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Jurados

B á r b a r a Fr e i t a g - R o u a n e t Fr a n c i s c o d e O l i v e i r a
socióloga, professora do Departamento de Sociologia professor do Departamento de Sociologia da Universidade
da Universidade de Brasília (UnB) e de São Paulo (USP), coordenador científico do Centro
pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP e ex-presidente
Científico e Tecnológico (CNPq) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Bernadete Gatti Fr e i B e t t o
pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC), Filósofo, escritor, assessor especial da Presidência da República,
professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo publicou mais de 40 livros no Brasil e no exterior e foi
(PUC-SP) e ex-presidente do Conselho Estadual o primeiro brasileiro a receber o Prêmio
de Educação de São Paulo (CEESP) Paolo. E. Borselino,na Itália, por seu trabalho
em prol dos direitos humanos
Carlos Guilherme Motta
historiador, professor da Faculdade de Filosofia, Maria Célia Marcondes Moraes
Letras e Ciências Humanas da Universidade professora do Centro de Ciência da Educação da Universidade
de São Paulo (USP) e primeiro diretor do Instituto Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora
de Estudos Avançados da USP do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq)
Carlos Roberto Jamil Cury
docente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Murílio de Avellar Hingel
(PUC-MG), foi presidente da Coordenação membro da Câmara de Educação Básica do Conselho
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Nacional de Educação, ex- Ministro da Educação e do Desporto
e da Câmara de Educação Básica do CNE e ex-Secretário de Estado da Educação de Minas Gerais
(Conselho Nacional de Educação)
Newton Sucupira
Cláudio Moura Castro professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
economista, presidente do Conselho Consultivo das Faculdades foi membro do Conselho Federal de Educação e vice-presidente
Pitágoras, foi professor da Pontifícia Universidade do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Católica do Rio (PUC-Rio) e diretor
da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal Roberto da Matta
de Nível Superior (CAPES) antropólogo, professor da Universidade de Notre Dame,
em Indiana (EUA) dirigiu o Programa de
Emir Sader Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional
sociólogo, professor da Universidade de São Paulo (USP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor
e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coor- do clássico “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia
denador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor do dilema brasileiro”(Zahar), entre outros livros
de “Que Brasil é este?” (Editora Atual ), entre outras publi-
cações Simon Schwartzman
presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade,
Eni de Lourdes Pulcinelli Orlandi presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia
professora do Instituto de Estudos da Linguagem e Estatística (IBGE) e foi professor da Universidade
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Federal de Minas Gerais (UFMG)
coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos
da Unicamp e autora de “Para uma Enciclopédia da Cidade”
(Ed. Pontes), entre outros

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100 Brasileiros

AS DÉCADAS
de 30 a 50 d o século 20
são marcadas por uma verdadeira
obsessão cultural: a decifração da
sociedade brasileira, em termos históricos, econômi-
cos, sociais e políticos, por jovens intelectuais em
busca de esquemas interpretativos originais, sobre a realidade de um país periférico.
A ditadura nascida com o Estado Novo e a proximidade da Segunda Guerra Mun-
dial, animaram jovens universitários a darem o melhor de si para interpretar um
Brasil ainda volátil e esquivo em termos de identidade e visão de futuro. Muitos dos
brasileiros selecionados incluem-se nesta categoria. Os restantes, mais contemporâ-
neos ou remotos, com sua coragem intelectual e avidez exploratória, nos deram fer-
ramentas para agir no mundo com a determinação de brasileiros. De seu trabalho
nasceu uma imagem renovada do país. É tempo de lembrar e celebrar estes criado-
res de utopias realistas, semeadores de vocações críticas a serviço de um mundo me-
lhor, mais justo e humano. Entre os mais votados, também se encontram Luiz Carlos
Prestes, Lucio Costa, José Honório Rodrigues, Alceu de Amoroso Lima, Betinho,
Henfil, Padre Anchieta, além de Santos Dumont, Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e
Portinari, tendo sido, os quatros últimos, eleitos em outras categorias.

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tivista d os direitos das mulhe- e seu filho Augusto Américo para a França em 1849,
res, educadora, escritora e poeta, Dionísia fixando residência em Paris, por longa data. Seu livro
Gonçalves Pinto adotou o pseudônimo de Opúsculo humanitário, publicado em 1853, e que trata da
Nísia Floresta Brasileira Augusta, para marcar sua li- emancipação feminina, causa boa impressão ao so-
gação com o Brasil em suas longas permanências eu- ciólogo Auguste Comte, com quem Nísia trocou cor-
ropéias. Foi uma mulher que merece ser melhor co- respondência regular até sua morte. Em julho de
nhecida pelos brasileiros. Nascida em 12 de outubro 1851, Nísia Floresta vai ao Chateau de Madri, no Bois
de 1810, em Papari, no Rio Grande do Norte, Nísia de Boulogne, para se despedir do escritor Lamartine,
irá publicar em 1832, no Recife, após o que segue para Portugal,
para onde tinha fugido após a onde permanece até janeiro de
morte de seu pai, uma série de 1852. Em 1855 trabalha como

NÍSIA
artigos sobre a condição femi- voluntária junto às vítimas da
nina. Trata-se do livro intitula- febre amarela, na Enfermaria do
do Direitos das mulheres e injustiça Hospital de Nossa Senhora da
dos homens, publicado quando
F L OR E S TA Conceição, no Rio de Janeiro.
Nísia tinha apenas 22 anos e AU G U S TA Em 1871, por conta dos confli-
considerado o primeiro tratado tos da Comuna de Paris, Nísia
feminista brasileiro. O livro fo- 1810-1885 vende todos os seus pertences e
ra inspirado em obra da femi- deixa definitivamente a capital
nista inglesa Mary Wollstone- francesa. Segue primeiro para
craft, datado de 1792. Já viúva Londres, com a filha, e depois
de Manoel Augusto de Faria Rocha, com quem se ca- para Lisboa, onde embarca, mais uma vez, para o Rio
sou em 1828, irá com sua filha Lívia para o Rio de Janeiro, desta vez sem Lívia, que optara por per-
Grande do Sul, onde se instala e resolve abrir um co- manecer na Europa. Nísia resolve ficar no Brasil en-
légio de meninas. A Revolução Farroupilha a pega de tre 1872 e 1875. Em 1878, de volta à Europa, publica
surpresa, obrigando seu deslocamento para o Rio de sua última obra, intitulada Fragments d’un ouvrage inédit:
Janeiro, onde irá fundar dois respeitados colégios fe- Notes biographiques.
mininos, o Brasil e o Augusto. Em 1842, publica Conselhos Morre aos 75 anos, de pneumonia, em Rouen, na
à minha filha. O livro, dedicado à filha Lívia como pre- França, em 24 de abril de 1885. Quase 70 anos depois,
sente pelo aniversário de 12 anos, terá uma repercus- em 1954, seus restos mortais são trasladados para o
são surpreendente. É seu trabalho mais traduzido. Por Rio Grande do Norte e depositados em sua terra na-
problemas médicos, resolve levar sua filha acidentada tal, Papari, que agora é chamada de Nísia Floresta.

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m d o s c o n s t r u t o r e s d a Na ç ã o quia e a adoção do sistema federativo. Proclamada a
brasileira e principal símbolo de cultura ju- República, é nomeado ministro da Fazenda, onde
rídica do País, Rui Barbosa teve seu nome permanece por 14 meses. Logo a seguir, é nomeado
ligado aos mais importantes acontecimentos ocorri- vice-chefe do Governo Provisório e redige quase to-
dos na passagem do Império para a República. Foi dos os atos iniciais do novo regime. Seu poder de in-
abolicionista, lutou pelo federalismo e pelos direitos fluência sobre colegas e sobre o Marechal Deodoro
sociais das classes trabalhadoras. Advogado, jornalis- da Fonseca era tão forte que ficou conhecido como
ta, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, Rui pára-raios do governo. Em 1890 é eleito senador consti-
Barbosa nasceu em Salvador, tuinte pela Bahia. Em 1891, a
em 5 de novembro de 1849. Seu Constituição, que tem Rui co-
pai, João Barbosa de Oliveira, mo um de seus principais reda-

RUI
dedicou-se aos problemas da tores, é promulgada. Deodoro
educação, tendo sido responsá- renuncia e Floriano Peixoto as-
vel pela Instrução Pública de sume o cargo de presidente,
sua província. Por esta razão, sob forte oposição. Rui entra
exerceu poderosa influência so-
BARBOSA no Supremo Tribunal Federal
bre o filho, principalmente no com um pedido de habeas corpus
amor aos clássicos e no respeito 1849-1923 para os presos políticos do go-
à documentação. Barbosa mu- verno Floriano. Foi obrigado a
da-se para Recife em 1866 e exilar-se em 1893, passando
cursa a Faculdade de Direito. Já por Buenos Aires e Londres,
em 1868, transfere-se para São Paulo, para concluir o onde escreve as famosas Cartas da Inglaterra para o
curso. Ingressa no Ateneu Paulistano, instituição aca- Jornal do Commercio. Retornou do exílio em 1895 e se
dêmica de incentivo à arte, sob a direção de Joaquim instalou no Rio de Janeiro. No conflito de limites en-
Nabuco. Estréia nesse mesmo ano como jornalista, es- tre Brasil e Bolívia conhecido como Questão do Acre,
crevendo em A Independência, jornal de letras e política. em 1903, foi designado representante plenipotenciá-
Cria o jornal Radical paulistano onde escreve seu primei- rio da delegação brasileira. Em 1907 Rui é nomeado
ro artigo abolicionista, em 1869. Entra para o Partido embaixador extraordinário para a 2a. Conferência de
Liberal em 1871, iniciando a carreira de advogado. Em Paz, em Haia, a maior assembléia diplomática inter-
1889 assume o cargo de redator-chefe do Diário de nacional até então realizada. Foi eleito juiz da Corte
Notícias, onde dá início à sua fase jornalística mais Internacional de Justiça em 1921.
brilhante, com artigos pedindo a reforma da monar- Morre em Petrópolis no dia 1 de março de 1923.

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rancis c o José de Oliveira Vianna larga escala. Mas onde se encontram as maiores polê-
foi o ensaísta social politicamente mais influen- micas é em seus estudos sobre raça. O ensaísta acredi-
te da primeira metade do século 20. Ao lançar tava que os não-brancos só teriam ascensão social se
Populações meridionais do Brasil, em 1920, conquistou depurados em vários cruzamentos com os brancos.
prestígio inegável, tornando-se um dos líderes inte- Assim, para se alcançarem níveis mais elevados de ci-
lectuais de uma geração, mérito só ofuscado com o lan- vilização, seria necessário branquear os negros. Para o
çamento de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, cientista político Wanderley Guilherme dos Santos,
na década de 30. Nascido em Saquarema (RJ), em 20 Vianna é o representante típico do autoritarismo instru-
de junho de 1883, foi historia- mental. Isto porque a análise que
dor, sociólogo e bacharel em faz da sociedade brasileira visa
Direito. De matriz conservado- a demonstração dos obstáculos
ra, seu pensamento foi instru- encontrados ao longo da histó-
mental para o advento do Es- OLIVEIRA ria para a instauração da ordem
tado Novo, período autoritário liberal no Brasil. Logo em segui-
do Governo Vargas (1937-1945). VIANNA da, surge a obra de Freyre que,
Formou-se em Direito em 1905. contrariamente, irá sugerir que
Nessa época colabora ativa- 1883-1951 vivemos em uma democracia ra-
mente em vários jornais e quase cial. Para uma abordagem res-
não exerce o papel de advogado. ponsável da obra de Oliveira
Depois da Revolução de 1930, Vianna, vale destacar que entre
Oliveira Vianna tornou-se con- os anos 20 e 30 do século passa-
sultor da Justiça do Trabalho. Em Instituições Políticas Bra- do, idéias autoritárias atingiam seu auge por todo lu-
sileiras, Vianna irá indicar a via autoritária tanto como gar, em função dos dilemas ensejados pela transição de
solução de todos os males acumulados desde a coloni- uma sociedade agrária para outra urbano-industrial e
zação, como também como sendo capaz de preservar pelos dilemas da construção do Estado-Nação. Há afi-
os aspectos positivos e abrandar os efeitos inevitáveis nidades e divergências nos pensamentos de Oliveira
gerados pela modernização. Ao buscar as raízes de um Vianna e Sérgio Buarque de Hollanda. Se a análise da-
suposto comportamento não solidário dos brasileiros, quele está voltada para a manutenção de um mundo
Vianna acreditava que a culpa residia na colonização. ibérico idealizado, a de Sérgio Buarque revela as mes-
Por ter se processado com base na grande propriedade mas raízes ibéricas, mas para destacar como a socieda-
(sesmaria) e na predominância do grande domínio ru- de patriarcal está sendo cindida naquele momento his-
ral, gerava a ausência de uma tradição associativa em tórico. Oliveira Vianna morreu em 1951.

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rofessor, educador, crítico, ensaís- tratando da arquitetura colonial e da Educação Pública
ta e sociólogo, Fernando de Azevedo nasceu em em São Paulo. Uma das mais importantes iniciativas
2 de abril de 1894, em São Gonçalo do Sapucaí editoriais da década de 30 esteve sob sua responsabili-
(MG). Importante incentivador do movimento da dade. Fernando foi, em 1931, o organizador e diretor
Escola Nova, iniciativa educacional que defendia uma da Biblioteca Pedagógica Brasileira, da qual faziam
escola igualitária na década de 30, Fernando ajudou o parte a série Iniciação Científica e a coleção Brasiliana, a
país a formular um projeto para a universidade brasi- mais vasta e rica reunião de estudos nacionais. Era a
leira. Graduado em Direito, lecionou sociologia edu- época do lançamento em profusão de títulos que bus-
cacional entre 1938 e 1941 na cavam compreender o Brasil.
Faculdade de Filosofia, Ciências Em dez anos de existência, a
e Letras da Universidade de São Brasiliana teve cerca de 200 li-
Paulo. Entre 1926 e 1930, exer- vros publicados. Fernando foi
ceu o cargo de diretor geral da
FERNANDO um dos planejadores da Uni-
Instrução Pública do Distrito - DE - versidade de São Paulo e pri-
Federal, então Rio de Janeiro, meiro ocupante da cadeira de
promovendo uma das mais ra-
AZEVEDO Sociologia naquela universida-
dicais reformas educacionais do de. Entre suas obras mais im-
país. Foi o redator e o primeiro 1894-1974 portantes destacam-se Da educa-
signatário do Manifesto dos Pio- ção física (1920), Novos caminhos e
neiros da Educação Nova, em novos fins (1934), Sociologia educa-
1932, onde foram lançadas as ba- cional (1940) e A cultura brasileira
ses e diretrizes de uma nova política de educação.Tal (1943). O sociólogo também foi presidente da So-
movimento, que propunha a laicidade do ensino, não ciedade Brasileira de Sociologia, desde sua fundação
agradou a Igreja, que nunca admitiu que fosse permitido (1935) até 1960. Foi eleito, no Congresso Mundial de
aos professores ofender, de qualquer modo, os sentimentos religiosos Zurique (1950), vice-presidente da Associação Socio-
dos alunos. Em ambos os lados dessa disputa, perfila- lógica Internacional (1950-53), tendo assumido, com
ram-se os mais respeitados intelectuais da época, co- os outros dois vice-presidentes, a sua direção, por
mo Jackson Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima e causa da morte do então presidente Louis Wirth, da
Anísio Teixeira. Em 1933, o sociólogo assumiu a dire- Universidade de Chicago. Foi condecorado com a Le-
ção da Instrução Pública em São Paulo. Foi redator e gião de Honra Francesa, em 1943. Em 1971, ganhou o
crítico literário de O Estado de S. Paulo (1923-26), jornal Prêmio Moinho Santista de Ciências Sociais. Morreu
onde organizou e dirigiu, em 1926, dois inquéritos, em São Paulo, em 1974.

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um tempo em que se fala tanto vernador Pedro Ernesto Batista. No posto que ocupa-
da educação para solução dos males do país, rá até 1935, inúmeras realizações. Concebe e implanta
convém lembrar o nome de Anísio Spínola uma rede municipal de ensino que vai da escola primá-
Teixeira, um dos maiores expoentes do pensamento ria à universidade; transforma a antiga Escola Normal
educacional brasileiro e defensor intransigente da es- nos Institutos de Educação e promove a ampliação do
cola laica e pública. Anísio nasceu em Caitité, no dia 12 número de matrículas. É responsável também pela
de julho de 1900. Tendo cursado, em sua terra natal, criação da Universidade do Distrito Federal. Junta-se a
colégios católicos, aproximou-se dos jesuítas com intelectuais e educadores para promover os princípios
quem décadas mais tarde iria se constantes do Manifesto dos
confrontar em acirradas polê- Pioneiros da Educação Nova,
micas na defesa da laicidade do lançados em 1932. Entre eles,
ensino. Visando completar es- destacavam-se a defesa da laici-
tudos superiores, segue para o
Rio de Janeiro, antiga capital fe-
ANÍSIO dade, a nacionalização do ensino,
a organização da educação po-
deral, onde se forma em Direito. TEIXEIRA pular, urbana e rural, a reestru-
Em 1924, assume, após alguma turação do ensino secundário
relutância, o cargo de Diretor
Geral de Instrução da Bahia, a
1900-1971 e técnico e a criação de univer-
sidades. Pela primeira vez, o
convite do governador Góis Brasil possui diretrizes para um
Calmon. Em 1927, dirige-se aos programa geral de educação. A
Estados Unidos, onde trava co- Escola Parque, por ele criada na
nhecimento com a obra do filósofo pragmatista John Bahia em 1950, transforma-se em modelo internacio-
Dewey, que terá forte influência em suas idéias futuras nal, com sua ênfase na educação integral, na segurança
sobre a educação. Cursa o mestrado do Teacher’s alimentar e na prática de atividades artísticas e despor-
College, da Universidade de Columbia entre 1928 e tivas. Juntamente com Darcy Ribeiro, idealiza a
1929. Ao voltar para a Bahia, encontra, no posto de go- Universidade de Brasília, criada em 1961. Teve partici-
vernador, Vital Henrique Batista Soares. Constata que pação fundamental na elaboração e aprovação da Lei
não poderá dar continuidade a suas idéias arrojadas e de Diretrizes e Bases de 1961, que definia os rumos da
renuncia ao cargo de Inspetor Geral da Instrução. educação. O golpe militar de 64 o afasta do cargo de
Com a morte de seu pai, resolve voltar para o Rio de reitor da UnB. Desencantado, despede-se da educação
Janeiro, assumindo, em 1931, a posição de Diretor da em 1967. Morre tragicamente em 1971, ao cair em um
Instrução Pública do Distrito Federal, a convite do go- poço de elevador, no Rio de Janeiro.

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p e s a r de d i v i d i r o p i n i õ e s s o - elemento básico da conquista do trópico. Profes-
bre o valor de sua obra, Gilberto de Melo sor de sociologia da Escola Normal de Pernam-
Freyre desponta como um dos maiores no- buco, entre 1928 e 1930 foi para a Universidade de
mes das ciências sociais brasileiras. Ainda que alguns Stanford (EUA), como professor-visitante. Seus con-
critiquem sua fixação intensa em temas da sexuali- tatos com o antropólogo Franz Boas deram um iné-
dade e outros o condenem por apresentar uma visão dito sabor culturalista a Casa Grande e Senzala. Há
muito plácida da realidade brasileira, não se pode quem veja em Casa Grande e Senzala o germe precursor
negar que Gilberto Freyre abriu caminhos com seu do que se convencionaria chamar posteriormente de
trabalho para inúmeros estu- “história das mentalidades”. Darcy
dos em antropologia cultural, Ribeiro acreditava que nenhu-
que depois se tornaram canô- ma outra língua contasse com
nicos. Pesquisas sobre a condi- trabalho tão minucioso, tão
ção da mulher, sobre as mino- GILBERTO farto de informações.
rias sexuais e sobre o espaço Nascido em 1900, em Re-
doméstico tiveram nele um pio- FREYRE cife, Gilberto Freyre graduou-
neiro. Casa Grande e Senzala, sua se em Ciências Políticas e
obra-prima, lançada em 1933,
representa um divisor de águas
1900-1987 Sociais pela Universidade de
Baylor, Texas, e defendeu sua
na literatura antropológica bra- tese de mestrado em 1922, na
sileira, com as novidades que Universidade de Columbia. A
introduz no que se refere a con- escravidão já era ali seu tema de
ceitos e qualidade literária. O escritor Jorge Amado escolha. Em 1935, assume a cadeira de Sociologia
destacou que, antes de Gilberto Freyre, “livro de estudo na Faculdade de Direito de Recife. Inaugurou, nesse
no Brasil era sinônimo de livro chato, mal escrito, retórico, pernósti- mesmo ano, as cátedras de sociologia, antropologia
co, ilegível”. O antropólogo há muito perseguia a so- social e cultural e pesquisa social na Universidade do
lução de um enigma: o que era ser brasileiro? A idéia Distrito Federal (RJ). Em 1946 foi eleito deputado
de que a sociedade brasileira resulta da fusão harmo- federal (UDN) para a Constituinte. Em 1949 é cria-
niosa de três raças é, de algum modo, tributária de da a Fundação Joaquim Nabuco, com sede em Re-
Casa Grande e Senzala, ao menos na opção pelo consen- cife, para marcar com grandeza o centenário de nas-
so em lugar do conflito como chave analítica deste cimento deste abolicionista. Quatro meses antes de
autor. Gilberto Freyre rompe com as ideologias ra- morrer, instituiu, em 11 de março de 1987, a Funda-
cistas vigentes à época e canta a miscigenação como ção Gilberto Freyre.

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n t r e o v e r s o e o e n g a j a m e n t o, e desafetos. Ao lado do marido, o pintor português
Cecília Meireles fez de sua obra legado para a Fernando Correia Dias, inaugura no Rio de Janeiro,
educação e para as letras, afirmando-se como em 1934, a primeira biblioteca infantil especializada
uma das maiores vozes poéticas da língua portuguesa. no país. Ainda no início da década de 30, inicia um
Nascida no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, em produtivo período de conferências no exterior, apre-
1901, Cecília Benevides de Carvalho Meireles teve uma sentando na Europa e nos Estados Unidos, as diversas
infância trágica, marcada pela morte prematura de seus faces da cultura brasileira. De volta ao país, em 1935,
pais. Ela mesma narraria mais tarde: “Nasci aqui mesmo no enfrenta mais um momento trágico, o suicídio de seu
Rio de Janeiro, três meses depois da mor- marido. Retorna ao magistério,
te de meu pai, e perdi minha mãe antes lecionando na Universidade do
dos três anos.” Criada pela avó ma- Distrito Federal (atual UFRJ),
terna, se torna professora primá- e à atividade jornalística, escre-
ria em 1917, atividade a que se CECÍLIA vendo sobre folclore no jornal
dedica durante longo período. A A Manhã e crônicas para o Cor-
estréia literária acontece aos 18 MEIRELES reio Paulista. Em 1939, recebe da
anos com o livro de poemas Academia Brasileira de Letras
Espectros, o primeiro de uma obra (ABL) o Prêmio de Poesia
que tem como marcas o virtuo- 1901-1964 Olavo Bilac, pelo livro Viagem.
sismo da forma, a intimidade, a Em sua vasta produção literária
intuição. Artista de seu tempo, destacam-se títulos como Bala-
flerta com a revolução estética das para El-Rei (1924), Mar absolu-
do movimento modernista brasileiro, inaugurado em to (1945), Romanceiro da inconfidência (1953), além de im-
1922, e se torna figura ativa da cena cultural brasileira, portantes obras sobre literatura infantil, educação,
encontrando no país, no seu folclore, na sua gente e nas folclore e ainda traduções.
suas paisagens, material para sua criação. Em 1951 aposenta-se como diretora de escola, mas
A partir de 1925, dedica ainda maior entusiasmo à continua atuante, escrevendo e ainda produzindo e
vocação de educadora. Encampa uma luta em prol da editando programas para rádio. Morre em 1964, na
renovação do sistema educacional vigente. Entre 1930 cidade onde nasceu. Tendo sempre o verso como es-
e 1933 tem como arma a página de Educação que diri- pelho interior, Cecília Meireles manteve a liberdade
ge no jornal carioca Diários de Notícia, onde deixa evi- como condição permanente de sua criação: “…Liber-
dente sua postura política democrata e seu espírito dade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há nin-
contestador. Coleciona, durante esses anos, inimigos guém que explique e ninguém que não entenda”.

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ara o crític o literário Antonio político e econômico em uma época já movimentada
Candido, Raízes do Brasil, livro que marca a es- pela industrialização crescente, estimulava a juventu-
tréia de Sérgio Buarque de Hollanda como his- de da época a se indagar sobre o país. Quando a revo-
toriador, é uma das três obras fundamentais para se lução eclode, Hollanda está na Alemanha, a serviço
compreender a realidade brasileira. Com esta espécie dos Diários Associados. Travou contato com a historio-
de psicologia do povo brasileiro, lançada em 1936, grafia alemã e desembarcou no Brasil em 1931 com
Hollanda se inscreve na cena cultural brasileira como cerca de 400 páginas de anotações do que se conver-
um dos maiores intérpretes do país. Juntamente com teria mais tarde em Raízes do Brasil. É nesse livro que se
Casa grande e senzala, de Gilberto plasma a idéia do brasileiro co-
Freyre, e Formação do Brasil contem- mo homem cordial. A segunda edi-
porâneo, de Caio Prado Júnior, ção do livro, publicada em 1947,
Raízes do Brasil foi um livro ins-
trumental para a construção de
SÉRGIO sofreu alterações substanciais.
No ano em que lançou sua obra
uma imagem renovada do país BUARQUE capital, tornou-se professor de
e para a produção de uma ma- - DE - história do Brasil na Univer-
triz sobre a qual intelectuais sidade do Distrito Federal. En-
das gerações futuras puderam
HOLLANDA tre 1937 e 1944, foi chefe da se-
se debruçar para, sem escrúpu- ção de publicações do Instituto
los para com o passado, produ-
1902-1982 Nacional do Livro e diretor de
zir um retrato sem retoques do divisão da Biblioteca Nacional,
que faz do Brasil, Brasil. Nas- cargo que conservará até 1946.
cido em São Paulo, em 1902, Hollanda foi jornalista, Publicou a revista Estética, com Prudente de Morais
sociólogo e historiador, tendo se formado em Direito Neto e Afonso Arinos. Também foi presidente da
no Rio de Janeiro, na então Universidade do Brasil. Associação Brasileira de Escritores, órgão que tanto
Pela erudição, ganhou do poeta Manuel Bandeira o lutava pelos direitos autorais dos autores como pela
apelido de chato-boy. Aos 17 anos, era profundo conhe- volta das liberdades democráticas.
cedor de literatura e publicava críticas no Correio Nos anos 60, assume outro importante papel: o de
Paulistano. Seu primeiro emprego foi na agência fran- pai do compositor Chico Buarque de Hollanda. Gos-
cesa de notícias Havas, onde traduzia telexes do mun- tava de mencionar este fato quando era apresentado a
do inteiro, com os conhecimentos de inglês, alemão, alguém. Viveu com sua mulher, Maria Amélia, por qua-
espanhol e francês que adquirira sozinho. A Revo- se 46 anos, com quem criou sete filhos.
lução de 30, com a conseqüente mudança do regime Morreu em São Paulo, em 1982.

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I
ntelectual engajad o na c onstru- Em 1947, com a redemocratização do país e a ex-
ção do socialismo por meio de uma revolução na- pansão político-eleitoral do PCB, elegeu-se deputa-
cional e democrática, o historiador Caio Prado do estadual em São Paulo, sendo cassado no ano se-
Júnior elaborou uma complexa análise do processo guinte. Viveu a partir daí uma fase de grande
histórico brasileiro, interpretando as especificidades produção intelectual. Entre outros marcos da histo-
da nossa formação social, sobretudo do nosso passado riografia brasileira, publicou Evolução Política do Brasil
escravista e colonial. Pregou de maneira enfática a (1933), uma síntese da história brasileira da colônia
reestruturação da economia e da política do país — ao fim do Império, tendo por base o materialismo
um “socialismo de reformas capitalis- dialético; Formação do Brasil Con-
tas”. Comunista convicto, man- temporâneo (1942); História Eco-
teve sempre uma relação tensa nômica do Brasil (1945); e A Revo-
com seu partido, interpelando-
o constantemente, apesar dos
objetivos comuns.
CAIO lução Brasileira (1966). Foi, ainda,
um dos fundadores da Editora
Brasiliense, em 1943.
Caio Prado Júnior nasceu em PRADO JR. Caio Prado Jr. revolucionou
São Paulo. Bacharel pela Facul- a interpretação da formação e
dade de Direito de São Paulo, da evolução do Brasil, do regi-
em 1928, ingressou naquele mes- 1907-1990 me colonial escravocrata à con-
mo ano na vida política, filian- temporaneidade. Preocupava-
do-se ao Partido Democrático. se em cobrir as lacunas da
Participou na Revolução de História descritiva e corrigir as
1930 e foi um dos delegados revolucionários no inte- armadilhas das obras de síntese histórica que então
rior do estado de São Paulo. Em 1931, filiou-se ao prevaleciam. Como marxista, pretendia forjar uma
Partido Comunista Brasileiro, então Partido obra-mestra que servisse de fundamento para que as
Comunista do Brasil (PCB). Considerava a Revo- correntes socialistas e democráticas pudessem formu-
lução Constitucionalista paulista de 1932 um retorno lar uma representação sólida das debilidades, do tra-
ao antigo regime. Foi vice-presidente da Aliança jeto e dos objetivos específicos da revolução brasilei-
Nacional Libertadora (ANL), frente política de com- ra. Com o AI-5, Caio Prado Jr. foi aposentado do título
bate ao fascismo e ao imperialismo. Após o fracasso de livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
do levante promovido por setores da ANL em Natal, Morreu em São Paulo em 1990. Em um momento de
Recife e Rio de Janeiro, em 1935, esteve preso por dois dilemas para a esquerda do Brasil e do mundo, seu
anos. Exilado em 1937, regressou ao país em 1939. pensamento impõe uma atualidade inconteste.

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S
uperação é a palavra que melhor lhe reservará grandes surpresas. Irá casar-se com
define o brasileiro Florestan Fernandes. O Myriam, que lhe dará seis filhos, e será convidado
trabalho, desde os seis anos de idade, como para um posto de assistente do professor Fernando
engraxate, auxiliar de marceneiro, auxiliar de bar- de Azevedo — um dos pais da reforma educacional
beiro, alfaiate e balconista de bar, fez este sociólogo do país, juntamente com Anísio Teixeira — na cá-
conhecer precocemente, em suas próprias pala- tedra de Sociologia 2.
vras, “a convivência humana e a sociedade”. Um mergu- Após concluir o doutorado, Florestan assume o
lho mais radical na investigação informal da con- cargo de livre docente na cátedra de Sociologia. Na
dição humana se deu quando, década de 50, irá se engajar na
aos nove anos, teve de parar de defesa da escola pública e em
estudar para trabalhar em tem- outros movimentos sociais de
po integral. Iria completar o esquerda, que o levarão à pri-
ginásio aos 17 anos, em um são em 1964, ano do golpe mi-
F L OR E S TA N
bom e velho curso supletivo; litar. Dedica-se a demolir o
dica preciosa de alguns intelec- FERNANDES mito da democracia racial bra-
tuais, seus fregueses no bar sileira em pesquisa realizada
Bidu, em São Paulo, quando 1920-1995 em parceria com o etnólogo
era garçom. Filho de pai desco- Roger Bastide, nos anos 50,
nhecido e de Maria Fernandes, quando também denunciará
lavadeira e imigrante portu- os limites da democracia re-
guesa, Florestan conheceu a presentativa. Embarca para o
fome, ao viver como uma criança miserável. Escolado, exílio no Canadá em 1969, com base no Ato Ins-
precoce e involuntariamente, nos movimentos do titucional no. 5 e retorna ao Brasil em 1972, tendo o
mundo, aos 18 anos Florestan é propagandista de desgosto de não ser convidado para voltar a lecionar
uma indústria farmacêutica quando ingressa na na USP. Foi professor das universidades de
Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Columbia e Yale, nos Estados Unidos, até se tornar
São Paulo. Como miséria não é destino, forma-se professor titular na Pontifícia Universidade Cató-
em 1943 e se torna o fundador da sociologia críti- lica de São Paulo, em 1978. Definindo-se como ra-
ca no país e o introdutor da análise marxista, que dical, assume a posição de sociólogo militante, sem
observa a sociedade a partir de sua divisão em clas- descurar do rigor acadêmico, na década de 70.
ses sociais. Florestan admitia ter uma biografia atí- Florestan faleceu em 10 de agosto de 1995, vítima
pica, quando vista em conjunto. Mas o ano de 1944 de embolia gasosa, após um transplante de fígado.

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u a n d o s e p e n s ava e m a l f a b e - manipulação do conhecimento e da contradição


tização de adultos no Brasil, costumava-se opressores-oprimidos. “No pensamento freiriano, ao se es-
acreditar que era suficiente transpor os tabelecer um diálogo, busca-se que o homem pronuncie sua pala-
métodos empregados para educar crianças vra, e este pronunciar sua palavra significa começar a transfor-
ao ensino dos mais velhos. Paulo Freire acabou com mar o mundo”, afirma Carlos Alberto Torres Novoa.
esta concepção, ao desenvolver métodos onde adultos Ou, nas palavras do próprio educador, “O mundo não
eram alfabetizados ao mesmo tempo em que toma- é; o mundo está sendo”. Professor da Universidade de
vam consciência de sua condição de oprimidos. Paulo Harvard em 1969, Paulo Freire juntou-se a vários
sabia do interesse de muitos grupos envolvidos na educação
trabalhadores em questões polí- rural, oferecendo consultoria
ticas, quando relacionavam suas educacional a vários países,
necessidades diretas com o que principalmente africanos.
era apresentado na mídia. Esta
foi a pista para usar palavras e
PAU L O Com a Anistia, retorna ao
Brasil em 1980, após 16 anos
objetos que se aproximavam da
realidade do analfabeto, no
FREIRE de exílio. Lecionou na PUC -
São Paulo e na UNICAMP.
processo de alfabetização. Foi a Em 1989, na gestão de Luiza
chave para a libertação que só a
1921-1997 Erundina, em São Paulo, as-
educação digna deste nome po- sume o cargo de Secretário
de promover. Nascido em 19 de Municipal de Educação. Foi
setembro de 1921, em Recife, doutor honoris causa por 27 uni-
Paulo Reglus Neves Freire foi educador, professor versidades e ganhou inúmeros prêmios, entre os
de escola e criador de métodos que despertaram a ira quais se destaca o Prêmio Andres Bello da Organização
dos militares por serem práticas subversivas, razão pela dos Estados Americanos, como Educador do
qual foi um dos primeiros brasileiros exilados, após Continente (1992).
uma reclusão de 72 dias, em 1964, ano do golpe mi- Como bom brasileiro, Paulo Freire conhecia de
litar. Foi para o Chile, onde encontrou campo fértil perto o valor pedagógico das dificuldades. Tanto é
para a promoção de suas idéias. Lá trabalhou como que assim se pronunciou, em conversa com Frei
alfabetizador de adultos no Instituto Chileno para a Betto: “Para mim, o exílio foi profundamente pedagógico.
Reforma Agrária. Motivado, escreveu Pedagogia do Quando, exilado, tomei distância do Brasil, comecei a com-
oprimido, sua obra mais importante. Nela, trata das preender-me e a comprendê-lo melhor”. Paulo Freire mor-
condições de alienação humana, dos mecanismos de reu em 2 de maio de 1997, de infarto.

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A
pers onalidade caleid os cópica disposto a traçar ali o roteiro dos melhores anos de
e exuberante de Darcy Ribeiro sempre desa- sua vida. Como etnólogo, trabalhou no Serviço de
fiou definições cômodas, como aquelas en- Proteção ao Índio (SPI) onde conheceu o Marechal
contradas em sisudos verbetes enciclopédicos. An- Cândido Mariano da Silva Rondon. A convite deste,
tropólogo, educador, político e escritor, Darcy foi um chefiou a Seção de Estudos do SPI, imprimindo a
visionário que se fez monumento diante de si e, adi- marca de sua criatividade na gestão. O Museu do
cionalmente, diante dos outros. Como poucos intelec- Índio no Rio de Janeiro, de 1952, é criação e projeto
tuais, soube conciliar a contemplação das belas teorias seu. Darcy também participou, juntamente com ou-
com ação direta em prol dos me- tros especialistas, da criação do
nos favorecidos. Se os jovens de Parque Nacional do Xingu. Sua
hoje tivessem a oportunidade de vocação idealista muitas vezes
conhecê-lo, talvez mudassem esbarrava no imobilismo dos
seus conceitos sobre a suposta
chatice da vida intelectual. Darcy
DARCY burocratas. Razão pela qual se
orgulhava de colecionar derro-
era um pensador inquieto. E o RIBEIRO tas. “Somei mais fracassos do que vitó-
seu Brasil era épico. Caberia tal- rias em minhas lutas”, afirmou cer-
vez somente num roteiro cine- ta vez. “Mas horrível seria ter ficado
matográfico apoteótico de outro
1922-1997 ao lado dos que venceram essas bata-
brasileiro genial: Glauber Rocha. lhas”, acrescentou. Prolongamen-
Nascido em Montes Claros to natural de sua carreira de
(MG), em 26 de janeiro de 1922, cientista social preocupado com
Darcy, à semelhança de seu amigo Anísio Teixeira, por os rumos do País, foi sua vocação de educador. Como
algum inexplicável mecanismo, sentiu na infância Secretário Estadual de Educação no governo Brizola
uma forte atração pela vida religiosa. Mais tarde, reviu (RJ), Darcy foi o criador dos Centros Integrados de
suas posições a este respeito e se dedicou, como leigo, Educação Pública (CIEP). Décadas após criar a UnB,
a salvar os índios — “Não tê-los salvos, é o que mais me dói”, concebeu a Universidade Estadual do Norte Flumi-
disse certa vez —, escolarizar os jovens e construir nense, em Campos (RJ). Em 1974, os militares que
universidades, como a de Brasília (UnB), da qual foi governavam o país autorizaram sua volta do exílio.
um dos mentores no governo João Goulart. Seu saber Calculavam que o seu câncer iria consumi-lo em pou-
era poético e não bancário, expressão tão a gosto do co tempo, segundo Darcy. Morreu lutando brasileira-
educador Paulo Freire. Para entender o Brasil e sua mente contra a doença, com direito a fugas marotas do
formação, foi viver com os índios durante 10 anos, hospital, em fevereiro de 1997.

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N
eto de imigrante s italianos e ra o governo de uma minoria. Poucos dirigem, controlam e in-
natural de Vacaria (RS), Raymundo Faoro fundem seus padrões de conduta a muitos. (...) É a própria sobe-
nasceu em 27 de abril de 1925 e foi um ar- rania que se enquista, impenetrável e superior, numa camada
guto intérprete da natureza da formação social bra- restrita, ignorante do dogma do predomínio da maioria”.
sileira. Advogado, jurista, historiador e sociólogo, Alguns críticos viram nessa obra a descrição de uma
notabilizou-se com a publicação de Os donos do poder: realidade amarga e sufocante, mas não puderam
formação do patronato político brasileiro, em 1958. Este li- deixar de reconhecer a perspicácia de visão de seu
vro seria bastante ampliado pelo autor em 1975. autor. Segundo o cientista político Paulo Bahia, “A
Nele, o jurista partilha com o pretensão de Raymundo Faoro de em-
leitor uma história de seis sé- preender uma incursão de longo al-
culos que começa com a re- cance às origens das elites brasileiras
configuração monárquica do como formadoras de um patronato po-
Estado Português e vai até o RAYMUNDO lítico reproduz, guardadas as devidas
Estado Novo de Getúlio Var- contextualizações, a aventura de Max
gas. Sua tese principal é a de
que o Brasil não possui Estado,
FAORO Weber em A ética protestante e o es-
pírito do capitalismo”. Mais tarde,
mas estamento. Toma tal con-
ceito de empréstimo do traba-
1925-2003 Faoro aplica os conceitos de-
senvolvidos em Os donos do poder
lho do sociólogo Max Weber. sobre a obra de um de nossos
Nele, estamentos seriam as maiores escritores: Machado de
três categorias centrais do feu- Assis — A pirâmide e o trapézio
dalismo: nobreza, clero e povo. Já a situação esta- (1975). Além de intelectual austero, Faoro foi gran-
mental definiria o desfrute de alguma posição espe- de combatente no front da democracia. Como presi-
cial de estima ou consideração social ainda que não dente da Ordem dos Advogados do Brasil entre
juridicamente reconhecida. Faoro acreditava que as 1977 e 1979, início da abertura democrática do país,
sociedades portuguesa e brasileira eram tradicional- condenou os desmandos dos militares e defendeu a
mente moldadas por um estamento patrimonialista necessidade do retorno ao Estado de Direito
e que tal situação permanecia imutável ao longo dos Democrático. Lutou pela volta do habeas-corpus e pe-
séculos. Assim, o Brasil seria uma Nação sem la revogação do Ato Institucional nº 5. Foi eleito
Estado, comandada por um patronato político que para a Academia Brasileira de Letras em 2000, ocu-
incluiria juristas, letrados e burocratas. Nas palavras pando a vaga do jornalista Barbosa Lima Sobrinho.
do autor, o estamento, “estado-maior de domínio, configu- Morreu em 2003.

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P
rofessor emérito da USP e um viagem deve ter desagradado os militares, pois logo
dos mais respeitados geógrafos do mundo, depois foi demitido do seu cargo na UFBA e preso
Milton de Almeida dos Santos, nasceu em no quartel de Cabula por 90 dias. A convite de co-
Brotas de Macaúba (BA), em 3 de maio de 1926. legas franceses, parte da Bahia em dezembro de
Aos 10 anos de idade seguiu para Salvador para es- 1964. Retorna em 1997 e tem dificuldades de ven-
tudar no Internato do Instituto Baiano de Ensino. cer resistências para ser acolhido na Universidade.
Durante o ginasial iniciou atividades de jornalismo, “A minha vida de todos os dias é uma vida de negro. No Bra-
idealizando e escrevendo jornais estudantis. For- sil, ela não é das mais confortáveis”, disse certa vez. Com
mou-se em Direito pela Uni- 13 títulos de doutor honoris causa
versidade Federal da Bahia em por respeitadas universidades,
1948, mas, entre 1956 e 1964, Milton é um escritor prolífico,
trabalhou como redator no com mais de 40 livros publi-
jornal A Tarde, o mais popular
e influente jornal baiano da
MILTON cados. Foi professor das uni-
versidades de Paris, Tolouse,
época. Desde os 15 anos de SANTOS Bordeaux, Toronto e da Tan-
idade dá aulas para colegas de zânia. Casou-se com Marie,
séries mais atrasadas. Trava
contato com a escola francesa
1926-2001 sua aluna na Sorbonne, com
quem teve dois filhos. Foi con-
de geografia em 1954, ao in- sultor da Organização Inter-
gressar como professor na Fa- nacional do Trabalho (OIT), da
culdade Católica de Filosofia, Organização dos Estados Ame-
em Salvador. Seu talento de intelectual de visão se ricanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas
manifesta inicialmente com a criação do La- para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO).
boratório de Geomorfologia e Estudos Regionais Milton Santos foi o único estudioso, fora do mun-
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em do anglo-saxão, a receber o que pode ser conside-
1958. Tal centro representou uma verdadeira revo- rado o Nobel da Geografia pelo conjunto de sua
lução nos estudos baianos de geografia, produzindo obra _ o prêmio Vautrin Lud _, em 1994. O geó-
importantes pesquisas sobre a cidade de Salvador. grafo acreditava no protagonismo dos pobres e an-
Nos anos 60, Milton flerta com a política ao se tor- tevia um mundo em que, dotados da sabedoria da
nar representante da Casa Civil de Jânio Quadros, escassez, eles seriam os agentes políticos da globa-
na Bahia, a quem conhecera como jornalista na co- lização. Morreu, vitimado por um câncer, em 24 de
bertura da visita do então presidente a Cuba. Tal junho de 2001.

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Pensadores

O
c tav io Ia n n i s e m p r e f e z d o destacar a função crítica da Sociologia. Homem de
trabalho intelectual matéria de importância convicções e posicionamentos sólidos, Octavio Ianni
revolucionária. Encontrou na Sociologia, defendeu a independência da atividade intelectual
área na qual atuou com contundência e paixão, cami- como a única forma de preservar seu potencial con-
nho para entender e, sobretudo, questionar o homem testador e transformador. Devotado à vida acadêmi-
e a sociedade brasileira. ca, foi proibido de lecionar na Universidade de São
Nascido na cidade de Itu, São Paulo, numa famí- Paulo (USP) pelo regime militar, encontrando na
lia de origem italiana, formou-se em Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
na Faculdade de Filosofia, Ciên- (PUC-SP) espaço para realizar
cias e Letras da Universidade a vocação. Também lecionou
de São Paulo, onde passou a em países como Estados Uni-
ocupar, pouco após a gradua-
ção, o corpo de assistentes na OCTAVIO dos, Espanha, Itália e México.
Na Universidade Estadual de
cadeira de Sociologia I, da qual Campinas (Unicamp) traba-
Florestan Fernandes era o titu-
lar. A matéria de sua extensa e
IANNI lhou incansavelmente, mesmo
depois da aposentadoria com-
expressiva obra nunca foi outra pulsória, inoculando em gera-
senão o próprio Brasil. Dedicou- 1926-2004 ções o pensamento que desafia
se a entender o passado do país, e constrói. A contribuição inte-
mantendo os olhos sempre lectual e acadêmica feita por
atentos às questões contempo- Ianni foi reconhecida por seu
râneas. Da escravidão aos efeitos colaterais do próprio mestre, Florestan Fernandes: “Encontrei vários
mundo globalizado, Ianni fez de suas reflexões ins- testemunhos por onde ele passou, como professor, deixando os sul-
trumentos seminais para a compreensão das pers- cos de uma pedagogia imaginativa e libertária”. Octavio Ianni
pectivas futuras da nação. As metamorfoses do escravo se manteve ativo, mesmo doente, até o fim da vida,
(1962) Industrialização e desenvolvimento social no Brasil recebendo em sua sala no Instituto de Filosofia e
(1963), Estado e capitalismo no Brasil (1965), O colapso do Ciências da Unicamp alunos e pesquisadores.
populismo no Brasil (1968), Imperialismo e cultura (1976), Morreu em abril de 2004, aos 77 anos. Entre as
Revolução e cultura (1983), A sociedade global (1992) e muitas lições deixadas, fica impressa de maneira defi-
Enigmas da modernidade (2000) são alguns dos trabalhos nitiva, em sua vida e obra, a do homem que nunca
publicados que compõem sua bela obra, diversificada dissociou da atividade de pensar o compromisso de
nos temas mas harmônica, convergindo sempre para elevar a condição humana.

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