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INTRODUÇÃO
* A primeira versão deste artigo, que resulta de pesquisa realizada com bolsa do Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi apresentada na
mesa-redonda “A Vida Cotidiana na Metrópole Contemporânea como um Problema da
Sociologia”, no 14o Congresso Brasileiro de Sociologia, da Sociedade Brasileira de Socio-
logia (SBS), Rio de Janeiro, 2009; a mesa foi coordenada por Fraya Frehse (USP) e contou,
ainda, com a participação de José de Souza Martins (USP) e José Machado Pais (Lisboa).
Gostaria de agradecer às pertinentes críticas dos pareceristas da revista DADOS, cujas
sugestões foram, praticamente todas, incorporadas ao texto.
DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 53, no 3, 2010, pp. 737 a 756.
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as práticas e sua lógica – de maneira que não tem, sem dúvida, equiva-
lente desde Marcel Mauss – eles os reduzem, enfim, a uma realidade
mística, o habitus, destinada a colocá-los sob a lei da reprodução”
(Certeau, 1994:127).
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Não sem razão, a base empírica para uma teoria do cotidiano em Certe-
au reside, sobretudo, no que ele denomina “caminhadas pela cidade”.
Como operações enunciadoras, “a caminhada afirma, lança suspeita,
arrisca, transgride, respeita [...]” (ibid.:179). Para Certeau, os passos
pela cidade são uma espécie de matéria-prima das táticas cotidianas,
mediante os quais as diferentes modalidades de ação entram em jogo:
“Caminhar é ter falta de lugar” (ibid.:183).
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Penso que essa aproximação acaba por revelar um duplo valor heurís-
tico para a compreensão da cultura urbana contemporânea: por permi-
tir apreender a fugacidade de certas ações cotidianas que, embora fu-
gazes, não deixam de compor as relações diárias nas grandes cidades; e
por possibilitar entender a dimensão demasiado conflituosa da vida
urbana contemporânea que, embora conflituosa, não faz morrer o es-
paço publico, mas o ressignifica à luz das diferentes práticas sociais.
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A análise desliza em toda parte sobre a incerteza que prolifera nos in-
terstícios do cálculo, visto que ela não está ligada à enganosa estatística
dos sinais objetivos (comportamentos, imagens etc.). Assim, maneiras
de utilizar o espaço fogem à planificação urbanística: capaz de criar
uma composição de lugares, de espaços ocupados e espaços vazios,
que permite ou impedem a circulação, o urbanista é incapaz de articu-
lar essa racionalidade do concreto com os sistemas culturais, múltiplos,
fluidos, que organizam a ocupação efetiva dos espaços internos [...] ou
externos [...] e que os debilitam com vias inumeráveis. (Certeau,
2001:233)
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ABSTRACT
Inversion in Everyday Life: Social Practices and Breaks in Contemporary
Urban Life
This article focuses on key approaches from social theory to analyze routine
everyday life in order to affirm that certain frequent breaks occurring in the
interstices of public life do not place the notion of daily existence at jeopardy –
although they challenge it; on the contrary, they guarantee certain dynamics
that are necessary for the social practices that spawn challenge and change.
With an emphasis on Michel de Certeau’s Theory of Practices, the article
discusses the practices that challenge the disciplinary spaces through either
daily tactics or counter-uses, with a view towards understanding the dynamic
processes of everyday life in contemporary urban culture.
RÉSUMÉ
L’Inversion du Quotidien: Pratiques Sociales et Ruptures dans la vie
Urbaine Contemporaine
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