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sexualidade e gênero nas ciências sociais

A MULHER NO CORPO:
UMA ANÁLISE CULTURAL DA REPRODUÇÃO
Emily Martin

tradução: Júlio Bandeira


revisão técnica: Fabíola Rohden
Copyright © dos autores

Editora Garamond Ltda


Caixa Postal: 16.230 Cep: 20.251-021
Rio de Janeiro – Brasil
Telefax: (21) 2504-9211

e-mail: editora@garamond.com.br

Coordenação editorial
Julieta Roitman

Projeto Gráfico de Capa e Miolo


Anna Amendola

Revisão
Argemiro Figueiredo
Shirley Lima

Editoração Eletrônica
Letra & Imagem

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

M922m
Martin, Emily
A mulher no corpo : uma análise cultural da reprodução / Emily Martin ;
tradução Júlio Bandeira ;
revisão técnica Fabíola Rohden. - Rio de Janeiro : Garamond, 2006
384p. : . -(Sexualidade, gênero e sociedade)

Tradução de: The woman in the body : a cultural analysis of repro-


duction
Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 85-7617-099-X
Apoio:
1. Mulheres - Fisiologia. 2. Mulheres - Psicologia. 3. Mulheres - Saúde
e higiene. I. Título.

06-2445 CDD 612.62


CDU 612.62
Para Jenny e Ariel
AGRADECIMENTOS

Este estudo dependeu do esforço de muitas pessoas além de mim. Antes


de tudo, das mulheres que permitiram ser entrevistadas, cedendo seu
tempo, derramando suas lágrimas, compartilhando seus insights e abrin-
do seus corações e mentes. A soma desses esforços é a alma deste livro e
é o que lhe dá maior chance de crescer no coração de outras mulheres.
Não menos importantes são as mulheres que conduziram muitas das
entrevistas: Sarah Begus, Betsy Getaz, Ewa Hauser, Jane Sewell, Susanne
Siskel e Andrea Taylor. Por terem passado pela dificuldade de ter de se
aproximar de estranhos, a aflição de procurar por endereços em locais
que não conheciam, o receio de ficar diante de um grupo e pedir ajuda
e por acreditarem na possibilidade de mulheres comuns terem sabedoria
– por tudo isso, sou-lhes grata. Por me terem oferecido seus insights a
respeito do que foi dito pelas mulheres durante as entrevistas e escutado
as entrevistadas de forma aberta, receptiva e sem julgamentos, não há
como lhes agradecer o suficiente.
As mulheres entrevistadas precisam permanecer anônimas, mas aque-
les que nos ajudaram a encontrá-las, oferecendo-nos a oportunidade de
apresentar o projeto a grupos de mulheres em seus centros ou organizações
podem ser revelados. Agradeço especialmente a Tom Culotta, Beverly
Daniels, Dusan Doering, Marcia Hettinger, May Jane Lyman, Eleanor
Mann, Cindy Monshower, Elizabeth Reiley, Phillip Schmandt, Jane
Szczepaniak e Anita Wormley. O trabalho mais árduo foi feito por vários
alunos da graduação, que transcreveram as gravações, pesquisaram refe-
rências e realizaram muitas tarefas editoriais. Por esse trabalho, agradeço
a Soccoro Alcaden, Sharon Crockett, Lora Holmberg, Jonathan Lewis,
Carol Lundquist e Lesli Nuñez. Os bibliotecários capazes e eficientes do
Departamento de Empréstimos entre Bibliotecas da Biblioteca Milton
Eisenhower, juntamente com os velozes mensageiros do Eisenhower
Express, colocaram centenas de livros e artigos sobre minha mesa, desde
textos médicos obscuros e raros até os mais recentes tratados populares.
Agradeço também a ajuda dada pelos bibliotecários das Bibliotecas Eno-
ch Pratt e Welch de Medicina e por Doris Thibideau, bibliotecária da
seção de obras raras do Institute of the History of Medicine. O generoso
apoio financeiro, que me possibilitou ter assistência na pesquisa e dedicar
um ano a escrever o livro, veio de uma bolsa do American Council of
Learned Societies e do subsídio BRSG So7RRo7o41, concedido pelo
Biomedical Research Support Grant Program, Divisão dos Fundos de
Pesquisa do National Institutes of Health. Trechos do capítulo 5 foram
publicados num artigo da revista Social Science and Medicine, 19(11):
1201-6, 1984.
Nos últimos anos, muitas pessoas que conheci em Baltimore em
grupos de estudo de feminismo, marxismo e ciência me apresenta-
ram a uma literatura que eu não teria conhecido de outra forma e a
perspectivas críticas de outras disciplinas que não a minha. Entre elas,
destacam-se Sarah Begus, Toby Ditz, Elizabeth Fee, Sandra Harding,
Nancy Hartsock, David Harvey, Sharon Kingsland, Karen Mashke,
Vicent Navarro, Kathy Peiss, Joann Pillardi, Kathy Ryan, Jane Sewell,
Marylynn Salmon, Dan Todes e Karen Olson.
Tenho uma dívida especial com meus colegas do Departamento de
Antropologia da Johns Hopkins University – Gillian Feeley-Harnik,
Ashraf Ghani, Sidney Mintz e Katherine Verdery –, pelo entusiasmo
caloroso para com este projeto e pela ajuda em relacionar minhas
conclusões a questões antropológicas. Várias pessoas leram versões preli-
minares de trechos do manuscrito, e eu lhes agradeço pela crítica e pelo
encorajamento: Carol Browner, Elizabeth Fee, Alma Gotlieb, Sandra
Harding, Ruth Hubbard, Judith Leavitt, Leith Mullings, Lucile New-
man, Rayna Rapp, Barbara Katz Rothman, Carroll Smith-Rosenberg,
Michael Taussig e Linda Whiteford. Meus agradecimentos também a
Joanne Wycoff, da Beacon Press, pelo encorajamento desde as etapas
preliminares deste projeto e pelos conselhos editoriais criteriosos; a
Barbara Flanagan, pelo excelente copidesque; e à minha filha de 11
anos, Jenny, por ter criado o título.
Àqueles que não somente me ajudaram com o conteúdo do livro, mas
fortaleceram também meu espírito com apoio emocional, especialmente
durante o último ano em que me dediquei a escrever, sou profunda-
mente grata: Sarah Begus, Jane Eliot Sewell, Lorna Amara Singham
Rhodes e Richard Cone. Sem o apoio de meu marido, Richard, este
livro, sinceramente, não poderia ter sido escrito. Com alma generosa, ele
me ofereceu não apenas incansável coragem e afetuosa aprovação, mas
também – um presente que poucos são capazes de dar – a disposição de
submeter sua própria expertise científica ao questionamento, não apenas
como ciência, mas também como cultura. Ao prestarem seus serviços
carinhosos e confiáveis cuidando das crianças, Virginia Miller e Jane e
Mike Sewell deram-me paz de espírito. Minhas filhas me ofereceram seus
abraços calorosos quando eu voltava para casa e esperança no futuro. E
é esperançosa que dedico a elas este livro.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 13
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO DE 1992 19

PROBLEMAS E MÉTODOS

O FAMILIAR E O EXÓTICO _35


FRAGMENTAÇÃO E GÊNERO 51

A CIÊNCIA COMO SISTEMA CULTURAL

METÁFORAS MÉDICAS DO CORPO DA MULHER: MENSTRUA-


ÇÃO E MENOPAUSA 67
METÁFORAS MÉDICAS DO CORPO DA MULHER: PARTO 105

O PONTO DE VISTA DA MULHER

A IMAGEM DO EU E DO CORPO 127


MENSTRUAÇÃO, TRABALHO E CLASSE SOCIAL 153
SÍNDROME PRÉ-MENSTRUAL, DIS-
CIPLINA NO TRABALHO E RAIVA 181
PARTO, RESISTÊNCIA, RAÇA E CLASSE SOCIAL 219
A CRIAÇÃO DE UM NOVO IMAGINÁRIO DO PARTO 245
MENOPAUSA, PODER E CALOR 257
CONSCIENTIZAÇÃO E IDEOLOGIA

CLASSE E RESISTÊNCIA 279


A INCORPORAÇÃO DAS OPOSIÇÕES 299

ANEXO 1: AS PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS 313

ANEXO 2: PERFIS BIOGRÁFICOS 319

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 341

ÍNDICE REMISSIVO 363


APRESENTAÇÃO
Fabíola Rohden1

O livro da antropóloga Emily Martin é reconhecido tanto no campo


feminista como na academia como um estudo inovador no que se refere
à medicina e à sua capacidade de intervenção nos corpos das mulheres.
Tendo como foco de análise os pressupostos culturais subjacentes ao
discurso e à prática médica contemporâneos, a autora navega na arti-
culação entre passado e presente, antropologia e história e empreende
uma difícil busca pela desnaturalização dos objetos por meio do estra-
nhamento do familiar em nossa cultura.
Publicado inicialmente em 1987, o livro vem sendo reeditado nos
Estados Unidos e merecendo versões em outros países, como Alemanha
e Inglaterra. A mulher no corpo foi vencedor do Eileen Basker Memo-
rial Prize de 1988, concedido pela Sociedade de Antropologia Médica
norte-americana, e objeto de um encontro realizado pela American
Anthropological Association, em 1989, denominado “Author meets
critics: Emily Martin and the cultural construction of scientific know-
ledge” em que estavam presentes Donna Haraway e Karen Sacks, entre
outros. Além disso, a repercussão inicial do livro pode ser vista nos

1
Professora do Instituto de Medicina Social da UERJ e pesquisadora do Centro Latino-Americano em
Sexualidade e Direitos Humanos.

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sexualidade e gênero nas ciências sociais

comentários que mereceu de Strathern (1992: 68; 76), MacDonald


(1990) e Behar (1990).
O objetivo do trabalho é estudar os processos culturais que afetam
as mulheres e que podem ser observados nas concepções que elas pró-
prias têm de seus corpos. Martin trabalhou com entrevistas de 165
mulheres de Baltimore (EUA), que viviam em diferentes “comunidades”
com distinções étnicas, de idade e de classe. Considerando que as suas
representações sobre o corpo passavam pela remissão aos discursos e
práticas de ginecologistas e obstetras, também explorou depoimentos
e, principalmente, manuais médicos. Sua proposta era, então, investigar
o que pessoas comuns e especialistas dizem quando estão descrevendo
objetos como hormônios, útero, fluxo menstrual. Ou, em outros
termos, qual a suposição cultural implícita a respeito da natureza da
mulher e do homem. A cultura médica seria um sistema cultural cujas
idéias e práticas perpassam a cultura popular. Isto poderia ser visto por
meio da utilização do conceito de metáfora. Tanto os textos médicos
quanto os depoimentos das mulheres estariam expressando, por meio
de metáforas, concepções mais gerais sobre a sociedade. E concepções
que têm fundamento nos processos econômicos, sociais e políticos em
curso em um dado momento.
O livro demonstra um uso do conceito de metáfora bastante eficaz,
principalmente no que concerne à questão da circulação de discursos.
Martin consegue mostrar que opiniões e representações das mulheres
sobre seus corpos têm referência, ou, pelo menos, combinam com
idéias mais gerais correntes na sociedade — metáforas abrangentes e
importantes em um determinado contexto social. É o que ocorre nos
exemplos da menstruação e menopausa.
A partir do século XIX, a ideologia da produção, concretizada nas
fábricas, é tão abrangente que chega aos corpos. Os corpos das mulhe-
res passam a ser pensados, nos textos médicos principalmente, como
fábricas para a produção de crianças. Mais especificamente, o corpo
é pensado, assim como a sociedade, em termos de uma organização
hierárquica: são vários elementos ocupando posições de valor diferen-
te no conjunto do sistema. No caso do corpo feminino, este sistema
funcionaria a partir da seqüência cérebro-hormônios-ovários que se

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A MULHER NO CORPO

comunicam hierarquicamente. O bom andamento deste sistema teria


como resultado a produção de novos seres humanos. E qualquer evento
que fugisse a este objetivo implicaria uma desvalorização. É o caso da
menstruação e da menopausa. Segundo Martin, tal como é descrita
nos textos médicos e em livros populares, a menstruação aparece como
uma falha na produção. Todo o sistema estava preparado para gerar
um novo produto e se isto não aconteceu é devido a algum tipo de
falha. Já a menopausa é definida como o momento do término da
produção, quando as máquinas já estão cansadas e começam a ter
defeitos até que finalmente cessam de funcionar. Com referência à
concepção hierárquica, pode-se acrescentar o fato de que as falhas
acontecem porque algum elemento deixou de obedecer aos sinais de
comunicação enviados pelo órgão superior. No caso da menopausa,
os ovários é que deixariam de responder, quebrando a hierarquia da
produção (capítulo 3).
As citações e encadeamentos que Martin faz em torno desta questão,
aqui resumida, são interessantes. Levam a pensar sobre a comunicação
que pode haver entre eventos sociais mais abrangentes, como o advento
da industrialização, e ações mais cotidianas, como o tipo de tratamento
e as concepções médicas em relação às mulheres e à reprodução. Com
base nos exemplos que a autora traz, fica difícil pensar que a menção à
idéia da fábrica nos textos sobre reprodução seja uma mera coincidência
com o sistema socioeconômico que se desenvolvia. É claro que por tras
disso deve estar algo como um conjunto de referências proeminentes
em um dado momento e que se reproduz em uma série de níveis.
O livro tem uma outra característica forte e bastante polêmica
que é sua inspiração feminista na interpretação de alguns fenômenos.
Como exemplo, podemos citar o caso da tensão pré-menstrual (TPM),
categoria desenvolvida pela medicina só recentemente e que, de modo
surpreendente, ofereceria um espaço para que as mulheres pudessem
expressar certos descontentamentos. Segundo Martin, os sintomas que
as mulheres descrevem na tensão pré-menstrual podem ser entendi-
dos como indicativos de um processo de liberação. Os depoimentos de
suas entrevistadas que falam deste período como um momento em que
sentem raiva, e por vezes até se sentem “possuídas” por alguma força

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sexualidade e gênero nas ciências sociais

estranha, são usados para fazer prognósticos feministas. A autora acredita


que estas descrições podem ser pensadas como instantes de manifesta-
ção da revolta das mulheres quanto à sua condição de subordinadas na
sociedade. E vai mais longe ao afirmar que essa experiência comum das
mulheres pode de fato se converter em uma base positiva para que se
identifiquem como um grupo oprimido e busquem estratégias de fuga.
Segundo ela, o problema é que até agora as mulheres identificam essa
raiva muito mais com causas biológicas do que com a sua real condição
de opressão. Se isso fosse reavaliado, as perspectivas de conscientização
seriam promissoras (capítulo 7).
O destaque dado a uma experiência comum às mulheres de deter-
minada cultura e seu possível poder transformador é ainda maior nas
conclusões do livro, em que Martin, após sugerir que a ciência médica
é ligada a uma forma particular de hierarquia e controle, afirma que
as mulheres podem usar a sua experiência comum para confrontar as
concepções da medicina. É interessante que, embora diga que não se
trata de uma volta à natureza mas de um outro tipo de cultura, ela
concebe esta noção de experiência a partir do corpo. Em função de vi-
venciarem processos corporais particulares, as mulheres conseguem ter
a capacidade de articular melhor dimensões ideologizadas em domínios
separados, como casa e trabalho, natureza e cultura, amor e contrato.
Sendo assim, uma vez que se tornassem conscientes desse processo ou
característica comum, poderiam ser capazes de perceber o problema
destas dicotomias e propor uma nova ordem social.
Talvez pelo fato de operar exatamente nesse terreno delicado da arti-
culação entre ciência e feminismo, a autora consegue ser tão provocativa.
E isso se reflete na conformação do seu objeto e nas análises que produz.
É notável como Martin se propõe a trabalhar nos marcos do construcio-
nismo social ao mesmo tempo em que concede um valor particular ao
corpo e às experiências vivenciadas em função de determinados constran-
gimentos corporais, o que não é comum em boa parte dos trabalhos que
se coadunam com essa perspectiva.
Além disso, o livro tem uma característica peculiar que é um certo
tom de novidade no tipo de análise e na descoberta do impacto que o
estranhamento das concepções científicas é capaz. Esse tom é responsável

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A MULHER NO CORPO

por uma abertura possível a novas análises. Temos uma pesquisa extre-
mamente rica e rigorosa cujas interpretações ainda estão se forjando.
A partir de um recorte inovador e de um material valioso, a obra de
Martin ajuda a inaugurar um fértil campo de discussões. Pode-se ter
uma idéia desse processo ao ler a introdução à edição de 1992, publicada
também neste volume, na qual a autora responde às críticas feitas ao
livro de forma corajosa, problematizando algumas formas de tratamento
dos dados e conclusões. Têm destaque uma reavaliação da relação das
mulheres com a tecnologia médica no parto e autonomia feminina e os
usos da categoria raça/etnia no decorrer da análise. O debate provocado
pelo livro, em virtude dos desafios que estava inaugurando, evidencia
a sua atualidade ainda hoje.
Especialmente em função do impacto que uma potente crítica da
ciência pode ter, essa obra merece ser lida não apenas por cientistas
sociais e historiadores, ou por ativistas do campo dos direitos sexuais
e reprodutivos, mas também por todos aqueles comprometidos com
o universo da saúde e da pesquisa médica, como cientistas, clínicos e
estudantes. Os leitores certamente em muito se beneficiarão ao encarar
a análise séria e provocativa que faz Martin do efeito de prerrogativas
culturais mais amplas no saber e na prática da medicina e dos usos polí-
ticos, por vezes bastante inusitados, que as mulheres fazem da produção
científica a respeito dos seus corpos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEHAR, Ruth. The body in the woman, the story in the woman: a book review and
a personal essay. Michigan Quarterly Review 29: 695-738, 1990.
MACDONALD, Maryon. Review of the woman in the body: a cultural analysis of
reproduction. Sociological Review 38: 588-591, 1990.
STRATHERN, Marilyn. Reproducing the future. Essays on anthropology, kinship and the
new reproductive technologies. Manchester: Manchester University Press, 1992.

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