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Gabriel Calil
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Ex-Bolsista
CNPq.
Nicola Tommasini
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Ex-Bolsista
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Dimitri Dimoulis
Professor de Direito Constitucional da Escola de Direito de São Paulo da FGV.
Resumo: O presente artigo pretende verificar qual o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito
do cabimento de reclamação constitucional para “garantir a autoridade” de decisão firmada em recurso
extraordinário com repercussão geral reconhecida. Assim, através da metodologia da “árvore de preceden-
tes”, desenvolvida por Lopez Medina, concluiu-se que o STF afirma que não cabe reclamação constitucional
nesta hipótese, mas o faz de maneira confusa, sendo possível apontar para uma série de deficiências na
linha jurisprudencial da Corte.
Palavras-chave: Precedentes jurisprudenciais. Reclamação constitucional. Recurso extraordinário. Supremo
Tribunal Federal.
1 Introdução
Diante da crise que afetava (e ainda afeta) o Poder Judiciário brasileiro, especial-
mente no que concerne à lentidão da prestação jurisdicional, em 2004 o Congresso
1
Este trabalho é resultado de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP, Processo nº 2015/05589-8, que
pretende analisar alguns aspectos dos dez anos de reforma do Poder Judiciário. Agradecemos ao Núcleo de
Justiça e Constituição (NJC) da Direito SP (FGV) pelos valiosos comentários à versão anterior deste artigo.
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2 A árvore de precedentes
Para compreender o entendimento do STF sobre a relação entre repercussão
geral e reclamação constitucional, mais especificamente no que diz respeito ao
2
Indicações e bibliografia em DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. São Paulo:
Atlas, 2016. p. 327-339.
3
LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. El derecho de los jueces. Bogotá: Legis Editores, 2002. p. 69-77.
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cabimento da reclamação contra decisão que descumpre o firmado pelo STF em re-
curso extraordinário com reconhecida repercussão geral, analisaremos alguns casos
julgados pela Corte sobre a temática.
Para estabelecer um corpus de julgados que represente com a maior fidelidade
possível a linha jurisprudencial do STF, utilizaremos a já mencionada técnica desen-
volvida por Diego Eduardo López Medina.4 Essa técnica permite construir uma árvore
de precedentes a partir da análise das citações, para identificar o que a própria Corte
tem para si como precedentes em certa matéria.5
Trata-se de um método para encontrar precedentes relevantes sem precisar
examinar todos os casos julgados pela Corte em determinada matéria. Para construir
a “árvore de precedentes” seleciona-se um recente julgado sobre o tema e observam-
se as outras decisões citadas por ele. López Medina estabelece dois requisitos para
a seleção do primeiro caso: (i) deve ser o mais recente possível e (ii) ter o padrão
fático do problema submetido à investigação.6 A seguir identificam-se as decisões ci-
tadas nos casos encontrados através do primeiro, até construir uma rede de citações
de maneira retrospectiva, completa e com profundidade temporal.
4
LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. El derecho de los jueces. Bogotá: Legis Editores, 2002. p. 69-77.
5
Adriana Vojvodic utiliza essa metodologia em sua tese de doutorado para identificar linhas jurisprudenciais no
Supremo Tribunal Federal. A autora chega a resultados interessantes mostrando a confiabilidade do método
desenvolvido por López Medina (VOJVODIC, Adriana. Precedentes e argumentação no Supremo Tribunal Fede-
ral: entre a vinculação ao passado e a sinalização para o futuro. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, USP,
São Paulo, 2012).
6
LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. El derecho de los jueces. Bogotá: Legis Editores, 2002. p. 70.
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7
Utilizamos a chave de busca “reclamação e repercussão geral” no campo de pesquisa de jurisprudência do
site do STF (PESQUISA de jurisprudência. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28reclama%E7%E3o+e+repercussao+geral%29&base=
baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kpodaff>. Acesso em: 24 fev. 2015), encontrando 120 acórdãos. O
Agravo Regimental na Rcl. nº 17.914 (Rel. Min. Gilmar Mendes) foi julgado em 26.8.2014. Trata justamente
do não cabimento de reclamação contra decisão que descumpre o posicionamento assentado pelo Supremo
em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.
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8
Cf. a discussão desse problema metodológico em DIMOULIS, Dimitri. Por uma visão mais plural da pesquisa
jurídica. Consultor Jurídico, 30 ago. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-ago-30/dimitri-
dimoulis-visao-plural-pesquisa-juridica>.
9
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I -
processar e julgar, originariamente: [...] l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da
autoridade de suas decisões”.
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de súmula vinculante com base no art. 103-A, §3º, da Constituição.10 Para o nosso
tema, interessa apenas a reclamação regulamentada pelo art. 102, I, l.
Surge uma dúvida interpretativa sobre a parte final do art. 102, I, l, que es-
tabelece como objetivo da reclamação a “garantia da autoridade” das decisões do
Tribunal. A abertura semântica do texto constitucional e os riscos decorrentes de uma
compreensão muito ampla do termo “autoridade das decisões” do STF mostram que
é necessário estabelecer critérios e hipóteses que permitam “filtrar” as reclamações
no juízo de admissibilidade. Se o texto constitucional for interpretado de maneira a
indicar que o descumprimento de qualquer decisão proferida pelo Supremo, inclusive
quanto às razões de decidir, é afronta à sua autoridade, o Tribunal nada mais faria a
não ser julgar reclamações.11 Com efeito, uma interpretação que considere que qual-
quer decisão apresenta autoridade para ser “garantida” por meio desse instrumento
não somente multiplicaria os processos, mas poderia aniquilar o sistema recursal
brasileiro.
Por isso afirmou-se que a reclamação cabe contra atos que afrontam decisões
vinculantes do STF,12 sendo utilizado o efeito vinculante como critério para limitar as
reclamações. O caso típico de decisão com efeito vinculante é a proferida no âmbito
do controle abstrato de constitucionalidade,13 admitindo com naturalidade o STF o
cabimento de reclamação.14
No âmbito do controle concreto-incidental, todavia, cabe ao Senado, a partir do
art. 52, X da CF,15 suspender a eficácia da lei, estendendo os efeitos da declaração
de inconstitucionalidade para todos (erga omnes). Isso, para a maioria da doutrina,16
impede a produção de efeito vinculante e, consequentemente, o cabimento da recla-
mação no controle concreto de constitucionalidade. Pergunta-se se a extensão dos
10
“Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula [vinculante] aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato adminis-
trativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação
da súmula, conforme o caso”. Na doutrina se sustenta que “a reclamação não precisa necessariamente de
previsão em texto normativo, sendo manifestação dos poderes implícitos dos tribunais, que servem para dar
efetividade às próprias decisões e para a defesa de suas competências” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo
Carneiro da. Curso de direito processual civil. 12. ed. São Paulo: JusPodivm, 2014. p. 448).
11
Nesse sentido, cf. Rcl. nº 4.335 (voto do Min. Teori Zavascki).
12
DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. São Paulo: Atlas, 2016, p. 336.
13
Cf. Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002.
14
Cf., por exemplo, Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira.
A reclamação constitucional no Brasil. Direito Público, n. 12, abr./jun. 2006. p. 40.
15
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
16
PAULO NETO, Carlos Romero Lauria. Decisão constitucional vinculante. São Paulo: Método, 2011. p. 172 (“o
efeito vinculante somente se justifica e se legitima em processos objetivos de controle de constitucionalidade, em
que o tribunal constitucional, concentradamente, exerce um controle normativo abstrato, visando primariamente
a assegurar a coerência do sistema normativo”). Análise em DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de
processo constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 319-320. A maioria dos autores observa que decisão em
sede de controle concreto não apresenta efeitos erga omnes. Cf., por exemplo, TAVARES, André Ramos. Perfil
constitucional do recurso extraordinário. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.).
Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 37.
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efeitos vinculantes não foi afetada pela EC nº 45/04, que introduziu a repercussão
geral, modificando o julgamento e a relevância do recurso extraordinário. A partir da
Emenda nº 45/04, o recurso extraordinário admite-se se o caso apresentar impor-
tância política, econômica, social ou trazer em si qualquer outro interesse relevante
que transcenda aquele caso concreto.17 Na nova sistemática ocorre uma tentativa
de “valorização de precedentes”, estabelecendo um filtro para apreciação do recur-
so extraordinário e dando efeitos muito mais intensos aos recursos extraordinários
decididos no mérito. A EC nº 45 de 2004 procurou valorizar as decisões do STF não
somente para diminuir o volume de processos do próprio STF, como também para
atribuir transcendência às decisões em sede de controle concreto.18
Com o fito de reduzir recursos extraordinários repetitivos e maximizar a “feição
objetiva” e abstrata dos conflitos intersubjetivos, a sistemática da repercussão geral
passa por duas fases. Primeiro, a Corte analisa em abstrato a existência ou não de
repercussão geral do caso pelos critérios já mencionados acima (importância política,
econômica, social etc.). Atestando a existência da repercussão geral, ficam sobres-
tados aqueles processos que tratem da mesma controvérsia, aguardando a decisão
desse caso paradigma pelo Supremo Tribunal Federal.19
Ora, essa tentativa de valorização dos precedentes convive com a mencionada
competência senatorial para suspender a eficácia da lei considerada inconstitucional
no controle concreto. Isso explica a dúvida se cabe reclamação na hipótese de des-
cumprimento de decisão do STF tomada em sede de controle concreto em casos com
repercussão geral reconhecida. Parte da doutrina e dos ministros do STF considerou
que ocorreu uma “mutação constitucional” do art. 52, X,20 no sentido de que as deci-
sões proferidas em controle concreto não mais necessitariam da resolução senatorial
para produzirem efeitos erga omnes, que seriam desde já atribuídos pela simples
decisão do Tribunal, cabendo ao Senado apenas registrar a suspensão da lei após a
decisão (e em razão da decisão) do STF.
A decisão final na Reclamação nº 4.335 em 2014 solidificou o entendimento
de que não cabe reclamação em qualquer hipótese de descumprimento de decisão
do STF em controle concreto, restando vencidos, nesta parte, o Min. Gilmar Mendes
e a tese da mutação constitucional do art. 52, X.21 Não obstante essa orientação ser
17
DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 306-307.
18
Ver exposição de motivos da EC nº 45/04 em LEGISLAÇÃO Informatizada – Emenda Constitucional nº 45, de
2004 – Exposição de Motivos. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
emecon/2004/emendaconstitucional-45-8-dezembro-2004-535274-exposicaodemotivos-149264-pl.html>.
19
Ver esquemas didáticos em ANDRADE, Fábio Martins de. Reforma do Poder Judiciário. Revista de Informação
Legislativa – RIL, Brasília, ano 43, n. 171, jul./set. 2006. p. 184-185.
20
MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de
mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa – RIL, Brasília, ano 41, n. 162, p. 149-168, 2004.
Análise dos posicionamentos e argumentos em DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo consti-
tucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 389-391.
21
Ver ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no controle difuso na ótica do STF (Rcl. 4.335).
Revista de Informação Legislativa – RIL, Brasília, v. 52, n. 207, p. 105-121, jul./set. 2015.
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Agravo na Reclamação nº 724. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 26.3.1998; Agravo na Reclamação nº 1.639.
22
Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 21.9.2000; Reclamação nº 1.591. Rel. Min. Ellen Gracie. Julg. 20.2.2003;
Agravo na Reclamação nº 1.852. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julg. 18.10.2001; Agravo na Reclamação nº
1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002; Reclamação nº 603. Rel. Min. Carlos Velloso. Julg. 3.6.1998;
Reclamação nº 968. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 19.4.2001; Reclamação nº 2.959. Rel. Min. Ayres Britto.
Julg. 14.12.2004.
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23
Para uma análise empírica, a relação entre efeito vinculante e reclamação na jurisprudência do STF, ver MAUÉS,
Antonio Moreira. O efeito vinculante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: análise das reclamações
constitucionais n. 11.000 a 13.000. Revista DIREITO GV, n. 24, p. 441-460, 2016.
24
Cf. Reclamação nº 11.235. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 11.4.2011.
25
Sobre a complexa questão da parametricidade na reclamação, cf. DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso
de processo constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 336-337.
26
Dos 19 casos analisados, o STF menciona os efeitos vinculantes em 11: Agravo na Reclamação nº 6.078.
Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julg. 8.4.2010; Embargos de Declaração na Reclamação nº 5.335. Rel. Min. Cezar
Peluso. Julg. 17.3.2008; Agravo na Reclamação nº 2.959. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 7.7.2005; Agravo na
Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002; Agravo na Reclamação nº 17.914. Rel. Min.
Gilmar Mendes. Julg. 26.8.2014; Reclamação nº 10.793. Rel. Min. Ellen Gracie. Julg. 13.4.2011; Agravo
na Reclamação nº 12.600. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg. 17.11.2011; Reclamação nº 968. Rel.
Min. Marco Aurélio. Julg. 19.4.2001; Agravo na Reclamação nº 5.130. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg.
11.10.2007; Agravo na Reclamação nº 6.534. Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 26.9.2008 e Reclamação nº
4.335. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julg. 21.3.2014.
27
Das 11 reclamações citadas acima, somente a Reclamação nº 968 Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 19.4.2001
não traça relação do efeito vinculante com o cabimento de reclamação. Entretanto, saliente-se que tal decisão
não se relaciona com o contexto jurídico em análise e será alvo de críticas em momento posterior.
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aqueles que sejam prejudicados por atos contrários às decisões que possuem eficá-
cia vinculante e geral”.
Já a Rcl. nº 10.793/11 opõe-se a esse entendimento da Corte, atribuindo efei-
tos vinculantes a uma espécie de processo subjetivo, o recurso extraordinário com
repercussão geral reconhecida. Nesse caso, porém, o STF não conheceu da reclama-
ção, considerando que o legislador não atribuiu ao STF a competência de fazer aplicar
diretamente a cada caso concreto seu entendimento. O interessante é que, desta
maneira, acabou por negar a relação de condicionamento entre efeito vinculante e
reclamação. Há efeito vinculante mesmo em processos subjetivos, mas isso não dá
azo à reclamação.
Alguns doutrinadores afirmam a existência de efeito vinculante no caso do con-
trole concreto,28 muito embora essa não seja a posição do Supremo Tribunal Federal.
Podemos atribuir essa confusão à incoerência na linha jurisprudencial que, como
vimos, em algumas decisões admite efeitos vinculantes no controle incidental (Rcl.
nº 10.793 de 2011 e Rcl. nº 12.600 AgR de 2012).
28
Cf. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial no STF. São Paulo: Forense, 2014.
p. 202: “A dotação de efeito vinculante às decisões do Supremo proferidos em sede de recurso extraordinário,
com repercussão geral previamente reconhecida, fica muito clara no seguinte acórdão: STF – Pleno, Rcl.
10.793, Rel. a Min. a Ellen Gracie, DJ de 06.06.2011”. O autor acrescenta que o cabimento de reclamação
nesta hipótese ainda é controverso.
29
“As reclamações constituem fonte privilegiada para o estudo do efeito vinculante, uma vez que, ao julgá-las, o
STF deve confrontar sua jurisprudência com os casos aos quais ela está sendo aplicada, o que lhe confere a
oportunidade de especificar o vínculo que suas decisões impõe ao restante do Judiciário, Assim, esse tipo de
estudo fornece dados empíricos sobre a jurisprudência do STF que podem contribuir para uma interpretação
mais adequada da prática do efeito vinculante em nosso ordenamento” (MAUÉS, Antonio Moreira. O efeito
vinculante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: análise das reclamações constitucionais n. 11.000
a 13.000. Revista DIREITO GV, n. 24, p. 441-460, 2016. p. 445). Contudo, como já dissemos, o pressuposto
de efeito vinculante para conhecimento da reclamação é construção jurisprudencial (que oscila) e, em alguns
casos, fruto de interpretação doutrinária, não devendo ser tomada como requisito incontestável.
30
Agravo na Reclamação nº 17.914. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julg. 26.8.2014; Reclamação nº 10.793. Rel.
Min. Ellen Gracie. Julg. 13.4.2011; Agravo na Reclamação nº 12.600. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg.
17.11.2011 e Reclamação nº 4.335. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julg. 21.3.2014.
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Judiciário no que diz respeito à solução, por estes, de outros feitos sobre
idêntica controvérsia.
Contudo, mesmo quando se afirma que tal efeito esteja presente no controle
incidental, o Supremo entende ser incabível reclamação para garantia de sua auto-
ridade nesta hipótese. Isso pode ser visto na Rcl. nº 12.600 AgR/11 (voto do Min.
Ricardo Lewandowski, p. 7):
31
Agravo na Reclamação nº 6.078. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julg. 8.4.2010; Embargos de Declaração na
Reclamação nº 5.335. Rel. Min. Cezar Peluso. Julg. 17.3.2008; Agravo na Reclamação nº 2.959. Rel. Min.
Ayres Britto. Julg. 7.7.2005; Agravo na Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002; Agravo
na Reclamação nº 5.130. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg. 11.10.2007 e Agravo na Reclamação nº 6.534.
Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 26.9.2008.
32
“O instituto do efeito vinculante, embora tenha sido introduzido em nosso ordenamento em 1993, ainda
está sujeito a diferentes interpretações e mudanças em sua aplicação” (MAUÉS, Antonio Moreira. O efeito
vinculante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: análise das reclamações constitucionais n. 11.000
a 13.000. Revista DIREITO GV, n. 24, p. 441-460, 2016. p. 445).
R. bras. Est. const. – RBEC | Belo Horizonte, ano 10, n. 34, p. 81-99, jan./abr. 2016 91
Esse argumento está presente nas seguintes reclamações: Agravo na Reclamação nº 6.078. Rel. Min. Joaquim
33
Barbosa. Julg. 8.4.2010; Agravo na Reclamação nº 724. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 26.3.1998; Agravo
na Reclamação nº 2.959. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 7.4.2005; Reclamação nº 1.591. Rel. Min. Ellen Gracie.
Julg. 20.2.2003; Agravo na Reclamação nº 1.852. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julg. 18.10.2001; Agravo na
Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 7.11.2002; Reclamação nº 603. Rel. Min. Carlos Velloso.
Julg. 3.6.1998; Medida Cautelar na Reclamação nº 2.933. Decisão do Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julg.
7.3.2005; Reclamação nº 2.959. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 14.12.2004; Reclamação nº 4.335. Rel. Min.
Gilmar Mendes. Julg. 21.3.2014.
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34
Cf. discussão das finalidades da reclamação constitucional em DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de
processo constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 329-330.
35
Agravo na Reclamação nº 6.078. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julg. 8.4.2010 e Agravo na Reclamação nº 2.665.
Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 23.2.2005.
36
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] III - julgar, em recurso especial, as causas decididas,
em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja
atribuído outro tribunal”.
37
Constituição de 1967: “Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar, mediante recurso
Extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão
recorrida: d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo
Tribunal Federal”.
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LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. El derecho de los jueces. Bogotá: Legis Editores, 2002. p. 73.
38
Agravo na Reclamação nº 12.692. Rel. Min. Luiz Fux. Julg. 27.2.2014; Agravo na Reclamação nº 9.080.
39
Rel. Min. Teori Zavascki. Julg. 27.2.2014; Agravo na Reclamação nº 16.009. Rel. Min. Gilmar Mendes.
Julg. 12.12.2013; Agravo na Reclamação nº 14.989. Rel. Min. Cármen Lúcia. Julg. 8.11.2013; Agravo na
Reclamação nº 12.929. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julg. 7.11.2013; Agravo na Reclamação nº 11.522. Rel.
Min. Cármen Lúcia. Julg. 29.2.2012 e Agravo na Reclamação nº 12.600. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg.
17.11.2011 – esta última se encontra na árvore de precedentes.
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tribunal assim não faça, é que deve o Supremo atuar, cabendo recurso extraordinário
(e não reclamação).
Nessa linha, a ministra adota a já mencionada tese de que o acesso ao Supremo
não se faz per saltum, não sendo a reclamação uma substituta das vias recursais
ordinárias. Por fim, a relatora propõe que casos como o da presente reclamação
(juiz de primeira instância desrespeitando decisão proferida em recurso extraordiná-
rio com repercussão geral reconhecida) sejam decididos monocraticamente. Termina
seu voto não conhecendo a reclamação.
O Min. Fux defende em seu voto, com muitas referências ao (então) projeto
de Código de Processo Civil, a obrigatoriedade de se seguir a jurisprudência do STF.
Para o fim de prestigiar o direito à razoável duração do processo, argumenta que a
reclamação garantiria a soberania das decisões do STF, como ocorre com as súmulas
vinculantes. Contudo, essas suas alegações foram proferidas, consoante ele mesmo
admite, em obiter dictum:
A Min. Ellen Gracie, ante o comentário do Min. Fux, procurou esclarecer seu
posicionamento. Afirmou que o real intuito da EC nº 45 e da nova sistemática introdu-
zida (súmula vinculante e repercussão geral) é a de desafogar o Supremo. Ao admitir
reclamação nessas hipóteses, estar-se-ia a trocar 150 mil processos (como era no
passado) por 150 mil reclamações. Seu argumento, claramente consequencialista,
encontra aceitação no Tribunal.
Em momento posterior, o Min. Fux indaga se o exposto pela relatora não equi-
valeria apenas a trocar reclamação por recurso extraordinário. A ministra responde
defendendo o respeito às vias recursais ordinárias, repelindo que matérias fossem
levadas per saltum ao Supremo. Todos acompanharam seu posicionamento, inclusi-
ve o Min. Fux que, ao mesmo tempo, deu sinais de discordância.
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Essa orientação não parece levar em conta a linha jurisprudencial da Corte na maté-
ria. A Rcl. nº 10.793/11, seguida pela Rcl. nº 12.600 AgR são as únicas a conferir
efeitos vinculantes no recurso extraordinário na árvore de precedentes. Há inclusive
casos mais recentes – a Rcl. nº 17.914 AgR/14 – que não conferem efeito vinculante
nessa hipótese. Assim sendo, a Rcl. nº 10.793/11 é ponto fora da curva da linha ju-
risprudencial. Tal divergência causa estranhamento, porque embora divirja em alguns
aspectos centrais da linha construída pelo Supremo, a Rcl. nº 10.793/11 parece
ter sido o ponto culminante dela, em que teria sido traçada uma sub-regra jurídica
relevante para o tema.
Sendo assim, é curioso que o STF em outros casos ignora a alteração constitu-
cional, reproduzindo a anterior jurisprudência sem adaptações argumentativas. Isso
demonstra fraqueza de sua linha jurisprudencial na temática.
Outro problema de coerência surge da invocação de anteriores decisões do STF
que, na verdade, não tratam da mesma questão. Isso ocorre na Rcl. nº 968/01, em
40
Oito decisões: Agravo na Reclamação nº 724. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 26.3.1998; Agravo na
Reclamação nº 1.639. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 21.9.2000; Rcl nº 1.591/03; Agravo na Reclamação nº
1.852. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julg. 18.10.2001; Agravo na Reclamação nº 1.880. Rel. Min. Marco Aurélio.
Julg. 7.11.2002; Reclamação nº 603. Rel. Min. Carlos Velloso. Julg. 3.6.1998; Reclamação nº 968. Rel. Min.
Marco Aurélio. Julg. 19.4.2001 e Reclamação nº 2.959. Rel. Min. Ayres Britto. Julg. 14.12.2004. Mesmo
sendo tais decisões integrantes do segundo nível de citações da árvore de precedentes, ainda constitui um
problema, uma vez que o primeiro nível da árvore – posterior à EC nº 45 – fez uso de diversos casos anteriores
à sistemática implementada pela reforma constitucional para embasar sua argumentação.
41
Nessas três reclamações, há uma menção expressa ao novo sistema inaugurado pela EC nº 45: Reclamação nº
10.793. Rel. Min. Ellen Gracie. Julg. 13.4.2011; Agravo na Reclamação nº 17.914. Rel. Min. Gilmar Mendes.
Julg. 26.8.2014 e Agravo na Reclamação nº 12.600. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julg. 17.11.2011.
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As seguintes reclamações podem ser ditas inaptas: Agravo na Reclamação nº 2.665. Rel. Min. Marco Aurélio.
42
Julg. 23.2.2005; Agravo na Reclamação nº 1.639. Rel. Min. Octavio Gallotti. Julg. 21.9.2000 e Reclamação nº
968. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg. 19.4.2001, dado que não tratam da questão discutida.
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Abstract: The present article intends to verify the Brazilian Supreme Court’s understanding in respect to the
possibility of a Constitutional Complaint (reclamação constitucional) in order to guarantee the authority of
a decision made in extraordinary appeal with recognized general repercussion (recurso extraordinário com
repercussão geral). By way of the “precedent tree” methodology, developed by Lopez Medina, the article
shows that the Supreme Court asserts the impossibility of the Constitutional Complaint as a remedy in this
case, but does so in a confusing and contradictory way.
Keywords: Constitutional complaint. Extraordinary appeal. Federal Supreme Court (Brazil). Precedents.
Referências
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