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As raízes da física podem ser encontradas no período inicial da filosofia
grega do século VI a. C., numa cultura onde a ciência, a filosofia e a religião não se
distinguiam.
Seu objetivo girava em torno da descoberta da natureza essencial das
coisas, a que denominavam physis, de onde deriva a palavra “física”. Física é,
portanto, a tentativa de ver a natureza essencial de todas as coisas, assim como a
filosofia e a religião também o são.
Esta formulação veio à tona no século XVII, através da filosofia de René
Descartes. A “divisão cartesiana” entre dois reinos separados e independentes (a
mente, res cogitans, e a matéria, res extensa) permitiu aos cientistas tratar a matéria
como algo morto e inteiramente apartado de si mesmos, vendo o mundo material
como uma vasta quantidade de objetos isolados reunidos numa grande máquina.
Foi isto que possibilitou a cientistas como Galileu e Isaac Newton aplicar
sua racionalidade - o cogito - na res extensa do mundo físico e estabelecer as leis
pelas quais ele é regido.
Não obstante, essa fragmentação dualista espelha nossa visão de um
mundo “externo” a nós, constituído de uma imensa quantidade de objetos e fatos
isolados. Assim, o ambiente natural é tratado como se consistisse em partes
separadas a serem exploradas por diferentes grupos de interesses. Essa visão
fragmentada pode ser encarada como uma das razões essenciais para a série de
crises sociais, ecológicas e culturais da atualidade. A crença num mundo formado
de partes isoladas nos tem alienado da natureza e dos demais seres humanos. A
competição acirrada a que estamos sujeitos só tem lugar numa cultura formada pela
consciência individualista. Nas culturas onde se integram as partes em relação ao
todo, a consciência do coletivo não dá margem à competição, e sim à cooperação.
O dualismo cartesiano foi, portanto, uma faca de dois gumes na cultura
ocidental, possibilitando a investigação empírica dos fenômenos naturais e ao
mesmo tempo nos apartando do mundo, nos dando a falsa impressão de que somos
indivíduos isolados do meio e de que a mente e a matéria são duas realidades
distintas.
O palco do universo newtoniano, no qual se desdobravam todos os
fenômenos físicos, era o espaço tridimensional da geometria euclidiana clássica:
absoluto, sempre em repouso e imutável. Nas palavras do próprio Newton: “O
espaço absoluto, em sua própria natureza, sem consideração por qualquer coisa
externa, permanece sempre idêntico e imóvel”. Todas as mudanças ocorriam numa
dimensão separada chamada de “tempo”. Para ele esta dimensão também era
absoluta, sem qualquer vínculo com o espaço.
As descobertas de novas realidade físicas a partir do fim do século XIX
trouxeram à tona as limitações do modelo newtoniano e demonstraram que
nenhuma de suas características possuía validade absoluta, colocando em cheque
uma visão de mundo consolidada ao longo de quase trezentos anos.
As forças elétricas e magnéticas, descobertas e investigadas pelos físicos
Faraday e Maxwell, deram um novo rumo à ciência física ao introduzir o conceito de
campo. Um campo é uma “condição” ou “perturbação” no espaço ao redor de um
corpo que se encontra carregado elétrica ou magneticamente, de tal forma que,
quando outro corpo também carregado se acha presente, ele sofre ação de uma
força. Essa condição no espaço que apresenta o potencial de produzir uma força é
denominada campo.
Maxwell (1831 - 1879), anos depois, percebeu que, se um ímã em
movimento pode criar um campo elétrico, isso significa que um campo elétrico em
movimento pode criar um campo magnético. A correlação entre as duas forças
sugeriu a sua unificação numa única força atuando pelos mesmos princípios: a força
eletromagnética.
Apesar da eletrodinâmica balançar as bases do edifício newtoniano, os
alicerces da mecânica clássica ainda estavam bem enraizados no pensamento
científico, pois suas leis conseguiam explicar a maior parte dos fenômenos
observáveis, desde o movimento de pequenos objetos até a rotação dos grandes
astros ao redor do sol. Contudo, com as descobertas do início do século XX, a
mecânica de Newton caiu por terra e cedeu lugar a outra concepção sobre a
natureza do universo.
Os conceitos de espaço e tempo são tão básicos para a descrição dos
fenômenos naturais que sua modificação impõe a mudança de todo o referencial
que utilizamos para descrever a natureza. As concepções filosóficas que se baseiam
na premissa da separação entre o sujeito que observa e o objeto a ser observado
perdem completamente o seu significado, já que os eventos são relativos a cada
indivíduo, e não a
bsolutos para todos os indivíduos.
Einstein demonstrou
que o espaço
tridimensional é curvo,
e que essa curvatura é
causada pelo campo
gravitacional dos
objetos. Isto quer dizer
que, sempre que existe
um objeto, o espaço ao
redor desse objeto é
curvo e o grau de curvatura depende de sua massa. Um objeto de pequena massa,
como uma bola de basquete, causa uma curvatura muito pequena no tecido do
espaço-tempo. Já um objeto de grande massa, como a Terra, causa uma curvatura
acentuada a ponto de manter a lua girando em sua órbita. Assim, as regras da
geometria euclidiana, baseadas na linearidade tridimensional, deixam de ser válidas
para o espaço curvo de Einstein.
E como, pela teoria especial da relatividade, o espaço não é isolado do
tempo, este é igualmente afetado pela presença da matéria, fluindo de formas
diferentes em cada parte do universo. Quando um objeto celeste possui uma massa
tão absurdamente grande que chega a “rasgar” o tecido do espaço-tempo,
formam-se os chamados “buracos-negros”. Sua gravidade é tão grande que puxa
tudo o que passa em suas proximidades - inclusive a luz. Por isso eles são “negros”:
a luz se perde dentro deles e não conseguimos visualizar como são “por dentro”. A
curvatura do espaço-tempo nas proximidades de um buraco negro é tão grande que
o tempo se “estica”; cada segundo passado lá equivale a milhares de anos aqui na
Terra. Com isso vemos que o conceito de tempo é inteiramente relativo e depende
de qual lugar do universo ele está sendo medido. Não existe um tempo absoluto e
linear fluindo de maneira uniforme sobre um espaço imóvel, como disse Newton; o
que existe é o tecido do espaço-tempo em movimento.
Enquanto Einstein desenvolvia sua teoria da relatividade, outros cientistas
se debruçavam sobre o mundo quântico. Na década de 1920, Niels Bohr, Louis de
Broglie, Erwin Schrödinger, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e Paul Dirac, da
Dinamarca, França, Áustria, Alemanha e Inglaterra, juntaram suas forças através de
todas as fronteiras nacionais e entraram em contato com a estranha realidade do
mundo subatômico. Sempre que eles faziam uma pergunta à natureza, num
experimento, ela respondia com um paradoxo. Eles demoraram para aceitar o fato
de que tais paradoxos pertencem à estrutura intrínseca do universo que estavam
explorando.
Os experimentos de Rutherford já haviam demonstrado, anos antes, que
os átomos não eram sólidos e indestrutíveis, mas consistiam em vastas regiões de
espaço vazio nas quais se movem partículas extremamente pequenas. Com os
novos experimentos, ficou demonstrado que as unidades subatômicas da matéria
são entidades abstratas e dotadas de um aspecto dual: dependendo da forma pela
qual as abordam, aparecem às vezes como partículas, às vezes como ondas. Até
mesmo a luz possui essa natureza dual, assumindo ora a forma de ondas
eletromagnéticas, ora a forma de partículas.
Essa propriedade da matéria e da luz é bastante estranha. Uma partícula é
uma entidade que possui massa, confinada a um volume extremamente pequeno.
Uma onda é uma oscilação (mecânica ou eletromagnética) que se propaga pelo
espaço; não possui massa nem volume, apenas energia. Parece impossível aceitar
que algo possa ser, ao mesmo tempo, uma partícula e uma onda, mas é isto que se
observa a nível quântico. É o equivalente a dizer que a matéria é igual à energia. E de
fato, isto é o que diz a famosa equação de Einstein: E=m.c² . A energia de um corpo
(E) é igual à sua massa (m) multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (c²).
Toda a matéria, portanto, é formada por uma enorme quantidade de energia
condensada e organizada de uma forma específica para formar partículas e átomos.
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Isto implica que tudo o que percebemos do mundo físico é, no fundo, energia; os
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Foi isto que tornou possível as usinas nucleares (e, infelizmente, as bombas)
liberarem gigantescas quantidades de energia com poucos gramas de metais
radioativos.
objetos materiais são apenas a maneira pela qual nossos sentidos conseguem
captar as vibrações no tecido do espaço-tempo que, interpretadas pelo nosso
sistema nervoso, aparecem na forma de papel, cadeira, barulho, odores... Por trás
destas percepções ilusórias, a realidade intrínseca do universo é energia, luz,
vibração.
São muitas as implicações filosóficas que se poderia abstrair desta
descoberta. A velha rixa entre os filósofos empiristas e racionalistas - uns
defendendo que todo conhecimento advém primariamente dos sentidos, e outros
elevando a razão ao cume das faculdades humanas - chega a um termo onde
nenhuma das duas teses se sustenta. Os sentidos não são capazes de perceber a
realidade tal qual ela é em si mesma; eles conseguem revelar apenas a parte mais
grosseira do universo . A razão, por sua vez, se imbrica numa emaranhada teia de
confusão ao tentar entender como algo pode ser uma coisa e outra coisa ao mesmo
tempo. É como se um véu de mistério envolvesse tudo que existe, impedindo-nos o
acesso direto à realidade das coisas.
A natureza dual da matéria também implica que, a nível subatômico, não
se pode dizer que uma partícula existe com certeza num lugar definido; diz-se, antes,
que ela apresenta “tendências a existir”, e que os eventos quânticos não ocorrem
com certeza em instantes e direções definidas mas, sim, que apresentam
“tendências a ocorrer”. Essas tendências são expressas como probabilidades, e os
gráficos que calculam essas probabilidades têm formato de onda. As partículas,
portanto, não são ondas “reais”, como as ondas sonoras ou as ondas do mar: são
“ondas de probabilidade”. Jamais podemos prever um fato atômico com certeza;
podemos unicamente supor quão provável é sua ocorrência.
Na nossa cultura, esta visão de mundo é nova e rompe com velhos
paradigmas há muito enraizados. Porém, em muitas culturas orientais, esta tem sido
a forma habitual de explicação da natureza há muitos séculos.
Se buscamos um paralelo para a lição da física moderna,. devemos
nos lembrar de pensadores, como Buda e Lao Tse, em suas
tentativas de harmonizar nossa posição como espectadores e atores
do grande drama da vida. (Niels Bohr)
A base do hinduísmo consiste na ideia de que as coisas e eventos que
nos cercam são, em sua grande variedade, manifestações diversas de uma mesma
realidade última. Essa realidade, chamada Brahman, é o conceito unificador que
confere ao hinduísmo seu caráter essencialmente monístico, não obstante a
adoração de numerosos deuses e deusas, representações das forças da natureza.
Se pensarmos que as formas e estruturas, coisas e fatos existentes em
torno de nós são realidades da natureza, em vez de percebermos que são apenas
conceitos oriundos de nossas mentes, estaremos embriagados pela ilusão dos
sentidos. Maya é a ilusão de tomar tais conceitos como reais, de confundir o mapa
com o território.
Libertar-se do encantamento de maya, romper os véus que nos separam
da realidade essencial das coisas, significa compreender que todos os fenômenos
que percebemos com nossos sentidos não estão separados, mas constituem parte
da mesma realidade. Significa experimentar em si mesmo o fato de que tudo,
inclusive o nosso próprio ser, é B
rahman.
Os hindus entoam uma sílaba que, segundo eles, é a vibração original a
partir da qual todo o universo foi criado. Esta sílaba é “Om” (representada pelo
símbolo ॐ). Compreendem, assim, que o universo é vibração, e utilizam as vibrações
do som, das palavras e dos pensamentos como forma de conexão com a unidade
essencial das coisas e como ferramenta de cura para as diversas doenças - que
também são vistas como ilusões de maya, podendo ser revertidas pelo mesmo
princípio que as gerou: a mente.
O caminho da conexão com esta unidade essencial só pode ser feito do
lado de dentro do ser que busca esta conexão, nunca de fora. É o que ensina o
budismo, outra tradição antiquíssima do oriente. A essência dessa experiência
consiste em ultrapassar o mundo das distinções e dos opostos, para alcançar o
mundo que está para além das vibrações: a realidade indivisível e indiferenciada.
Este caminho só pode ser trilhado através da aquietação de todas as perturbações
mentais que geram as ondas flutuantes da realidade material. Daí a importância da
prática da meditação, a “ação de estar no meio”, ou seja, de não se identificar com o
jogo dos opostos criado pela ilusão de m
aya.
Na China, o Taoísmo foi a escola espiritual que se desenvolveu com maior
profundidade. O “Tao” é geralmente traduzido como o “caminho”. É o caminho ou
processo do universo, a ordem da natureza. Em seu significado original, Tao é a
realidade última e indefinível, sempre em constante movimento. O símbolo yin yang é
um diagrama que representa uma disposição simétrica entre os opostos, porém não
estática: é uma simetria rotacional que sugere um contínuo movimento cíclico.
Percebe-se uma complementaridade entre os opostos, e não uma fragmentação: o
yin está dentro do yang e o yang está dentro do yin. Um nasce do outro, em
constante transformação.
Referência:
CAPRA, Fritjof. O
Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 2013.