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CATÓLICA DE VITÓRIA CENTRO UNIVERSITÁRIO


PSICOLOGIA

Gustavo Pauli Barcellos

Preconceitos e discriminação: o sofrimento vivenciado por homens trans na


experiência de sua transição

Vitória
2019
1

GUSTAVO PAULI BARCELLOS

Preconceitos e discriminação: o sofrimento vivenciado por homens trans na


experiência de sua transição

Projeto de pesquisa apresentado à Católica de Vitória


Centro Universitário, para obtenção de avaliação para
disciplina Estagio Obrigatório Básico I.

Orientador: Profª Thais Caus Wanderley

Vitória
2019
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Resumo

Uma questão relevante atualmente no contexto social é o sofrimento psíquico que afeta homens trans
em função do preconceito e discriminação. Mediante então a temática citada, realizou-se uma
pesquisa do tipo ex-post-facto utilizando-se de entrevista semiestruturada, de forma individual,
abrangendo 10 homens trans de diferentes idades e diferentes níveis nos seus processos de
transição. Sob a Teoria das Representações Sociais, interpretou-se os dados analisados após
categorização de quais são os principais fatores responsáveis pelo surgimento do sofrimento psíquico
nestes homens trans decorrente preconceito em geral. Foram identificados fatores como o
preconceito, neste caso, machismo, entre eles mesmos, a falta de apoio da sociedade e por vezes da
própria. Cabível à sociedade, no sentido de acolhimento, o conhecimento do sofrimento vivenciado
por homens trans e transexuais em geral, de forma a tentar descontruir pré-conceitos com relação
aos mesmos. De forma geral, a influência do preconceito e a constatação da variação nas
representações sociais sobre esta comunidade transexual, é fator direto e somatório para
discriminação e um consequente sofrimento.

Palavras-chave: preconceito; discriminação; homem trans; sofrimento; transexualidade.

Abstract

A relevant issue currently in the social context is the psychic suffering that affects trans men due to
prejudice and discrimination. At the time, the subject was ex post-facto, using a semi-structured
interview, individually, covering 10 trans men of different ages and different levels in their transition
processes. Under the Theory of Social Representations, the analyzed data were interpreted after
categorization of which are the main factors responsible for the emergence of the psychic suffering in
these trans men resulting from general prejudice. We have identified factors such as prejudice, in this
case, machismo, among themselves, the lack of support from society and sometimes their own. It is
up to the society, in the sense of welcoming, the knowledge of the suffering experienced by trans and
transsexual men in general, in order to try to deconstruct preconceptions with respect to them. In
general, the influence of prejudice and the observation of variation in social representations about this
transsexual community is a direct and total factor for discrimination and a consequent suffering.

Keywords: prejudice; discrimination; trans man; suffering; transsexuality.


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Introdução

Para falar-se de discriminação e preconceito em geral com o sofrimento em


potencial causado por este e principalmente voltado sobre a transexualidade, é
preciso entender e referenciar-se, entretanto, sobre o conceito e entornos da própria
transexualidade.

A expressão “transexual” surgiu pela primeira vez em 1953, e foi utilizado pelo
endocrinologista americano Harry Benjamin para designar indivíduos que,
biologicamente normais, se encontravam inconformados com seu sexo e queriam,
profundamente, a troca de sexo, apesar de possuírem aparelhos genitais em estado
perfeito. (Lopes, 2009, p.1).

É visto que a transexualidade é uma concepção atual (esse termo caracteriza


indivíduos que se identificam com o sexo oposto àquele designado no nascimento e
fundamentado na morfologia do sexo cognitivo), que possibilita certa demanda no
entendimento que compreende a relação de um modelo que normaliza, ordena,
idealiza e legaliza o gênero, sexo e a sexualidade paralelamente. Sendo assim, são
distinguidos indivíduos que expõem aspectos sob variados discursos sociais,
políticos e morais. De acordo com Lopes (2009) a pessoa transexual exprime uma
vontade grande de existir e ser respeitada como um indivíduo do sexo oposto e tal
transição é de tamanha importância para si que detém toda relevância em sua vida.

Decorrendo-se sobre o contexto do sofrimento de transexuais em virtude de


preconceitos, este está em processo de transição ou ainda que o iniciará, passará
pelas etapas até alcançar seu nível de físico objetivado e satisfatório. Sendo assim,
a transição possui alguns passos simbólicos que não necessariamente necessitam
um do outro para o indivíduo se considerar “transicionado” (reforçando que o sujeito
é transexual se ele se afirma desta forma). Eles constituem na mudança de certos
comportamentos estereotipados, mudança de pronomes, mudança de aparência,
aquisição do nome social, processo de hormonização e afins. Não são todos os
transexuais que passam por esses processos já que ao se afirmar transexual o
indivíduo já “transiciona” de um estado para outro, passando assim a assumir sua
identidade frente à sociedade.
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“O transexual, psicologicamente, não se sente à vontade com o sexo


biológico, o que lhe acarreta profundo sofrimento, apresentando características de
inconformismo, depressão, angústia e repulsa pelo próprio corpo” (Lopes, 2009,
p.1). Com a ânsia de seu corpo readequado ao seu sexo de identificação, o trans
opta por realizar procedimentos cirúrgicos e de hormonização, podendo, assim,
chegar o mais próximo possível de sua imagem ideal. O transexual tem a plena
certeza de que não é do sexo feminino e sim do masculino e vice-versa.

O conflito vivenciado pelos transexuais faz com que desejem a transformação


de seus corpos mediante cirurgias autorizadas no Brasil pelo Conselho Federal de
Medicina, e hoje disciplinada através da Resolução n. 1.652, que implicam na
ablação e construção de órgãos e tratamentos hormonais, para o sexo contrário ao
seu. (Lopes, 2009, p.1)

As cirurgias mais almejadas pelo homem transexual é a mastectomia (retirada


total dos seios) e a histerectomia (parcial, onde é retirado apenas o útero; e total,
onde se retira o útero e canal uterino). A menos procurada (mas também não
esquecida) é a de redesignação de sexo (onde é feita uma cirurgia de transformação
da vagina em um pênis e vice-versa), mas pela cirurgia masculina ainda não ter um
avanço considerável, muitos trans optam por não fazê-la pela não funcionalidade e
aparência insatisfatória do órgão redesignado.

Uchôa (2017) fala que o homem transexual é homem, entretanto, é concebido


em estrutura física feminina gerando um sucedimento de anseio por não espelhar
sua real identidade de gênero e, nesse contexto transfóbico social, é imprescindível
resolver que a transexualidade não retrata um fenômeno biológico objetivo, e sim um
discurso cisheteronormativo presente na sociedade acabando por formar e definir
padrões comportamentais com base no dispositivo de gênero paralelo.

A sociedade tem uma identificação de gênero imposta pelos padrões


heteronormativos, o qual desde a infância, homens e mulheres são diferenciados por
suas roupas, brinquedos, cor, afazeres, etc., criando assim um preconceito e o
machismo nessa instância. E quando o transexual é visto na sociedade, o mesmo
sofre discriminação, pois apresenta uma identidade de gênero diversa. Porém, os
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transexuais tem conseguido conquistar o seu espaço na sociedade, e com muito


sacrifício e determinação estão driblando os obstáculos que esta os impõe.

Seguindo por esse caminho, as Representações Sociais são construções


produzidas no meio social acerca de um fenômeno, onde sua finalidade permite
“interpretar e conceber aspectos da realidade para agir em relação a eles, uma vez
que a representação toma o lugar do objeto social a que se refere e transforma-se
em realidade para os atores sociais” (Wachelke & Camargo, 2007, p. 381).

Por sua vez o machismo, segundo Drumont (1980), é um tipo de dominação,


utilizando-se da superioridade do sexo masculino, onde as relações entre seus
opostos são reduzidas a hierarquias de supremacia do homem sobre a mulher.
Sendo ela o sexo dominado e ele o dominante, onde ambos são objetificados, sendo
sobretudo, talvez a pior e mais forte forma de preconceito quando a ótica é a
transexualidade.

O tema apresentado é pouco explorado no campo da psicologia e, haja vista


o crescente número de indivíduos que optam pela transição em geral, desde a troca
do nome, passando pela ingestão de hormônios e se submetendo a cirurgias e a
experiências de machismo vividas pelos homens transexuais, julga-se válido para o
campo da Psicologia que esse seja um tema explorado.

E há um preço cobrado que muitos homens trans acabam pagando por terem
uma masculinidade diferente a imposta pela heterocisnormatividade: a falta de
oportunidades no mercado de trabalho, a não possibilidade de continuarem seus
estudos, situações de violência, e rompimento familiar ou com amigos, a
impossibilidade de viver um amor, e acesso à saúde (UCHÔA, 2017). Tem-se então,
que em virtude dessas discriminações e preconceitos, estes carregam em sua
vivência o ônus de um sofrimento psíquico.

O presente artigo busca entender como a população transexual, vivencia e


tem sua experiência diante do preconceito e discriminação sofridos. Visto que no
Brasil, há efeitos significativos no processo de hormonização do homem trans e os
impactos na vida deste. Tenta-se compreender também, além do preconceito já
cristalizado na sociedade em geral, o preconceito a partir da própria comunidade
trans entre si.
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Metodologia da pesquisa

Participantes

Os participantes dessa pesquisa foram 10 homens transexuais com idade


entre 22 e 38 anos, moradores da Grande Vitória no estado do Espírito Santo. Estes
se enquadraram nos critérios de inclusão que foram: ter mais de 18 anos de idade,
se apresentar como transexual para a sociedade em geral e ser reconhecido como
homem transexual por esta e, após ser apresentado às diretrizes e condições da
pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ter aceitado
participar da mesma. Esta pesquisa não teve como critério para a colaboração dos
participantes que os mesmos tenham passado por qualquer cirurgia, incluindo a de
resignação sexual, bem como qualquer outro critério ou tenham se submetido à
ingestão de hormônio. Os nomes reais das pessoas que participaram da pesquisa
foram preservados, sendo utilizados nomes fictícios para os mesmos.

Tabela 1 – Lista dos 10 participantes (nomes fictícios).

Passou pela
Participantes Idade Tempo de transição
transição?
Armando 27 anos Sim 4 anos
Adriano 22 anos Não -
Isaac 26 anos Sim 2 anos
Kevin 27 anos Sim 3 anos
Kauan 24 anos Não -
Marcelo 26 anos Sim 3 anos
Matheus 38 anos Não -
Marcos 25 anos Sim 5 anos
Rodrigo 24 anos Não -
Thomas 24 anos Sim 3,5 anos

Campo de estudo

As amostras foram colhidas por acessibilidade ou conveniência, onde os


participantes foram selecionados na medida em que se teve acesso, aceitando por
amostra e supondo-se que estes representam de certa forma, todo o conjunto.
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Instrumento de coleta de dados

O instrumento usado na pesquisa foi uma entrevista semiestruturada que, de


acordo com Boni & Quaresma (2005) junta perguntas fechadas e abertas, se
valendo de perguntas pré-estabelecidas, porém, o entrevistador as faz em um
contexto parecido com o de uma conversa sem formalidade. Esse instrumento serviu
de apoio para o cruzamento de dados e informações acerca da pesquisa em
questão. A entrevista consistiu em abordar o participante sobre questões que
envolvem a sociedade e como este lida com o tratamento hormonal e/ou o processo
de transição, visando explorar as consequências que possam ter ligação com
qualquer questão relacionada ao preconceito e discriminação em seu processo
transmasculinizador, independente de casualidade de algum sofrimento.

Procedimentos de coleta de dados

A presente pesquisa foi realizada por etapas, onde, a princípio, foi realizado
um apanhado teórico na intenção de discorrer sobre o assunto pesquisado. A seguir,
à colher as amostras e apresentar a proposta e o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido , procedeu-se a aplicação da entrevista semiestruturada feita
individualmente com cada participante e, com a permissão destes, sendo a mesma
foi audiogravada. As entrevistas foram transcritas na íntegra e de forma literal.
Interpretadas à luz da Teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici.

Aspectos éticos

A pesquisa exploratória atende à aspectos éticos requeridos Resolução


466/2012 do Comitê de Ética em Pesquisa da ISJD – Católica de Vitória Centro
Universitário e, deste modo, o sigilo dos participantes foi mantido. Os participantes
não foram identificados por seus verdadeiros nomes, tendo sido utilizado nomes
fictícios no intuito da manutenção do sigilo. Não houve recusas dos participantes
durante a procura ou desistências no meio da coleta de dados, sendo assim, todos
os dados coletados foram utilizados na análise.

Análise de dados e interpretação dos dados


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Para o seguinte trabalho, os dados coletados foram analisados


qualitativamente, tendo como referencial teórico a Análise de Conteúdo, a partir do
processo de categorização que é a “classificação de elementos constitutivo de um
conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia) com critérios previamente definidos” (Bardin, 2011, p. 147).

Resultados

Por temáticas elucidadas em tabelas, organizou-se os dados apresentados


resultantes da categorização em função de representação social. O número de
incidências das respostas apresentadas nesta categorização pode ser maior do que
o número de sujeitos participantes.

Influência do preconceito

Aprofundando-se sobre a temática do preconceito vindo da sociedade em


geral e a sua influência para o homem trans, os dados colhidos foram:

Influência do preconceito da sociedade de forma geral.

Tabela 2 - Influência do preconceito da sociedade de forma geral.

Categorias Quantidade Porcentagem (%)

Dificuldades de socializar 30 22,05


Afeta a autoestima 26 19,11
Faz se sentir mal 20 14,7
Depressão 17 12,5
Ansiedade 13 9,55
Extremamente desconfortável 9 6,61
Se sente o único trans 6 4,41
Frustrante 7 5,14
Medo 5 3,67
Insegurança 3 2,2

TOTAL 136 100

Nota-se na tabela algumas grandes repetições de respostas, sendo


“dificuldade de socializar” a de maior repetição. E nas muitas falas apresentadas
pelos participantes demonstra-se uma realidade onde os homens transexuais são
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participantes de situações em que existe uma baixa nas relações sociais com o resto
da sociedade.

Almeida (2005) conceitua as representações sociais como sistemas “que têm


por objetivo substituir as teorias espontâneas por versões com uma definição
específica, definição esta compartilhada pelos membros de um grupo, que passa a
incorporá-la no seu cotidiano”. (p. 42) Andrade (2000) expõe a ideia de as
representações constituírem um sistema dinâmico: O sentido da representação de
um objeto advém da relação com outras representações de outros objetos que forma
um campo de representação. Portanto, o que confere seu sentido a uma
representação não é tanto seu conteúdo, os elementos que a formam, mas a relação
entre esses elementos (p. 143). Wachelke (2005) também ressalta que quando
representações sociais formam um conjunto coerente e coeso, estando ancoradas
em noções próximas, pode-se dizer que elas estão formando um sistema
representacional. Esse sistema representacional pode abarcar uma quantidade de
subsistemas de representações, muitas vezes incompatíveis entre si.

Ademais, termos como “afeta a autoestima”, “faz se sentir mal”, “depressão”,


“ansiedade”, além de um alto índice de aparição nas repostas, pode-se de certa
forma, equivaler-se em um mesmo sentido.

Influência do preconceito entre homens trans.

Já para a influência do preconceito entre os próprios homens transexuais, as


respostas foram as seguintes:

Tabela 3 - Influência do preconceito entre a comunidade trans.

Categorias Quantidade Porcentagem (%)

Ser mais homem que o outro só


4 36,36
por ter feito a transição
Causa tristeza em relação ao
3 27,27
tratamento

Intolerância 3 27,27

Provoca ansiedade 1 9,09

TOTAL 11 100
10

O termo “ser mais homem que o outro só por ter feito a transição” decreta a
condição para que o homem trans deva ser aceito como homem naquele grupo
evidenciando-se aqui, que o preconceito entre os pertencentes desse grupo, de fato
existe, seja na forma de mero preconceito e discriminação, ou na forma de
machismo.

Oliveira (2015) fala que em uma sociedade extremamente regada por


preconceitos e discriminação, com baixa na democracia e igualde, não trazendo
benefício algum àqueles onde acreditam ser protegidos nesta instituição de
hierarquização de gênero. A heteronormatividade intrínseca, ancorando condutas de
homofobia e transcorrendo o machismo presente no âmbito transexual.

Essa temática aprofundou o conhecimento acerca do preconceito e as


relações entre os homens transexuais, uma vez que as respostas definiram
situações marcantes de preconceito e do conceito do que é ser um homem trans
para os próprios integrantes da comunidade.

Outros(1).

No que cerne o preconceito como temática, foram colhidos alguns dados


relevantes para a pesquisa, os quais foram apresentados na categoria “outros(1)”:

Tabela 4 – Outros(1)

Categorias Quantidade Porcentagem (%)

Acreditar que era lésbica antes


3 60
de se entender trans
Situações de preconceito no
2 40
banheiro

TOTAL 5 100

Essa temática traz um acréscimo de conhecimento sobre o processo de


transição do homem transexual e sua relação com os fenômenos que envolvem
conceitos sociais pré-estabelecidos. A incidência de respostas dos participantes que
declaram que acreditavam ser lésbicas antes de se compreender como homem
trans, sugere que o sofrimento causado, seja por ansiedade, opressão ou mesmo
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por exclusão advindos de preconceito e discriminação da sociedade ou seu grupo


pertencente, causa de fato, dor para esses indivíduos.

Representação social de preconceito

Tabela 5 - Representação social de preconceito.

Categorias Quantidade Porcentagem (%)

É inconsciente 5 38,46
Trans não é homem 4 30,76
Não poder chorar 2 15,38
Receber olhares 2 15,38

TOTAL 13 100

Na representação social de preconceito identificamos alguns termos contidos


nas falas de alguns entrevistados. “É inconsciente”, e que foi o termo mais repetido
com cinco incidências, porem, para a representação em questão apresentada na
tabela, não houve um disparate muito grande entre o termo mais repetido e o termo
menos repetido.

Contudo, os entrevistados dizerem que “é inconsciente”, mostra claramente


como o preconceito é bem cristalizado na sociedade em geral.

O preconceito é definido como atitudes negativas direcionadas a uma pessoa


que supostamente apresenta as mesmas características negativas atribuídas ao seu
grupo social de pertencimento (Allport, 1954). Os preconceitos, na perspectiva de
Lima (2013), são atitudes baseadas em julgamentos antecipados constituídos por
componentes cognitivos (ex.: crenças, estereótipos), afetivos (ex.: antipatias,
aversões) e volitivos (ex.: discriminação).

Os outros três termos, “trans não é homem”, “não poder chorar” e “receber
olhares” estão entrelaçados, e exemplificam de fato, essa cristalização do
preconceito na sociedade.

Porem, atualmente a definição de preconceito associada às emoções


negativas foi sendo substituída pela negação ou ausência de emoções positivas
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sentidas e expressas para com os membros dos exogrupos minoritários (Meertens &
Pettigrew, 1997).

Os estereótipos são entendidos como crenças ou características socialmente


compartilhadas atribuídas aos membros de determinado grupo social (Tajfel, 1982),
e que representam aspectos cognitivos do preconceito, servindo assim para
justificar, racionalizar, e legitimar, as interações e sistemas sociais (Jost, Kivetz,
Rubini, Guermandi, & Mosso, 2005).

Estes estereótipos negativos, quando associados às emoções intergrupais


negativas e à percepção de ameaça, fortalecem os processos de discriminação
(Lomando, 2014).

Desse modo, houve a necessidade de categorizar o termo abaixo, em sua


própria tabela.

Tabela 6 – Outros(2).

Categorias Quantidade Porcentagem (%)

Perpetua o machismo 15 100

TOTAL 15 100

Este termo, “perpetua o machismo”, foi evidenciado algumas vezes, e apesar


de conter a palavra machismo, seu sentido é o de preconceito. A fala de um
entrevistado, “de que a gente para fazer parte daquilo, a gente tem que continuar
perpetuando o machismo”, mostra esse sentido de preconceito, pois acaba por
demostrar que em virtude do preconceito, agora, já quase intrínseco naquele mesmo
indivíduo que era vitima desse mesmo machismo, acaba ganhando espaço e força,
proveniente do preconceito e “correndo” paralelamente a ele.

Nesta tabela é quantificada e exemplificada a representação social de


machismo no processo de transição do homem trans e não a simples representação
social de preconceito.

Este termo demostra em especial um fato curioso, onde aquela mulher que
sofria com o machismo, agora homem trans, acaba por meio da cristalização do
machismo na sociedade recebendo algum tipo de “regalia”, ou por si só, ele mesmo
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exercendo e repassando o preconceito na foram de machismo, antes tanto


abominado e combatido.

Considerações finais

É notório, porem apesar da subjetividade, que o preconceito e discriminação


percorrem quase todas as vias da nossa sociedade. Desde uma discriminação por
uma enfermidade ou nível social, a um preconceito familiar sobre um transexual. O
preconceito percorre sempre paralelamente aos que se consideram de uma forma
ou de outra, melhor ou mais merecedores ou poderosos que outros. Na pesquisa
apresentada, confirmou-se de forma bem clara, os processos de sofrimento da
comunidade transexual.

Tem-se então, que é bastante plausível que um único indivíduo pode agregar
e acumular vários “tipos” de sofrimentos decorrentes da discriminação e preconceito,
mostrando que há de fato um peso muito grande que esses fatores cristalizados e
praticados pela sociedade, incluindo aqui, a comunidade transexual, tem sobre a
pessoa, sendo este sofrimento psíquico extremamente forte e maléfico no cotidiano
e na vivência dos indivíduos pertencentes a esse grupo.
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Referências

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Diretrizes para apresentação de dissertações e teses da USP parte II (APA)

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