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Divórcio

Prefácio
[Texto completo do livreto de mesmo nome publicado por esta editora]

Este livreto não é obra de um só escritor. Também não é, porém, uma obra anônima,
escrita por alguém que não tem a coragem de assumir o que escreveu. Numa tentativa
sincera de oferecer um estudo amplo sobre este assunto tão delicado e doloroso,
compilamos este livreto de escritos e anotações de vários irmãos, tais como James Jardine
(João Pessoa), Samuel R. Davidson (Santarém), Severo M. de Oliveira (Paranavaí) e
Ronald E. Watterson (Descalvado). Os irmãos mencionados acima trabalharam em
conjunto, sendo que o irmão Ronald foi o responsável pela redação final do texto.

Nosso desejo e nossa oração a Deus é que este simples livreto possa chegar em tempo
nas mãos de jovens que estão contemplando o casamento, e também de casais que estão
contemplando o divórcio, para que sejam orientados e ajudados por Deus, a fim de evitar
as indescritíveis dores deste trágico acontecimento.

E para aqueles aos quais este livreto chegar tarde demais para evitar o divórcio, pedimos
ao Deus de toda consolação que ainda possa servir de encorajamento para buscar a Deus
e a Sua Palavra nesta situação tão triste.

W. J. Watterson — Editora Sã Doutrina


Introdução
O assunto deste estudo é, sem dúvida alguma, dos mais delicados. É também um dos mais
dolorosos. Só Deus sabe medir a dor dos lares desfeitos pelo divórcio. Os divorciados
sofrem, e sofrem muito. Em casos onde há filhos, estes sofrem mais ainda. E a dor não se
limita à família imediata. Quantos parentes e amigos compartilham desta dor.
Talvez seja esta uma das razões porque o divórcio é um dos assuntos mais discutidos.
Neste estudo, porém, não queremos gerar mais polêmica, muito menos aumentar os
sofrimentos emocionais daqueles que já sofreram, e ainda sofrem intensamente. Sentimo-
nos impelidos a escrever devido à confusão que existe quanto a este assunto,
especialmente entre o povo de Deus. Queremos analisar honestamente, sem interesses
partidários ou pessoais, o que a Palavra de Deus diz a este respeito, esperando que alguns
possam ser avisados em tempo para evitar tamanho sofrimento, e que aqueles que sofrem
possam encontrar alguma orientação que venha amenizar a dor desta situação calamitosa.
O critério Cristão
O divórcio foi legalizado em alguns países, enquanto que em outros ainda não é permitido.
Na maioria dos países que o permitem, porém, esta lei é “facultativa”, e o cristão não
precisa usá-la. Este fato, porém, não constitui um problema muito grande para o cristão,
pois nós estamos sujeitos a uma autoridade maior — a Palavra de Deus (At 4:19). O fato
de as autoridades humanas permitirem ou não o divórcio é uma questão secundária.
Queremos saber se Deus permite.
O casamento
O casamento não foi desenvolvido pela sociedade; foi instituído por Deus e, por ocasião do
primeiro casamento, Ele estabeleceu certos princípios que continuam em vigor até hoje.
Quando Deus trouxe Eva a Adão, este disse: “Esta é agora osso dos meus ossos e carne
da minha carne”. Em seguida, Deus disse: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua mãe
e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:23-24). O uso destas
palavras no NT confirma que foram faladas por Deus (veja Mt 19:5).
É igualmente claro que Deus não falou estas palavras com respeito a Adão e Eva, porque
Adão não teve nem pai nem mãe e, portanto, ele nunca os deixou. Deus estava
estabelecendo um princípio fundamental do casamento. Ele quer que entendamos que o
casamento é uma união de um homem com uma mulher de forma tão íntima que supera o
relacionamento de filho e pai. O filho e o pai são dois; o homem e sua esposa passam a ser
uma só carne. O filho “deixará” o seu pai e a sua mãe, mas “apegar-se-á” à sua esposa. A
palavra traduzida “apegar-se-á” significa literalmente colar ou grudar, indicando uma união
inseparável. O Senhor Jesus, comentando este fato, disse: “Portanto, o que Deus ajuntou
não o separe o homem” (Mt. 19:6). Deus poderia ter criado mais do que uma mulher: não
foi por acaso que criou apenas um homem e uma mulher.
Baseado naquilo que temos visto até agora, parece claro que, ao instituir o casamento,
Deus mostrou um modelo — uma união monogâmica e indissolúvel enquanto ambos
vivem.
As anormalidades
Logo surgiram anomalias.
Bem cedo na história da nossa raça apareceu a bigamia. Lameque, a sétima geração na
linhagem de Caim, tomou para si duas mulheres, Ada e Zila (Gn 4:19), e o VT mostra como
isto tornou-se muito comum.
E logo piorou. Nos dias antes do dilúvio, eles tomaram para si mulheres de todas as que
escolheram. O Senhor falou disto, dizendo que eles casavam e davam-se em casamento
(Mt 24:38). Agora era a poligamia. Talvez o caso mais notório foi o de Salomão, que teve
setecentas esposas e trezentas concubinas (I Re 11:3).
Até servos de Deus, como Davi, viviam na poligamia, mas isto não deve obscurecer o fato
que Deus estabeleceu uma união monogâmica, e as modificações que apareceram através
dos séculos não invalidam aquele modelo; são desvios do padrão divino: são anomalias.

Cap. 1 — O divórcio no Velho Testamento


O VT mostra ainda mais uma anomalia, ou seja, o repúdio. Esta novidade só apareceu nos
dias de Moisés, e temos as leis a este respeito em Deuteronômio. Resumindo, são:

 Dt 22:13-19. O homem casou e acusou falsamente a mulher, dizendo que não era
virgem. Neste caso ele seria castigado, pagaria cem siclos de prata ao pai da moça, e ela
lhe seria por mulher. Além disto, ele nunca poderia divorciá-la.
 Dt 22:20-21. O homem casou e logo descobriu que sua esposa não era virgem.
Neste caso, não haveria divórcio, pois a mulher seria apedrejada e morta.
 Dt 22:22. Num caso de adultério não haveria divórcio, pois ambos seriam mortos.
 Dt 22:23-27. Fornicação.
 i) No caso duma virgem desposada. Se acontecesse na cidade, ambos seriam
mortos, pois ela não gritou pedindo socorro; logo não haveria divórcio.
 ii) Se acontecesse no campo, somente o homem seria morto, pois a moça gritou e
não houve quem a socorresse.
 iii) Dt 22:28-29. No caso duma virgem não desposada. O homem daria ao pai da
moça 50 siclos de prata e ela lhe seria por mulher, e ele nunca poderia divorciá-la.
 iv) Dt 24:1-4. Se um homem casasse com uma mulher e esta “não achar graça aos
seus olhos, por nela achar coisa feia”, ele poderia dar-lhe uma carta de repúdio, e ela
estaria livre para casar com outro. Se, porém, seu segundo marido falecesse ou lhe
repudiasse, ela não poderia casar-se novamente com o seu primeiro marido.
Sem entrarmos em detalhes, podemos perceber um fato importante para o nosso estudo. O
divórcio foi permitido na Lei de Moisés, mas não em caso de adultério. Este pecado seria
punido com a morte. Algum outro motivo deveria ser a base do divórcio.
Há mais algumas referências ao divórcio no VT que não afetam este estudo, e outras que
serão mencionadas mais adiante. Nesta altura, basta notar como o VT encerra este
assunto: “… ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade. Porque o Senhor,
Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio …” (Ml 2:15-16).
É claro que nenhuma das anomalias que temos considerado representa a vontade de Deus
para a humanidade. Apesar da tolerância da bigamia, da poligamia e do divórcio, o
propósito de Deus para a raça humana continua sendo uma união monogâmica que só
poderá ser desfeita pela morte de um dos cônjuges.

Cap. 2 — O Comentário do Senhor Jesus


a) Mateus 5:31-32
Deixando o VT numa nota tão clara e enfática como a de Malaquias 2:16, entramos no NT
e logo nas primeiras páginas encontramos novamente esta questão de divórcio. O assunto
foi levantado primeiramente pelo Senhor Jesus no bem conhecido “Sermão do Monte”.
Ele estava explicando o verdadeiro significado de algumas leis do VT: “não matarás” (Mt
5:21); “não cometerás adultério” (Mt 5:17), e nos vs. 31 e 32 Ele falou sobre o divórcio.
“Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de desquite. Eu, porém,
vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz
que ela cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério”.
Em primeiro lugar, considere as palavras “Eu, porém, vos digo”; elas indicam que o Senhor
está trazendo um ensino diferente sobre o divórcio. Nunca foi a vontade de Deus que um
casamento terminasse com uma carta de repúdio.
Observe também que, ao falar do divórcio, o Senhor não entra na questão da legitimidade.
Não diz se Deus aprova ou se não aprova. Ele mostra o que acontece quando um homem
dá uma carta de divórcio à sua esposa; Ele está falando de consequências. Ele diz:

 “qualquer que repudiar sua mulher … faz que ela comete adultério”;
 “qualquer que casar com a repudiada comete adultério”.
Estas consequências levantam uma pergunta importante — uma pergunta cuja resposta é
fundamental ao nosso estudo. Se a repudiada tem uma carta de repúdio que lhe dá o
direito de casar com outro (veja as leis de Deuteronômio), como é que o divórcio faz com
que ela cometa adultério? A mesma pergunta surge no final do versículo; se ela tem esta
carta de repúdio, e exerce o seu direito de casar com outro, como é que este comete
adultério?
Só pode haver uma resposta. Apesar de um divórcio legal, Deus ainda considera o primeiro
casamento como válido; o divórcio não o desfez.
A cláusula de exceção
A cláusula de exceção (“a não ser por causa de prostituição”), no entender de muitos,
modifica a situação, dando legitimidade ao divórcio. Mas veja bem que nesta passagem o
Senhor Jesus não estava falando da legitimidade, e sim das consequências do divórcio.
Veremos isto outra vez, com ainda mais clareza, quando considerarmos Mateus cap. 19.
Vejam as consequências que o Senhor mencionou, levando em conta agora a cláusula de
exceção. Se o divórcio foi concedido por qualquer outro motivo que não seja a prostituição,
isto faz com que a repudiada cometa adultério quando casar com outro. A culpa é daquele
que a repudiou, a não ser em caso de prostituição. Se o divórcio aconteceu por infidelidade
sexual, ela já é adúltera; não será o repúdio que a faz adúltera; o primeiro marido não é
culpado disto.
b) Mateus 19:3-12
As perguntas dos fariseus
Os fariseus também interrogaram o Senhor sobre o divórcio, mas não com qualquer desejo
de aprender; perguntaram, tentando-O.
Para simplificar o estudo desta passagem devemos notar que tudo gira em torno de duas
perguntas. Os fariseus perguntaram: “É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer
motivo?” Esta pergunta é sobre a legitimidade do divórcio. E a resposta do Senhor foi clara
e terminante. Ele baseou-se no propósito original de Deus, e citou as palavras que Deus
falou naquela ocasião, e terminou exortando a todos; “o que Deus ajuntou, não o separe o
homem” (Mt 19:6).
Esta resposta deixou claro que o divórcio não é lícito aos olhos de Deus, e ninguém deve
separar o que Deus ajuntou.
Isto deveria ter encerrado o assunto, mas os fariseus ainda fizeram mais uma pergunta:
“Então por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la?”
A razão desta permissão (note a mudança de palavra — eles disseram que Moisés
mandou; o Senhor disse que Moisés permitiu) foi a dureza dos seus corações. Não foi o
propósito de Deus, e consequentemente o Senhor lhes fala novamente do propósito de
Deus: “Ao princípio não foi assim” (Mt 19:8).
Tendo dito, em resposta à primeira pergunta, que não é lícito ao homem repudiar a sua
mulher, e tendo mostrado em resposta à segunda pergunta, que a concessão mencionada
por Moisés não representava uma mudança nos propósitos de Deus, Ele prossegue,
mostrando as consequências nefastas de tal ato.
É aqui que aparece outra vez a “cláusula de exceção”. Como aconteceu no cap. 5,
acontece aqui também. Esta cláusula faz parte daquilo que o Senhor falou sobre as
consequências do divórcio, e não aparece quando Ele fala da sua legitimidade. Há, porém,
uma diferença aqui. Em Mateus cap. 5 o Senhor falou da repudiada cometendo adultério
depois de divorciada, mas aqui é aquele que repudia que comete adultério ao contrair
segundas núpcias.
Isto parece claro.
Já temos visto no cap. 5 que a repudiada comete adultério se casar com outro, e qualquer
que casar com ela também comete adultério, porque o divórcio não desfaz o primeiro
casamento. Aqui, no cap. 19, é a “parte inocente” que está em vista, pois “qualquer que
repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete
adultério”. Com a cláusula de exceção, este texto está dizendo que a “parte
inocente” comete adultério se casar com outra, tendo repudiado a sua esposa por qualquer
motivo que não seja a prostituição. Se o repúdio foi por causa da prostituição, é
subentendido que ele está livre para casar-se com outra.
Isto parece estranho.
Pode a cláusula de exceção deixar livre o cônjuge “inocente” para casar-se com outra? Se
ele pode repudiar a sua mulher e ainda estar livre perante Deus para casar-se com outra, é
porque o divórcio desfez o primeiro casamento. Mas já temos visto no cap. 5 que a
repudiada comete adultério se casar com outro, e qualquer que casar com ela adultera,
portanto o primeiro casamento não é desfeito pelo divórcio. Precisamos examinar a
cláusula de exceção para descobrir a solução desta aparente contradição.
Pornéia e Moichéia
Vamos começar examinando as palavras traduzidas “prostituição” e “adultério” no v. 9. A
palavra traduzida “prostituição” (porneia), e o verbo cognato, ocorrem 34 vezes no NT. A
palavra traduzida “adultério” (moicheia) e suas cognatas ocorrem 24 vezes.
Quando porneia aparece sem qualquer menção de moicheia, ela parece ter um significado
bem abrangente, referindo-se a qualquer ato sexual ilícito (veja I Co 5:1; Ef 5:3; I Ts 4:3;
etc.), mas quando encontramos as duas palavras juntas no mesmo versículo ou contexto,
então é lógico que tem que haver uma distinção.
Considere, por exemplo: “do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios
(moicheia), prostituição (porneia) …” (Mt 15:19). Não seria correto traduzir isto como: “do
coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, adultérios …”. É claro que a
palavra porneia aqui tem que ter o seu significado primário, ou seja, fornicação. Este é o
caso na cláusula de exceção. Devemos ler: “Qualquer que repudiar sua mulher, a não ser
por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério”.
Ou seja, a exceção mencionada pelo Senhor é infidelidade sexual duma virgem desposada,
mas ainda não casada. Portanto, este versículo não apresenta uma contradição. A cláusula
de exceção não se refere ao adultério, mas sim à fornicação. O adultério, portanto, não
desfaz o casamento e não deixa “a parte inocente” livre para casar-se com outra. Esta
cláusula refere se à infidelidade sexual duma virgem desposada. Esta fornicação desfaz o
compromisso do desposado, deixando-o livre para casar com outra. Para remover a
dificuldade que surge na mente de alguns, precisamos ver o que significava ser desposada
naqueles dias, em Israel.
Muitos dizem que estar desposada em Israel nos dias quando o Senhor Jesus esteve aqui
era semelhante ao noivado que nós conhecemos. Isto é apenas uma meia-verdade. Alfred
Edersheim, um reconhecido erudito em assuntos judaicos, escreveu:
Desde o momento em que foi desposada, uma mulher foi tratada como se estivesse, de
fato, casada. A união não poderia ser desfeita, senão por meio dum divórcio normal;
infidelidade era considerado adultério; as propriedades da mulher passavam a pertencer ao
seu desposado …” (Sketches of Jewish Social Life in the Days of Christ).
Confirmando esta interpretação, notamos:

 a cláusula de exceção aparece somente no Evangelho segundo Mateus, escrito


especialmente para os judeus;
 a cláusula de exceção faz parte da resposta que o Senhor Jesus deu aos fariseus,
conservadores das tradições judaicas;
 a experiência de José e Maria ilustra esta situação, e este relato aparece somente
em Mateus, o mesmo Evangelho que traz a cláusula de exceção.
Portanto, concluímos que o ensino do Senhor Jesus não admite o divórcio e segundo
casamento.
c) Marcos 10:11-12
Reforçando isto, veja como, após a resposta dada aos fariseus, que já examinamos, os
discípulos O interrogaram em casa sobre esta questão. Para os discípulos Ele disse:
“Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher
deixar a seu marido e casar com outra, adultera”. Tanto o homem como a mulher que
deixar seu cônjuge e casar outra vez, adultera. Ambos mencionados aqui seriam chamados
de “a parte inocente”, mas casando com outro enquanto o primeiro cônjuge vive, cometem
adultério. É óbvio que, apesar de legalmente divorciados perante os homens, o primeiro
casamento ainda existe aos olhos de Deus.
d) Lucas 16:18
Se Marcos apresenta somente a posição da “parte inocente”, Lucas apresenta a posição
dos dois. “Qualquer que deixa sua mulher, e casa com outra, adultera; e aquele que casa
com a repudiada pelo marido, adultera também.” Ambos, aquele que repudiou e aquela que
foi repudiada, estão em adultério se casarem com outro.

Cap. 3 — O Ensino Apostólico


a) Romanos 7:1-3
Nas cartas do NT encontramos a doutrina dos apóstolos quanto ao casamento e divórcio.
Paulo disse aos Romanos: “a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-
lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o
marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da
lei, e assim não será adúltera se for de outro marido”. Este ensino é tão claro que dispensa
comentários. Expressa de forma enfática, e sem qualquer cláusula de exceção, que nada
pode desfazer o jugo matrimonial a não ser a morte de um dos cônjuges. Enquanto ambos
vivem, a união é indissolúvel.
b) I Coríntios 7:10-17
Este capítulo traz ensinos importantes quanto ao casamento, mas a parte que nos
interessa para este estudo se encontra entre os vs. 10 e 17. Aqui encontramos instruções
dadas aos casados. Nos vs. 10 e 11, tanto marido como esposa são cristãos, e nos vs. 12
em diante veremos o caso de casamentos mistos. Isto é, o caso de casais que ouviram o
Evangelho depois de casados, e um cônjuge creu e foi salvo, ao passo que o outro
continuou na sua incredulidade.
No primeiro caso, ou seja, quando ambos são salvos, as instruções são claras:

 “Que a mulher não se aparte do marido” — v. 10;


 “Que o marido não deixe a mulher” — v. 11.
Se, porém, estas instruções forem desobedecidas, e o casal se separar, há duas opções:

 “fique sem casar” — v. 11;


 “se reconcilie com o marido” — v. 11.
Não há lugar para um divórcio e casamento com outro. Tal ação fecharia a porta para
sempre quanto à possibilidade duma reconciliação, como mencionada no v. 11.
No caso daqueles cujo cônjuge não é salvo, temos instruções semelhantes. Ao irmão, cuja
esposa não é salva, o Espírito diz: “não a deixe” (v. 12), e à irmã cujo marido não é salvo,
Ele diz: “não o deixe” (v. 13). Veja o conselho repetido: “não a deixe”, “não o deixe”.
No v. 15 há ainda outra situação que poderá surgir. É o caso triste duma separação. O
cônjuge cristão, obedecendo o ensino já dado nos versículos anteriores, não vai apartar-se,
mas se o descrente se apartar, neste caso o irmão ou irmã não está sujeito à servidão.
Esta expressão simplesmente quer dizer que o cônjuge cristão não tem a obrigação de
manter, a qualquer custo, um relacionamento que seu cônjuge abandonou. Pode haver
uma separação, mas o cônjuge cristão vai ficar sem casar, mantendo a porta aberta para
uma possível reconciliação futura, talvez com a salvação do outro.
Resumindo tudo isto, vemos que Deus não quer que haja separação entre marido e
esposa, mas reconhece que em alguns casos isto pode acontecer. Se tal infelicidade vier a
acontecer, não há permissão para casar com outro, mas somente a difícil condição de ficar
sem casar, na esperança duma reconciliação. Nunca poderá haver um segundo casamento
enquanto o primeiro cônjuge viver. “A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que
o seu marido vive; mas, se falecer seu marido, fica livre para casar com quem quiser,
contanto que seja no Senhor” (I Co 7:39).
c) Efésios 5:22-33
Nesta passagem, que mostra os deveres da esposa e do marido, devemos observar duas
coisas relevantes ao nosso estudo.
Uma só carne
A união de marido e esposa no casamento é tão real e profunda que Deus diz a respeito:
“serão dois numa carne” (v. 31). Estas palavras são citadas de Gn 2:24. O Senhor Jesus
também as citou em Mt 19:5.
Não devemos pensar que isto descreve uma união meramente física e carnal; é muito mais
do que isto. São duas pessoas — são uma só carne. Isto é um mistério além da
compreensão do intelecto humano. A união carnal entre um homem e uma meretriz faz que
os dois sejam um só corpo (I Co 6:16a), mas já vimos em Gênesis 2:24 que o casamento
de um homem com uma mulher faz dos dois uma só carne. As palavras de Gênesis 2:24
são citadas em I Coríntios 6:16 para mostrar que uma unidade nova é formada, mas
observe bem a diferença. No primeiro caso, forma-se um só corpo, mas no segundo, forma-
se uma só carne. A diferença é muito grande. Pode acontecer a separação entre os
membros dum corpo, mas “uma só carne” sugere uma união indissolúvel. Com toda a
reverência digo que a união entre esposo e esposa reflete algo da união das três Pessoas
divinas.
Cristo e a Igreja
Concluindo este trecho tão importante, Paulo diz: “Grande é este mistério: digo-o, porém, a
respeito de Cristo e da Igreja” (Ef 5:32).
Isto reforça o que escrevemos no parágrafo anterior, e mostra que a união entre esposo e
esposa é uma figura da união entre Cristo e a Sua Igreja. Nunca se pode cogitar da
possibilidade duma separação entre Cristo e a Sua igreja, apesar da infidelidade desta. Se
houver possibilidade dum rompimento do casamento e um posterior casamento com outro,
estando o primeiro cônjuge ainda vivo, a figura que o Espírito Santo escolheu é destruída.

Cap. 4 — Notas adicionais

 Um cristão não pode levar outro cristão “a juízo perante os injustos” (I Co 6:1-6).
Para conseguir um divórcio, portanto, o cristão teria de desobedecer esta passagem das
Escrituras.
 O Senhor Jesus disse: “O Meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros,
assim como Eu vos amei” (Jo 14:12). O Espírito Santo manda: “sede uns para com os
outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos
perdoou em Cristo” (Ef 4:32). O cristão teria de desobedecer estas, e muitas outras
passagens semelhantes, para obter um divórcio.
 Deus aconselha: “alegra-te com a mulher [singular] da tua mocidade … pelo seu
amor sê atraído perpetuamente. E por que, filho meu, andarias atraído pela estranha …”
(Pv 5:18-20). “Ninguém seja desleal para com a mulher [singular] da sua mocidade. Porque
o Senhor, Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio” (Ml 2:15-16).
 O primeiro casamento foi constituído quando Deus apresentou Eva a Adão e este
disse: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne”. Aceitando Eva como
sua, nesta cerimônia formal, Adão e Eva se tornaram esposo e esposa — uma só carne.
Isto está implícito na seguinte citação: “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela
concebeu …” (Gn. 4:1). Não diz: “Adão conheceu Eva, assim fazendo-a sua mulher”. Eva
não passou a ser a esposa de Adão através dum ato físico, mas Adão a conheceu porque
ela já era a sua esposa. Muitos outros casos nas Escrituras confirmam isto, mas citaremos
apenas o caso de José e Maria. “José … fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e
recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito” (Mt
1:24-25). José recebeu a sua mulher, não como desposada, mas como esposa, mas a
primeira relação física aconteceu várias meses depois.
 Alguns, que percebem que o divórcio não é permitido entre cristãos, acreditam que o
caso de pessoas que se divorciaram antes de serem salvas é diferente. Dizem que até
assassinos, viciados, adúlteros e todo o tipo de pecador recebe um pleno perdão quando,
arrependido, crê no Senhor Jesus. Argumentam ainda que se o Senhor recebeu estes,
sabendo que eram divorciados, por que razão a igreja não poderia recebê-las? Esta
colocação, a primeira vista, parece correta. Pessoas divorciadas podem ser salvas, e
devemos pregar o Evangelho a elas como a qualquer outra pessoa; não há diferença. E
damos graças a Deus pelo fato de Ele ter salvado muitos divorciados que vivem com outro
cônjuge. Quando o pecador é salvo, o seu pecado é perdoado, e Deus jamais se lembrará
dele. Mas o problema que impede a recepção daquele que é divorciado e novamente
casado não está no passado, e sim, no presente. O problema é que ele está vivendo com
quem não é a sua esposa ou esposo. E isto é pecado. Confirmando isto, veja Marcos 6:17-
18. “Herodes mandara prender a João e encerrá-lo, maniatado no cárcere, por causa de
Herodias, mulher de Filipe, seu irmão, porquanto tinha casado com ela”. Alguns
argumentam que João não estava condenando o divórcio e segundo casamento de
Herodias e sim, o pecado de Herodes conforme Levítico 18:16. Mas observe bem: Herodes
tinha casado com ela, mas ainda ela é chamada “a mulher de Filipe”. Isto sugere que o
pecado que João condenou não foi principalmente a violação da lei de Levítico 18:16, mas
o fato que ele possuiu a “mulher de Filipe”. Aos olhos de Deus, ela ainda era a “mulher de
Filipe”, e não de Herodes.
 É importante notar que nenhum apóstolo citou a chamada cláusula de exceção. Ela
não faz parte da doutrina dos apóstolos. É importante lembrar que o casamento foi
instituído na Criação, e portanto é aplicável a toda a humanidade, quer cristãos quer não.
Não é uma ordenança cristã como batismo ou a ceia do Senhor.
Os irmãos e irmãs casados devem lembrar-se das exortações dadas às esposas e aos
esposos em Efésios 5:22-33, e praticá-las para que seu casamento tenha a estabilidade e
felicidade que Deus deseja que tenha. Observando estas admoestações eles terão a
verdadeira paz num ambiente de amor, espiritualidade e confiança mútua.
Os jovens que ainda são solteiros devem ser orientados sobre o perigo do jugo desigual
para que busquem a orientação do Senhor na escolha do seu marido ou esposa, sabendo
que o casamento é indissolúvel enquanto ambos os cônjuges vivem.

Cap. 5 — Observações finais


Como cristãos individualmente, ou como igreja coletivamente, devemos condoer-nos
daqueles que sofrem as consequências dum divórcio. Devemos saber chorar com os que
choram.
Antes de tudo devemos lembrar que a sua maior necessidade é espiritual. Se são pessoas
descrentes, devemos esforçar-nos em levar-lhes o Evangelho para que sejam salvas. Se
são salvos, há um problema difícil e delicado, pois se são casados em segundas núpcias, e
o primeiro cônjuge ainda vive, estão vivendo em pecado, e não podem fazer parte da
comunhão da igreja local enquanto este problema não for solucionado. Este problema tem
que ser enfrentado com muita compreensão e compaixão, mas os padrões da Palavra de
Deus não podem ser mudados.
Em alguns casos há uma solução. O casal pode separar-se. O marido, porém, teria de
sensibilizar-se das necessidades materiais da esposa. Se houver filhos, a situação torna-se
mais delicada ainda, e nenhuma solução será fácil. Em qualquer caso, devemos tratá-los
como irmãos amados, procurando ajudá-los tanto espiritualmente como de qualquer outra
forma possível.
Prevenir é melhor do que remediar
Que Deus nos dê corações sábios para entendermos a Sua Palavra, e também corações
compassivos, cheios do terno amor do nosso amado Salvador, que embora fisicamente
cansado, levou a água da vida, a salvação, a uma mulher a quem teve de dizer: “o (marido)
que agora tens não é teu marido” (Jo 4:18).

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