Você está na página 1de 13

Física​ ​Quântica​ ​e​ ​Filosofia 

1. Introdução:​ ​Breve​ ​histórico​ ​da​ ​Física​ ​Clássica 

As  raízes  da  física  podem  ser  encontradas  no  período  inicial  da  filosofia 
grega  do  século  VI  a.  C.,  numa  cultura  onde  a  ciência,  a  filosofia  e  a  religião  não  se 
distinguiam. 

Seu  objetivo  girava  em  torno  da  descoberta  da  natureza  essencial  das 
coisas,  a  que  denominavam  ​physis​,  de  onde  deriva  a  palavra  “física”.  Física  é, 
portanto,  a  tentativa  de  ver  a  natureza  essencial  de  todas  as  coisas,  assim  como  a 
filosofia​ ​e​ ​a​ ​religião​ ​também​ ​o​ ​são. 

Séculos  mais  tarde,  o  nascimento  da  ciência  moderna  foi  precedido  e 


acompanhado  por  um  desenvolvimento  do  pensamento  filosófico  que  deu  origem  a 
uma​ ​formulação​ ​extrema​ ​do​ ​dualismo​ ​mente-matéria.  

Esta  formulação  veio  à  tona  no  século  XVII,  através  da  filosofia  de  René 
Descartes.  A  “divisão  cartesiana”  entre  dois  reinos  separados  e  independentes  (a 
mente,   res  cogitans​,  e a matéria, ​res extensa​) permitiu aos cientistas tratar a matéria 
como  algo  morto  e  inteiramente  apartado  de  si  mesmos,  vendo  o  mundo  material 
como​ ​uma​ ​vasta​ ​quantidade​ ​de​ ​objetos​ ​isolados​ ​reunidos​ ​numa​ ​grande​ ​máquina. 

Foi  isto  que  possibilitou  a  cientistas  como  Galileu  e  Isaac  Newton  aplicar 
sua  racionalidade  -  o  ​cogito  -  na  ​res  extensa  ​do  mundo  físico  e  estabelecer  as  leis 
pelas​ ​quais​ ​ele​ ​é​ ​regido.  

Não  obstante,  essa  fragmentação  dualista  espelha  nossa  visão  de  um 
mundo  “externo”  a  nós,  constituído  de  uma  imensa  quantidade  de  objetos  e  fatos 
isolados.  Assim,  o  ambiente  natural  é  tratado  como  se  consistisse  em  partes 
separadas  a  serem  exploradas  por  diferentes  grupos  de  interesses.  Essa  visão 
fragmentada  pode  ser  encarada  como  uma  das  razões  essenciais  para  a  série  de 
crises  sociais,  ecológicas  e  culturais  da  atualidade.  A  crença  num  mundo  formado 
de  partes  isoladas  nos  tem  alienado  da  natureza  e  dos  demais  seres  humanos.  A 
competição acirrada a que estamos sujeitos só tem lugar numa cultura formada pela 
consciência  individualista.  Nas  culturas  onde  se  integram  as  partes  em  relação  ao 
todo,​ ​a​ ​consciência​ ​do​ ​coletivo​ ​não​ ​dá​ ​margem​ ​à​ ​competição,​ ​e​ ​sim​ ​à​ ​cooperação. 

O  dualismo  cartesiano  foi,  portanto,  uma  faca  de  dois  gumes  na  cultura 
ocidental,  possibilitando  a  investigação  empírica  dos  fenômenos  naturais  e  ao 
mesmo  tempo nos apartando do mundo, nos dando a falsa impressão de que somos 
indivíduos  isolados  do  meio  e  de  que  a  mente  e  a  matéria  são  duas  realidades 
distintas. 

Isaac  Newton  elaborou  sua  Mecânica  baseando-se  nos  fundamentos 


desta  visão  mecanicista,  tornando-a  o  alicerce  da  Física  Clássica.  Seu  modelo  do 
universo  dominou  todo  o  pensamento  científico  da  segunda  metade  do  século  XVII 
até​ ​o​ ​final​ ​do​ ​século​ ​XIX. 

O  palco  do  universo  newtoniano,  no  qual  se  desdobravam  todos  os 
fenômenos  físicos,  era  o  espaço  tridimensional  da  geometria  euclidiana  clássica: 
absoluto,  sempre  em  repouso  e  imutável.  Nas  palavras  do  próprio  Newton:  “O 
espaço  absoluto,  em  sua  própria  natureza,  sem  consideração  por  qualquer  coisa 
externa,  permanece  sempre  idêntico  e  imóvel”.  Todas  as  mudanças  ocorriam  numa 
dimensão  separada  chamada  de  “tempo”.  Para  ele  esta  dimensão  também  era 
absoluta,​ ​sem​ ​qualquer​ ​vínculo​ ​com​ ​o​ ​espaço. 

Os  elementos  que  se  movimentam  dentro  deste  espaço  e  tempo 


absolutos  eram  partículas  materiais,  ou  seja,  “pontos  dotados  de  massa”: pequenos 
objetos  sólidos  e  indestrutíveis,  a  partir  dos  quais  toda  a  matéria  era  elaborada. 
Assim,  todos  os  eventos  físicos  são  reduzidos,  na  Mecânica  newtoniana,  ao 
movimento  de  pontos  materiais  no  espaço,  causado  pelas  forças  em  ação  através 
do​ ​tempo,​ ​à​ ​semelhança​ ​de​ ​uma​ ​máquina​ ​governada​ ​por​ ​leis​ ​imutáveis. 

Num  rigoroso  determinismo,  a  grande  máquina  cósmica  era  vista  como 


algo  inteiramente  causal  e  determinado;  tudo  que  acontecia  possuía  uma  causa 
definida​ ​e​ ​gerava​ ​um​ ​efeito​ ​definido. 

Como  consequência  da  divisão  fundamental  entre  o  ​eu  ​e  o  ​mundo 


proposta  por  Descartes,  acreditava-se  que  o  mundo  podia  ser  descrito 
objetivamente,  isto  é,  sem  mencionar o observador humano. Essa descrição objetiva 
tornou-se​ ​o​ ​ideal​ ​de​ ​toda​ ​a​ ​ciência. 

As  descobertas  de  novas  realidade  físicas  a  partir  do  fim  do  século  XIX 
trouxeram  à  tona  as  limitações  do  modelo  newtoniano  e  demonstraram  que 
nenhuma  de  suas  características  possuía  validade  absoluta,  colocando  em  cheque 
uma​ ​visão​ ​de​ ​mundo​ ​consolidada​ ​ao​ ​longo​ ​de​ ​quase​ ​trezentos​ ​anos. 

As forças elétricas e magnéticas, descobertas e investigadas pelos físicos 
Faraday  e  Maxwell,  deram  um  novo  rumo  à  ciência  física  ao introduzir o conceito de 
campo​.  Um  campo  é  uma  “condição”  ou  “perturbação”  no  espaço  ao  redor  de  um 
corpo  que  se  encontra  carregado  elétrica  ou  magneticamente,  de  tal  forma  que, 
quando  outro  corpo  também  carregado  se  acha  presente,  ele  sofre  ação  de  uma 
força.  Essa  condição  no  espaço  que  apresenta  o  potencial  de  produzir  uma  força  é 
denominada​ ​campo. 

Exemplo  de  campo.  A  Terra  produz  um 


campo  magnético  ao  redor  de  si,  de  modo 
que  qualquer  objeto  magnetizado,  livre  de 
resistência,  tem  seu  pólo  negativo  atraído 
para  o  pólo  positivo  do  campo  terrestre, 
localizado  na  direção  Norte.  Este  é  o 
princípio  que  faz  a  agulha  da  bússola 
apontar  sempre  na  mesma  direção,  de 
qualquer​ ​local​ ​do​ ​globo. 

Faraday  (1791  -  1867)  produziu  uma 


corrente  elétrica  numa  bobina  de  cobre  ao  movimentar  um  magneto  perto  dela  e, 
dessa  forma,  converteu  o  ​movimento  do  magneto  em  ​energia  elétrica​.  Foi  daí  que 
surgiu  a  chamada  “revolução  elétrica”,  cujo  salto  tecnológico  fez  a  humanidade 
conhecer  toda  a  ampla  gama  de  facilidades  que  antes  não  existiam,  mas  que  hoje 
são​ ​tão​ ​comuns​ ​quanto​ ​acender​ ​uma​ ​lâmpada​ ​através​ ​de​ ​um​ ​interruptor​ ​na​ ​parede. 

Maxwell  (1831  -  1879),  anos  depois,  percebeu  que,  se  um  ímã  em 
movimento  pode  criar  um  campo  elétrico,  isso  significa  que  um  campo  elétrico  em 
movimento  pode  criar  um  campo  magnético.  A  correlação  entre  as  duas  forças 
sugeriu  a sua unificação numa única força atuando pelos mesmos princípios: a força 
eletromagnética​. 

Maxwell  percebeu  também  que  o  campo  eletromagnético  viaja  pelo 


espaço  através  de  ondas.  Uma  onda  é  uma  vibração.  As  ondas  mecânicas 
necessitam  de  um  meio  material  para  se  propagar.  As  ondas  sonoras,  por  exemplo, 
são  vibrações  no  ar;  e  as  ondas  do  mar  são  vibrações  ou  oscilações  na  água.  As 
ondas  eletromagnéticas,  contudo,  não  necessitam  de nenhum meio material para se 
propagar;  são  capazes  de  percorrer  o  espaço  vazio  e,  portanto,  não  podem  ser 
explicadas​ ​mecanicamente. 

Tratava-se  de  uma  transformação  bastante  profunda  na  concepção 


humana  da  realidade  física.  Na  visão  newtoniana,  as  forças  se  encontravam 
rigidamente  vinculadas  aos  corpos  sobre  as quais agiam. O campo, entretanto, é um 
conceito  muito  mais  sutil, que possui sua própria realidade e pode ser estudado sem 
referência  a  corpos  materiais.  Qual  não  foi  a  surpresa  da  comunidade  científica 
quando  Maxwell  anunciou  que  a  própria  luz  é  um  campo  eletromagnético  que 
percorre​ ​o​ ​espaço​ ​sob​ ​a​ ​forma​ ​de​ ​ondas! 

Apesar  da  eletrodinâmica  balançar  as  bases  do  edifício  newtoniano,  os 
alicerces  da  mecânica  clássica  ainda  estavam  bem  enraizados  no  pensamento 
científico,  pois  suas  leis  conseguiam  explicar  a  maior  parte  dos  fenômenos 
observáveis,  desde  o  movimento  de  pequenos  objetos  até  a  rotação  dos  grandes 
astros  ao  redor  do  sol.  Contudo,  com  as  descobertas  do  início  do  século  XX,  a 
mecânica  de  Newton  caiu  por  terra  e  cedeu  lugar  a  outra  concepção  sobre  a 
natureza​ ​do​ ​universo. 

2.​ ​O​ ​século​ ​XX​ ​e​ ​a​ ​física​ ​moderna 

Na  origem  da  física  moderna  situa-se  a  extraordinária  façanha intelectual 


de​ ​um​ ​homem:​ ​Albert​ ​Einstein.  

À  semelhança  dos  gregos,  Einstein  acreditava  na  harmonia  inerente  da 


natureza.  Diante  do  impasse  entre  a  eletrodinâmica  -  que  estudava  fenômenos 
independentes  da  matéria  -  e  a  mecânica  de  Newton  -  que  reduzia  todos  os 
fenômenos  físicos  ao  movimento  da  matéria  através  do  espaço  -  Einstein  propôs 
uma  estrutura  unificada que explicasse ambas as teorias ao mesmo tempo. Ao fazer 
isso,  ele  solapou  um  dos  pilares  da  visão  de  mundo  newtoniana:  o  conceito  de 
espaço​ ​e​ ​tempo​ ​absolutos. 

De  acordo  com  a  teoria  da  relatividade,  o  espaço  não é tridimensional e o 


tempo  não  é  uma  entidade  isolada.  Ambos  acham-se  intimamente  vinculados, 
formando um ​continuum quadridimensional, o “espaço-tempo”. Dois eventos que são 
vistos  ocorrendo  simultaneamente  por  um  observador  podem  ocorrer  em diferentes 
sequências  temporais  para  outros  observadores.  Todas  as  medições  que  envolvem 
o  espaço  e  o  tempo  perdem  assim  seu  significado absoluto. Tanto o espaço quanto 
o  tempo  tornam-se meramente elementos da linguagem utilizada por um observador 
particular​ ​para​ ​descrever​ ​os​ ​fenômenos​ ​observados. 

Os  conceitos  de  espaço  e  tempo  são  tão  básicos  para  a  descrição  dos 
fenômenos  naturais  que  sua  modificação  impõe  a  mudança  de  todo  o  referencial 
que  utilizamos para descrever a natureza. As concepções filosóficas que se baseiam 
na  premissa  da  separação  entre  o  sujeito  que  observa  e  o  objeto  a  ser  observado 
perdem  completamente  o  seu  significado,  já  que  os  eventos  são  ​relativos  a  cada 
indivíduo,​ ​e​ ​não​ a
​ bsolutos​​ ​para​ ​todos​ ​os​ ​indivíduos. 

Einstein  demonstrou 
que  o  espaço 
tridimensional  é  curvo, 
e  que  essa  curvatura  é 
causada  pelo  campo 
gravitacional  dos 
objetos.  Isto  quer  dizer 
que,  sempre  que  existe 
um  objeto,  o  espaço  ao 
redor  desse  objeto  é 
curvo  e  o  grau  de  curvatura  depende  de  sua  massa.  Um  objeto  de  pequena  massa, 
como  uma  bola  de  basquete,  causa  uma  curvatura  muito  pequena  no  tecido  do 
espaço-tempo.  Já  um  objeto  de  grande  massa,  como  a  Terra,  causa  uma  curvatura 
acentuada  a  ponto  de  manter  a  lua  girando  em  sua  órbita.  Assim,  as  regras  da 
geometria  euclidiana,  baseadas  na  linearidade  tridimensional,  deixam  de  ser  válidas 
para​ ​o​ ​espaço​ ​curvo​ ​de​ ​Einstein. 

E  como,  pela  teoria  especial  da  relatividade,  o  espaço  não  é  isolado  do 
tempo,  este  é  igualmente  afetado  pela  presença  da  matéria,  fluindo  de  formas 
diferentes  em  cada  parte  do  universo.  Quando  um objeto celeste possui uma massa 
tão  absurdamente  grande  que  chega  a  “rasgar”  o  tecido  do  espaço-tempo, 
formam-se  os  chamados  “buracos-negros”.  Sua  gravidade  é  tão  grande  que  puxa 
tudo  o  que  passa  em  suas  proximidades  -  inclusive a luz. Por isso eles são “negros”: 
a  luz  se  perde  dentro  deles  e  não  conseguimos  visualizar  como  são  “por  dentro”.  A 
curvatura  do  espaço-tempo  nas  proximidades  de  um  buraco  negro  é tão grande que 
o  tempo  se  “estica”;  cada  segundo  passado  lá  equivale  a  milhares  de  anos  aqui  na 
Terra.  Com  isso  vemos  que  o  conceito  de  tempo  é  inteiramente  relativo  e  depende 
de  qual  lugar  do  universo  ele  está  sendo  medido.  Não  existe  um  tempo  absoluto  e 
linear  fluindo  de  maneira  uniforme  sobre  um  espaço  imóvel,  como  disse  Newton;  o 
que​ ​existe​ ​é​ ​o​ ​tecido​ ​do​ ​espaço-tempo​ ​em​ ​movimento. 
Enquanto  Einstein  desenvolvia  sua  teoria da relatividade, outros cientistas 
se  debruçavam  sobre  o  mundo  quântico.  Na  década  de  1920,  Niels  Bohr,  Louis  de 
Broglie,  Erwin  Schrödinger,  Wolfgang  Pauli,  Werner  Heisenberg  e  Paul  Dirac,  da 
Dinamarca,  França,  Áustria,  Alemanha  e  Inglaterra,  juntaram  suas  forças  através  de 
todas  as  fronteiras  nacionais  e  entraram  em  contato  com  a  estranha  realidade  do 
mundo  subatômico.  Sempre  que  eles  faziam  uma  pergunta  à  natureza,  num 
experimento,  ela  respondia  com  um  paradoxo.  Eles  demoraram  para  aceitar  o  fato 
de  que  tais  paradoxos  pertencem  à  estrutura  intrínseca  do  universo  que  estavam 
explorando. 

Os  experimentos  de  Rutherford  já  haviam  demonstrado,  anos  antes,  que 
os  átomos  não  eram  sólidos  e  indestrutíveis,  mas  consistiam  em  vastas  regiões  de 
espaço  vazio  nas  quais  se  movem  partículas  extremamente  pequenas.  Com  os 
novos  experimentos,  ficou  demonstrado  que  as  unidades  subatômicas  da  matéria 
são  entidades  abstratas  e  dotadas  de  um  aspecto  dual:  dependendo  da  forma  pela 
qual  as  abordam,  aparecem  às  vezes  como  partículas,  às  vezes  como  ondas.  Até 
mesmo  a  luz  possui  essa  natureza  dual,  assumindo  ora  a  forma  de  ondas 
eletromagnéticas,​ ​ora​ ​a​ ​forma​ ​de​ ​partículas. 

Essa  propriedade da matéria e da luz é bastante estranha. Uma partícula é 
uma  entidade  que  possui  massa,  confinada  a  um  volume  extremamente  pequeno. 
Uma  onda  é  uma  oscilação  (mecânica  ou  eletromagnética)  que  se  propaga  pelo 
espaço;  não  possui  massa  nem  volume,  apenas  energia.  Parece  impossível  aceitar 
que  algo  possa  ser,  ao  mesmo  tempo,  uma  partícula  e  uma  onda,  mas  é isto que se 
observa  a  nível  quântico.  É  o equivalente a dizer que a matéria é igual à energia. E de 
fato,  isto  é  o  que  diz  a  famosa  equação  de  Einstein:  E=m.c²  .  A energia de um corpo 
(E)  é  igual  à  sua  massa  (m)  multiplicada  pela  velocidade  da  luz  ao  quadrado  (c²). 
Toda  a  matéria,  portanto,  é  formada  por  uma  enorme  quantidade  de  energia 
condensada  e  organizada  de uma forma específica para formar partículas e átomos.
1
  Isto  implica  que  tudo  o  que  percebemos  do  mundo  físico  é,  no  fundo,  energia;  os 

1
​ ​Foi​ ​isto​ ​que​ ​tornou​ ​possível​ ​as​ ​usinas​ ​nucleares​ ​(e,​ ​infelizmente,​ ​as​ ​bombas) 
liberarem​ ​gigantescas​ ​quantidades​ ​de​ ​energia​ ​com​ ​poucos​ ​gramas​ ​de​ ​metais 
radioativos. 
objetos  materiais  são  apenas  a  maneira  pela  qual  nossos  sentidos  conseguem 
captar  as  vibrações  no  tecido  do  espaço-tempo  que,  interpretadas  pelo  nosso 
sistema  nervoso,  aparecem  na  forma  de  papel,  cadeira,  barulho,  odores...  Por  trás 
destas  percepções  ilusórias,  a  realidade  intrínseca  do  universo  é  energia,  luz, 
vibração. 

São  muitas  as  implicações  filosóficas  que  se  poderia  abstrair  desta 
descoberta.  A  velha  rixa  entre  os  filósofos  empiristas  e  racionalistas  -  uns 
defendendo  que  todo  conhecimento  advém  primariamente  dos  sentidos,  e  outros 
elevando  a  razão  ao  cume  das  faculdades  humanas  -  chega  a  um  termo  onde 
nenhuma  das  duas  teses  se  sustenta.  Os  sentidos  não  são  capazes  de  perceber  a 
realidade  tal  qual  ela  é  em  si  mesma;  eles  conseguem  revelar  apenas  a  parte  mais 
grosseira  do  universo  .  A  razão,  por  sua  vez,  se  imbrica  numa  emaranhada  teia  de 
confusão  ao  tentar  entender  como  algo  pode  ser uma coisa e outra coisa ​ao mesmo 
tempo​.  É  como  se  um  véu  de  mistério  envolvesse  tudo  que  existe,  impedindo-nos  o 
acesso​ ​direto​ ​à​ ​realidade​ ​das​ ​coisas. 

A  natureza  dual  da  matéria  também  implica  que,  a  nível  subatômico,  não 
se  pode  dizer  que  uma  partícula  ​existe com certeza num lugar definido; diz-se, antes, 
que  ela  apresenta  “tendências  a  existir”,  e  que  os  eventos  quânticos  não  ocorrem 
com  certeza  em  instantes  e  direções  definidas  mas,  sim,  que  apresentam 
“tendências  a  ocorrer”.  Essas  tendências  são  expressas  como  probabilidades,  e  os 
gráficos  que  calculam  essas  probabilidades  têm  formato  de  onda.  As  partículas, 
portanto,  não  são  ondas  “reais”,  como  as  ondas  sonoras  ou  as  ondas  do  mar:  são 
“ondas  de  probabilidade”.  Jamais  podemos  prever  um  fato  atômico  com  certeza; 
podemos​ ​unicamente​ ​supor​ ​quão​ ​provável​ ​é​ ​sua​ ​ocorrência. 

Experimentos  como  a  “dupla-fenda”  demonstraram,  para  o  espanto  da 


comunidade  científica,  que  os  elétrons  se  comportam  de  maneira  diferente 
dependendo  do  que  se  “espera”  deles.  O  experimento  foi  feito  disparando  um  feixe 
de  elétrons  sobre  um  quadro  fotossensível.  Entre  o  disparador  e  o  quadro,  foi 
colocada  uma  parede  opaca  com  uma  única  fenda  e,  depois,  foi  colocada  uma 
parede  opaca  com  duas  fendas.  Quando  se  dispara  um  feixe  de  elétrons sobre uma 
parede  com  uma  única  fenda,  eles  atravessam  essa  fenda  e  marcam  o  quadro 
fotossensível,  formando  uma  linha.  Esta  linha  demonstra  que  o  elétron  agiu  como 
uma  partícula.  Quando  se  dispara  o  feixe  de  elétrons  sobre  a  parede  com  duas 
fendas,  o  quadro  fotossensível  fica  marcado  em  vários  pontos.  Ora,  uma  partícula 
não  pode  passar  pelas  duas  fendas  ​ao  mesmo  tempo​.  Uma  onda,  contudo,  se 
comportaria  exatamente  desta  forma:  propagando-se  no  espaço,  passaria  através 
das  duas  fendas  e  marcaria  o  quadro  fotossensível  em  vários  pontos.  O  elétron, 
portanto,  se  comportou  como  partícula  ou  como  onda  dependendo  da  “pergunta  de 
pesquisa”​ ​que​ ​os​ ​cientistas​ ​fizeram​ ​a​ ​ele. 

Outro  experimento  famoso  é  o  do  “emaranhamento  quântico”.  Duas 


partículas,  que  antes  faziam  parte  do  mesmo  átomo  (chamadas  de  partículas 
“correlacionadas”)  são  separadas.  Quando  cada  uma  se  encontra  em  pontos  muito 
distantes  uma  da  outra,  o  cientista  altera  o  ângulo  de  rotação  (“spin”)  de  uma  das 
partículas.  ​Instantaneamente​,  o  spin  da  outra  partícula  se  altera  de  forma 
complementar.  Ou  seja,  a  partir  do  momento  que  elas  estão  correlacionadas,  elas 
estão  “em  comunicação”  instantânea,  o  tempo  todo,  para  sempre.  Não  existe  um 
“sinal”  transportando  a  informação  de  que  o  spin  de  uma  partícula se alterou. Como 
é  que  a  outra  partícula  “sabe”  que  nós  alteramos  o  spin  de  sua  correlacionada, 
alterando  seu  próprio  spin  imediatamente?  Como  é  que  essa  informação  viaja  de 
forma  ​instantânea  até  a  outra  partícula,  se  Einstein  postulou  que a velocidade da luz 
é​ ​a​ ​maior​ ​velocidade​ ​possível​ ​para​ ​este​ ​universo?  

Os  cientistas  afirmam  categoricamente  que  a  única  explicação  possível 


para  estes  e  vários  outros  experimentos  é  que  existem  outros  níveis  de  existência 
mais  profundos do que as quatro dimensões do espaço-tempo, e que este universo é 
apenas​ ​um​ ​na​ ​rede​ ​de​ ​multiversos​ ​que​ ​compõem​ ​a​ ​totalidade. 
Quanto mais fundo se mergulha no mundo subatômico, mais os cientistas 
se  deparam  com  conexões  entre  as  diversas  partes  e  o  todo.  Longe  da  concepção 
cartesiana  e  newtoniana  de  um  universo  formado  por  blocos  isolados  se  movendo 
independentemente  uns dos outros, percebe-se que tudo está em relação, conectado 
e  vivo.  Essas  relações  sempre  incluem  o  observador  humano,  de maneira essencial: 
os  experimentos  só  podem  ser  compreendidos  em  termos  de  interação  do  objeto 
com  o  observador.  Na  Física  Quântica,  jamais  podemos  falar  sobre  a  natureza  sem 
falar,​ ​ao​ ​mesmo​ ​tempo,​ ​sobre​ ​nós​ ​mesmos. 

Na  nossa  cultura,  esta  visão  de  mundo  é  nova  e  rompe  com  velhos 
paradigmas  há  muito enraizados. Porém, em muitas culturas orientais, esta tem sido 
a​ ​forma​ ​habitual​ ​de​ ​explicação​ ​da​ ​natureza​ ​há​ ​muitos​ ​séculos. 

3.​ ​Paralelos​ ​com​ ​a​ ​filosofia​ ​oriental 

Se  buscamos  um  paralelo  para  a  lição  da  física  moderna,.  devemos 
nos  lembrar  de  pensadores,  como  Buda  e  Lao  Tse,  em  suas 
tentativas  de  harmonizar  nossa posição como espectadores e atores 
do​ ​grande​ ​drama​ ​da​ ​vida.​ ​(Niels​ ​Bohr) 

O  hinduísmo,  um  complexo  sistema  orgânico  sociorreligioso  e  uma  das 


mais  antigas  filosofias  do  mundo,  é  até  hoje  seguido,  estudado  e  admirado  pela 
profundidade​ ​de​ ​seus​ ​textos​ ​sacros,​ ​os​ ​Vedas​,​ ​compostos​ ​há​ ​mais​ ​de​ ​três​ ​mil​ ​anos.  

A  base  do  hinduísmo  consiste  na  ideia  de  que  as  coisas  e  eventos  que 
nos  cercam  são,  em  sua  grande  variedade,  manifestações  diversas  de  uma  mesma 
realidade  última.  Essa  realidade,  chamada  ​Brahman​,  é  o  conceito  unificador  que 
confere  ao  hinduísmo  seu  caráter  essencialmente  monístico,  não  obstante  a 
adoração​ ​de​ ​numerosos​ ​deuses​ ​e​ ​deusas,​ ​representações​ ​das​ ​forças​ ​da​ ​natureza. 

Brahman​,  a  realidade  última,  é  entendida  como  sendo  a  essência  interna 


de  todas  as  coisas. Ela é infinita e está além de todos os conceitos. Ela não pode ser 
apreendida  pelo  intelecto  nem  adequadamente  descrita  em  palavras.  Como  dizem 
as  Escrituras  Sagradas,  ​“Brahman,  sem  princípio,  supremo:  além  do  que  é  e  além  do 
que  não  é”.  Os  diversos  aspectos  de  Brahman  -  os  modos  pelos  quais  ele  se 
apresenta  a  nós  -  receberam  os  nomes  dos  muitos  deuses  adorados  pelos  hindus, 
mas  os  textos  deixam  bem  claro  que  todos  esses  deuses  são  apenas  um  pálido 
reflexo​ ​da​ ​realidade​ ​essencial​ ​de​ B
​ rahman​. 

A  manifestação  de  ​Brahman  no  ser  humano  é  chamada  de  ​Atman​,  e  a 


ideia  de  que  a  realidade  individual  e  a  realidade  última  são  Um  constitui  a  essência 
do  pensamento  hinduísta.  Mitologicamente,  ​Brahman  é  o  grande  mago  que  se 
transforma  no  mundo  e  desempenha  sua  façanha  através  ​maya​,  o  “poder  criativo” 
que  gera  todas  as  coisas.  Na  medida  em  que  confundimos  a  miríade  de  formas 
aparentes  com  a  realidade  última,  sem  perceber a unidade de ​Brahman subjacente a 
todas​ ​elas,​ ​continuaremos​ ​“sob​ ​o​ ​encantamento​ ​de​ m
​ aya​”. 

Se  pensarmos  que  as  formas  e  estruturas,  coisas  e  fatos  existentes  em 
torno  de  nós  são  realidades  da  natureza,  em  vez  de  percebermos  que  são  apenas 
conceitos  oriundos  de  nossas  mentes,  estaremos  embriagados  pela  ilusão  dos 
sentidos.  ​Maya  é  a  ilusão  de  tomar  tais  conceitos  como  reais,  de  confundir  o  mapa 
com​ ​o​ ​território. 

Libertar-se  do  encantamento  de  ​maya​,  romper  os  véus  que  nos  separam 
da  realidade  essencial  das  coisas,  significa  compreender  que  todos  os  fenômenos 
que  percebemos  com  nossos  sentidos  não  estão  separados,  mas  constituem  parte 
da  mesma  realidade.  Significa  experimentar  em  si  mesmo  o  fato  de  que  tudo, 
inclusive​ ​o​ ​nosso​ ​próprio​ ​ser,​ ​é​ B
​ rahman​. 

Os  hindus  entoam  uma  sílaba  que,  segundo  eles,  é  a  vibração  original  a 
partir  da  qual  todo  o  universo  foi  criado.  Esta  sílaba  é  “Om”  (​representada pelo
símbolo ॐ). ​Compreendem, assim, que o universo é vibração, e utilizam as vibrações 
do  som,  das  palavras  e  dos  pensamentos  como  forma  de  conexão  com  a  unidade 
essencial  das  coisas  e  como  ferramenta  de  cura  para  as  diversas  doenças  -  que 
também  são  vistas  como  ilusões  de  ​maya​,  podendo  ser  revertidas  pelo  mesmo 
princípio​ ​que​ ​as​ ​gerou:​ ​a​ ​mente. 

O  caminho  da  conexão  com  esta  unidade  essencial  só  pode  ser  feito  do 
lado  de  dentro  do  ser  que  busca  esta  conexão,  nunca  de  fora.  É  o  que  ensina  o 
budismo,  outra  tradição  antiquíssima  do  oriente.  A  essência  dessa  experiência 
consiste  em  ultrapassar  o  mundo  das  distinções  e  dos  opostos,  para  alcançar  o 
mundo  que  está  para  além  das  vibrações:  a  realidade  indivisível  e  indiferenciada. 
Este  caminho  só  pode  ser  trilhado  através  da  aquietação  de  todas  as  perturbações 
mentais  que  geram  as  ondas  flutuantes  da  realidade  material.  Daí  a  importância  da 
prática  da  meditação,  a  “ação  de  estar  ​no  meio​”, ou seja, de não se identificar com o 
jogo​ ​dos​ ​opostos​ ​criado​ ​pela​ ​ilusão​ ​de​ m
​ aya​. 

Na  China, o Taoísmo foi a escola espiritual que se desenvolveu com maior 
profundidade.  O  “Tao”  é  geralmente  traduzido  como  o  “caminho”.  É  o  caminho  ou 
processo  do  universo,  a  ordem  da  natureza.  Em  seu  significado  original,  Tao  é  a 
realidade  última e indefinível, sempre em constante movimento. O símbolo ​yin yang é 
um  diagrama  que  representa  uma  disposição simétrica entre os opostos, porém não 
estática:  é  uma  simetria  rotacional  que  sugere  um  contínuo  movimento  cíclico. 
Percebe-se  uma  complementaridade  entre  os  opostos,  e  não  uma  fragmentação:  o 
yin  está  dentro  do  yang  e  o  yang  está  dentro  do  yin.  Um  nasce  do  outro,  em 
constante​ ​transformação.  

A  filosofia  taoísta  é  profundamente  dialética.  Seu  livro  principal,  o  ​Tao  Te 


Ching​,  é  recheado  de  aforismos  aparentemente paradoxais, em que o bem e o mal, o 
dentro  e  o  fora,  o  visível  e  o  invisível  se  complementam  numa  dança  sem  fim.  Não 
foi  à  toa  que  Niels  Bohr  desenhou  o  yin-yang  no  seu  brasão  pessoal,  fascinado pela 
sabedoria  de  um  povo  que  já  conhecia  o  princípio  da  complementaridade  muitos 
séculos​ ​antes​ ​do​ ​paradoxo​ ​onda-partícula! 

Referência: 

CAPRA,​ ​Fritjof.​ O
​ ​ ​Tao​ ​da​ ​Física.​​ ​São​ ​Paulo:​ ​Cultrix,​ ​2013. 

Você também pode gostar