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A IGREJA

FRENTE AO DIVÓRCIO
(Estudo elaborado em face de haver o autor sido indicado em Plenário da União de
Ministros Batistas Conservadores, como membro comissão para estudar o assunto e
apresentar conclusões, visando posteriores deliberações de Assembléia Geral da mesma
Ordem)

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Antes de discutir o assunto, é necessário saber com clareza do que estamos tratando.

Divórcio, em português, significa:

1. Dissolução legal do casamento(Cândido de Figueiredo)


2. Dissolução legal do casamento em vida dos cônjuges(Koogan/Larrousse)
3. Dissolução do vínculo matrimonial, ficando os divorciados livres para contrair
novas núpcias(Aurélio)
4. Dissolução absoluta do vínculo conjugal(Michaelis/UOL).

Segundo Guy Duty(1), que cita os mais abalizados intérpretes do Hebraico, o termo
mosaico para divórcio, é kerithuth, que significa rompimento.

Em Grego, o termo apolyoo divórcio, é traduzido por Taylor como solto;


liberto; despeço; repudio(a esposa), divorcio, deixo; retiro-me(2).

I - O DIVÓCIO NO ANTIGO TESTAMENTO

Deus criou o ser humano como macho e fêmea e os uniu através do matrimônio em uma
só carne, numa fusão vitalícia.

Com o advento do pecado e sua conseqüência maior, a morte, esta, no ideal divino, seria
a única causa para a dissolução do casamento.

Entretanto, o pecado trouxe não só a morte, mas toda a gama de desgraças que
conhecemos e até as que nem imaginamos. Entre elas, a dureza de coração.
A dureza de coração(), embora sempre tenha sido mais evidente nos
homens, não lhes é privilégio exclusivo: tanto pode ser do homem que repudia sua
mulher por qualquer motivo, como da mulher que se torna infiel à castidade e à seu
marido.

Parece que nos tempos patriarcais o divórcio não era tão comum entre a família
eleita. O homem casado que desejasse qualquer outra moça, podia casar-se
paralelamente com ela, ou tomá-la como concubina, sem que isso se considerasse errado
ou pecaminoso.

Por outro lado, a mulher que se mostrasse infiel era condenada à morte, por
quem sobre ela tivesse autoridade.. Tamar, achando-se grávida em sua viuvez, Judá. Seu
sogro, mandou trazê-la para que fosse queimada (Gn 38.24).

A Lei, séculos depois, viria determinar que, não só a mulher, mas também os
homens que adulterassem, fossem apedrejados.

Assim, em caso de adultério, não havia divórcio. A mulher que rompesse o pacto
conjugal era morta e, o viúvo, sem problemas, estava livre para novo casamento.

Mas ao tempo do Deuteronômio, o divórcio por outros motivos(sendo a causa


real a dureza de coração), era uma realidade que carreava as maiores injustiças contra
as mulheres, que eram vítimas bastante indefesas. Por isso, Deus, através de Moisés,
regulamentou o uso dessa instituição(Dt 24.1-4), ainda que permanecesse o ideal divino
de serem ambos uma só carne(Ml 2.16).

Note-se que em Deuteronômio 24 Moisés apenas normatiza a questão. Está claro


que ele não aprovou nem incentivou. Mas é claro, também, que não a condenou. Ao
homem que encontrasse coisa feia (ou, indecente, ou, indecorosa) na mulher, era
facultado o direito de a repudiar, embora sabendo que, se o fizesse seria em definitivo;
caso se arrependesse, e a quisesse de volta, não poderia tê-la novamente.

A carta de divórcio (ou, “escrito de repúdio”), era um documento legal, que


tornava a mulher livre e desobrigada e na condição de solteira. Era, por assim dizer, um
“atestado de boa conduta”, que depunha em favor de sua honestidade.

Quanto ao significado da coisa feia não iremos entrar nessa pugna que vem
confundindo os eruditos há mais de 3.000 anos!

II - O DIVÓRCIO NO NOVO TESTAMENTO

Neste tópico temos que distinguir entre a situação que o Senhor Jesus Cristo
encontrou e o que ele ensinou para vigorar na Igreja que ele estabeleceria.

1. A situação vigente no tempo de Jesus

Sem nos ocuparmos com os gentios, entre os judeus era rotineira a ocorrência do
divórcio, principalmente partindo dos homens. As convicções - ou conveniências -
dividiam-se entre as escolas dos rabinos Hillel e Shammai, que viveram alguns decênios
atrás.
Hillel advogava ampla liberdade para o homem abandonar sua esposa, desde que
cumprisse a formalidade de conferir-lhe a competente carta ide divórcio. Shammai
admitia como causa única a infidelidade da mulher. Esta disputa foi levada ao Senhor
Jesus quando, tentando-o, os fariseus lhe perguntaram: É licito ao homem repudiar a
mulher por qualquer motivo?(Mt 19.3).

2. A norma traçada pelo Senhor

Negando uma resposta direta - portanto negando-se a tomar partido - o Senhor


retoma as origens mesmo da instituição matrimonial: No princípio macho e fêmea
(Deus) os fez... o homem ... se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne... o que
Deus ajuntou, não o separe o homem(Mt 19.4-6).

Quer dizer: o homem não tem o direito de separar o que Deus ajuntou. Assim como
não tem o direito de matar, de roubar, de se prostituir. No entanto, o homem tem
transgredido todos os não farás ditados por Deus. Assim como mata, rouba e se
prostitui, também separa o ajuntado por Deus, mesmo sabendo que a transgressão é
pecado que acarretará condenação. Na oportunidade, o Senhor deixa claro que não
existe justificativa para o divórcio, a não ser a prostituição(pornéia - ). Caso
esta ocorra, configura justa causa para o repúdio da parte infiel.

3. O Novo Testamento à luz do Antigo

Já no Antigo Testamento a adulteração do vínculo conjugal - quando uma terceira


pessoa se infiltrava na fusão de duas carnes numa só - a separação era, não só permitida
por Deus, mas por Ele ordenada mediante o apedrejamento do(a) adúltero(a) até amorte:
Assim tirarás o mal do meio de ti(Dt 22.22-24).

Agora, na interpretação do Senhor, a infidelidade continua sendo o único motivo


válido para dissolver um compromisso que já foi violado pela parte infiel.

4. As conotações do amor

Quando o Senhor coloca que nenhum motivo há para o divórcio, senão as relações
sexuais ilícitas, ele não está necessariamente exigindo que ocorra o repúdio. Ele
perdoou nossos pecados e ensinou que igualmente devemos perdoar os que pecarem
contra nós. Perdoou a adúltera de João 8, sob a condição de que não pecasse mais.
Assim, quando o infiel se arrepende, por mais duro que seja para o inocente, perdoar é o
ideal do Senhor. Isto embora pareça que ele não esteja obrigando o(a) traído(a) a
perdoar a parte culpada.

5. Quando o ideal não funciona

Há ocasiões em que, mesmo que a parte inocente se disponha a perdoar, nem mesmo
o perdão mais sincero restaura o relacionamento. O que geralmente ocorre, não é
meramente um ato de adultério, mas o estabelecimento de uma relação adulterina
contínua, com o abandono definitivo do cônjuge traído.
Unindo-se com sua mulher, o homem se torna um com ela. Se unir-se à uma
meretriz, faz-se igualmente um com esta(1 Co 6.16). E, no relacionamento conjugal,
não há lugar para três-em-um. Ao fazer-se “um “ com outra mulher, o homem - a meu
ver - quebrou o vínculo unitário com sua esposa. De igual modo, a mulher adúltera
quebra o pacto de fidelidade mútua com que se ligara ao marido. A união foi adulterada;
não é mais a mesma. Isto legitima o divórcio, porque a anulação espiritual já ocorreu. É
como escreveu Martyn Lloyd-Jones:

O cônjuge que se fez culpado de infidelidade rompeu esse laço ao unir-se com
uma terceira pessoa. O elo se quebrou, não existe mais uma só carne, e, por esse
motivo, o divórcio é perfeitamente legítimo.(3).

6. Duas teses a considerar

Entre os que radicalmente se opõem ao divórcio estão os que alegam que este separa corpos
e bens, mas não anula o casamento. Mas esta tese é insustentável, uma vez que divórcio
significa exatamente a anulação do conjúgio. Isto tanto em bom Português, como o
define qualquer dicionário, quanto nas línguas originais da Bíblia.

A Segunda tese se baseia nos termos gregos  (pornéia) e 


(moixéia), usados pelo Senhor: Eu porém vos digo que, qualquer que
repudiar( - ápolyon) sua mulher, não sendo por causa de
prostituição( – pornéia), faz com que ela cometa adultérioi( –
moixéia).

7. Uma guerra de palavras

O ex-padre Aníbal Pereira Reis joga toda a força de sua argumentação em cima dos dois
termos aqui usados. Defende que pornéia - em sua ótica apenas fornicação(relação entre
solteiros, ou mancebia), refere-se a pecado sexual ocorrido antes do casamento. Quer
dizer: Jesus aprovaria apenas quando o marido encontrasse a noiva já desvirginada. Este
fato(o anterior defloramento da moça), quando ignorado pelo marido, seria o motivo
válido para a anulação do casamento, desde que o marido o denunciasse imediatamente.
Qualquer outra causa para separação(apolyo), faria que a mulher se tornasse
adúltera(moixális) se contraísse novas núpcias, o mesmo ocorrendo com o
adúltero(moixós).(4) Mas neste caso está claro, na Bíblia, que a determinação divina era
o apedrejamento, e não, o divórcio.

8. Com a palavra os eruditos

O Dr. William C.Taylor, um dos mais proeminentes mestres do Grego Bíblico que o
Brasil conheceu, wnsina, em seu Vocabulário do NT Grego:

Moixalídos... de meretrício(olhos cheios)...

Moixéia... adultério, fornicação... PORNÉIA=fornicação, não se distingue(grifo


nosso) MOIXÉIA em Mateus 15.19, etc...
John A. Broadus assim se expressa:

Pornéia não é sempre limitada a união sexual entre pessoas não casadas, mas
aplica-se também às casadas, como 1 Co 5.1 e Am 7.17... (4)

O Autor cita abalizados autores mais recentes, mas reporta-se a antigos pais
como Teofilato, Jerônimo, Apolinário e, além de outros, Crisóstomo, de quem diz: “Por
certo sabia o grego”, os quais dão, com conhecimento de causa e da língua, cobertura à
versão Atualizada: Relações sexuais ilícitas.

Resumindo: O Senhor determina que, a não ser em caso de relações sexuais ilícitas, não
há o que justifique o divórcio para o cristão. Mas se estas ocorrerem, a parte traída tem
o direito, ainda que não a obrigação, de repudiar a infiel.

i. Outros textos sobre o assunto

Romanos 7.1-3, e 1 Co 7.39, também aludem à questão matrimonial. Mas a primeira


consideração que fazemos é que o texto de romanos trata da (des)vinculação da Lei,
para o crente gentio, principalmente, e e cita o casamento apenas como ilustração. Por
outro lado, parece claro, que tanto este texto como o de Coríntios tratam de uma relação
normal, fiel, que, segundo o ensino do Senhor, não poderia ser rompida. O mesmo se dá
com os textos de Marcos 10.11 e Lucas 16.18.

OBS. Alguns intérpretes vêem outra brecha para o divórcio em 1 Co 7.15, onde Paulo
ensina que a pessoa que se converte não deve abandonar o cônjuge incrédulo. Se o fizer,
que fique sem casar. Mas afirma que, se por causa da conversão do parceiro, a parte
inconversa se apartar( – xorizoo - separar... nos papiros termo técnico para
divórcio. Taylor), que se aparte, liberando seu cônjuge para casar com quem quiser,
conquanto que seja no Senhor. Como sublinhado acima, alguns intérpretes assim o
entendem. Não estamos, aqui, entrando no mérito.

III- O DIVÓRCIO NA HISTÓRIA DA DENOMINAÇÃO

Quando nossos pioneiros chegaram ao Brasil, em 1912, aqui dominava o Catolicismo


Romano, que formara a consciência do País, e que dava ao casamento religioso como
sacramento. O casamento civil não contava e a igreja(católica) o considerava mero
concubinato legalizado. Isso, para o católico, tornava o casamento absolutamente
indissolúvel , senão pela morte. O próprio Código civil era calcado nessa formação: Não
havia divórcio. O desquite era apenas a regulamentação de uma separação, dando-lhe
caráter legal. No desquite(separação judicial), o vínculo do casamento subsistia. O
desquitado, então, juntava-se, eventualmente, à uma mulher, tornando-se, como se dizia,
amancebado ou, amigado. Naquela situação, era impensável novo casamento, o qual,
ocorrendo, configuraria crime de bigamia, portanto ilegal.

Quando convertido era, muitas vezes, estimado por pastores e igrejas, que lhes
recebiam os dízimos e ofertas, aceitavam que as “meio-irmãs”, ou “quase-irmãs”,
ajudassem nas ocupações do Departamento Feminino e os “meio-irmãos” na construção
e em outras áreas em que fossem úteis. Mas não os batizavam nem lhes davam a Ceia. E
ensinavam-nos a buscar e incentivavam-nos a receber o batismo no Espírito Santo!
Alguns pastores até postulavam que estes casais deviam se separar. Mas... Como
separar uma família, não raro numerosa, com crianças, adolescentes, jovens, unida e
solidamente estabelecida???

Instituído o divórcio

Com a instituição do divórcio, mediante a Lei Nº 6.516, de 26/12/1977, a situação


mudou. Havendo divórcio, poderia haver novo consórcio conjugal. A ilegalidade, neste
caso, já não existia mais. Então, as igrejas – ou seus órgãos diretivos, tinham de se
posicionar.

Assim, a UMBI(União dos Ministros Batistas Independentes), da qual


participávamos, em data que não lembramos, tomou posição, mais ou menos, como
segue:

1. Casais que se convertessem já divorciados e casados de novo: Poderiam ser


recebidos normalmente , baseando-se que Deus não leva emconta os tempos da
ignorância(Cf. At 17.30);

2. Casais crentes: Envidar-se-iam todos os esforços para evitar a ruptura. Mas


ocorrendo, só se admitiria novo casamento em casos de confirmado adultério;

3. Membros re-casados poderiam desenvolver quaisquer atividades nas igrejas


locais, a critério destas;

4. A UMBI, porém, em nenhuma hipótese admitiria em seus quadros ministros


divorciados, ou casado com mulher divorciada.

CONCLUSÕES

O IDEAL DO Senhor é o casamento monogâmico, vitalício. Ninguém deve ser desleal


para com o par de sua mocidade(Ml 2.10). Os verdadeiros pais devem acompanhar toda
a trajetória de seus filhos e até de seus netos. Mas caso alguém traído, não tenha
condições de reconciliação, entendo que o Senhor permite que se divorcie - direito que,
aliás, ninguém contesta. Mas se o divórcio pode ser admitido, é igualmente lícito casar
de novo. A idéia de impedir o casamento do divorciado é estranha à Bíblia.

Penso que o Senhor não exige que o(a) irmão(ã) traído(a) tenha de sofrer o castigo de
permanecer solitário, até porque o mesmo Senhor declara que não é bom que o homem
esteja só. Isaías, 50.1 e Jeremias, 3.8, falam do próprio Deus, por motivo de
infidelidade, repudiando sua esposa Israel e dando-lhe o competente libelo de divórcio.

Quando os gentios começaram a se converter, apenas se lhes exigiu que se abstivessem


de uma poucas coisas necessárias e, para ingressarem na Igreja, seu passado não foi
questionado(At 15.20,29). Por tudo isto, entendo que os neo-conversos que vierem com
sua situação já definida e regularizada, não deveriam, pelo menos a priori, terem
impedida sua admissão.

PROPOSTA
Considero válida e posição tomada pela UMBI, como acima descrito. Proponho, pois,
que a mesma seja analisada e adaptada, ou ampliada, e aplicada, conforme seja possível
ou conveniente.

UMA PALAVRA PESSOAL

Não somos divorcista. Reconhecemos os males que advêm do divórcio, qualquer que
sejam suas causas ou formas. Principalmente para os filhos. É um da mais lamentáveis e
degradantes tipos de desagregação, a epidemia fatal que assola este fim dos tempos.
Verdadeira praga, oriunda da degradação do caráter humano. O ideal é o divino,
repetimos. Em primeiro que não existissem as infidelidades.. Por segundo, que
pudessem ser perdoadas. O que raramente acontece...

O que intentamos neste trabalho, além cumprir com mandato de Assembléia da OMBC,
é enfatizar que, segundo nosso ver, quem já foi “castigado” com a perfídia de uma
infame traição, não precisa ser ainda “castigado” com todas as demais conseqüências de
uma dolorosa separação, quando irreparável. Fica toda uma gama de seqüelas a sofrer.
Inclusive de caráter sentimental e sexual. E, se ao solteiro é dito que é melhor casar do
que viver abrasado, e que se não podem se conter, que casem-se, não vejo porque o
mesmo princípio deva ser negado ao divorciado, principalmente quando vítima de uma
situação que não procurou e não pôde evitar.

Citações Bibliográficas

1. DUTY, Guy. Divórcio e Novo Casamento, pp. 36-41; 2a. Ed.. Betânia. Belo Horizonte,1979.

2. TAYLOR, William C. Dicionário do NT Grego. 6a. Ed.Verbete. JUERP. Rio, 1980

3. JONES, Martyn Lloyd. Estudos sobre o Sermão do Monte. P.242. Fiel. (?.?)

4. REIS, Aníbal Pereira. Jesus e o Divórcio. Pp.44-50. Caminho de Damasco. São Paulo, 1977.

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