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'Fiquei sem falar por quase 30 anos': a história do homem que


virou eremita numa floresta
Redação
BBC News Mundo

15 julho 2019

GETTY IMAGES

Muitas pessoas não gostam de solidão, mas para alguns isso pode se tornar uma fonte
de alegria. Shabnam Grewal, da BBC, descreve como foi a vida de um homem, nos
Estados Unidos, que deu as costas ao mundo logo após deixar a adolescência. Ele
também conversou com uma eremita escocesa para entender suas motivações.

Em 1986, Christopher Knight entrou, aos 20 anos, em uma floresta na zona rural do Maine,
no Nordeste dos Estados Unidos.

Ele abandonou seu carro e, com alguns suprimentos básicos para o acampamento, entrou
na floresta e não saiu dali por 27 anos.

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Depois de decidir "se perder", Knight encontrou o local que se tornaria sua casa: uma
pequena clareira próxima a um lago chamado North Pond. Ele abriu uma lona entre as
árvores, ergueu sua pequena tenda de nylon e se acomodou.

Knight ficava completamente escondido, apesar de estar a poucos minutos, a pé, de uma
das centenas de cabines de verão que ficam espalhadas na área.

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Ele sobreviveu invadindo essas cabanas e um centro comunitário, onde roubava


suprimentos. Ele pegava comida, combustível, roupas, botas, baterias e livros.

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Knight afirma ter tentado causar o menor dano possível, mas o grande número de furtos
(mais de mil ao longo dos anos) incomodou alguns dos proprietários desses locais. Foi
quando, finalmente, a polícia preparou uma armadilha e deteve Knight em flagrante em 2013.

Por que ser eremita?


O escritor Mike Finkel visitou Knight na prisão para escrever o livro The Stranger in the
Woods: The Extraordinary Story of the Last True Hermit (O estranho na floresta: A
extraordinária história do último eremita verdadeiro, em tradução livre).

E fez as perguntas necessárias: Por quê? Qual era a razão para virar as costas ao mundo e
ir viver em completa solidão?

"Chris Knight disse que se sentia muito desconfortável perto de outras pessoas. Inicialmente,
pensei que poderia ter sido uma ação específica que o motivou, e perguntei a ele: 'você
cometeu algum crime? Havia algo de que você tinha vergonha?'", conta Finkel.

"Ele insistiu que não havia nada disso. Disse que o impulso de ficar sozinho era como uma
força gravitacional e que seu corpo inteiro dizia que se sentia mais confortável sozinho."

Esse impulso foi tão forte que ele passou quase três décadas sem falar com ninguém. Ou
quase ninguém: disse "oi" para um turista que caminhava e cruzou com ele um dia.

Apesar dos invernos rigorosos do Maine, onde as temperaturas podem cair para até 20°C
negativos, Knight diz que nunca acendeu um fogo para evitar que a fumaça chamasse
atenção.

"Se eu passasse uma noite no bosque do Maine no inverno, acampando em uma tenda de
nylon de paredes finas e não acendesse uma fogueira, ficaria muito surpreso. Se fizesse isso

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por uma semana, ficaria chocado. Um mês, seria incrível. Esse cara fez isso por 27 invernos
inteiros", diz Finkel.

Como então ele se aquecia? Knight ia dormir cedo, por volta das 19h, e programava um
alarme para as 3h, a hora mais fria da noite, a fim de se aquecer enquanto caminhava até o
amanhecer.

O que fez durante todo esse tempo?


"Durante um período, ele leu alguns livros, fez palavras cruzadas... Mas, na realidade, não
ocupou a maior parte do tempo. O que ele fez foi o que poderíamos chamar de 'nada'", relata
Finkel.

Se a ideia de ficar sozinho por meia hora, sem nada para fazer, parece um pouco
assustadora, tente imaginar como seria se confinar numa pequena clareira na floresta,
durante dias, semanas, meses, anos, décadas.

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Mas como Knight via esse "nada"?

"Primeiro, ele nunca teve um momento entediado, durante os 27 anos. Ele diz que nunca se
sentiu sozinho. Disse que era quase o oposto, que sentia total e intrinsecamente ligado a
tudo no mundo. Era difícil dizer onde terminava seu corpo e começava a floresta. E que
sentiu uma total comunhão com a natureza e o mundo exterior."

Soa como uma experiência mística - não causada por alucinógenos, mas pela solidão.

Por fim, passou sete meses na prisão por seus furtos.

Essas experiências e sensações são compartilhadas por outros eremitas?

'Onde eu posso encontrar o êxtase'


Sara Maitland vive sozinha na Escócia, em uma casa simples e bonita que ela mesma
construiu. Da porta da casa dela você pode ver quilômetros e quilômetros de um campo
vazio.

Ela é cristã, mas, ao contrário dos eremitas cristãos "oficiais" que ainda existem, não é
supervisionada pelo bispo local.

Segundo Maitland, muitas pessoas pensam que ser eremita é ser egoísta.

"Se eu disser que quero navegar em um pequeno barco ao redor do mundo e eu levo dois
anos para fazer isso, todo mundo diz: 'Que emocionante!' Mas se eu disser que quero ir
sentar em minha casa e não falar com ninguém durante dois anos, eles dizem: 'Você tem
problemas de saúde mental?', 'Por que você é tão egoísta?'."

Como responder a perguntas sobre seus motivos de estar fazendo isso? O que você ganha
passando longos períodos de tempo sozinho e em silêncio? A resposta, ela diz, é "êxtase".

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"O silêncio é um lugar onde eu posso encontrar êxtase - eu consigo isso em silêncio e a
maioria das pessoas que eu conheço só conseguem em silêncio. É apenas uma sensação
fabulosa. Você está andando e, de repente, você apenas diz 'Sim!' É uma resposta
extraordinariamente intensa, totalmente alegre."

Para ela, esse êxtase é uma conexão com Deus.

"Estou tentando me colocar em um lugar para que o dom da oração mística esteja disponível
para mim, porque na realidade a presença de Deus é uma experiência tremendamente
agradável. Eu penso que é o céu, literalmente. Eu acredito que é assim que o céu deve ser,
essa sensação extraordinária de total privacidade", define.

O verdadeiro você
Sara Maitland diz que é preciso ficar sozinho por um certo tempo antes de começar a ter
essa sensação, mas às vezes outras coisas acontecem quando se está sozinho.

No livro A Book Of Silence (O Livro do Silêncio, em tradução livre), ela escreve sobre
experiências suas e de outras pessoas sobre solidão.

Inibições se perdem e a pessoa se torna quem realmente é quando não está agindo ou
tentando agradar os outros.

Isso pode significar desde colocar muito o dedo no nariz até cantar alto ou andar sem roupa.
Maitland chama isso de "intensificação sensorial".

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"A comida simplesmente é fabulosa, mas não em um sentido misterioso, e sim porque tem
mais sabor. Então, os flocos de aveia têm gosto de flocos de aveia", diz.

"E isso também afeta a forma como você experimenta as coisas físicas, como o banho, que é
uma experiência fabulosa e não apenas um pouco de água morna. Ele se torna uma
experiência de luxo."

Em sua solidão, Maitland passou também a ouvir coisas. Alucinações auditivas são comuns
entre eremitas, e ela ouviu o som de um grande coro, cantando em latim, vindo de uma
pequena sala na pequena casa em que vivia.

Solidão por escolha


Maitland desfrutou, por vontade própria, da maior parte desses e de outros efeitos da solidão.

Considere que alguém preso contra sua vontade, em confinamento solitário em vez de um
coro maravilhoso, ouviria vozes desagradáveis que lhe diriam para se machucar.

Ou uma "intensificação sensorial" poderia significar que o som de um vaso sanitário se


tornaria dolorosamente alto e intenso.

Além disso, a solidão na vida cotidiana pode ser muito difícil.

Maitland aponta que as pessoas frequentemente se deparam com o silêncio pela primeira
vez após a morte de um ente querido ou quando um relacionamento acaba. É por isso que
ela acha que seria melhor se as pessoas aprendessem na infância a experimentar a solidão
como algo positivo.

"Eu digo que você nunca deve ir para o seu quarto como um castigo. Você pode usar isso
como uma recompensa, algo como 'Querida, você esteve tão bem o dia todo, você foi tão
útil, por que você não vai ao seu quarto por meia hora agora e fica sozinha?'"

Para Christopher Knight, o eremita encontrado no Maine, a solidão e o silêncio eram a


recompensa. Ele queria viver sua vida naquele pequeno lugar na floresta, morrer entre as
árvores, sem deixar nada para trás.

"Nesta era do Facebook e das redes sociais, essa é uma pessoa que literalmente não queria
saber de nada", diz o jornalista Mike Finkel.

"Ele nunca teve uma câmera, nunca manteve um diário, nada. Ele queria viver como uma
pessoa completamente desconhecida e ele estava perto de conseguir isso."

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