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estratégias de ação
Bárbara de Souza Fontes 1
Resumo
Este artigo busca analisar a discussão sobre “identidade” presente na sociologia
contemporânea, tomando como parâmetro o livro The Dignity of Working Men:
Morality and the Bondaries of Race, Class and Immigration, de Michèle Lamont
(2000). Para isso, faz-se necessário uma incursão à análise sociológica da cultura
através da contextualização do tema da “identidade”, bem como de uma análise
das narrativas, das fronteiras e das estratégias de ação presentes na construção de
identidade dos indivíduos.
Abstract
This article aims to analyse the discussion about “identity” present in contemporary
Sociology, using as a parameter the book The Dignity of Working Men: Morality and
the Boundaries of Race, Culture and Immigration, from Michèle Lamont (2000). In
order to achieve this, an incursion into the sociological analysis of culture through
the contextualization of the term “identity” will be necessary, as well as an analysis
of the narratives, boundaries and strategies of action present in the social
construction of individual´s identity.
Graduada em Ciências Sociais pela UFRJ (2008). Atualmente sou mestranda do Programa
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Introdução
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A análise sociológica da cultura diferencia-se da “sociologia cultural”. Sobre esta última ver Lima Neto
(2007).
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As citações dos textos em língua inglesa são traduções livres feitas pela autora.
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Vale ressaltar o risco de Dumont, ao querer combater uma noção essencializada do indivíduo como
algo universal, de resvalar numa “essencialização” da categoria “pessoa” nessa tentativa de apreender
intelectualmente a ideologia do sistema de castas.
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No original: “narrativity”.
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penso que estou apenas tentando ensiná-los a ser, eu acho que nós
chamaríamos de um “bom americano”. Bons cidadãos, você sabe, e justos,
íntegros, moralmente, espiritualmente e fisicamente. E eles são! Os amigos
deles não são o tipo de pessoa da rua. Todos os amigos deles são como
garotos de colarinho branco (white-collar-type guys), você sabe, e esse tipo
de coisas. Então, eles não se associam com os maus elementos também (op.
cit.: 43).
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imputada de uma categoria social, como operário de fábrica, mas pelo lugar dos
atores em múltiplas narrativas, simbólicas e materiais, nas quais estão inseridos ou
com as quais se identificam, como a do American dream, tão recorrente nos
trabalhadores do livro de Lamont. Por conseguinte, as autoras argumentam que
devemos buscar as identidades desses trabalhadores nos seus conjuntos relacionais
ou, como diria Bourdieu, no habitus.
Desta maneira, pessoas com atributos similares, como os trabalhadores
analisados por Lamont, nem sempre compartilham experiências de vida social. Isto
só acontece caso compartilhem identidades narrativas e conjuntos de relações
similares, de acordo com Somers e Gibson. Tais representações, por sua vez,
conduzem a determinadas estratégias de ação e ao estabelecimento de fronteiras
entre “dentro do grupo” e “fora do grupo”, como veremos a seguir.
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Nós temos que ser honestos. O problema é que eles não têm a mesma
educação, os mesmos valores que nós temos... A maioria dos franceses não
acredita em deus, mas todos têm uma educação cristã que regula nossos
relacionamentos. Mas o Alcorão não tem os mesmos valores. Eles enviam
crianças para serem mortas em campos minados no Iraque. Na França, se
você matar uma criança, isso realmente é um escândalo. Mas naqueles
países, as coisas sociais não são tão importantes. A mãe é feliz em enviar
seu filho para ser morto nos campos minados. Ela vai chorar, é verdade, ela
vai ter a mesma dor que uma mãe europeia, mas não é a mesma coisa... E
existe também o respeito dos próprios valores da vida. As mulheres no
mundo muçulmano não têm lugar. Ao passo que aqui na França eu lavo
louças... Em um momento minha mulher teve depressão, e eu fiquei com
meus filhos... (Lamont, 2000:179).
Swidler (1996) argumenta então que a ação é integrada ao que ela chama
de “estratégias de ação”, ou seja, formas gerais de organizar a ação que permitem
alcançar diferentes objetivos na vida. Ao mesmo tempo em que incorporam, essas
estratégias dependem de hábitos, maneiras, sensibilidades e visões de mundo. 6
Nesse sentido, as pessoas constroem linhas de ação a partir de ligações pré-
fabricadas. No entanto, esses “guias” para a ação não são unificados e
consistentes, mas estariam mais próximos de um “repertório” ou “kit de
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Como Swidler sugere no texto, conferir Geertz (1973) sobre “ethos” e “visão de mundo”.
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O artigo “Ritual and Social Change: a example Javanese”, de Geertz (1973), é especialmente sugestivo
sobre o papel da ideologia e da tradição em períodos de mudança social.
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que os valores tenham influência determinante sobre a ação, justamente por não
estarem ainda estabelecidos. Já nos períodos estáveis da vida social, os valores
desempenham um papel significante. Isto porque constituem importantes
equipamentos culturais para o estabelecimento de estratégias de ação. Devemos
reconhecer, com isto, que os valores não formam a ação por definirem seus fins,
mas antes ajustam com precisão a regulação da ação segundo formas
estabelecidas de vida (op. cit.:282).
Assim, pensar a cultura como um “kit de ferramentas” que influencia as
estratégias de ação desenvolvidas pelos atores sociais implica refletir sobre
experiências simbólicas, motivações, modos de regular a conduta e maneiras de
formar laços sociais que caracterizam, e dão identidade, aos indivíduos e aos
grupos. Entretanto, essa construção da identidade através de tais estratégias de
ação também se dá pela diferença, como é o caso do estabelecimento de fronteiras
enquanto recursos simbólicos para criar, manter, contestar ou mesmo dissolver
diferenças sociais institucionalizadas (Lamont & Molnár, 2002:168).
Nesse sentido, conforme assinalam Lamont e Molnár (2002) no artigo “The
study of Boundaries in Social Science”, os sociólogos que trabalham com a
dimensão da cultura centram sua atenção em como as fronteiras são formadas pelo
contexto e, particularmente, por repertórios culturais, tradições e narrativas a que
os indivíduos têm acesso. Sugerem assim que devemos apreender como
concepções de autovaloração e fronteiras de grupos são formadas por definições
institucionalizadas de pertencimento cultural. Por conseguinte, através do
estabelecimento de similaridades e diferenças, os grupos se definem enquanto tais.
As autoras chamam a atenção para dois tipos de fronteiras no
estabelecimento de diferenças sociais. As chamadas “fronteiras simbólicas”
constituem distinções conceituais feitas pelos atores sociais para categorizar
objetos, pessoas, práticas e até mesmo o tempo e o espaço. Permitem-nos captar
as dimensões dinâmicas das relações sociais. Além disso, separam pessoas dentro
dos grupos e permitem gerar sentimentos de similaridade e pertencimento de
grupo. Já as “fronteiras sociais” referem-se a formas concretas de diferenças sociais
manifestadas em um acesso desigual para uma distribuição também desigual de
recursos e oportunidades sociais. Estes dois tipos de fronteiras são igualmente
reais. Enquanto as primeiras existem no nível intersubjetivo, as últimas se
manifestam enquanto grupos de indivíduos. As fronteiras simbólicas podem ser
pensadas, deste modo, como uma condição necessária, mas não suficiente para a
existência de fronteiras sociais (Lamont & Molnár, 2002:168, 169).
Desta forma, nas palavras das autoras: “A teoria da identidade social tem se
preocupado particularmente com a permeabilidade do que chamamos fronteiras
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Considerações finais
No livro The Dignity of Working Men: Morality and the Bondaries of Race,
Class and Immigration, Lamont (2000) explica os padrões de fronteiras em relação
a negros, imigrantes, classe alta e classe baixa nos Estados Unidos e na França,
através dos repertórios culturais disponíveis e das condições estruturais nas quais
os trabalhadores vivem. Esses padrões de fronteiras funcionam, segundo a autora,
como “estruturas culturais”, ou seja, “repertórios culturais institucionalizados ou
sistemas de categorização publicamente disponíveis” (op. cit.:243). Isto permite
explicar tanto variações intranacionais quanto entre nações. Como esses padrões
são historicamente contingentes, os repertórios culturais e as condições estruturais
transformam-se.
Como já dito anteriormente, a pesquisa da autora proporciona uma
avaliação empírica das teorias pós-modernas da identidade, que a tomam como
construída, oposta ao primordial, ao essencial e ao fixo no tempo. Essas teorias
consideram a identidade múltipla, autorreflexiva, “plural” e “descentralizada”,
definida através de princípios relacionais que funcionam de maneira indiferenciada
por meio de contextos. Entretanto, mesmo concordando que as identidades são
instáveis ou fragmentadas, Lamont estabelece empiricamente que alguns padrões
de autoidentificação e de fronteiras são mais plausíveis em um contexto do que em
outro. Isto não é, segundo a autora, negar a importância da agência individual,
mas enfatizar o fato de que ela é “delimitada pelo contexto diferencialmente
estruturado no qual as pessoas vivem” (op. cit.:244). Assim, em suas palavras:
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Referências bibliográficas
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(ed.), Social Theory and the Politics of Identity. Oxford: Blackwell, 1994. p. 1-36.
DUMONT, Louis. Introdução. In: ____. Homo Hierarchicus. O Sistema das Castas e
suas Implicações. São Paulo: Edusp, 1992. p. 49-67.
GEERTZ, Clifford. The Interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1973.
LAMONT, Michèle. The Dignity of Working Men: Morality and the Boundaries of
Race, Class e Imigration. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2000.
LAMONT, Michèle & MOLNÁR, Virág. The Study of Boundaries in the Social Sciences.
Annual Review of Sociology, v. 28, p.167-195, 2002.
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