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No. 5
Maio de 1997
*Os autores são funcionários do Ministério da Cultura e Educação da República Argentina. São,
também, professores da FLACSO/Argentina e das universidades de Buenos Aires e de Luján,
respectivamente. As opiniões expostas no presente trabalho não comprometem as instituições em
que trabalham.
Os documentos desta série estão disponíveis em formato eletrônico na Internet (www.preal.cl).
Traduzido por Paulo Martins Garchet
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Apresentação
1 A metodologia utilizada é clara. Formulou-se uma pauta de entrevistas que foi apresentada aos
colegas mencionados na próxima nota. Atentos às altas responsabilidades de vários deles em
governos ou organismos internacionais, garantimos que não haveria referências pessoais nos
pontos de vista expressos. Vale ressaltar, contudo, que muitas das idéias aqui colocadas, ou
desenvolvidas, se baseiam em sugestões ou idéias colhidas nessas entrevistas.
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2 Agradecemos de forma muito especial o tempo que nos concederam os colegas entrevistados.
Entre parênteses estão indicados dois de seus principais âmbitos de atuação, o de definição e
execução de políticas públicas e o de pesquisa: José Joaquín Brunner (FLACSO-Ministério de
Governo do Chile), Cristian Cox (CIDE-Ministéiro da Educação do Chile), Daniel Filmus
(FLACSO-Secretaria de Educação da Municipalidade da Cidade de Buenos Aires), Daniel
Hernández (CEDEL-Ministério da Educação da Argentina), Francisco Dellich (CLACSO-
Ministério da Educação da Argentina), Germán Rama (CEPAL-CODICEN, Uruguai), Pedro
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tais. Para fazer frente a esta situação alguns países e administrações descentralizadas
começaram a executar políticas e estratégias voltadas para a reorganização ou criação de
certos dispositivos de orientação e regulação do funcionamento dos sistemas educativos.
O governo Pinochet pôs em marcha o PER (Programa de Evaluación de Rendimiento
Escolar). A municpalidade da cidade de Buenos Aires elaborou um novo Desenho
Curricular.
A recuperação da democracia, no caso da América do Sul, e a generalizada
aceitação de novas regras do jogo econômico internacional, tais como a globalização da
economia e o desafio da competitividade internacional, fizeram que estes esforços de
políticas e estratégias parciais se mostrassem absolutamente insuficientes para alcançar o
tipo de educação exigido para toda a população. Em conseqüência, voltaram a aparecer
os discursos de “reforma educativa”, na América Latina.
Mesmo quando– em vários países como o Chile, por exemplo e menos
coerentemente, Argentina, República Dominicana e outros – tais discursos se
apresentam evitando a convocação para uma “reforma educativa”, têm, em geral, a
pretensão de substituir um padrão de mudanças erráticas e descontinuadas por outro, do
tipo incremental e contínuo (Cox 1994). Têm em comum com os discursos da década
de sessenta o fato de acolherem propostas abrangentes, só que desta vez mais orientadas
para a reconversão que para a expansão. Muitos dos novos discursos parecem ter a
intenção de “re-inventar” as formas pelas quais as sociedades satisfazem suas
necessidades educativas. Já não se trata de propor a expansão do que existe, ou seu
melhoramento através de tal ou qual política ou estratégia (descentralização,
municipalização, novo currículo, sistemas de avaliação), mas de repensar o conjunto de
dispositivos discursivos, normativos e institucionais que regulam e conformam a
educação. Em certo sentido, está em questão a própria existência dos “sistemas
nacionais de ensino”, pela generalização de novos mecanismos de regulação e por sua
nova configuração, que poderiam transformá-los em redes quase irreconhecíveis,
comparadas a suas ancestrais.
Um indicador de tal intenção de re-invenção é a forte presença de novas leis de
educação geral na região, ou a adoção de amplos planos nacionais de reforma, que
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3 Vejam-se, por exemplo, as novas leis gerais de educação da Argentina, de 1993; da Colômbia, de
1994; do Chile, de 1991; do México, de 1993; do Paraguai, de 1992, ou o Plano Decenal de
Educação da República Dominicana, de 1992.
4 Nesta altura do texto, convém esclarecer que se reserva o termo “reforma educativa” para fazer
referência ao conjunto de políticas públicas orientadas para produzir mudanças nos processos e
serviços educativos, enquanto o termo “transformação” se emprega para designar as mudanças
que neles ocorrem, sejam, ou não, resultado das políticas educativas.
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quais assumir através de suas outras instituições. A segunda metade da década dos
oitenta e o primeiro qüinqüênio dos anos noventa parece ter sido o tempo de avançar
na consecução de um certo consenso prévio em relação a estas questões. Amplas
correntes de opinião e os grupos hegemônicos dentro dos partidos dos governos
parecem ter concordado com a necessidade de mudar o foco das prioridades referentes
às tarefas que, de acordo com este novo contrato, ficariam nas mãos dos Estados
nacionais. A prestação direta dos serviços educativos, sem haver sido alienada dos
Estados, foi visualizada, mais clara e abertamente, como uma responsabilidade a ser
compartilhada com a sociedade. A convocação para o pacto, a informação e avaliação, a
compensação de diferenças e a promoção da inovação e transformação pedagógicas
foram, em troca, enfatizadas como funções dos Estados (Tedesco 1987; Braslavsky 1990
e Filmus 1996).
Em princípio, isto parece ter significado uma opção entre duas alternativas, que
não são as mesmas que foram colocadas há trinta anos. Já não se trata de optar entre o
Estado Docente e o Estado Subsidiário, mas entre Estado Prescindente e Estado
Promotor, em que o primeiro se constituiria canalizador e financiador das forças do
mercado, e o segundo, em regulador e conformador de um novo sistema educativo.
A opção pelo Estado Prescindente teria representado atribuir-lhe uma função de
“regulamentação mínima”, que lhe teria exigido enfocar a atenção nas demandas por
educação e nos resultados esperados do processo educativo, de um ponto de vista de re-
atualização da “modernidade”, sem preocupação com seus “lados escuros” (Giddens
1994) representados, no caso da educação, pela desistência, pela repetência, pelo
fracasso escolar e pela segmentação.
A opção pelo Estado Promotor reclama que se focalize a atenção nos marcos
dos sistemas e processos necessários ao atendimento das necessidades educativas, de um
ponto de vista de atualização da modernidade passando pela preocupação – mais ou
menos conseqüente – de superar seus “lados escuros”. Por este motivo dá atenção ao
conjunto de funções acima enunciado, incluindo entre elas a promoção da inovação e
transformação pedagógica, certamente omitidas em todo planejamento orientado para a
construção de um Estado Prescindente.
Ocorre que o setor educação da rede institucional do Estado foi criado quando
ele precisava assumir o papel principal e predominante na função da prestação direta
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dos serviços. Em conseqüência, a nova concepção sobre a função dos Estados exigiu
uma importante revisão acerca de sua própria organização, de seus perfis profissionais,
de sua relação com os estabelecimentos de ensino e uma série de outras questões.
Exigiu que o setor da educação dos Estados latino-americanos, não apenas fosse capaz
de alimentar um processo de nova regulamentação e configuração dos sistemas
educativos, mas também que fosse, ao mesmo tempo, capaz de se repensar e de tornar a
se regular e a configurar-se a si mesmo.
Em síntese, tratar-se-ia de passar da velha concepção do Estado docente, própria
do século XIX latino-americano, para uma nova, de sociedade educadora,
reconhecendo, porém, que ela só se pode tornar realidade graças a um ativo papel dos
Estados nacionais, agora concebidos como promotores que articulam acordos para
definir políticas, que informam e compensam solidariamente, ao mesmo tempo que se
reorganizam a si mesmos para poder definir políticas e cumpri-las de modo mais eficaz e
eficiente.
As reformas educativas dos anos noventa puderam se iniciar na América Latina
graças ao imperativo da necessidade e com uma alta dose de voluntarismo. Em muitos
casos, tal início se realizou – como veremos em maior detalhe mais adiante – através da
montagem de estruturas paralelas à organização funcional permanente dos ministérios.
Nessas condições de precariedade deram-se passos significativos para passar de
um planejamento centralizado no livro plano para um planejamento situacional e
operacional (Matus 1987), ou de ações centradas exclusivamente na conjuntura e nos
meios, ou de outras que tentam equilibrar as conjunturas de médio e longo prazos e pôr
os meios a serviço da resolução dos problemas educativos das pessoas.
Contudo, é possível duvidar-se de que esses passos tenham iniciado em todos os
países um processo irreversível de reforma do setor educativo dos Estados nacionais e é
provável que sejam, todavia, insuficientes para sustentar uma transformação
modernizadora e eqüitativa dos sistemas educativos. As afirmações precedentes podem
ser tidas como inscritas em uma espécie de ceticismo otimista. Chamará, certamente, a
atenção ler esta associação de termos, que tenta refletir, por um lado, a detecção de
múltiplos sinais sobre as limitações existentes na dinâmica dos Estados nacionais para
cumprir as funções de “regulação necessária” que lhe são designadas. Pelo outro,
porém, reflete a convicção de que, se essas limitações forem detectadas e enfrentadas,
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será possível superá-las. Caso não fosse assim, certamente que as posições neo-liberais,
que neste momento não têm a penetração no setor da educação que alguns críticos das
políticas educativas latino-americanas lhes atribuem, avançariam com suas alternativas:
destruição da educação pública, generalização do vale-educação e anulação de marcos
curriculares compartilhados.
Contudo, a possibilidade de configuração de um setor educativo dentro do
Estado que assuma as funções mencionadas não depende exclusivamente do que se
passe com ele mesmo, mas, em medida importante, do que venha a ocorrer com todo o
Estado, processo que as tendências do setor da educação contribuíram, por outro lado,
para co-determinar. Por isto é importante examinar o que se poderia chamar “a solução
dominante” dos problemas relacionados com a configuração e o tamanho do Estado, a
questão de sua reforma em primeiro lugar (Cosse 1994).
A principal estratégia para reforma do Estado, tal como está sendo proposta ou
implantada na maior parte dos países da América Latina, consiste na redução de seu
tamanho, de seus papéis de empresário e prestador de serviços, assim como de suas
funções de regulamentação e orientação. Ela confunde dois níveis totalmente distintos
de “estatismo”. O primeiro refere-se ao que poderia ser sintetizado como o hiper-
dimensionamento burocrático: muitos funcionários mais que o necessário, clientelismo,
ineficiência, corrupção, lentidão, opacidade, caráter indiscriminadamente subsidiador do
Estado, amplitude do setor empresarial público, etc. O segundo, consiste nos papéis
planificador, regulador e orientador, do Estado (Cosse 1994).
Desse modo, quando se fala de “reforma do Estado”, se alude, indistinta e
ambiguamente, ao tamanho e à função. O super-dimensionamento excludente da
estratégia de reduzir o hiper-dimensionamento estatal está implicitamente articulado
com a desvalorização do papel regulador e orientador do Estado, e à valorização do
mercado como organizador do desenvolvimento. Explícita ou, mais freqüentemente,
implicitamente, há o conceito subjacente de que a crise fiscal que varre o mundo é
basicamente atribuível ao fato do Estado estar sobrecarregado por uma espiral
estruturalmente ascendente de demandas impossíveis de satisfazer que levam, cedo ou
tarde, a uma situação de ingovernabilidade. Assim sendo, a única e bastante solução
seria diminuir o Estado e privatizar os serviços públicos.
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ante, orçamentos para períodos de dois ou três anos, maior flexibilidade no movimento
entre contas, procedimentos rigorosos de seleção de pessoal profissional, contratos de
duração entre dois e quatro anos, etc. (Cf. Crozier 1988).
Se observarmos os eixos centrais do que se convencionou chamar “reforma do
Estado”, percebemos que vários desses problemas não estão sendo considerados com
suficiente energia.5 O esforço principal – já foi dito – é, em geral, dirigido para a
redução da estrutura estatal, dos gastos operacionais e da folha de funcionários. É, pelo
menos, discutível que isto possa produzir, por si só, efeitos importantes em termos da
eficiência e da transparência do Estado no cumprimento de seus objetivos, quaisquer
que eles sejam.
Na última década, contudo, surgiram duas inovações relevantes neste quadro,
associadas à duração e à composição das equipes condutoras do setor educação.
Pelo menos na Argentina, no Brasil e no Chile pós-autoritarismo, essas equipes
tendem a permanecer mais tempo em seus cargos que as precedentes. No Chile há
equipes que já permaneceram oito anos. No Uruguai – cujo governo da educação
consiste em um órgão coletivo e colegiado eleito com intervenção do Parlamento –
houve conselheiros que foram mantidos após a mudança do governo Lacalle para o de
Sanguinetti. Na Argentina e no Brasil, ou em outros paises, como a República
Dominicana, a duração das equipes nacionais tem sido bem mais breve, mas tendeu-se a
manter no setor os profissionais formados e eficientes, substituindo lentamente os
funcionários com formação e eficiência inferiores. Na República Dominicana várias
equipes profissionais permaneceram depois da mudança do governo do Presidente
Josquín Balaguer e da posse de Leonel Fernandez. Em vinte porcento das províncias
argentinas e em alguns estados brasileiros, tende-se também a manter as equipes nos
cargos, pelo menos durante um período eleitoral e, também, quando se reelegem
governadores, o que ocorre com certa freqüência. Isto é, sem dúvida, um fator de
estabilidade no desenvolvimento de políticas e uma condição necessária (ainda que não
5 Há, por certo, exceções, que se refletem em algumas mudanças significativas. Na Argentina, por
exemplo, pode ser mencionada a generalização do Orçamento por Programa e sua aprovação
antes de iniciar-se o ano de execução, o estabelecimento de salários razoáveis para o nível de
direção e coordenação de programas, nos ministérios, a paulatina introdução do juizado oral, de
forte impacto sobre a igualdade no acesso à justiça rápida, o progresso na definição do papel de
planificação, avaliação e convenção pelo Ministério da Educação e o maior controle das empresas
privadas.
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suficiente) para que as políticas possam instrumentar uma intervenção estatal com
objetivos – ao menos – de médio prazo. 6
A composição das equipes de condução do setor educativo modificou-se
consideravelmente. Embora haja particularidades importantes em cada um dos países,
em todos eles participam – tal como se antecipara na apresentação – certos perfis de
“trabalhadores simbólicos”: pesquisadores que fizeram seu itinerário em instituições
acadêmicas dinâmicas, ou em organismos internacionais, decidem, por si mesmos,
ingressar na política através de cargos eletivos, ou são convocados por governos de
perfis político e ideológico diversos (Alfonsín, Menem, Sanguinetti, Alwin, Frei, Borja,
Balaguer, Fernandez, etc.) para serem ministros, secretários, diretores de programas, etc.
Um exemplo de fora do setor educativo é a nomeação de Domingo Cavallo para o
Ministério da Economia da Argentina, que convocou um número importante de
funcionários provenientes de outro circuito de instituições acadêmicas ágeis, como o
IERAL, da Fundação Mediterrânea, por exemplo,
nutrido por egressos de universidades norte-americanas de alto prestígio.
Outro ainda, Fernando Henrique Cardoso, realiza uma carreira política que
termina na presidência. No que se refere à convocação para postos executivos, não se
trata sempre, necessariamente, de melhorar com isto a capacidade profissional instalada
no aparato estatal – ainda que combinada com outras de efeito parcial – mas,
fundamentalmente, de algo como incrustar nos níveis de decisão esses ex-acadêmicos ou
funcionários internaciona is, dando-lhes margens de liberdade e de recursos
relativamente significativas. Convivem nesses espaços com colegas recrutados, por
mérito, de outros espaços, tais como escolas inovadoras da própria política e estruturas
intermediárias de gestão. Em muitos países convivem, também, com elementos
recrutados segundo uma lógica clientelista ou corporativista, de acordo com velhas
práticas que não deixaram de existir e de serem exigidas. 7
6 É sugestivo o fato de que pelo menos dois dos ministros da educação desta etapa tenham sido
“premiados”: Ricardo Lagos, do Chile, e Jorge Rodríguez, da Argentina, deixaram seus cargos
para assumir funções de igual ou maior hierarquia. No caso deste último, sua substituição por
Susana Decibe, que também teve uma passagem significativa por instituições acadêmicas
dinâmicas e que já havia ocupado o cargo de Secretária de Programação e Avaliação Educativa,
demonstra claramente a vontade de assegurar continuidade no setor da educação.
7 É interessante a leitura de um anúncio, veiculado em um diário de Buenos Aires, no qual a
administração eleita para o governo autônomo da cidade decidiu solicitar aos candidatos a cargos
técnicos seus Currícula Vitae, o que provocou polêmicas e resistências entre os líderes partidários
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de bairros, que se consideravam com direito a exercê-los por seus méritos como cabos eleitorais na
campanha que levara à vitória.
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longo prazos e – ao mesmo tempo – como as que permitem uma capitalização eleitoral
mais rápida.
Essa geração de políticas de execução direta tem muitas facetas. Permite,
efetivamente, dinamizar com relativa rapidez um conjunto de estabelecimentos e atores.
Mas, ao mesmo tempo, pode dar início a um foco de resistência por parte daqueles
outros atores – administrações estaduais e diretores – que haviam sido os detentores do
poder em processos anteriores de delegação, no calor da alienação de responsabilidades
por parte dos Estados. Por outro lado, pode parecer contraditória em relação às
propostas de descentralização e de fortalecimento da autonomia das instituições
educativas.
Como alternativa se propõe que o Estado nacional dinamize e instrumente todos
os outros atores do cenário educativo, quer dizer, que assuma realmente as funções
mencionadas mais acima – através de ações de pesquisa e desenvolvimento, de
capacitação de funcionários do nível médio e de assessoramento – mais que a execução
direta nos estabelecimentos de ensino. Esta alternativa é promovida com maior
intensidade pelos funcionários com maior experiência em pesquisa e com maior
capacitação, entre eles a maior parte dos “intelectuais reformadores” e, em alguns casos,
por funcionários com passagem por espaços descentralizados, ou por gestões estaduais
ou provinciais, que mantêm uma dupla perspectiva: a da posição que ocupam nos
organismos centrais e a da que ocupavam na administração estadual ou provincial.
Outros funcionários oriundos dos estados ou províncias demorariam, por outro lado,
um certo tempo para perceber a diferença nas possibilidades de um e outro papéis e
tenderiam a tentar recriar o tipo de atividades que teriam desempenhado com êxito em
seus postos de origem, sem enxergar outro tipo de organização para os novos Estados
Nacionais.
O desafio consiste, neste caso, em selecionar adequadamente alguns programas e
áreas para intervenção direta, em concerto, porém, com outros atores, sem que isto
iniba ou desvie da necessidade principal, a de dinamizar e instrumentar o conjunto dos
atores que intervêm nos processos de transformação, cuidando para que as ações de
intervenção direta sirvam para dar satisfação ao contexto de referência das autoridades
políticas, cumprindo os requisitos de qualidade acadêmica, que exigem os quadros de
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seja, o sistema de regras e rotinas de procedimento, faz que prefiram seguir as normas,
ainda que estas impeçam, retardem ou dificultem a execução das políticas. Uma
freqüente conseqüência dessa conhecida lógica da burocracia pública é a alienação da
responsabilidades pelos resultados. De acordo com os depoimentos de vários dos
entrevistados em diversos países, os funcionários da estrutura permanente dos
ministérios – sempre há exceções – não se sentem responsáveis pelo resultado de suas
ações, apenas pelo cumprimento das normas, enquanto os funcionários de origem
política ou intelectual tendem a preferir violar ou alterar as normas antes que arriscarem
o resultado das políticas, ou a implantação dos projetos.
Por outro lado, os contextos de referência dos funcionários políticos e
burocráticos fazem que, nem uns, nem outros, tendam a utilizar os resultados das
pesquisas empíricas, nem os dos comparativos internacionais. Para os primeiros, é mais
importante a opinião geral instalada em seu contexto de referência. Para os segundos, é
a consistência das propostas com o que havia antes. Mas, enquanto os primeiros têm
maior flexibilidade para introduzirem novas fontes de informação e maneiras de analisá-
las, os segundos tendem a resistir a elas como forma de aumentar o monopólio que
exercem sobre a informação existente, sua forma de apresentação, seus métodos de
produção, etc. Percebem que enquanto não se ampliar o espectro de informações
disponíveis em um determinado momento, sua fonte de poder permanecerá inalterada.
Por outro lado, seu controle em questão de normas, procedimentos e rotinas,
procurando fazer que os outros atores estatais permaneçam na incerteza, define um
segundo nível de poder (Crozier e Firedberg 1990; Oszlak 1994).
Por seu lado, os intelectuais reformadores tendem a produzir novas
informações, a relacionar de novas maneiras as variáveis que as compõem – a produzir
novo conhecimento, enfim. Com tudo isto, perturbam, por assim dizer, a estrutura
administrativa – contábil e de nível médio tradicional – e geram, em determinados
momentos, expectativas excessivas a respeito dos produtos e processos que podem
fornecer, já que a informação sem processamentos político, estratégico e administrativo
como a Argentina, mais clientelistas. Um certo número de mestres e professores ascendia aos
órgão de planejamento, avaliação e elaboração de currículos, etc. Parafraseando a metodologia da
pesquisa social, pode-se definir que, em um primeiro momento, muitos desses tipos caíram em
“falácias de nível de ação”, operando nos ministérios como se estivessem em escolas. Mais
recentemente, o novo contexto permitiu fazer-se de outra maneira a seleção de perfis da mesma
origem, capazes de distinguir as especificidades de cada nível de ação. São os que se passaram a
denominar “pedagogos reformadores”.
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adequados não é nunca, por si só, um insumo suficiente para garantir qualquer gestão.
Os intelectuais, de seu lado, carecem às vezes de empatia com os políticos, suas
urgências e seus problemas de manejo de restrições ou condicionamentos gerados, ou
no sistema governamental, ou no político.
O desafio consiste, neste caso, em compatibilizar as valências com os diversos
contextos de referência, em diversificar as fontes de informações e, em conseqüência, de
poder. Isto nem sempre fica claro, particularmente porque dar atenção a estas questões
implica um manejo extremamente complexo de tempos diferentes.
10Um “intelectual reformador” típico que foi ministro do presidente Alfonsín, aceitou que em sua
área se estabelecesse um mecanismo de compensação de remuneração entre pessoal contratado e
pessoal do quadro permanente através da criação de um “banquinho”. Quando se contratava um
profissional, acordava-se com ele que um percentual dos honorários seria depositado em uma
espécie de conta interna para ser redistribuído entre o pessoal do quadro permanente cujos
rendimentos eram muito inferiores. A questão tornou-se pública e houve quem, nos meios de
comunicação, tentasse apresentar este fato como um caso de corrupção da administração política e
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dos funcionários do quadro, semelhante a outros que, sem dúvida alguma, perseguiam propósitos
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11 Três interessantes casos a esse respeito são os que se referem ao programa chileno das 900
escuelas, à Nueva Escuela Colombiana, e às sucessivas aprendizagens a partir da metodologia
desenhada para a transformação curricular na República Dominicana, no contexto de seu Plano
Decenal, que facilitou o desenho dos Contenidos Básicos Comunes, na Argentina, logo utilizado como
referência em outros países.
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demasiado para que se venha ainda somar outros com o entorno mais imediato,
aproveitar certo tipo de conhecimentos acerca dos afazeres do ministério que só eles
possuem, quando se trata de pessoas de certa idade, compreender sua situação pessoal
em contextos de recessão e crescentes exigências de competitividade, etc. No caso dos
novos trabalhadores simbólicos, o multi-emprego se deve ao fato do mercado estar
muito aquecido, oferecendo oportunidades atraentes, e a que em nenhum momento se
sentem totalmente participantes das organizações estatais que integram. Seu interesse
em conservar referências externas na ação quotidiana, e sua experiência anterior de
expulsões e desligamentos, levam-nos a resguardar contatos através de trabalhos
eventuais.
O desafio consiste em construir alternativas de contratação de pessoal que
permitam superar as obstativas inamovibilidades prévias, encontrando, ao mesmo
tempo, mecanismos mais efetivos para romper a inércia e garantir certa continuidade
aos funcionários de alta capacidade técnica e produtividade, preservando-os dos avatares
do clientelismo.
Na Argentina, e em outros países, começou-se a utilizar o mecanismo de
concursos para cobrir cargos hierárquicos com remunerações razoáveis para
competirem com os mercados privados e de consultoria internacional. Contudo, estes
concursos contêm numerosos vícios e as nomeações deles derivadas têm uma
estabilidade muito relativa, já que, caso se troquem as denominações dos cargos, cessam
automaticamente as funções executivas, perdendo os funcionários um percentual muito
alto de suas remunerações, deixando-as abaixo até do mercado.
Além das tensões até aqui mencionadas – e de outras de ordem diversa, tais
como as que se derivam das altas exigências de competitividade e do baixo nível de
modernização dos equipamentos, por exemplo – em cada país e em torno de cada tema
existe uma série de tensões que especificam as anteriores, contextualizando-as (ver
Braslavsky 1996). O tipo de sistema de governo – unitário ou federativo – introduz
outra série de questões que, em cada caso, coloca desafios específicos às administrações
das reformas educativas. Na área do currículo, ou na de capacitação dos professores,
colocam-se inúmeras questões que se associam com as peculiaridades, tanto as
conceituais, quanto as dos atores que intervêm em cada caso. Tratar tal conjunto de
especificações seria já tema para outro documento. Ao enunciá-las aqui pretendeu-se
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dar uma idéia de que a complexidade das gestões das reformas educativas é ainda muito
maior do que se pode reconstruir para esta ocasião. Contudo, mesmo com suas
limitações e carências, o que foi exposto permite adiantar algumas conclusões.
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CONCLUSÕES
Por último, o mercado conta, entre seus adeptos, com grupos significativos do
ensino privado, especialmente os que têm interesses econômicos do tipo empresarial,
mas também com grupos transformadores pré-reforma, que temem ver limitadas suas
capacidades de inovação no contexto do novo papel do Estado, e com os economistas
fundamentalistas do mercado, especialmente os que estão mais afinados com a escola de
Chicago. A lógica de mercado orienta a ação dos que preconizam a privatização dos
serviços educativos, o sistema de vale-educação, ou alguma de suas variantes. Os atores
que operam exclusivamente dentro dessa lógica soem participar da oposição de direita
ou – segundo o país – ter posições na própria estrutura de governo.
A lógica de inovação se gera pela convergência de três fatores: a decisão política
de produzir mudanças, a utilização e re-processamento criativo do conhecimento
trazido pelos intelectuais reformadores que aceitam responsabilidades decisórias no
Estado, produzido em grande parte fora do sistema educativo e, em não poucos casos,
por eles mesmos, e a experiência da dinâmica quotidiana dos sistemas educativos,
trazida pelos pedagogos reformadores e por alguns funcionários da burocracia que
aceitam também responsabilidades de decisão e – em medida proporcionalmente maior
– execução e apoio. Contudo, os fatores que contribuem para gerar essa lógica da
inovação não são, de forma alguma, suficientes para sustentá-la no tempo e transformar
o que pode ser um impulso inicial em um elemento constitutivo das culturas
institucionais no setor da educação.
Enquanto a lógica de inovação conflita e atrita em um dos flancos com a lógica
de permanência e no outro com a de mercado, estas duas não parecem ter uma área de
conflitos entre si. Grupos importantes da esquerda tradicional questionam os
inovadores, qualificando-os amiúde como neo-liberais, mas não os próprios neo-liberais,
talvez não tão visíveis, ou presentes, na cena quotidiana das políticas educativas latino-
americanas atuais, mas, nem por isso menos atuantes no processo educativo. Os neo-
liberais, por seu lado, tentam acumular forças para o caso de fracassarem os reformistas.
As áreas de atrito ou conflitos mencionadas serão manejadas com maiores ou
menores custos organizacionais e políticos de acordo com as correlações de forças
sociais e políticas de cada país em cada momento e, sobretudo, com a possibilidade, ou
não, de todos os atores envolvidos na lógica inovadora conseguirem construir um
contexto de referência compartilhado e supra-setorial, demarcado pelo universo dos
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alunos e alunas – não pelo dos dirigentes políticos ou sindicais, nem dos docentes, ou
dos acadêmicos, por exemplo – ao mesmo tempo que criam um horizonte para sua
ação, localizada para além do presente.
Somente a partir desse contexto de referência compartilhado e supra-setorial,
com um horizonte de referência no século XXI, será possível orientar as soluções que se
venham a conseguir para as oito tensões mencionadas acima e para as que são
associadas a cada especificidade temática e sistema de governo, de modo a fortalecer a
lógica da inovação até transformá-la em rumo caracterizador de uma nova cultura
institucional.
Por exemplo, uma maior força das autoridades educativas em termos da
prioridade da educação nos níveis de governo nacional e de partidos não oficialistas
e/ou a fraqueza relativa da oposição orientada pela lógica de mercado, minimizará
certos conflitos, ou atritos, entre essas autoridades e os atores de fora do Estado e
tornará, portanto, menos atritivas, por exemplo, as relações entre o tempo político, o
tempo profissional e o tempo burocrático. Em uma situação inversa, já a partir dos
contextos de referência da ação das autoridades da educação, serão gerados problemas
de índoles diversas que irão pressioná-las para que obtenham resultados profissionais
rápidos, ou diferentes dos programados, potencializando os atritos entre esses tempos e
gerando perturbações de diferentes tipos.
Em termos gerais, pode-se dizer que a possibilidade de construção de um
Estado promotor depende, em medida importante, da consolidação da lógica da
inovação no interior do setor do Estado dedicado à produção e execução de políticas
educativas. Ao mesmo tempo, é possível sustentar que o caráter mais, ou menos,
democrático das transformações modernizadoras em curso na região, assim como a
possibilidade de se aprofundar o próprio sentido modernizador das mesmas, frente à
presença de tendências neo-conservadoras – que não se podem analisar neste texto –
dependerão da capacidade do aparato estatal consolidar tal dinâmica inovadora.
Retomando elementos do início deste trabalho, é possível sustentar-se um certo
otimismo céptico. O que se expôs em várias ocasiões oferece elementos para se propor
que a capacidade de gestão de reformas educativas é muito superior, nos anos noventa,
que na perdida década dos oitenta. As dificuldades dos próprios processos de gestão, e
as que se derivam de alguns contextos econômicos, políticos e sociais que influenciarão
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS