário Amazônia é uma The web documentary Amazônia, is


compilação de reportagens, vídeos, a compilation of reports, videos,
infográficos, fotografias e podcasts infographics, photographs, and pod-
sobre a Amazônia produzidos pela casts about the Amazon, produced
revista Pesquisa Fapesp ao longo de by the magazine Pesquisa Fapesp
quase vinte anos. Os conteúdos fo- over nearly twenty years. The con-
ram agrupados em sete grandes te- tent was grouped in seven larger
mas – formação geológica, biodi- themes - geological formation, bio-
versidade, povos pré-colombianos, diversity, pre-Colombian peoples,
populações, clima, biotecnologias populations, climate, biotechnolo-
e perspectivas –, abrangendo dis- gies, and perspectives -, address-
tintas áreas do conhecimento. Es- ing distinct areas of knowledge.
tão disponíveis no webdoc mais de The web documentary provides more
três horas de áudios e vídeos, além than three hours of audio and vid-
de dezenas de reportagens, entre- eo, as well as dozens of reports,
vistas, animações e infográficos. interviews, and infographics.

Redes Estratégicas 2015


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL

redesestrategicassus.org

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JARDIM DIGITAL •


REALIZAÇÃO/CREATOR: GIULIANO DJAHJAH, GUSTAVO JUNQUEIRA E JULIO BRAGA

Redes Estratégicas é um projeto com- Redes Estratégicas is a project com-


posto por cinco vídeos interativos posed of five interactive videos which
que apresentam parte das pesquisas- present part of the research-actions
-ações coordenadas pelo Departamento coordinated by the Department of Stra-
de Ações Programáticas Estratégicas tegic and Programmatic Actions (DA-
(Dapes) do Ministério da Saúde, de PES) of the Ministry of Health be-
2011 a 2015. O trabalho se organi- tween 2011 and 2015. The work is
za em torno de redes temáticas, que organized around thematic networks,
incluem saúde da mulher, da criança, which include women’s health, chil-
da pessoa com deficiência e da pes- dren’s health, and the health of hand-
soa privada de liberdade. A divulga- icapped people and those deprived of
ção dessas experiências tem o objetivo their freedom. The dissemination of
de ampliar a comunicação e informação these experiences has the objective
sobre os temas e evidenciar a impor- of amplifying communication and in-
tância do Sistema Único de Saúde (SUS) formation on these topics and demon-
na garantia de direitos básicos. O strating the importance of the Single
projeto conta com recursos de acessi- Health System (SUS) in guaranteeing
bilidade (Audiodescrição e Libras). basic rights. The project includes
accessibility features (Audio-descrip-
tion and Brazilian Sign Language).
Rio Frescobol 2018
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

riofrescobol.art.br

PRODUÇÃO: CENTRAL DE PRODUÇÃO MULTIMÍDIA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ • REALIZAÇÃO: MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO
E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ. A PARTIR DA IDEIA ORIGINAL DE ANTONIO J. CARVALHO,
ALUNOS, PROFESSORES E TÉCNICOS TRABALHARAM COLABORATIVAMENTE NA REALIZAÇÃO DA OBRA / PRODUCTION: UFRJ SCHOOL OF
COMMUNICATION MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS. ORIGINAL IDEA BY ANTONIO J. CARVALHO.
STUDENTS, PROFESSORS, AND TECHNICIANS WORKED IN COLLABORATION TO PRODUCE THE WORK.

Rio Frescobol é um documentá- Rio Frescobol is an interactive


rio interativo que mostra um pouco documentary which shows some of the
da história deste esporte genui- history of this genuine Rio de Ja-
namente carioca. Atletas e ama- neiro sport. Athletes and amateurs
dores reunidos na praia de Co- gathered at Copacabana beach and
pacabana e no Aterro do Flamengo Flamengo Park present the philos-
apresentam a filosofia e a cultu- ophy and culture of frescobol, as
ra do frescobol, além dos golpes well as the basic strokes of the
e curiosidades sobre o esporte. sport and some trivia about it.

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


EntreVilas 2018
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

entrevilasdoc.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA • REALIZAÇÃO/CREATOR: ESTÚDIO CRUA

EntreVilas é o primeiro documentário in- EntreVilas is the first interactive


terativo que mergulha nas vilas operárias documentary to dive into the model vil-
e no contexto da urbanização paulistana. lages and the context of São Paulo ur-
A proposta é discutir as relações entre banization. The proposal is to discuss
trabalho e moradia, registrar o contexto the relationships between work and hous-
em que as vilas foram construídas e sua ing, documenting the context in which
relevância na constituição das famílias the villages were constructed and their
e na expansão da cidade de São Paulo. relevance in the constitution of families
Com vídeos, fotos e textos, o proje- and in the expansion of the city of Sao
to costura um traçado imaginário entre Paulo. With videos, photos, and texts,
temáticas e personagens das vilas Maria the project stiches together an imaginary
Zélia (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, outline between the themes and charac-
1916), Cerealina (Indústrias Reunidas ters from the villages of Maria Zélia
Fábrica Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, 1916),
Brasileira de Cimento Portland, 1926) e Cerealina (Indústrias Reunidas Fábrica
Economizadora (Moinho Santista, 1935). Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. Bra-
sileira de Cimento Portland, 1926) and

115
Economizadora (Santista Mill, 1935).
As Quatro Estações de Iracema e Dirceu 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DIÁRIO CATARINENSE • REALIZAÇÃO/CREATOR: ÂNGELA BASTOS

Os agricultores Iracema e Dirceu Ca- Farmers Iracema and Dirceu Conofre


nofre de Campos e seus catorze filhos de Campos and their fourteen chil-
fazem parte de uma estatística nem dren are part of a statistic which is
sempre associada ao estado de Santa not always associated with the state
Catarina: a das pessoas em situação de of Santa Catarina: that of people in
miséria. Ao longo de dois anos e sete extreme poverty. Over two years and
meses, uma repórter acompanhou essa seven months, a reporter accompanied
família, registrando em áudio, foto this family, documenting their pain
e vídeo suas dores e vitórias. Esse and their victories in audio, pho-
material é a base de As Quatro Esta- to, and video. This material forms
ções de Iracema e Dirceu, uma plata- the foundation of As Quatro Estrações
forma interativa que convida o usuário de Iracema e Dirceu, an interactive
a percorrer essa travessia econômica platform which invites the user to
e social com base nos ciclos da natu- travel along this economic and social
reza. O trabalho venceu o 37o Prêmio journey with a basis in the cycles of
Vladimir Herzog de Anistia e Direi- nature. The work won the 37th Vladi-
tos Humanos na categoria Multimídia. mir Herzog Prize for Amnesty and Human
Rights in the Multimedia category.

Híbridos: Os Espíritos do Brasil 2017


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL E FRANÇA/BRAZIL AND FRANCE

hibridos.cc

PRODUÇÃO/PRODUCTION: FEEVER FILMES E PETITES PLANÈTES • REALIZAÇÃO/CREATOR: PRISCILLA TELMON E VINCENT


MOON

Híbridos é uma pesquisa etnográfica sobre Híbridos is an ethnographic study into


a multiplicidade do mundo das cerimô- the multiplicity of the world of sa-
nias sagradas brasileiras e também so- cred, Brazilian ceremonies, and also into
bre a linguagem cinematográfica e seu cinematographic language and its poetic
potencial poético. O website interativo potential. The interactive website hosts
abriga cerca de 150 filmes, entrevistas, around 150 films, interviews, texts, and
textos e links para trabalhos de outros links to other authors’ works, the re-
autores, resultado do registro de mais sult of documenting more than seventy
de sessenta cerimônias diferentes pelo different ceremonies around the country
país afora durante três anos de andanças. over three years of wandering. From Af-
Dos cultos afro-brasileiros da Bahia às ro-Brazilian ceremonies in Bahia to the
novas formas da umbanda em Minas Gerais; new version of Umbanda in Minas Gerais;
dos rituais indígenas ancestrais no Acre from ancestral indigenous ceremonies in
aos crescentes cultos evangélicos no Rio Acre to the growing evangelical services
de Janeiro, o projeto é a maior coleção in Rio de Janeiro, the project is the
poética sobre a cultura espiritual bra- largest poetic collection of Brazilian
sileira e se desdobra também em um filme spiritual culture, and is also unveiled
longa-metragem, performances de cinema as a feature film, live cinema perfor-
ao vivo e instalações site specific. mances, and site specific installations.
Mapas Afetivos 2014
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

mapasafetivos.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LIQUID MEDIA LAB • REALIZAÇÃO/CREATOR: FELIPE LAVIGNATTI E ANDRÉ DEAK

As cidades não são feitas de con- Cities are not made of concrete, but
creto, mas de histórias, e têm nas stories, and their people are their
pessoas sua maior riqueza, seu colo- greatest wealth, their color. The
rido. O projeto Mapas Afetivos reúne project, Mapas Afetivos, unites and
e geolocaliza dezenas de relatos em geo-locates dozens of video accounts
vídeo, de gente famosa e de desco- of both famous and everyday peo-
nhecidos, sobre memórias marcantes ple, about notable memories imprint-
impressas em bairros, ruas, parques ed in the neighborhoods, streets,
e casas que, por vezes, nem exis- parks and homes which, sometimes,
tem mais. Por meio dessas falas, é no longer exist. Through these ac-
possível conhecer uma cidade antes counts, it is possible to become
invisível, mais humana, composta por familiar with a once invisible city,
afeto e intimidade. O projeto in- now more human, composed of affects
clui também oficinas culturais de and intimacy. The project also in-
reconhecimento afetivo de territó- cludes cultural workshops on affec-
rios em diversas cidades do país. tive recognition of territories in
various cities around the country.

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


Meu Rio Vale um Webdoc 2016
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA

meuriovaleumwebdoc.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NAVES DO CONHECIMENTO E CRIA PROJETOS E NARRATIVAS •


REALIZAÇÃO/CREATOR: ALUNOS DAS NAVES DO CONHECIMENTO, FELIPE VARANDA E MAYRA JUCÁ

Meu Rio Vale um Webdoc é um documentá- Meu Rio Vale um Webdoc is an inter-
rio interativo que apresenta um mosaico active and collaborative documentary
de “postais audiovisuais” do Rio de Ja- which presents a mosaic of “audiovisu-
neiro, criados por alunos do curso ho- al postcards” of Rio de Janeiro, cre-
mônimo realizado nas Naves do Conheci- ated by groups of students from the
mento em 2016. Os vídeos apresentam as course held in Naves do Conhecimento in
principais paisagens e personagens de 2016. The collective production gath-
Irajá, Madureira, Vila Aliança, Padre ered drone images, 360o videos, time
Miguel, Triagem, Nova Brasília, Penha lapses, interviews, musical clips,
e Santa Cruz, locais onde o curso foi from each of the eight neighborhoods
realizado. A produção coletiva reúne which host the Naves do Conhecimento
imagens de drone, vídeos em 360o, time- (Irajá, Madureira, Vila Aliança, Pa-
-lapses, clipes musicais e registros de dre Miguel, Triagem, Nova Brasília,
percursos e leituras poéticas, rodas de Penha, and Santa Cruz). The user can
rap e de capoeira, além de entrevistas also send an audiovisual postcard by
com artistas, religiosos e peladeiros email, and choose three videos from
locais. O usuário ainda pode enviar um each neighborhood to create it.
postal audiovisual por e-mail, esco-

117
lhendo três vídeos de cada bairro.
Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual 2016
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

kinoforum.org.br/oficinas/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E
CROP COLETIVO

O catálogo interativo das Ofici- The Oficinas Kinoforum de Realização


nas Kinoforum de Realização Au- Audiovisual [Kinoforum Audiovisu-
diovisual reúne o vasto conteúdo al Production Workshops] interac-
produzido pelo projeto, criado em tive catalog gathers a vast array
2001 pela Associação Cultural Ki- of content produced by the project,
noforum para despertar o interes- which was created in 2001 by the
se de jovens carentes pela criação Associação Cultural Kinoforum to
cinematográfica. Durante as ofici- awaken an interest in film produc-
nas, os participantes têm a opor- tion amongst underprivileged youth.
tunidade de elaborar, produzir e During its workshops, participants
filmar seus próprios trabalhos. have the opportunity to elaborate,
produce, and film their own work.

Se Eu Demorar uns Meses 2013


DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

doctela.com.br/se-eu-demorar-uns-meses/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DOCTELA • REALIZAÇÃO/CREATOR: GIOVANNI FRANCISCHELLI E LÍVIA PEREZ

Se Eu Demorar uns Meses é um webdocu- If I Am a Few Months Late is a web doc-


mentário composto por dez vídeos curtos umentary consisting of ten short vid-
baseados nos relatos de presos polí- eos based on the accounts of political
ticos opositores à ditadura militar prisoners who opposed the Brazilian
brasileira. Foram interpretados por military dictatorship. They were inter-
Juan Martyn e Neusa Velasco e gravados preted by Juan Martyn and Neusa Vel-
no interior do Memorial da Resistência, asco and recorded inside the Memorial
antigo prédio do DOPS – considerada da Resistência, the old headquarters
uma das polícias políticas mais trucu- of DOPS - considered to be one of the
lentas do país –, mais especificamen- most violent political police forces in
te nas áreas que reproduzem as celas the country -, more specifically in the
tal como eram no período entre 1971 areas which reproduce the cells as they
e 1982. O projeto também reúne foto- were between 1971 and 1982. The project
grafias coletadas no Arquivo Público also gathers photographs collected from
do Estado de São Paulo. Um resgate da the São Paulo State Public Archives. A
memória que coloca o documentário e a recovery of memory which uses the web
linguagem web como ferramentas a ser- documentary and language as tools in
viço da reflexão e da verdade, abor- service of reflection and truth, ad-
dando questões políticas, sociais, dressing political, social, cultural,
culturais e, sobretudo, históricas. and, above all, historical issues.
Pedalei Até Aqui? 2015
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

bug404.net/pedalei/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: BUG 404 E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ E JULIA SALLES

O documentário interativo Pedalei The interactive documentary, Peda-


Até Aqui? traz histórias e relatos lei Até Aqui?, features stories and
de quem anda de bike e de quem luta accounts of those who travel by bike
por essa modalidade de transporte and fight for the mode of trans-
na cidade de São Paulo. O projeto portation in the city of Sao Paulo.
reúne vídeos, fotos, áudios e tex- The project gathers videos, photos,
tos colhidos durante a abertura do audio, and texts collected during
último trecho da ciclovia da Ave- the opening of the last stretch of
nida Paulista, no dia 23 de agosto the Ave. Paulista bike path, on Au-
de 2015, considerada um marco para gust 23rd, 2015, considered a mile-
a história do cicloativismo pau- stone moment in the history of Sao
listano. A produção e execução de Paulo bike activism. The production
toda a plataforma foram realizadas and execution of the whole platform
em cinco dias pelos nove partici- was carried out in five days by nine
pantes da Oficina de Webkino, du- participants in the Webkino work-
rante o 26o Festival Internacional shops, during the 26th Sao Paulo
de Curtas-Metragens de São Paulo. International Short Film Festival.

NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119


Copa para Quem 2014
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BÉLGICA/BELGIUM

copaparaquem.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SWITCH ASBL • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARYSE WILLIQUET

Copa para Quem é um documentário Copa para Quem is an interac-


interativo sobre temas obscuros que tive documentary about the dark-
envolvem a Copa do Mundo FIFA de er themes revolving around the 2014
2014, realizada no Brasil. Quais os FIFA World Cup held in Brazil. In
reais impactos deste megaevento na what ways did this mega event im-
vida da população? Assuntos como pact the lives of the people? Sub-
turismo sexual, população de rua, jects such as sex tourism, the
desapropriações e movimentos sociais homeless population, forced dis-
são tratados por meio da perspectiva placement, and social movements
de personagens que moram em Forta- are addressed from the perspective
leza (Ceará), uma das doze cidades- of people who live in Fortaleza
-sede do evento e detentora de altos (Ceará), one of the event’s twelve
índices de desigualdade e violência. host cities, and a place with high
levels of inequality and violence.

119
NARRATIVAS
MOBILE

MOBILE
NARRATIVES

The Enemy 2017


NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

theenemyishere.org

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), CAMERA LUCIDA, EMISSIVE, FRANCETV
NOUVELLES ÉCRITURES AND DPT. • REALIZAÇÃO/CREATOR: KARIM BEN KHELIFA

The Enemy é um aplicativo para dis- The Enemy is a mobile device ap-
positivo móvel que mescla reali- plication which blends augment-
dade aumentada e mista para colo- ed and mixed reality to place
car o participante frente a frente the participant face to face with
com combatentes de três das zonas combatants from three of the most
de conflito atuais mais dramáti- dramatic and violent conflict
cas e violentas do mundo: El Salva- zones in the world: El Salvador, the
dor, República Democrática do Congo Democratic Republic of the Congo,
e a fronteira de Israel e Palesti- and the Israeli Palestinian bor-
na. Antes da experiência principal, der. Before the main experience,
é exibido um vídeo em 360o do lo- a 360o video of the selected lo-
cal selecionado para contextuali- cale is shown to contextualize the
zar as histórias que estão prestes stories which are ready to be expe-
a serem vivenciadas. Surgem então rienced. Then the combatants arise,
os combatentes contando suas narra- telling their narratives, and
tivas, e o participante, com o ce- the participant, cell phone in
lular em mãos, pode caminhar até um hand, can walk to one of them
deles e examiná-lo mais de perto. and explore them up close.
Alma: Une Enfant de la Violence 2012
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

alma.arte.tv/en/webdoc/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE, UPIAN, AND AGENCE VU •


REALIZAÇÃO/CREATOR: ISABELLE FOUGÉRE AND MIQUEL DEWEVER PLANA

Alma: Une Enfant de la Violence é um do- Alma: A Tale of Violence is a docu-


cumentário para dispositivo móvel sobre mentary for mobile devices about a
a jovem homônima de 26 anos que nasceu 26-year-old who was born in Guatemala
na Guatemala e cresceu em uma realidade and grew up in a reality in which laws
na qual leis e justiça são continuamente and justice are constantly disrespect-
desrespeitadas, onde impera a impuni- ed, where impunity reins and families
dade e famílias atoladas na pobreza se mired in poverty destroy each other
destroem em meio a guerras de gangues amidst the wars of urban gangs known
urbanas, conhecidas como “maras”. Alma as “maras”; For five years, Alma be-
integrou por cinco anos um dos grupos longed to one of the most violent gangs
mais violentos do país e viveu imersa in the country and lived immersed in
em assassinatos, agressões e brutali- murders, assaults, and brutality. She
dade. Ela narra sua forte história de tells her powerful life story like a

NARRATIVAS MOBILE  |  MOBILE NARRATIVES · 120-123


vida como uma confissão, frente a frente confession, face to face with the user,
com o usuário, que também pode esco- who can also choose whether or not
lher acionar ou não algumas cenas que to see some scenes which subjective-
ilustram, por vezes de maneira subje- ly illustrate the story she tells.
tiva, o que é contado pela personagem.

Phallaina 2016
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SMALL BANG STUDIO AND FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES •


REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIETTA REN

Phallaina é considerada a primeira Phallaina is considered first


graphic novel de rolagem, especial- scrolling graphic novel, specifical-
mente projetada para as telas tá- ly designed for the touch screens of
teis de dispositivos móveis. Conta mobile devices. It tells the ficti-
a história fictícia de Audrey, que tious story of Audrey who lives in a
mora em uma cidade construída so- city built on stilts because of the
bre palafitas por conta da ascensão continually rising waters and tid-
contínua das águas e ondas catas- al waves. Since she was a child, she
tróficas. Ela sofre desde crian- has suffered from hallucinations of
ça com alucinações de baleias e é whales and is diagnosed with a pecu-
diagnosticada com uma forma parti- liar form of epilepsy called “phy-
cular de epilepsia chamada “fise- seter”, which allows her to hold her
ter”, que permite que ela prenda a breath under water for far longer
respiração embaixo d’água por muito than normal. In search of a cure,
mais tempo que o normal. Em bus- she embarks on a journey of person-
ca de cura, ela inicia uma jornada al transformation, combining cog-
de transformação pessoal, combinan- nitive science with mythology.
do ciências cognitivas e mitologia.

121
Inventeca 2018
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • BRASIL/BRAZIL

storymax.me/inventeca

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND LAURO GOE

Inventeca apresenta diversas his- Inventeca presents various stories


tórias ilustradas por autores de illustrated by authors of children’s
literatura infantojuvenil, e permi- and young adult literature, and al-
te que os usuários gravem em áudio lows the user to record their own
sua própria contação. O aplicativo narration. The application is ide-
é ideal para pais e mães contarem al for fathers and mothers to tell
histórias aos filhos, instigando-os their children stories, pushing them
a criarem suas próprias narrativas, to create their own narratives, ei-
criando juntos, ou deixando áudios ther together, or by recording au-
gravados para as crianças ouvirem dios for their children to listen
quando os pais estiverem ausentes. to when their parents are away.

Nautilus 2017
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

storymax.me/nautilus

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX •
REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND MAURÍCIO BOFF

Nautilus é uma adaptação do li- Nautilus is an adaptation of Jules


vro Vinte mil léguas submarinas, de Verne’s Twenty Thousand Leagues Un-
Júlio Verne. O app book é composto der the Sea. The app book is com-
por 22 capítulos e traz o épico em posed of 22 chapters and features
linguagem audiovisual e interativa, the epic in audiovisual, interactive
totalmente narrado, com animações e language, fully narrated, with an-
efeitos de som. Conta com conteúdo imations and sound effects. It in-
extra sobre a vida do autor e suas cludes extra content about the au-
motivações para criar narrativas de thor’s life and his motivations for
ficção, incluindo detalhes do livro writing fiction, including details
que inspiraram cientistas e acaba- of the book which inspired scien-
ram se tornando grandes invenções tists and whose ideas ended up be-
humanas na vida real. A proposta é coming great human inventions in
levar os leitores a experimentar o real life. The proposal is to lead
pensamento inovador, unindo ciência the readers to experiment with inno-
e fantasia. Nautilus recebeu o Prê- vative thought, uniting science and
mio Jabuti de Literatura em 2017. fantasy. Nautilus received the Prê-
mio Jabuti literature prize in 2017.
Frritt-Flacc 2016
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

storymax.me/frrittflacc

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX, NOVOZYMES E SESI PARANÁ •


REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA E FERNANDO TANGI

Frritt-Flacc é um app book de sete Fritt-Flacc is a seven-chapter app


capítulos que traz o homônimo con- book which features Jules Verne’s
to de suspense e terror de Júlio tale of horror and suspense, pro-
Verne, propondo uma reflexão so- posing a reflection on social dif-
bre diferenças sociais e a pobreza ferences and poverty by presenting
ao apresentar o mesquinho Dr. Tri- the stingy Dr. Trifulgas - a doctor
fulgas – um médico que só presta who only tends to the rich - and
atendimento a ricos – e mostrar o shows what destiny has in store for
que o destino lhe reserva. A lei- him. An engaged reading, full of
tura engajadora, cheia de intera- interactivity, sound effects, and
tividade, efeitos de som e conteú- extra content, made Frritt-Flacc

VÍDEO IMERSIVO  |  IMMERSIVE VIDEO · 123-129


do extra, fez com que Frritt-Flacc the only award- winning digital
fosse o único livro digital pre- book among the ten best books of
miado entre os dez melhores livros 2016, according to the Cátedra UN-
de 2016, de acordo com a Cátedra ESCO de Leitura, as well as Open-
Unesco de Leitura, além do Opening ing Up Reading Digital Fiction UK.
Up Reading Digital Fiction UK.

VÍDEO
IMERSIVO

IMMERSIVE
VÍDEO
Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do Brasil 2016
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

riodelama.com.br/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JUNGLEBEE • REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE

O curta-metragem documental em nar- This short, immersive narrative doc-


rativa imersiva retrata os sobrevi- umentary portrays the survivors of
ventes da maior tragédia ambiental Brazil’s worst environmental trage-
do Brasil com delicadeza e melan- dy with sensibility and melancholy.
colia. Rio de Lama mostra o que River of Mud shows what is left of
restou da vila de Bento Rodrigues the village Bento Rodrigues af-
após o rompimento da barragem da ter the failure of the Samarco dam
Samarco em Mariana (MG) e contra- in Mariana (MG), and contrasts the
põe a paisagem arrasada com as me- devastated landscape with the emo-
mórias afetivas de seus moradores.. tional memories of its residents.

Fogo na Floresta 2017


VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

youtu.be/Jv8nkw8hy-c

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ACADEMIA DE FILMES AND INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) •


REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE

Fogo na Floresta é um documentário so- Fogo na Floresta is a documentary about


bre o povo Waurá, uma das quinze etnias the Waurá, one of fifteen indigenous
indígenas que vivem dentro do territó- ethnicities living in the Xingu Indig-
rio do Parque Indígena do Xingu, no Mato enous Park in Mato Grosso. The film
Grosso. O filme retrata em narrativa portrays, in immersive narration, the
imersiva o cotidiano da aldeia Piyulaga everyday life of the Piyulga village
e as maneiras encontradas pelos indíge- and the ways the indigenous people have
nas para manter sua cultura tradicional, found to maintain their traditional
mesmo incorporando hábitos e tecnolo- culture, even while incorporating habits
gias dos “brancos”. Também serve como and technologies from the “whites”; It
um alerta para o perigo dos incêndios also serves as a warning about the dan-
que, devido ao desmatamento ao redor ger of fires, which, due to the defor-
do parque e ao agravamento das mudanças estation around the park and the wors-
climáticas, saem muitas vezes do contro- ening of climate change, often burn out
le e ameaçam a vida na reserva. Este é o of control and threaten life within the
primeiro filme imersivo produzido em uma reserve. This is the first immersive
aldeia indígena na Floresta Amazônica e film produced in an indigenous village
é narrado pela atriz Fernanda Torres. in the Amazon Forest, and is narrat-
ed by the actress Fernanda Torres.
Amazônia Adentro 2017
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL, EQUADOR E SURINAME/BRAZIL, ECUADOR AND SURINAME

conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia-Adentro.aspx

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JAUNT VR • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL

Amazônia Adentro é um documentário Amazônia Adentro is an immersive,


imersivo rodado em 360º no meio da 360 o documentary filmed in the mid-
floresta. A narrativa é conduzida dle of the forest. It is narrated
pelo indígena Kamanja Panashekung, by Kamanha Panashekung, of the Trio
da tribo Trio, do Suriname. Duran- tribe in Suriname. Along the jour-
te o percurso, ele conta um pouco da ney, he tells a bit about the rela-
relação dos índios com o bioma e é tionship the indigenous have with

BUG404.NET  ·  MOSTRA BUG  · 125


possível avistar animais e até mes- the biome, and it is possible to
mo um sítio arqueológico, tudo de see animals and even an archaeolog-
forma interativa e imersiva. O fil- ical site, all in an interactive,
me, gravado em 360o e dublado pelo immersive format. The film, re-
ator Marcos Palmeira, tem como ob- corded in 360 o and dubbed by actor
jetivo garantir que o participante Marcos Palmeira, has the objective
ouça, veja e sinta por que a maior of guaranteeing that the partic-
floresta tropical do mundo é fun- ipant hears, sees, and feels why
damental para o bem-estar humano the greatest tropical forest in the
e por que os indígenas são tão im- world is fundamental to human well-
portantes para a sua conservação. being, and why the indigenous are
so important for its conservation.

My Africa 2018
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL E KENYA/BRAZIL AND KENYA

conservacao.org.br/myafrica

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PASSION PLANET AND VISION3 • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL

My Africa é um filme de narrativa My Africa is an immersive narrative


imersiva produzido em meio ao Santu- film produced in the middle of the Re-
ário de Elefantes Reteti, no Quênia, teti Elephant Sanctuary in Kenya, the
primeiro caso de uma instituição cria- first such institution which was cre-
da e gerenciada por uma comunidade ated and managed by a local communi-
local. A história é narrada pela jovem ty. The story is narrated by the young
Naltwasha Leripe, que conduz o parti- Naltwasha Leripe, who guides the par-
cipante em uma experiência imersiva ticipant along in an immersive, day-to-
no dia a dia do povo Samburu, retra- day experience of the Samburu people,
tando as maneiras que encontram para portraying the ways they have found to
garantir o próprio sustento e a sobre- guarantee their own livelihood and the
vivência dos animais que se encontram survival of the animals found in the
no território – há o registro, por territory - for example, it it shows
exemplo, do resgate de um elefante das the moment an elephant is rescued from
mãos de caçadores. O principal objeti- the hands of hunters. The main objec-
vo do projeto é despertar a consciên- tive of the project is to raise aware-
cia sobre a importância da conservação ness of the importance of wildlife
da vida selvagem no continente afri- conservation on the African continent
cano e as possibilidades de garantir and the possibilities of guaranteeing
a coexistência de humanos e animais. the coexistence of humans and animals.
Step to the Line 2017
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line

PRODUÇÃO/PRODUCTION: OCULUS AND DEFY VENTURES • REALIZAÇÃO/CREATOR: RICARDO LAGANARO

Step to the Line é uma experiência Step to the Line is an immersive


imersiva em prisões de segurança má- experience in maximum security pris-
xima na Califórnia, EUA. O documen- ons in California, USA. The virtu-
tário em realidade virtual tem como al reality documentary aims to show
objetivo trazer novas perspectivas new perspectives of prisons and the
sobre os prisioneiros e o sistema prison system. It is part of the VR
prisional. É parte do programa VR for Good program, which connected
for Good, que conectou dez cineas- ten rising filmmakers with nonprof-
tas em ascensão com organizações sem it organizations to create provoca-
fins lucrativos para criar projetos tive projects about social issues.
provocadores sobre questões sociais.

Revelação 2018
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

facebook.com/PyntadoEntretenimento/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PYNTADO ENTRETENIMENTO AND GOVISION •


REALIZAÇÃO/CREATOR: GUSTAVO MARTINEZ AND THIAGO TOSHIO

Revelação é uma narrativa imersi- Revelação is an immersive narrative


va inspirada na obra As Cores do inspired by Rubem Alves’ As Cores
Crepúsculo: A Estética do Envelhe- do Crepúsculo: A Estética do Envel-
cer, de Rubem Alves. Proporciona uma hecer. It provides an immersive ex-
experiência imersiva a bordo de um perience on board a bus, placing the
ônibus, colocando o participante na participant in the shoes of the main
perspectiva do personagem princi- character, a senior, who narrates
pal, um idoso, que narra suas im- his impressions about the scenes
pressões sobre as cenas que se suce- which take place along the journey.
dem durante o trajeto. Realização:
Through the Masks of LUZIA 2017
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA

oculus.com/experiences/gear-vr/1360461600675039/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DU SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS •


REALIZAÇÃO/CREATOR: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËLN E FRANÇOIS BLOUIN

Through the Masks of LUZIA, baseado Through the Masks of LUZIA, based on
em um dos aclamados espetáculos do one of Cirque du Soleil’s acclaimed
Cirque du Soleil, é uma celebração da shows, is a celebration of Mexi-
cultura mexicana, envolta em surrea- can culture, enmeshed in surrealism
lismo e fantasia onírica. Considerada and dreamlike fantasy. Considered
a primeira experiência em realidade the first virtual reality experi-
virtual feita por meio de processos ence made through hyper- and hypos-

BUG404.NET  ·  MOSTRA BUG  · 127


de hiperestereoscopia e hipoestere- tereoscopic processes, it allows the
oscopia, permite que o participan- participant to feel like a giant,
te ora se sinta como um gigante ora only to then feel tiny in the midst
como uma miniatura em meio a cenas of unbelievable acrobatic scenes.
de acrobacias inacreditáveis. Para To further augment the immersion,
aumentar ainda mais a imersão, as the company’s creative teams rede-
equipes de criação da companhia rede- signed the artistic performance to
senharam as performances artísticas, create something completely new.
criando algo completamente novo.

Dreams of “O” 2016


VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA

https://www.felixandpaul.com/?projects/o

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DO SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS


REALIZAÇÃO/CREATORS: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËL AND FRANÇOIS BLOUIN.

Mergulhe no mundo hipnótico de Dre- Dive into the hypnotic world of


ams of “O”, em uma experiência em Dreams of “O”, in an immersive nar-
narrativa imersiva composta por rative experience comprised of ae-
acrobacias aéreas, mergulhos ousa- rial acrobatics, daring dives,
dos, fogo e os personagens anfí- fire, and the surreal amphibious
bios surreais do famoso espetáculo characters of Cirque du Soleil’s
do Cirque du Soleil. Para captar famous spectacle. To capture the
as complexas coreografias de água complex water choreography which
que constituem parte da essência da constitutes part of the presenta-
apresentação, a equipe contou com tion’s essence, the team used an
uma câmera VR para mergulho, de alta underwater, high-speed VR camera,
velocidade, construída especial- constructed specifically for the
mente para o projeto e considera- project and considered to be the
da a primeira do gênero no mundo. first of its kind in the world.
Syria’s Silence 2016
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BÉLGICA/BELGIUM

fisheyevr.eu/portfolio/syrias-silence

PRODUÇÃO/PRODUCTION: FISHEYE • REALIZAÇÃO/CREATOR: JENS FRANSSEN

Este documentário em narrativa imer- This immersive narrative documenta-


siva conta a história de Al-Shad- ry tells the story of Al-Shaddada, a
dadi, uma cidade a poucos quilô- city a few kilometers from the front
metros da linha de frente do grupo line of the Islamic State terrorist
terrorista Estado Islâmico. O lu- group. The area was recently liber-
gar acaba de ser libertado, mas a ated, but the majority of its res-
maioria dos habitantes já havia idents had already abandoned their
abandonado suas casas bem antes. homes long before. Syria’s Silence
Syria’s Silence retrata uma cida- portrays a Kurdish ghost city, where
de fantasma curda, onde destroços rubble is strewn across the streets
se espalham pelas ruas e uma ten- and a dark tension hangs in the air.
são sombria está suspensa no ar.

The Sun Ladies 2017


VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • EUA/USA

luciddreamsprod.com/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LUCID DREAMS PRODUCTIONS •


REALIZAÇÃO/CREATOR: CELINE TRICART, CHRISTIAN STEPHEN E MARIA BELLO

Em 2014, combatentes do Estado Is- In 2014, Islamic State combatants


lâmico invadiram o Iraque e atacaram invaded Iraq and attacked the Yazi-
a comunidade Yazidi de Sinjar. Os di community of Sinjar. The men were
homens foram mortos e mais de 3 mil killed and more than 3 thousand
mulheres e meninas foram escraviza- women and girls were made into sex
das sexualmente. Algumas consegui- slaves. Some managed to escape and
ram escapar e formaram um grupo de form a female combat group called
combate feminino intitulado Senhoras The Sun Ladies, with the objective
do Sol, com o objetivo de resgatar of rescuing their sisters and pro-
suas irmãs e proteger a honra e a tecting the honor and dignity of
dignidade de seu povo. A experiên- their people. The immersive narra-
cia em narrativa imersiva em The Sun tive experience in The Sun Ladies
Ladies acompanha a jornada pesso- accompanies the personal journey of
al da líder do grupo, Xate Shinga- the group’s leader, Xate Shinga-
li. Revela desde as suas raízes como li. It portrays her story from her
famosa cantora no Curdistão até a roots as a famous singer in Kurdis-
nova vida como soldada nas linhas de tan to her new life as a frontline
frente, arriscando tudo para acabar soldier, risking everything to end
com a violência contra seu povo. the violence against her people.
I, Philip 2016
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • FRANÇA/FRANCE

www.mk2films.com/en/film/i-philip

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE AND OKIO STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: PIERRE ZANDROWICZ

I, Philip é um filme de ficção cien- I, Philip is a science fiction film


tífica em narrativa imersiva. Phi- in immersive narrative. Philip - or
lip – ou apenas Phil – é um androi- just Phil - is an android created in
de criado em 2005 por um engenheiro 2005 by an American robotics engi-
de robótica americano, e é a cópia neer, and is a copy of the famous
do famoso autor de ficção cientí- science fiction author Philip K.
fica Philip K. Dick. Em poucas se- Dick. Within a few weeks, Phil be-
manas, Phil fica famoso na web e comes famous on the web and in the
nos círculos de fãs do autor e é author’s fan groups, and he is pres-
apresentado em várias conferências ented in various conferences around
ao redor do mundo. Até o desapare- the world until the disappearance
cimento de seu criador, durante um of his creator during a flight from
voo entre Dallas e Las Vegas. Por Dallas to Las Vegas. Through the
meio das memórias do robô e do pró- memory of the robot and the engi-
prio engenheiro, o filme oferece neer himself, the film offers an
uma interpretação da vida de Phil. interpretation of Phil’s life.

The Party 2017


VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • INGLATERRA/ENGLAND

https://www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/the-
party-a-virtual-experience-of-autism-360-video

PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN •


REALIZAÇÃO/CREATOR: AMRICK BREGMAN, LUCY HAWKING, AND SHEHANI FERNANDO

The Party é uma experiência em narrativa The Party is an immersive narrative about
imersiva sobre autismo, que coloca o par- autism, which puts the participant in the
ticipante no lugar da adolescente Layla, place of the recently-diagnosed teenag-
recém-diagnosticada, durante a festa de er, Layla, during her mother’s surprise
aniversário surpresa de sua mãe. Por meio da birthday party. Through the narration of
narração dos pensamentos de Layla, é possí- Layla’s thoughts, it is possible to expe-
vel experienciar a sobrecarga sensorial e rience the sensory overload which she is
auditiva a que fica exposta e suas tenta- exposed to, and her attempts to deal with a
tivas de lidar com uma situação estressante stressful situation using the coping mech-
usando os mecanismos de enfrentamento que anisms she has created to deal with her
criou para administrar sua ansiedade. O dra- anxiety. The drama provides a powerful,
ma fornece uma poderosa perspectiva em pri- first-person perspective of the challeng-
meira pessoa sobre os desafios que situações es which social situations can represent
sociais podem representar para autistas. O to autistic people. The project involved
projeto envolveu a consultoria e participa- the consultation and direct participation
ção direta de mulheres de espectro autista, of women on the autism spectrum, such as
como Sumita Majumdar, que escreveu o rotei- Sumita Majumdar, who wrote the script, and
ro, e Honey Jones, que faz a voz de Layla. Honey Jones, who provides Layla’s voice.
REALIDADE
VIRTUAL

VIRTUAL
REALITY

The Little Prince 2018


REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE

thelittleprincevr.com/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: RED ACCENT STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: RED ACCENT STUDIOS

Em The Little Prince, o participante In The Little Prince, the par-


mergulha na clássica obra de Antoi- ticipant dives into Antoine de
ne de Saint-Exupéry, interagindo com Saint-Exupéry’s classic work, in-
seus personagens como nunca antes. teracting with his characters like
Desde a primeira edição, em 1943, never before. Since its first edi-
o livro já vendeu mais de 140 mi- tion in 1943, the book has sold
lhões de cópias, entrando no quarto 140 million copies, making it the
lugar dos mais vendidos de todos os fourth best selling book of all
tempos. Esta é a primeira adapta- time. This is the work’s first
ção da obra para realidade virtual. virtual reality adaptation.
Nothing Happens 2012
REALIDADE VIRTUAL/VR • DINAMARCA E FRANÇA/DENMARK AND FRANCE

tindrum.dk/project/nothing-happens/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DANSK TEGNEFILM E MIYU PRODUCTIONS • REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT

Nothing Happens é uma instalação Nothing Happens is a virtual real-


artística com realidade virtual que ity art installation which ques-
questiona o papel do espectador, tions the role of the spectator by
convidando o participante a teste- inviting the participant to wit-
munhar um evento sob uma nova ma- ness an event through a new way
neira de olhar, mas também de ser of watching, and also of being
assistido. Um espetáculo de ver watched. This is possible thanks to
e também ser visto e vigiado. So- VR technology, which allows for a
bre estar presente. Isso é possível deep immersion in the narrative.
graças à tecnologia VR, que permite
uma profunda imersão na narrativa.

REALIDADE VIRTUAL  |  VIRTUAL REALITY · 130-134


Allumette 2016
REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA

penrosestudios.com/stories/2016/4/13/introducing-allumette

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PENROSE STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: EUGENE YK CHUNG

Allumette é um filme em realidade Allumette is a virtual reality film


virtual inspirado no conto A Peque- inspired by Hans Christian Anders-
na Vendedora de Fósforos, de Hans en’s tale, The Little Match Girl.
Christian Andersen. A história tra- The story is about a mother’s love
ta do amor de uma mãe pela filha e for her daughter, and the sacri-
os sacrifícios que ambas fazem por fices they both make for a great-
um bem maior. Depois de sofrer uma er good. After suffering a tragedy,
tragédia, a jovem se agarra à espe- the young girl clings to the hope of
rança para persistir em seu cami- continuing along her path. The fan-
nho. O mundo fantástico criado para tasy world created to hold the story
abrigar a história lembra uma Veneza is reminiscent of a Venice floating
flutuando no céu, com nuvens cobrin- in the sky, with clouds covering the
do os edifícios como ondas, em meios buildings like waves, among chan-
a canais de ar sinuosos como rios. nels of air as sinuous as rivers.

131
Altération 2017
REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE

arte.tv/sites/webproductions/alteration

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE FRANCE, OKIO STUDIO, METRONOMIC E SAINT-GEORGE STUDIO •


REALIZAÇÃO/CREATOR: JÉRÔME BLANQUET

Alexandro se voluntaria para um ex- Alexandro volunteers for an experi-


perimento sobre sonhos, mas não está ment about dreams, but does not know
ciente de que os cientistas irão that scientists will inject him with
implantar nele Elsa, uma inteligên- Elsa, a form of artificial intelli-
cia artificial que irá digitalizar gence which will digitize and take
e assumir seu subconsciente com o over his subconscious to help her
objetivo de se transformar em um ser turn into a human being. Alteration
humano. Altération é uma ficção cien- is science fiction in virtual re-
tífica em realidade virtual que dá a ality, which gives the participant
chance do participante acompanhar o the chance to accompany the experi-
experimento direto da mente invadida ment directly from Alexandro’s in-
de Alexandro, enquanto Elsa evolui. vaded mind, while Elsa evolves.

The Dream Collector 2017


REALIDADE VIRTUAL/VR • CHINA

pintastudios.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PINTA STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: LI MI

The Dream Collector é uma anima- The Dream Collector is a virtual


ção feita em realidade virtual que reality animation which tells the
conta a história de um homem e seu story of a man and his playful dog,
cachorro brincalhão que passam os who spend days in a garbage dump
dias em um depósito de lixo procu- looking for “treasure.” The ob-
rando “tesouros”. Os objetos encon- jects they find - a broken guitar,
trados – um violão quebrado, uma a ripped baseball glove, an deflat-
luva de beisebol rasgada, uma bola ed soccer ball, for example - are
de futebol vazia, por exemplo – são the remains of abandoned dreams.
como remanescentes de sonhos aban- Determined to give them new mean-
donados. Determinado a ressignifi- ing, the man carefully fixes them
cá-los, o homem conserta minuciosa- and gives them away as presents.
mente cada um e os dá de presente.
Museum of Symmetry 2018
REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ/CANADA

mediaspace.nfb.ca/epk/museumofsymmetry

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CASA RARA STUDIO E NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) •


REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT

Um absurdo jogo de mente e corpo, o An absurd mind-and-body romp, the


Museum of Symmetry reproduz em rea- Museum of Symmetry uses virtual re-
lidade virtual o explosivo univer- ality to reproduce the explosive
so da cartunista e animadora Paloma universe of cartoonist and anima-
Dawkins. Como uma metáfora da vida tor Paloma Dawkins. Like a metaphor
real transportada para uma sala, a for real life transported to a room,
experiência leva o participante a the experience leads the participant
paisagens de terra, fogo, vento e through landscapes of earth, fire,
água, onde personagens 2D habitam wind and water, where 2D charac-
um cenário 3D. Em uma clara provo- ters inhabit a 3D environment. In a
cação à narrativa convencional de clear provocation to the convention-
jogos, não há regras a serem cum- al narrative of games, there are no
pridas ou objetivos a serem conquis- rules to be followed or objectives

REALIDADE VIRTUAL  |  VIRTUAL REALITY · 130-134


tados. Apenas um convite ao delei- to be fulfilled. Only an invitation
te, em um cenário desconcertante to enjoy, in a disconcerting envi-
inspirado na geometria e na natu- ronment inspired by geometry and
reza. Talvez a maior surpresa não nature. Perhaps the biggest sur-
seja o que acontece durante a ex- prise is not what happens during the
periência, mas que sensações ficam gameplay itself, but how you feel
quando se retorna ao mundo real. once you return to the real world.

Tales of Wedding Rings 2018


REALIDADE VIRTUAL/VR • JAPÃO/JAPAN

jp.square-enix.com/mangainvr/

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SQUARE ENIX • REALIZAÇÃO/CREATOR: KAEI SOU

Tales of Wedding Rings é um man- Tales of Wedding Rings is an im-


gá japonês imersivo, desenvolvido mersive Japanese manga developed
em realidade virtual. A experiên- in virtual reality. The experience
cia mantém a clássica estética mo- maintains the classic, monochromat-
nocromática e adiciona um campo de ic aesthetic and adds a 360o field
visão em 360o. A história gira em of vision. The story revolves around
torno da relação entre dois estu- the relationship between two teen-
dantes adolescentes: Satou e Hime. age students: Satou and Hime. The
O rapaz acaba seguindo a amiga de boy ends up following his childhood
infância por um portal que os leva friend through a portal that takes
a outro mundo. Satou descobre então them to another world. Satou then
que Hime é uma princesa e, por cir- discovers that Hime is a princess
cunstâncias bizarras, casa-se com and, through bizarre circumstanc-
ela, transformando-se no Ring King. es, marries her, becoming the Ring
Acaba descobrindo que, para cum- King. He ends up discovering that,
prir seu maior desafio, banir Abyss to overcome his greatest challenge,
King, precisará se casar novamente… that of banishing the Abyss King,
com outras cinco princesas! O que he will need to marry again...with
mais pode acontecer nessa aventura? five other princesses! What else

133
might happen along this adventure?
Zero Days VR 2017
REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA

zerodaysvr.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SCATTER • REALIZAÇÃO/CREATOR: YASMIN ELAYAT

Zero Days VR é a versão em realida- Zero Days VR is a virtual real-


de virtual do premiado curta-metra- ity version of the award-winning
gem de mesmo nome. A história gira short film with the same name. The
em torno do vírus Stuxnet, consi- story revolves around the Stux-
derado a primeira arma cibernética net virus, the first cyber weap-
do mundo capaz de causar danos fí- on known to cause physical damage
sicos no mundo real. O participan- in the real world. The participant
te experimenta o mundo invisível da experiences the invisible world of
guerra cibernética da perspectiva cyber warfare from the perspective
do vírus, projetado pelos EUA e Is- of the virus, designed by the USA
rael e enviado em uma missão clan- and Israel, and sent on a clandes-
destina para sabotar uma instala- tine mission to sabotage an under-
ção nuclear iraniana subterrânea. ground Iranian nuclear facility.

Way to Go 2015
REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

a-way-to-go.com

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) E FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES • REALIZAÇÃO/CREATOR: VINCENT
MORISSET

Way to Go é uma experiência inte- Way to Go is an interactive expe-


rativa em um mundo particular. Uma rience in a private world. A land-
paisagem de folhas e flores sil- scape of leaves and wild flowers,
vestres, repleta de vida oculta. Um filled with hidden life. A garden
jardim e um deserto, um piscar de and a desert, a melancholic blink
olhos melancólico. O participante of the eye. The participant is a
é uma caricatura com rosto e mem- cartoon, with face and limbs, that
bros, caminhando. Ou correndo. Ou walks. Or runs. Or flies. Like a
voando. Como um desbravador em uma pioneer on a grand adventure. Or
grande aventura. Ou simplesmente simply an individual on a contem-
um indivíduo em um passeio contem- plative hike. Using handmade ani-
plativo. Usando animações feitas à mation, 360 video, and programming,
mão, música, vídeo 360 e programa- Way to Go is a world of dreams. At
ção, Way to Go é um mundo de so- a time when we have access to so
nhos. Em um momento em que existe much, and see so little, the proj-
acesso a tanto, e se enxerga tão ect will remind you of the lus-
pouco, o projeto propõe o delicio- cious, sudden pleasure of discovery.
so e súbito prazer da descoberta.
INSTALAÇÃO
TRANSMÍDIA

TRANSMEDIA
INSTALLATION

Som dos Sinos 2014


INSTALAÇÃO TRANSMÍDIA/TRANSMEDIA INSTALLATION • BRASIL/BRAZIL

somdossinos.com.br

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCIA MANSUR E MARINA THOMÉ

Som dos Sinos é um projeto multi- The Sounds of Bells is a multi-


plataforma e pioneiro na utilização platform project and a pioneer in
de novas mídias para a divulgação the use of new media to dissem-
de patrimônio imaterial. Tendo como inate intangible cultural heri-
foco o Toque dos Sinos e o Ofício tage. Focusing on the sound of bells
de Sineiro, reúne um amplo mate- and the work of bell ringers, it
rial audiovisual sobre nove cidades gathers a broad range of audiovi-
históricas de Minas Gerais, co- sual material from nine histori-
nhecidas por seus mais de quaren- cal cities in Minas Gerais, known
ta toques de sinos, que identificam for their more than forty different
ritos litúrgicos, mortes, tipos de bell sounds, which identify litur-
missas, partos, incêndios e horá- gical rites, deaths, types of mass-
rios sacros. Uma experiência imer- es, births, fires, and holy hours.
siva no ambiente dos campanários e An immersive experience into the
na relação do humano com o divino. world of belfries and the rela-
tion of the human with the divine.
BUG 
NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS
ANDRÉ PAZ | SANDRA GAUDENZI  ORGs.
ORGs.
SANDRA GAUDENZI
ANDRÉ PAZ

E IMERSIVAS
INTERATIVAS
NARRATIVAS

BUG

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