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Dandara,

A Rainha Guerreira de
Palmares

Newton Nitro
2015
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Distribuição Exclusiva em Formato Digital

1ª Edição - 2015

Belo Horizonte, 27 de Julho de 2015

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Sumário
01

02

03

04

05

Referências

Sobre Newton Nitro


1
_ Saurê Zumbi!
Bradou Dandara, desarmando o soldado com sua gubassá, seu facão-espada,
feito por ela mesma para ficar igualzinho a arma de seu querido vodun Gu, o
senhor da guerra. Em seguida ela o derrubou com uma rasteira certeira e o
abateu, cravando a gubassá em seu pescoço. Sangue quente borrifou sua face.
_ Vocês me querem? Vocês me querem? Estou aqui! Eu, Dandara, Rainha dos
Palmares! Mulher de Zumbi! _ rugiu, avançando, junto com suas irmãs e irmãos
guerreiros, para outros soldados que se aproximavam.
_ Saurê Zumbi! _ repetiu, enquanto matava mais um soldado de Bernardo
Vieira.
2
_Zumbi...
Ela sussurrou o nome dele, pertinho da orelha dele, como ele gostava. Seus
lábios se tocando e vibrando no começo e estourando no final.
_Meu Zumbi...
Como a batida lenta de um atabaque.
Ele a agarrou, e eles se misturaram, os dois uma coisa só, um quilombo só
deles, a mesma alma em dois corpos.
_ Me dê sua força, Dandara._ disse ele, cabeça aninhada entre suas pernas.
Ela o puxou e o beijou.
_ Leoa, os três vem comigo. Vamos dar combate ao demônio do Domingos,
quebrar esse cerco. Separar ele do desgraçado do Bernardo Vieira.
_ Eu vou também!
_ Não, minha leoa! Você fica! Quem vai comandar aqui?
_ Você vai me separar dos meus filhos?
_ Levo Harmódio e Aristogíton então. Motumbo fica.
E, com ela escondendo suas lágrimas da vista dele, se abraçaram e se amaram
de novo.
3
Ela amava Zumbi.
E juntos, sua barriga se desfez em águas três vezes, três belos filhos
guerreiros.
E juntos, eles derrotaram holandeses e resistiram aos portugueses.
Mas a raiva dos brancos não tinha fim, e ela viu cair, uma a uma, as nove
aldeias de Palmares, até sobrar só o Cerco do Macaco.
Ela amara Ganga Zumba.
Mas seu amor morreu quando Ganga Zumba aceitou uma paz doente com os
portugueses, uma paz pestilenta e covarde, que os obrigaria a devolver os
próximos escravos que se refugiassem em Palmares.
Não! Nunca!
Ela trocou Ganga Zumba por Zumbi.
E juntos, eles rejeitaram aquela paz com raiva, com uma raiva que ardia e não
cicatrizava, como ferida de ferrão de arraia. Havia realidade naquela raiva, havia
sentido naquele fervor, naquele desejo de escrever a própria história nessa
passagem rápida pela vida, antes de ir para o Orum. Pois a vida é curta, e a vida
do negro é mais curta ainda.
4
_ Motumbo!
Dandara, acompanhada do que restou de suas irmãs e irmãos guerreiros,
procurava seu filho, comandante das três paliçadas de defesa. Que deviam ter
caído, pois soldados formigavam por todos os lados.
Corriam pelo quilombo, penumbroso e incendiado, vendo árvores gotejantes
de sangue quilombola, também salpicado nos uapés, nas damas-do-lago, nas
ervas-de-santa-luzia. Corriam sob os tiros de mosquetes, que estouravam as favas
dos ingazeiros, rasgavam as folhas dos crótons, dos cocós e taiobas, debaixo de
uma lua indiferente, cheia como um prato de papa de carimã. Chamas e mais
chamas, calor como um pano escaldado sobre a pele. A fumaça espessa, com
cheiro de carne torrada, estranhamente não espantava os maruins, que
enxameavam e ferroavam, suas picadas dolorosas desapercebidas, pois tudo era
dor agora.
Passavam por muitos corpos de quilombolas caídos. Corpos de negros, de
mestiços, de índios e até de brancos oprimidos que buscaram refúgio em
Palmares. Corpos sobre as jaçanãs, sobre as jipiocas, estorricados e retorcidos
como novelos de sucuris.
No alto dos restos da igreja do quilombo, a bandeira de São Benedito
queimava, o que machucou mesmo ela, que carregava em si a fé nos voduns, que
sua mãe guerreira trouxe de Daomé.
Ela pisou em um bonequinho de capuco de milho e retalhos de estopa, e seu
coração apertou pelas crianças do quilombo. O que seriam delas? Crianças
nascidas livres?
_Motumbo!
Os soldados continuavam a carnificina, mosqueteando ou espadejando,
içando quilombolas em pontas de lanças.
Ganga Zumba não estava certo em querer paz?
Não!
Nada daquela paz doente! Eles vingavam o horror da escravidão com uma
história própria. Vingavam as mortes de incontáveis almas, forçadas a
esquecerem o que realmente eram.
Palmares revelou que eles eram guerreiros. Todos eles.
Palmares revelou que ser livre é assumir a responsabilidade de libertar quem
quer que queira ser libertado. É semear o desejo de liberdade nas almas onde esse
desejo está abafado pelas cicatrizes do cinismo, da desesperança, da falta de
sonhos. Quebrar a escravidão de cabeça, que era a pior de todas, que começa com
o medo da morte. Correntes prendendo cabeças adentro. Correntes que Palmares
arrebentara. E era o que aterrorizava os poderosos.
Palmares era eterna.
Ela tinha a sua gubassá, mas Palmares revelou que a maior arma, a arma que
dá a liberdade às almas e as mantém livres é a coragem de dizer NÃO!
_ Aqui mãe! Aqui! _ vociferou Motumbo, perfurando soldados com sua lança,
enquanto abria caminho até ela.
5
Com os soldados de gibões e saios pontilhados de sangue quilombola os
acercando, sobre a atalaia pedregosa do quilombo e com um despenhadeiro às
costas, seu filho ao lado, gubassá em punho, Dandara viu o capitão-mor Bernardo
Vieira sacar uma pistola. O penacho vermelho no topo do seu capacete dançava
com o vento.
Ele apontou a pistola, ricamente guarnecida de mascarões e troféus de armas
em prata e ouro.
_ Se entregue, Dandara dos Palmares.
_ Não! _bradou Motumbo.
Seu filho avançou, lança em riste, e levou um balaço no coração, caindo para
trás, nos braços dela. Morto, ele que adorava aipim com mel de engenho quando
pequeno.
Dandara rugiu, e, sem largar o gubassá, catou a lança de Motumbo e a
arremessou, rasgando o rosto e arrancando a orelha esquerda de Bernardo Vieira.
_ Vais voltar a ser escrava! _ gritou o capitão-mor, entre urros de dor, sangue
escorrendo pescoço abaixo.
Ela ergueu o gubassá.
_ NÃO! Saurê Zumbi!
E Dandara saltou da atalaia, e viu o próprio corpo cair para virar comida dos
catitus, enquanto, aninhada no abraço carinhoso de seu vodun Gu, seguiu para o
Orum, de onde já avistava a luz dourada de uma Palmares eterna e livre.

SEM-FIM
Referências

Para a escrita desse conto, junto à recriação livre e poética dos eventos e
personagens, consultei várias fontes, das quais deixo aqui algumas referências,
para os que queiram conhecer mais da fascinante história de Palmares e da
belíssima e rica cultura afro-brasileira.

Sobre Dandara dos Palmares:


Dicionário mulheres de Alagoas Ontem e Hoje - Enaura Quixabeira Rosa e
Silva, Edilma Acioli Bomfim UFAL, 2007.

Sobre o Culto aos Voduns:


O Vodum na Cultura do Danxomé e sua implantação nas Américas, Aka Glèlé
- Culturas Africanas, 1985.

Os Ogãs Louvam os Orixás. Rio de Janeiro: Editora Catedra, 1990. Pierre


Fatumbi Verger - 1902-1996.

História e ritual da nação jeje na Bahia. LN Parés - - Editora Unicamp - 2006.

Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns. Pierre Verger. Tradução: Carlos
Eugênio Marcondes de Moura. Editora EDUSP - 2000.

Sobre Zumbi e o Quilombo de Palmares:


O Quilombo dos Palmares. Edilson Carneiro São Paulo : Cia. Ed.
Nacional,1958. 268p (Brasiliana; V.302).

Heterogeneidade e conflito na interpretação do Quilombo dos Palmares, PPA


Funari - Revista de História Regional, 2007 - revistas2.uepg.br

O quilombo dos Palmares, B Péret, R Ponge, MJ Maestri Filho - 2002 -


UFRGS Editora

Liberdade por um fio. História dos quilombos no Brasil. REIS, João José;
GOMES, Flávio dos Santos (org.)- São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

Zumbi dos Palmares, A História do Brasil que não foi Contada. Eduardo
Fonseca Júnior. Rio de Janeiro: Soc. Yorubana Teológica de Cultura Afro-
Brasileira, 1988.
Sobre o Autor

Newton Nitro não gosta de escrever sobre si mesmo na terceira pessoa, que
é o ponto de vista narrativo que normalmente usa para seus contos e livros,
então, lá vai:
Quando eu fiz sete anos, minha mãe, por motivos misteriosos e para saciar
minha fome de livros, me presenteou com uma coleção completa do José Mauro
de Vasconcelos, que, tirando o “Meu Pé de Laranja Lima”, era composta de livros
com temática adulta demais para a minha idade, como Rosinha Minha Canoa e
Arara Vermelha. Mesmo sem entender a temática, algo na linguagem, algo nas
palavras me fascinava, lia as frases em voz alta e mergulhava nas imagens que
surgiam. Devorei toda a coleção, e nunca mais parei de devorar livros, causando
um efeito colateral seríssimo, uma paixão sem limites pela escrita, a “luz da
minha vida, fogo da minha virilidade”. Uma paixão compartilhada com outra
obsessão, os infindáveis jogos de RPG de mesa, que , na verdade, um exercício de
criação compartilhada de narrativas, mas isso já é uma outra história, para um
outro dia.
Alguns de meus livros, escritos, poesias e o escambau estão apinhados no
Nitroblog, disponibilizados para download gratuito. Atualmente sangro os dedos
no teclado com uma trilogia de romances de fantasia medieval adulta, brutal e
sangrenta, batizada de Trilogia Legião, que será publicada pela Editora Redbox,
como parte do cenário oficial do RPG de mesa Old Dragon. O primeiro livro da
trilogia, o Marca da Caveira, sairá em 2016, se os orixás assim o desejarem.

Belo Horizonte, 26 de Julho de 2015, Domingo, 06 horas e 58 minutos.


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