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CASAMENTO,
IMORALIDADE SEXUAL
& DIVÓRCIO
2a edição
Sérgio Franco e Anderson Paz
2ª edição / 2017
PROJETO GRÁFICO
Tita Pereira
REVISÃO DE TEXTOS
Bianca Garofani Paz
COLABORADOR
Luiz Roberto Cascaldi
ILUSTRAÇÕES
Tita Pereira e Freepik
DISTRIBUIÇÃO
Apê Criativo
INTRODUÇÃO
Há muitos anos este tema tem nos confrontado. Com certeza é um dos
mais polêmicos e delicados a ser tratado entre aqueles que desejam levar a
sério os mandamentos do Senhor Jesus. Lamentavelmente, alguns líderes não
consideram este tema importante e não estão atentos aos problemas de
divórcios no meio da igreja e nem à forma como Jesus tratou isto, dando
máxima importância.
O fato é que aqueles que zelam pelas ovelhas do Senhor Jesus buscam
compreender claramente este ensino, considerando que um erro pode custar a
alma de alguém, levando-se em conta que “os adúlteros não herdarão o Reino
de Deus” e também que entre a destruição de uma família e a perda de uma
alma, o bom senso escolhe a vida eterna ao lado do Senhor Jesus Cristo.
A 1ª edição deste livro surgiu a partir das aulas ministradas em um
treinamento para líderes da Igreja em Curitiba, chamado de CTL. Iniciamos as
nossas aulas falando sobre a obra de fazer discípulos e, quando começamos a
estudar o “sermão do monte”, foi inevitável tocar no tema divórcio e novo
casamento.
Havia chegado a hora de abordar os versículos 31 e 32 de Mateus 5. O
conteúdo dessas aulas1 foi transcrito, editado e organizado. Além disso,
também foi acrescentado conteúdo novo, aprofundando alguns temas e
abordando assuntos que não foram suficientemente esclarecidos durante as
aulas.
Após sua publicação, a 1ª edição desta obra foi submetida a um encontro
de pastores, promovido na cidade de Cabo Frio/RJ, em novembro de 2016.
Ali colhemos opiniões e recebemos sugestões. Então, iniciou-se um novo
trabalho que resultou na nova edição ora apresentada.
A 2ª edição do livro “Casamento, Imoralidade Sexual e Divórcio” foi
orientada a partir da necessidade de agregar conteúdo novo, reorganizar a
forma como o livro estava apresentado e retirar alguns pontos que eram pouco
pertinentes à temática da obra.
Por isso, nos dedicamos a uma revisão geral, na qual concentramos por
capítulo alguns temas que se encontravam dispersos ao longo da primeira
edição do livro, e assim evitamos repetir conteúdos que tornavam a leitura do
texto mais difícil. Portanto, você está diante de um livro novo, diferente em
muitos aspectos da 1ª edição.
Este livro não existiria sem a experiência pastoral do presbitério da
Igreja na Zona Oeste do Rio de Janeiro, sem a coautoria do meu querido
Anderson Paz e sem o empenho da Mesa Pastoral em Curitiba.
Esperamos que este material possa cooperar de alguma forma com a sua
compreensão. Com muito temor e tremor, arriscamos dizer que não julgamos
possuir luz plena sobre o assunto.
Boa leitura!
Sérgio Franco
Capítulo I
O QUE É O CASAMENTO?
Quando questionado sobre o tema do divórcio, o Senhor Jesus falou
sobre o casamento na Criação (Mateus 19:3-9; Marcos 10:2-9). Isso nos
revela que não devemos falar sobre o tema divórcio sem compreender de fato
o que é casamento. De forma simples e clara, Jesus falou da instituição do
casamento na sua origem: “desde o princípio da criação, Deus os fez homem
e mulher” (Marcos 10:6).
A primeira coisa que precisa estar clara é que o casamento foi uma
iniciativa de Deus Pai. Ele mesmo idealizou, criou e abençoou o matrimônio
desde o Éden. Foi Deus quem percebeu que não era bom que o homem
estivesse só, e por isso lhe fez uma auxiliadora idônea (Gênesis 2:18). A
mulher foi formada a partir do homem por uma iniciativa única do Criador,
sem nenhuma cooperação do homem, nem sequer um simples pedido de
oração. Mesmo Adão não tendo pedido uma esposa para Deus, quando a viu,
não teve dúvidas de que ela havia saído dele (Gênesis 2:23). A mulher não era
como uma das fêmeas dos animais aos quais Adão dava nome.
As Escrituras deixam claro que o casamento é uma instituição divina
pela qual um homem e uma mulher se unem por vontade própria numa
comunhão social e legal com o propósito de estabelecerem uma família2
(Gênesis 1.27-28; 2.18-24). Nos planos de Deus, o matrimônio é a união mais
íntima e profunda que pode ser estabelecida entre duas pessoas. O elemento
central de sua constituição é a aliança, o pacto entre os cônjuges (Provérbios
2:16,17; Malaquias 2:14; Ezequiel 16:83). É um vínculo permanente e só pode
ser dissolvido pela morte (Romanos 7.2-3; I Coríntios 7:39) ou,
excepcionalmente, pelo divórcio (Mateus 5:31-32 e 19.3-9).
Logo no primeiro casamento da história são declaradas as condições
para todos os outros casamentos que se seguiriam. Vejamos:
“Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este
adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a
costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher
e lhe trouxe. E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da
minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso,
deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só
carne” (Gênesis 2:21-24).
Uma verdade que precisamos entender sobre o casamento é que ele não
foi estabelecido por uma lei humana e nem inventado por alguma civilização.
Ele antecede a toda cultura, tradição, povo ou nação. Ele é anterior à queda do
homem. É uma instituição divina. Portanto, devemos ter cuidado ao falar de
algo que Deus criou. É uma afronta ao Senhor desenhar o casamento do jeito
que cada um imagina, pois ele não é criação humana, mas divina. O
matrimônio deve ser digno de honra entre todos (Hebreus 13:4) e a família é
um projeto de Deus!
Embora popularmente se diga “amigado com fé, casado é” (uma
expressão que descarta a necessidade de casamento), sabemos que
“amigados” que não passam pela porta chamada casamento não estão casados
diante de Deus. Para a sociedade atual isso é lícito, mas no Reino de Deus,
não. Para o Senhor, casamento é quando o homem deixa pai e mãe, se une em
um aliança voluntária com uma mulher e entram em um pacto conjugal e sexual
tornando-se ambos uma só carne. Podem ter filhos ou não, o que não é um
impedimento para que sejam uma família.
Assim, se existe na igreja casais que moram juntos (amigados), todavia
não são casados, deve haver uma ação pastoral no sentido de corrigir essa
situação, pois eles estão em pecado. Se ambos forem solteiros, estão em
fornicação8; se um deles for casado com outra pessoa, estão em adultério. São
pessoas que não passarão pela porta estreita que conduz ao Reino dos céus (I
Coríntios 6:9,10). Deus não muda. São eles quem precisam mudar e ajustar-se.
Aqueles que acreditam que o casamento é constituído pela mera união
sexual, ou por um relacionamento baseado no amor sentimental (sem o
compromisso da aliança), deveriam pensar seriamente nos reflexos desse
posicionamento sobre outros ensinos bíblicos. Os conceitos de divórcio e de
adultério só podem ser estabelecidos a partir de um conceito sobre casamento.
Se dissermos que um casal de namorados já está casado só por terem relações
sexuais, teríamos também que dizer que na dissolução desse “casamento”, os
cônjuges estariam debaixo das seguintes palavras:
“Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se
separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que
se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher”
(I Coríntios 7:10,11).
“Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa
de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério e o que
casar com a repudiada comete adultério” (Mateus 19:9).
No texto acima, Paulo não concebe o sexo sem compromisso como uma
alternativa para aqueles que não se dominam. O único contexto lícito e santo
para o sexo é no casamento.
O casamento não pode ser fundamentado no sexo e nem no amor
sentimental, mas sim na aliança. Portanto, a partir da Palavra de Deus, o
casamento pode ser definido como “uma aliança heterossexual exclusiva entre
um homem e uma mulher, ordenada e selada por Deus, precedida do ato
público de deixar os pais, consumada pela união sexual, resultando numa
parceria permanente de apoio mútuo, geralmente (nem sempre) coroada pela
dádiva de filhos”9.
Ninguém além de Deus tem autoridade para determinar o que é um
casamento ou quando ele acaba. Isso não é determinado pelo Estado e nem
mesmo pelos cônjuges, pois o casamento não é uma sociedade entre duas
partes na qual cada uma coloca as suas condições. Deus é quem estabelece as
condições. Quem se casa deve aceitar as condições estabelecidas por Deus em
Sua Palavra e não há nada o que temer, pois Ele é Amor e possui todo poder e
sabedoria.
Capítulo 2
“OUVISTES QUE FOI DITO AOS ANTIGOS"
DIVÓRCIO E REPÚDIO NA LEI DE
MOISÉS
A relação entre a lei de Moisés e a mensagem de Jesus no sermão do
monte
“Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir,
mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra
passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo
seja cumprido” (Mateus 5:17,19).
“Porque a lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram
por Jesus Cristo” (João 1:17).
“Havendo Deus falado aos pais, de muitos modos pelos profetas, nos
últimos dias nos falou pelo Filho” (Hebreus 1:1).
“Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir,
mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra
passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo
seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por
menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no
Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado
grande no Reino dos céus. Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não
exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos
céus” (Mateus 5:17-20).
Em Mateus 5:21-30, nas duas vezes em que declara “ouvistes que foi
dito”, Jesus faz referência a mandamentos claramente expressos na lei de
Moisés, apresentados inclusive entre os Dez Mandamentos: “não matarás” e
“não adulterarás”. A partir daí, Ele começa a abordar outro tema: o repúdio.
“Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio.
Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de
relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar
com a repudiada comete adultério” (Mateus 5:31,32).
“Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for
agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela, e se ele
lhe lavrar um termo de divórcio, e lho der na mão, e a despedir [no
hebraico, shalach] de casa; e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com
outro homem; e se este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, e lho der
na mão, e a despedir [shalach] da sua casa ou se este último homem, que a
tomou para si por mulher, vier a morrer, então, seu primeiro marido, que a
despediu [shalach], não poderá tornar a desposá-la para que seja sua
mulher, depois que foi contaminada, pois é abominação perante o SENHOR;
assim, não farás pecar a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá por herança”
(Deuteronômio 24:1-4, ARA - grifo nosso).
“Assim será com o que se chegar à mulher do seu próximo; não ficará
sem castigo todo aquele que a tocar” (Provérbios 6:29).
Você está livre, portanto, para qualquer pessoa que queira se casar com você. Seja esta a sua
carta de divórcio escrita por mim, uma carta de separação e expulsão, de acordo com a lei
de Moisés e Israel.
________________________________________
O Marido
Testemunha: _______________________,
filho de ___________________________
Testemunha: _______________________,
filho de ___________________________
b) a carta deveria ser entregue à mulher: A mulher repudiada deveria
levar consigo o documento que atestava sua condição de não casada, a fim de
protegê-la de falsas acusações e mal-entendidos. Se fosse despedida sem a
carta de divórcio, ela estaria sujeita a qualquer mudança de opinião do seu
marido, e ainda ficaria sob o poder do mesmo. Sem esse documento, ao casar-
se com outro homem ou aparecer grávida, a mulher seria acusada de adultério
e os eventuais filhos dessa relação seriam considerados bastardos. Enquanto
não tivesse a carta, não era livre para casar com outro homem.
Um historiador judeu do século I, Flávio Josefo (37-100 d.C), escreveu
o seguinte34:
“Então, saiu Ló e falou a seus genros, aos que estavam para casar
[laqach] com suas filhas e disse: Levantai-vos, saí deste lugar, porque o
SENHOR há de destruir a cidade. Acharam, porém, que ele gracejava com
eles” (Gênesis 19:14 - grifo nosso).
Constata-se que Deuteronômio 24:1-4 regulamenta o repúdio em um
casamento já consumado, e não durante o noivado. O marido efetivamente
havia tomado (laqach) sua mulher. Isso é reforçado pelo fato de que a mulher,
ao ser repudiada, saía de casa (“…se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e
lho der na mão, e a despedir de casa; e se ela, saindo da sua casa…”). Se a
mulher saía da casa de seu marido, logo não era mais noiva, pois a noiva
ainda vivia na casa dos pais.
Se o repúdio só fosse permitido no caso de falta de virgindade da
mulher, o texto deveria deixar claro quanto o tempo o marido teria para
repudiá-la após a descoberta. Porém, o texto não traz qualquer menção sobre
esse prazo, deixando esse tema em aberto.
“No tocante ao voto de uma viúva ou de uma repudiada, tudo com que
se obrigar ser-lhe-á válido” (Números 30:9).
Uma mulher repudiada poderia voltar à casa de seu pai. Moisés ensina
que, se um sacerdote receber de volta uma filha que fora repudiada, esta terá
direito de comer das ofertas.
A lei tratava de duas situações nas quais o marido deveria repudiar sua
esposa:
b) O repúdio da mulher que fora vendida por seu pai como escrava:
Esse é outro exemplo de proteção à mulher. Um pai, quando endividado,
poderia vender ou entregar seus próprios filhos para quitar a dívida. No texto
abaixo, vemos como Deus resguarda a mulher vendida como escrava por seu
próprio pai.
“Se um homem vender sua filha para ser escrava, esta não lhe sairá
como saem os escravos. Se ela não agradar ao seu senhor, que se
comprometeu a desposá-la, ele terá de permitir-lhe o resgate; não poderá
vendê-la a um povo estranho, pois será isso deslealdade para com ela. Mas,
se a casar com seu filho, tratá-la-á como se tratam as filhas. Se ele der ao
filho outra mulher, não diminuirá o mantimento da primeira, nem os seus
vestidos, nem os seus direitos conjugais. Se não lhe fizer estas três coisas,
ela sairá sem retribuição, nem pagamento em dinheiro” (Êxodo 21:7-11 -
grifo nosso).
“Se um homem casar com uma mulher, e, depois de coabitar com ela, a
aborrecer, e lhe atribuir atos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama,
dizendo: Casei com esta mulher e me cheguei a ela, porém não a achei
virgem, então, o pai da moça e sua mãe tomarão as provas da virgindade da
moça e as levarão aos anciãos da cidade, à porta. O pai da moça dirá aos
anciãos: Dei minha filha por mulher a este homem; porém ele a aborreceu;
e eis que lhe atribuiu atos vergonhosos, dizendo: Não achei virgem a tua
filha; todavia, eis aqui as provas da virgindade de minha filha. E estenderão
a roupa dela diante dos anciãos da cidade, os quais tomarão o homem, e o
açoitarão, e o condenarão a cem siclos de prata, e o darão ao pai da moça,
porquanto divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. Ela ficará sendo
sua mulher, e ele não poderá mandá-la embora [shalach] durante a sua
vida” (Deuteronômio 22:13-19 - grifo nosso).
“Se um homem achar moça virgem, que não está desposada, e a pegar
e se deitar com ela, e forem apanhados, então o homem que se deitou com
ela dará ao pai da moça cinquenta siclos de prata; e, uma vez que a
humilhou, lhe será por mulher; não poderá mandá-la embora [shalach]
durante a sua vida” (Deuteronômio 22:28,29 - grifo nosso).
“Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de
divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em
caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que
casar com a repudiada comete adultério” (Mateus 5:31,32).
Geralmente esse texto é usado para demonstrar que Jesus teria permitido
uma exceção para o divórcio, que seria apenas em caso de porneia, termo
grego que geralmente é traduzido como relações sexuais ilícitas ou
imoralidade sexual. Em língua portuguesa, esse termo deu origem à palavra
“pornografia”. Em quase todas os idiomas ocidentais há palavras
correspondentes a esse termo que derivam da mesma raiz grega61. No próximo
capítulo analisaremos de forma mais detalhada o significado da palavra
porneia, bem como os pecados que essa expressão abrange. Mas, por
enquanto, partiremos do pressuposto de que porneia é uma referência às
relações sexuais ilícitas.
No estudo de Mateus 5:31 e 32 precisamos destacar que,
independentemente do significado de porneia, o foco de Jesus não é ensinar
sobre os motivos do repúdio. Naquele momento, Ele não estava sendo
questionado sobre isso. Se Jesus se limitasse a falar sobre os motivos do
repúdio, estaria apenas alimentando as discussões entre as escolas rabínicas
de Hilel e Shammai.
O tema tratado por Jesus em Mateus 5: 31 e 32 é a responsabilidade do
homem que repudia sua mulher. Muitas vezes esse texto é interpretado como se
Jesus tivesse dito: “o homem não pode repudiar a sua mulher, exceto em
caso de relações sexuais ilícitas”. Entretanto, a abrangência do ensino de
Jesus é muito maior, pois Ele fala do adultério a que a mulher repudiada fica
exposta: “qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações
sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a
repudiada comete adultério”.
Com essa declaração, Jesus revela algo surpreendente: se a mulher fica
exposta ao adultério é porque, mesmo com a carta de divórcio e o repúdio, seu
vínculo conjugal com o primeiro marido não foi rompido. O adultério é um
pecado que sempre envolve uma pessoa casada.
O homem só não seria responsabilizado pelo eventual adultério (segundo
casamento) da mulher repudiada se esta já estivesse cometendo porneia. Uma
tradução livre de Mateus 5:32 seria assim: “Se você rejeitar a sua esposa,
será responsável por torná-la adúltera (a não ser que ela já o seja por ter se
tornado promíscua)”62. Se o homem, ao repudiar sua esposa, se torna
responsável por torná-la adúltera, a cláusula de exceção é inteligente e tem
todo o sentido, pois ele não pode ser responsabilizado se a mulher já comete
adultério, se ela já é promiscua. Da mesma forma, o cuidado do Senhor em
amparar a mulher repudiada perde o sentido uma vez que esta escolheu
deliberadamente tornar-se adúltera.
É importante destacar que Jesus fala tanto da responsabilidade do
homem que repudia, como do adultério de quem casa com a repudiada. Porém,
em Mateus 5:31 e 32 nada é mencionado ou insinuado sobre o novo casamento
do homem que repudiou a sua esposa.
De forma isolada, o texto de Mateus 5:31 e 32 não nos permite concluir
nada sobre o novo casamento do homem que repudia sua mulher, mas faz com
que surjam perguntas sobre isso, além de questionamentos sobre a dissolução
do casamento nos casos de repúdio por porneia.
Se o repúdio por causa de porneia não tivesse o efeito de dissolver o
vínculo conjugal, estaríamos diante de uma situação, no mínimo, estranha. O
homem poderia repudiar sua esposa que cometeu porneia, mas, uma vez que o
casamento não foi desfeito, ela continuaria exposta a cometer adultério ao se
casar com outro homem (diferente do homem com quem havia adulterado
anteriormente63). Qual seria, portanto, o sentido da cláusula de exceção em
Mateus 5:32, uma vez que qualquer que fosse o motivo do repúdio a mulher
sempre estaria exposta ao adultério?
A situação do homem que casa com outra mulher após repudiar sua
primeira esposa só é abordada mais adiante, em Mateus 19:3-10; Marcos
10:2-12 e Lucas 16:16-18.
Vejamos o relato de Mateus 19:3-12:
“Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa
de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério e o que
casar com a repudiada comete adultério” (Mateus 19:9).
Deus trouxe de volta aquilo que Ele criou em Gênesis. No princípio era
homem e mulher, ou seja, Ele criou uma única mulher para o homem. Nunca foi
plano dEle que o homem tivesse muitas esposas. O desejo do Senhor sempre
foi que cada marido tivesse sua própria esposa e vice-versa.
Quando o Evangelho de Mateus trata do repúdio, apenas uma única
exceção é mencionada: a porneia. Há quem defenda que essa exceção foi
agregada para fazer referência ao motivo do repúdio em Deteronômio 24:1-4,
a fim de não colocar Jesus em oposição à lei. Sendo assim, a cláusula de
exceção apenas explicaria como expressão “coisa indecente” deveria ser
compreendida. Existiria uma correspondência entre a expressão hebraica
erwath dabar e a palavra grega porneia. Entretanto, tal conclusão é
equivocada. Qualquer que seja o significado de erwath dabar, não pode ser o
mesmo de porneia. Jesus asseverou que a regulamentação do repúdio na lei
foi dada por causa da dureza dos corações. E logo em seguida, declarou “Eu,
porém, vos digo…”. Se Jesus tivesse mantido a mesma permissão dada pela
lei, repetindo o que já havia sido dito aos antigos, sua fala ficaria sem sentido.
Se admitíssemos a equivalência entre e erwath dabar e porneia, faríamos o
discurso de Jesus rodar em círculos.
A cláusula de exceção não é registrada em nenhum outro lugar do Novo
Testamento além do Evangelho de Mateus. Vejamos abaixo o texto do
Evangelho de Marcos sobre o repúdio:
Em Marcos 10, tal como em Mateus 19, Jesus está sendo arguido pelos
fariseus sobre o tema do divórcio. Porém, as perguntas em cada um desses
Evangelhos são ligeiramente diferentes. Enquanto em Mateus a pergunta é
sobre os motivos para o repúdio, em Marcos a pergunta é se o repúdio é
lícito. Mateus registra um detalhe que não é mencionado por Marcos: a reação
dos discípulos diante do ensino de Jesus. E Marcos, por sua vez, fala sobre a
mulher que repudia seu marido, situação que não era contemplada pela lei. A
lei não falava nada sobre maridos repudiados. Porém, essa menção em Marcos
pode ter sido determinada pelo fato desse Evangelho ter sido escrito aos
gentios.
Já Lucas 16:16-18 apresenta um contexto distinto e trata do tema
divórcio de forma ainda mais resumida:
“A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo
anunciado o evangelho do Reino de Deus, e todo homem se esforça por
entrar nele. E é mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til sequer
da Lei. Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério; e
aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também comete
adultério” (Lucas 16:16-18 - grifo nosso).
Para estudarmos o divórcio à luz do Novo Testamento, também devemos
passar pelos textos em que o apóstolo Paulo trata desse tema. Geralmente,
qualquer abordagem sobre o divórcio passa por dois textos. O primeiro é
Romanos 7:1-4:
“Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que
a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher casada
está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer,
desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será considerada adúltera
se, vivendo ainda o marido, unir-se com outro homem; porém, se morrer o
marido, estará livre da lei e não será adúltera se contrair novas núpcias.
Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do
corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou
dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus” (Romanos 7:1-4).
Por vezes, o texto acima é usado para mostrar que o casamento só pode
ser dissolvido pela morte. Porém, nesse texto em particular, é importante saber
que Paulo está usando como ilustração não a indissolubilidade do casamento,
mas sim a condição da mulher frente ao seu marido. Segundo a lei, a mulher
não tinha nada que pudesse fazer para sair debaixo do poder do marido. Paulo
fala que ela só seria livre pela morte do mesmo, assim como nós só saímos
debaixo do poder da lei pela morte. Porém, o apóstolo conhecia muito bem a
lei de Moisés, e escreveu para pessoas que também a conheciam (“falo aos
que conhecem a lei”), e a lei trazia a permissão para o repúdio e novo
casamento. Contudo, o repúdio era uma prerrogativa do marido. Ou seja, a
mesma lei que ligava a mulher ao marido era a que dizia que o marido poderia
repudiá-la. Mas a mulher, por si só, não tinha condição de libertar-se do
marido senão pela morte. Portanto, Paulo menciona a condição da mulher
casada, a mulher que tem marido, e não fala sobre a mulher repudiada, pois
esta não tinha mais marido. Para o argumento que o apóstolo desenvolve em
Romanos 7, não fazia sentido usar a ilustração da mulher repudiada, já que
ela, caso não se casasse com outro homem, ainda poderia retornar ao seu
marido. Mas a morte rompia definitivamente o vínculo conjugal, sem
possibilidade alguma de retorno. A viúva estava definitivamente livre do
marido.
O segundo texto de Paulo que precisamos ler para estudarmos o divórcio
é o capítulo 7 de I Coríntios, onde o apóstolo responde perguntas que haviam
lhe sido feitas anteriormente. Paulo inicia o capítulo dizendo “quanto ao que
me escrevestes…”, e partir daí começa a tratar de temas como a sexualidade,
o casamento, a separação, o celibato, a virgindade e a viuvez. Não temos as
perguntas que originalmente foram feitas a Paulo, mas a partir de suas resposta
podemos inferi-las.
Ao falar sobre a separação, Paulo não menciona a exceção por causa de
porneia. Entretanto, ele faz abordagens específicas para cada tipo de casal,
distinguindo duas situações: os casamentos em que ambos os cônjuges são
cristãos e os casamentos em que um dos cônjuges é incrédulo. Vejamos o
texto:
“Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se
separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que
se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher.
Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher incrédula, e
esta consente em morar com ele, não a abandone; e a mulher que tem
marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não deixe o marido.
Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa
incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os
vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos. Mas, se o descrente
quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão
nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz” (I Coríntios 7:10-
15).
“Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem
mácula; porque Deus julgará os impuros e os adúlteros” (Hebreus 13:4).
Então, se Deus não quer que a pessoa se aparte, quanto mais que se
divorcie, pois Ele não quer “oficializar o repúdio”. A separação não está de
acordo com a vontade de Deus.
Ao adotarmos certa posição sobre um tema bíblico, precisamos refletir
sobre o impacto dessa posição sobre os textos que tratam do assunto. Se o
casamento pudesse ser dissolvido por qualquer motivo, como entenderíamos o
mandamento dados aos maridos para que estes amem suas esposas como
Cristo amou a igreja e deu sua vida por ela? (Efésios 5:25). Isso só pode ser
compreendido à luz da verdade de que a união conjugal foi planejada por
Deus para ser duradoura, sendo dissolvida, em regra, apenas pela morte de um
dos cônjuges.
Os mandamentos para os cônjuges não se resumem à fidelidade e a não
se divorciarem. Os maridos devem amar suas esposas como Cristo amou a
igreja, não devem tratá-las com amargura (Colossenses 3:19), e devem honrá-
las como vaso mais frágil que são (I Pedro 3:7). As esposas devem amar,
respeitar e se submeter a seus próprios maridos (Efésios 5:22-24, Colossenses
3:18, I Pedro 3:1-6; Tito 2:3-5).
À luz desses mandamentos podemos dizer que não basta não se
divorciar. O repúdio é algo que começa no coração. A pessoa rejeita em seu
interior, divorcia e repudia no exterior. Antes de expulsar alguém da sua casa
a pessoa o expulsa do seu coração. Em nossa sociedade, muitos homens estão
casados há 30, 40 anos, mas em seu coração já repudiaram suas esposas há
muito tempo. Se o pecado se resumisse ao divórcio, então esses homens
estariam bem diante de Deus. Porém, como mandamento é amar, eles estão
muito mal, pois mesmo casados, seguem sem amor com suas esposas.
Defender o divórcio por qualquer razão é pecar contra o Senhor e dar
sustentação para muitos adultérios. Um casamento não pode ser desfeito sob
desculpas como a incompatibilidade de gênios ou porque “o amor acabou”.
Jesus só menciona uma única exceção para o divórcio. Infelizmente, em nome
de doutrinas humanas, muitos pecados têm sido alimentados em meio à igreja.
Que o nosso coração se encha de temor a Deus e de fidelidade à Sua Palavra.
“Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher...” (Mateus
5:32).
“Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher...” (Mateus 19:9).
2. Uma vez que Jesus declarou “Eu, porém, vos digo...”, não faria
sentido Ele repetir o mesmo conteúdo da lei e da tradição judaica. A lei já
determinava que o repúdio só poderia ocorrer com carta de divórcio
(Deuteronômio 24:1-4), e os judeus sabiam o que havia sido dito aos
antigos: “Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio”
(Mateus 5:31).
“Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra
aquela. E, se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério”
(Marcos 10:11,12 - grifo nosso).
“[...] não sendo por causa de porneia, quem repudiar sua mulher e casar
com outra comete adultério [...]”.
“[...] quem repudiar sua mulher e casar com outra, não sendo por causa de
porneia, comete adultério [...]”.
“[...] quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério, não
sendo por causa de porneia [...]”.
Por essas razões, não temos porque pensarmos que Jesus teria permitido o
repúdio em caso de imoralidade sexual, sem permitir com isso o segundo
casamento.
Entretanto, fica uma pergunta: Depois de receber o divórcio da parte
inocente, a parte culpada de porneia poderá casar-se novamente? Ora, se o
vínculo conjugal foi dissolvido, o foi para ambos os cônjuges. Não há como
um estar livre e outro permanecer casado. Além disso, se o novo casamento da
mulher repudiada por causa de porneia fosse adultério, então qual seria o
efeito da cláusula de exceção para o marido? Essa cláusula não teria efeito
prático algum, pois o marido sempre poderia ser acusado de fazer sua mulher
adulterar, já que, qualquer que fosse o motivo do divórcio, ela sempre se
cometeria adultério ao se casar novamente77. Isso retiraria todo o sentido da
cláusula de exceção.
Para algumas pessoas, ao admitir um novo casamento para a parte
culpada, a igreja estaria rebaixando seu padrão moral, “alargando a porta
estreita” e premiando o pecado. Como uma pessoa que se entregou à
imoralidade, sendo infiel ao seu cônjuge, ainda teria a possibilidade de casar-
se novamente? Esse questionamento surge pela confusão que é feita entre novo
casamento e perdão de pecados. As duas coisas não têm relação alguma. O
fato de poder casar de novo não implica perdão automático da imoralidade
anteriormente cometida. Afinal, o perdão de pecados envolve arrependimento
e confissão (I João 1:7-9).
Isso pode ser entendido quando comparamos com a situação de um casal
de solteiros que vivem em fornicação, mas decidem casar por que desejam ter
uma festa. Apesar das relações sexuais após o casamento serem lícitas, isso
não significa que estão perdoados da fornicação anteriormente cometida, pois
é preciso arrependimento. Da mesma forma, o cônjuge que cai em adultério e
decide permanecer casado, mas ocultando seu pecado, não é perdoado
automaticamente por isso. Nem a permanência no casamento, nem o novo
casamento implicam perdão do adultério cometido.
Sobre o perdão, podemos nos lembrar da situação envolvendo Davi e
Bate-Seba. Depois da morte de Urias, o casamento entre Davi e Bate-Seba era
lícito. Contudo, a licitude desse casamento não isentou Davi de ser duramente
repreendido e corrigido pelo seu adultério e por ter promovido a morte de
Urias. Davi teve que admitir: “Pequei contra o SENHOR” (II Samuel 12:13).
Por vezes, aqueles que não admitem qualquer possibilidade de novo
casamento pós-divórcio argumentam que o conjunto dos escritos cristãos dos
cinco primeiros séculos (as obras dos chamados Pais da Igreja e outros
autores) seriam unânimes em condenar qualquer novo casamento após o
divorcio, mesmo que este tivesse ocorrido por causa de porneia. A única
exceção a esse pensamento seria de Ambrosiaster78.
Entretanto, há algumas coisas que precisamos considerar. Até mesmo
pesquisadores que defendem essa unanimidade nos primeiros séculos da era
cristã admitem que existem alguns escritos duvidosos ou obscuros79. Há textos
que não são conclusivos quanto à condenação do segundo casamento80.
Portanto, o máximo que poderíamos concluir é que havia um pensamento
majoritário quanto à condenação do novo casamento, mas não necessariamente
unânime. E há ainda, em certos casos, evidente tolerância com o segundo
casamento após o divórcio, como acontece em textos de Epifânio de
Salamina81, Basílio de Cesareia82 e outros.
Outro ponto que precisamos considerar é que, mesmo entre os escritores
que condenaram o segundo casamento, não há uma concordância sobre todas
as questões que envolvem esse assunto. Por exemplo, Hermas afirma que o
marido que vivesse com uma mulher adúltera tinha a obrigação de repudiá-la
para não se tornar cúmplice do seu pecado, e deveria ficar sozinho
aguardando o arrependimento da esposa83. Já para Agostinho, o repúdio em
caso de adultério seria uma permissão, e não uma obrigação84. Havia, nos
primeiros séculos, quem condenasse o segundo casamento de viúvos.
Por fim, o fato das obras dos pais da igreja estarem cronologicamente
mais próximas dos apóstolos, não significa que eram mais fiéis ao ensino
deles. Vemos entre os pais da igreja uma crescente influência do ascetismo,
afetando suas visões sobre o casamento. Muito da discussão patrística dizia
respeito à superioridade do celibato, da virgindade e da viuvez em relação ao
casamento85, e havia até mesmo quem ensinasse a abstinência de relações
sexuais dentro do próprio casamento, contrariamente ao que Paulo ensinou em
I Coríntios 7:1-6. Portanto, devemos ter cuidado para não confiar demais em
suas conclusões.
À luz das Escrituras, uma vez que se apresenta uma exceção para o
divórcio não há razão para supormos que não haveria possiblidade de novo
casamento em tal caso. Entretanto, o mais importante é que, seja qual for o
significado da cláusula de exceção, ela não recebe ênfase nos textos de Mateus
5:32 e 19:9. Não se deve permitir que a preocupação com uma exceção
obscureça o fato de o repúdio ser reprovado por qualquer outra razão.
A verdade é que o ensino de Jesus veio para colocar o esclarecimento
final sobre o tema do divórcio. Porém, até hoje, os homens encontram muitas
formas de tentar mudar o ensino do Senhor para alargar as possibilidades de
divórcio. Entretanto, há certas correntes, por zelo para proteger a instituição
do casamento, ignoram ou descartam a existência da cláusula de exceção. Para
isso, buscam dar um significado extremamente restrito ao termo porneia,
tornando a exceção praticamente inexistente. Por isso, no próximo capítulo
analisaremos o significado dessa expressão grega.
Capítulo 4
A EXCEÇÃO PARA O DIVÓRCIO E O
NOVO CASAMENTO
Vimos no capítulo anterior que, entre os religiosos da época de Jesus,
havia um debate sobre os motivos para o repúdio. Esse debate girava em torno
do significado da expressão “coisa indecente” (erwath dabar, no hebraico),
registrada em Deuteronômio 24. Porém, independentemente do significado
dessa expressão, Jesus trouxe uma resposta definitiva sobre o assunto quando,
ao introduzir seu ensino sobre o tema, declarou: “Eu, porém, vos digo...”
(Mateus 5:32; 19:9). O ensino de Jesus sobre o repúdio deveria estar claro
para todos nós.
Entretanto, passados 2.000 anos desde a declaração do Mestre, os
cristãos ainda se encontram em debates sobre esse tema. A discussão agora
não é apenas sobre o significado de “coisa indecente”, mas também sobre a
cláusula de exceção mencionada duas vezes no Evangelho de Mateus: “exceto
em caso de porneia”, “não sendo por causa de porneia”. Enquanto os judeus
debatiam o significado de uma expressão hebraica, os cristãos, infelizmente,
continuam debatendo, mudando apenas o idioma: agora a discussão é sobre
uma palavra grega.
Não cremos que Jesus ensinou algo para perpetuar os debates sobre os
motivos para o divórcio. Qualquer que seja o significado da palavra porneia,
não podemos crer que ela tenha sido usada no Evangelho de Mateus de forma
que deixasse seus leitores originais em dúvida sobre a abrangência da
cláusula de exceção para o divórcio.
Já vimos que, segundo Mateus 19:9, o primeiro homem mencionado
comete adultério quando se enquadra em duas condições: “repudiou sua
mulher” e “casou-se com outra”. Porém, ao mencionar a exceção, Jesus retira
da primeira condição os que repudiam por causa de porneia. Estes, por serem
excluídos da primeira condição, não podem ser tidos por adúlteros ao se
casarem novamente. O Senhor cita um único motivo pelo qual pode ocorrer a
dissolução do vínculo conjugal.
Se o ensino sobre divórcio e novo casamento se fundamentasse
exclusivamente nos Evangelhos Marcos e de Lucas, ou ainda nas declarações
de Paulo, veríamos a indissolubilidade total do casamento, sem menção a
qualquer cláusula de exceção para o divórcio entre um casal de discípulos de
Jesus86. Porém, os textos de Mateus criam um problema para os que acreditam
que nunca pode haver um novo casamento de uma pessoa divorciada. Quem
adota tal pensamento precisa fazer todo um esforço interpretativo na tentativa
de reduzir ao máximo o significado da cláusula de exceção, a ponto desta se
tornar uma “exceção aparente”.
Quem entende que não há nenhuma hipótese de novo casamento acaba
por atribuir um significado tão restrito à exceção, que ela fica esvaziada de
importância87. Há quem defenda, por exemplo, que a exceção caberia apenas
para casamentos inválidos ou que só valeria para casamentos ainda não
consumados, ou seja, em caso de sexo pré-marital.
Por isso, neste capítulo é necessário que nos aprofundemos no
significado da palavra porneia.
“Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa
de porneia, e casar com outra comete adultério e o que casar com a
repudiada comete adultério”
- Almeida Corrigida Fiel (ACF): “Eu vos digo, porém, que qualquer
que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com
outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete
adultério”.
- Nova Versão Internacional (NVI): “Eu lhes digo que todo aquele que
se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com
outra mulher, estará cometendo adultério”.
4. Como vimos nos dois pontos anteriores, Paulo usa a mesma palavra
(porneia) para descrever pecados sexuais distintos: a relação incestuosa e
o sexo por pagamento. Isso só é possível porque, para o apóstolo, porneia
é qualquer pecado sexual, que ele chama de “pecado contra o corpo”.
Podemos conferir isso com clareza em I Coríntios 6:18 – “Fugi da
impureza (porneia). Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora
do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade (porneuo) peca contra o
próprio corpo” (grifo nosso).
7. Em II Coríntios 12:21, Paulo diz: “Receio que, indo outra vez, o meu
Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que,
outrora, pecaram e não se arrependeram da impureza, prostituição
(porneia) e lascívia que cometeram” (grifo nosso). Considerando tudo o
que Paulo escreveu sobre porneia na primeira carta aos Coríntios, não
temos porque pensar que na segunda carta essa palavra ganharia um
significado diferente, uma vez que tratava-se de um pecado presente
naquela comunidade, e que Paulo já os tinha advertido sobre seus riscos.
Mais uma vez vemos que porneia é mencionada como referência à
imoralidade sexual.
12. Em Apocalipse 2:20, Jesus declara que uma falsa profetisa chamada
Jezabel seduzia os servos de Deus a praticarem a porneia: “Tenho, porém,
contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara
profetisa, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a
praticarem a prostituição (porneuo) e a comerem coisas sacrificadas aos
ídolos”. Nos versículos seguintes (21 e 22), o Senhor declara que deu
tempo àquela mulher para que se arrependesse da sua prostituição e que,
por fim, Ele a prostrava de cama e em grande tribulação os que com ela
adulteram (aqui aparece o verbo moicheuo), caso não se arrependessem
das obras que ela incitava: “Dei-lhe tempo para que se arrependesse de
sua prostituição (porneia). Eis que a prostro de cama, bem como em
grande tribulação os que com ela adulteram (moicheuo), caso não se
arrependam das obras que ela incita”. Ao mesmo tempo em que Jesus diz
que Jezabel incitava os servos de Deus à porneia, também diz que os que
foram seduzidos por ela cometeram moicheia. Essa troca de expressões
(porneia por moicheia) ocorre porque a primeira se se refere
genericamente à imoralidade sexual, enquanto que a segunda é o pecado
especifico de adultério.
13. Em João 8:38-45, num diálogo com alguns judeus, Jesus questiona a
paternidade dos mesmos ao dizer que, apesar de serem descendentes de
Abraão, não faziam a obra daquele a quem chamavam de pai (vs. 39, 40).
Jesus declarou que eles tinham outro pai (v. 41), que era o diabo (v. 44).
Para se defenderem, aqueles judeus declararam: “Nós não somos
bastardos (nascidos de porneia); temos um pai, que é Deus” (v. 41). Há
quem afirme que essa declaração foi feita para, indiretamente, acusar Jesus
de ter nascido de uma relação pré-marital, da suposta fornicação de Maria
com outro homem que não era José, pois não criam no nascimento virginal.
Entretanto, atribuir essa intenção à fala dos judeus não passa de uma
especulação. O contexto apenas mostra que eles estavam se defendendo da
afirmação de Jesus. Além disso, não podemos afirmar que eles tinham
alguma informação sobre o nascimento virginal. Só podemos constatar que
a expressão “não somos nascidos de porneia” aparece em contraste com a
declaração “temos um pai”. Portanto, o máximo que podemos concluir à
luz desse texto é que “nascidos de porneia” são filhos de pais
desconhecidos ou “filhos ilegítimos”, que podem ser fruto de qualquer
relação sexual ilícita, e não apenas de relações pré-maritais96.
14. Em Mateus 15:19 e Marcos 7:21, tanto porneia como moicheia são
mencionadas entre os males que procedem do coração. Em função das duas
palavras aparecerem juntas, há que afirme que necessariamente moicheia
(adultério) estaria excluída do conceito de porneia, que por sua vez teria
um significado mais restrito, não abrangendo a generalidade das relações
sexuais ilícita. Entretanto, como demonstraremos mais adiante ao
respondermos algumas objeções, o simples fato das palavras aparecerem
juntas não determina que o conceito de porneia seja tão restrito a ponto de
não abranger o adultério.
prwton men gar en nomw uyistou hpeiqhsen kai deuteron eiV andra
authV eplhmmelhsen kai to triton en porneia emoiceuqh kai ex allotriou
androV tekna paresthsen (Eclesiastico 23:23 - Septuaginta transliterada).
Na tradução da CNBB:
“Primeiro, ela foi infiel à lei do Altíssimo; segundo, pecou contra seu
marido; terceiro, prostituiu-se no adultério e teve filhos de outro marido”
(Eclesiástico 23:33 - grifo nosso).
“Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que
a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher casada
está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer,
desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será considerada adúltera
se, vivendo ainda o marido, unir-se com outro homem; porém, se morrer o
marido, estará livre da lei e não será adúltera se contrair novas núpcias.
Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do
corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou
dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus.” (Romanos 7:1-4).
O que Paulo está dizendo é que, assim como a mulher está ligada, pela
lei, ao marido até que ele morra, assim também estávamos ligados à lei, mas
agora morremos para ela (v. 4). Paulo está apenas usando o casamento como
ilustração, e não tratando do tema em si, utilizando uma figura conhecida dos
cristãos romanos. Porém, ao utilizar a figura do casamento, ele diz que a
mulher está ligada ao marido pela lei. Mas que lei é essa? Se for pela lei de
Moisés, havia possibilidade de divórcio e novo casamento. Se fosse pelo
Direito Romano, também havia essa possibilidade. Então é claro que Paulo
sabia dessas coisas, mas não menciona, porque está citando aquilo que é a
regra geral para o casamento, e por isso não se ocupou com a exceção. Não
faria sentido algum mencionar o que a lei dizia sobre o divórcio, pois isso não
agregaria nada ao que Paulo queria ensinar no texto.
Se, por vezes, termos absolutos podem conter exceções implícitas
(sempre à luz do ensino total das Escrituras, e não baseadas em opiniões
pessoais), é plenamente possível compreender que Mateus mencionou uma
exceção que os demais autores podem ter considerado implícita.
Outro ponto que precisamos considerar é que, ao narrar um mesmo fato,
um evangelho pode trazer informações omitidas por outro sem que haja
contradições98. No Evangelho de Marcos há indícios de que sua narrativa da
conversa entre Jesus e os fariseus sobre o repúdio pode ter sido resumida.
Marcos registra que a pergunta dos fariseus foi “É lícito ao marido repudiar
sua mulher?”, sem fazer qualquer menção aos motivos do repúdio (Marcos
10:2). Entretanto, é no mínimo inusitado que uma pergunta nestes termos tenha
sido feita pelos fariseus, considerando que todos os grupos judeus daquela
época acreditavam que o repúdio era lícito, e até mesmo obrigatório, em caso
de adultério. A divergência que existia era sobre os motivos do repúdio, e não
se este era lícito ou não. Portanto, é possível que Marcos tenha se referido ao
repúdio por qualquer motivo, partindo do pressuposto que seus leitores
compreenderiam isso.
Podemos comparar esse tipo de apresentação resumida com uma
situação compreensível em nosso contexto cultural: se alguém perguntar “é
lícito vender bebidas a menores de 18 anos?”, todos entenderão que a pergunta
é sobre a venda de bebidas alcoólicas, e não sobre todas as bebidas. Ninguém
se negaria a vender uma garrafa de água a um menor de 18 anos. O nosso
contexto cultural nos permite concluir isso imediatamente. Provavelmente essa
tenha sido a razão para Marcos tratar o tema do divórcio de uma forma que
parece condenar todo e qualquer divórcio, enquanto Mateus delimita o
assunto, tratando dos motivos do divórcio.
Dentre os Evangelhos, Mateus é o que trata a questão do divórcio de
forma mais extensa e com mais detalhes. Tanto no Evangelho de Marcos como
no de Lucas, o tema do divórcio é tratado de forma mais resumida. Lucas
chega a abordá-lo em apenas 1 versículo. Em Mateus a questão do divórcio é
tratada duas vezes, e só nesse Evangelho a pergunta dos fariseus envolve a
questão do motivo para o divórcio, e não a ilicitude do divórcio em si.
Declarar que a tradução de porneia como relações sexuais ilícitas
colocaria Mateus em contradição com os outros Evangelhos é uma opção do
intérprete, um a priori estabelecido por ele ante a leitura dos textos, e não uma
conclusão imposta pelos próprios textos.
Alguém pode objetar: Se existe uma exceção para o divórcio, e isso é
algo tão importante, como Marcos e Lucas teriam deixado de mencioná-la?
Ora, muito mais importante do que a exceção é a regra de que o casamento
deve ser mantido, e nisso todos os Evangelhos concordam.
Por essas razões, cremos que devemos aceitar a validade da cláusula de
exceção, abrangendo as relações sexuais ilícitas sem arrependimento da parte
ofensora. Não há motivos para entendermos que ela significa menos que isso.
Para concluirmos o contrário, teríamos que recorrer a suposições e
especulações. Portanto, devemos lidar com essa questão crendo que os demais
textos omitiram uma cláusula que os autores consideraram implícita.
“Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo:
qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já
adulterou com ela” (Mateus 5:27,28 - grifo nosso).
Vejamos o texto:
“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não
vos enganeis: nem impuros [pornos], nem idólatras, nem adúlteros
[moichos], nem efeminados [malakos], nem sodomitas [arsenokoites], nem
ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores
herdarão o Reino de Deus” (I Coríntios 6:9,10 - grifo nosso).
“tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para
transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos,
parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens,
mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina” (I Timóteo
1:9,10 - grifo nosso).
6. Uma vez que Jesus declarou “o que Deus uniu não o separe o
homem”, porque a porneia seria uma exceção?
Não cremos de forma alguma que Deus se alegre com o divórcio. Ele
deseja que o casal permaneça unido por toda a vida. Qualquer divórcio é
sempre uma tragédia. A perdão e a reconciliação são o caminho para a
resolução dos problemas conjugais, até mesmo da infidelidade. Entretanto, não
podemos afirmar que não existe possibilidade de divórcio quando um dos
cônjuges se entrega e permanece na imoralidade sexual, sem qualquer
arrependimento.
Com isso, não estamos incentivando de forma alguma o divórcio. A
verdade é que motivos como “incompatibilidade de gênios”, “o amor acabou”,
“a relação esfriou”, “a situação financeira está difícil” etc. não justificam a
separação. Segundo o Senhor da Igreja, há uma única exceção para o divórcio
entre Seus filhos.
O matrimônio é constituído por uma aliança, e deve ser digno de honra
entre todos (Hebreus 13:4). Porém, precisamos lembrar que a santidade de
Deus é maior do que o casamento e a família. No Antigo Testamento, vemos
que alguns homens, por causa da santidade do Senhor, despediram suas
esposas que vieram de outras nações condenadas por Ele (Esdras 10)104. O
propósito era santificar o povo eleito de Deus.
Estamos convencidos de que a exceção dada por Jesus se fundamenta na
santidade de Deus e não no incômodo do crente. Nós podemos suportar
qualquer sofrimento para a glória de Deus, mas a imoralidade sexual no
casamento contamina o próprio corpo de quem a pratica e ofende diretamente
o cônjuge, compromete sua santidade devida ao Senhor.
O sexo ilícito afeta diretamente a união conjugal. Vejamos alguns
princípios a esse respeito:
“Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se
separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que
se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher”
(I Coríntios 7:10, 11).
- vs. 10 e 11 – “Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a
mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não
se case ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se
aparte de sua mulher” (grifo nosso).
- vs. 12 ao 15 – “Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem
mulher incrédula, e esta consente em morar com ele, não a abandone; e a
mulher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não
deixe o marido. Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da
esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente.
Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos.
Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não
fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à
paz” (grifo nosso).
Para cada situação o apóstolo apresenta uma abordagem diferente. Aos
casais cristãos, Paulo diz “ordeno, não eu, mas o Senhor”. Já para os casados
com incrédulo, ele declara “digo eu, não o Senhor”. Será que Paulo estaria
falando algo contrário ao que Jesus ensinou. Certamente não. Ao dizer “digo
eu, não o Senhor”, o apóstolo está tão somente dizendo que não havia uma
palavra específica de Jesus acerca do tema. Essa era a concepção de Paulo
sobre o que Jesus disse sobre casamento e separação. Se entendesse que o
ensino de Jesus sobre o tema se aplicava universalmente a todo e qualquer
casamento, então Paulo estaria em contradição franca e direta com o Senhor,
admitida claramente. Entretanto, não foi assim, pois Paulo entendia que, ao dar
uma orientação aos casados com incrédulos, tratava de um tema não abordado
pelo Senhor. Por isso, entendemos que casamentos mistos tem um tratamento
diferente à luz do que o apóstolo ensinou.
Paulo usava de uma ousadia tremenda: “Digo eu, não o Senhor”. Ou
seja, ele não tinha um mandamento explícito de Jesus sobre alguns assuntos,
mas ensinava o que cria, pois tinha o Espírito do Senhor em sua vida e exercia
uma responsabilidade apostólica, pois era enviado do próprio Jesus aos
gentios. Por isso usava de ousadia para afirmar em seu próprio nome algumas
verdades que cria, mesmo sem as ter recebido diretamente de Jesus, pois agia
debaixo de um envio, um comissionamento.
Sabemos que Jesus, no seu ministério terreno, foi enviado aos judeus, e
não aos gentios:
“Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (João 1:11 -
grifo nosso).
“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que
vivem em Éfeso e fiéis em Cristo Jesus…” (Efésios 1:1 - grifo nosso).
Ezequiel 16:11-13:
Ezequiel 16:36-43:
Não foi a única vez que Deus usou esta figura de marido e mulher para
confrontar o pecado do Seu povo. Isaías e Jeremias também falaram usando a
mesma metáfora, entretanto não falam de apedrejamento, mas de divórcio e
repúdio. Apesar deste triste fato, nós podemos aprender com o Pai algo
simplesmente espetacular sobre os direitos que temos diante do nosso amor
aos nossos cônjuges.
Penso que nos primeiros dias da igreja, mesmo existindo a cláusula de
exceção, ela pode não ter sido utilizada. Acredito nisso por conta de uma
maior fidelidade ao evangelho do reino que era pregado, e também por
entender que se parecer com o Pai (Efésios 5:1) pode nos levar a abrir mão
dos nossos direitos em detrimento do amor. O mesmo princípio que se aplica
quando abrirmos mão da liberdade por causa de um irmão que é débil na fé.
Costumamos dizer que a nossa fé nos liberta, enquanto o nosso amor nos
escraviza. Renunciamos em vários momentos à liberdade fundamentada pela fé
quando compreendemos que esta pode fazer alguém mais fraco tropeçar na fé.
Decidimos então, em nome do amor, renunciar a alguma prática que temos por
direito estabelecido e fundamentado numa fé clara.
Creio que o mesmo é possível com relação à cláusula de exceção. Além
disso, na nossa experiência pastoral de mais de 30 anos, contamos
pouquíssimos casos, menos de 10, onde houve de fato uma permanência no
pecado de prostituição sem que a parte ofensora se arrependesse. Os casos de
restauração são muitos e com testemunhos maravilhosos. Sendo assim, se eu
tenho poucos casos que verdadeiramente se enquadram na cláusula de exceção
e muito de ensino sobre a lei do amor, é possível que nenhum divórcio tenha
ocorrido entre cristãos nos primeiros anos de vida da igreja. Vejamos,
portanto, como a lei do amor pode ser percebida até na Antiga Aliança.
Isaías 50:1:
Jeremias 3:14-15:
Em geral nós aceitamos pessoas que chegam já casadas pela segunda vez
quando, mesmo sem conhecerem os ensinos de Jesus, elas se encaixam dentro
destes ensinos. Se não é assim, nós orientamos a separação. Isso se dá quando
compreendemos que, mesmo não tendo sido pastoreadas adequadamente, a
condição delas não está amparada pelo Senhor. Gostaríamos de receber
apenas casos provenientes do mundo. Receber os casos da igreja nos desafia e
corta o nosso coração.
O nosso anseio quanto a este tema é que a igreja do Senhor não
experimente divórcio mesmo havendo amparo pela cláusula de exceção. Que
todo este culto ao sentimento fosse substituído pelo culto ao Nosso Verdadeiro
Deus e Senhor. Estamos convictos de que se tão somente nos humilharmos e
nos arrependermos, Deus sarará as nossas muitas feridas. Também aquelas
provocadas pelas traições, pelos abandonos, separações e divórcios.
Para fortalecer esta fé, consideramos que a melhor forma de encerrarmos
este livro é trazendo um testemunho pessoal sobre o poder de Deus para
restaurar o casamento. Reproduzimos a seguir um texto anteriormente
publicado no livro “Tudo se Resume no Amor de Deus”.
Com isso queremos animar a todos aqueles que se encontram
desgastados ou desanimados com seu casamento a perseverarem e lutarem
pela aliança que Deus testemunhou. Sempre vale a pena fazer a vontade do
Senhor, pois afinal, ela é boa, perfeita e agradável.
______
Amar de verdade
Meu primeiro pensamento foi: “Esse tal de Paulo deveria ser solteiro.
Como é que ele diz isso? Como se fosse fácil, como se fosse simples amar
uma pessoa assim”. Eu estava jejuando, orando e perplexo com esse
mandamento. Quando, em João 13:34 Jesus diz para amarmos uns aos outros,
até que é fácil, porque é algo genérico, não dirigido ou definido a alguém
específico. Normalmente acontece, na vida da igreja, que acabamos amando
somente aqueles de quem gostamos mais e queremos amar. Não é bem “uns
aos outros”, mas amar aqueles com quem temos mais afinidades, os mais
agradáveis, os mais fáceis de serem amados. Assim, transformamos esse
mandamento dizendo: “Eu amo quem eu quero amar”. Mas, quando Paulo diz:
“Maridos, amem suas esposas”, ele direcionou para alguém, deu um nome
para essa pessoa. Não tem como camuflar: ou ama ou não ama.
Quando o Senhor disse “ame a sua esposa”, Ele fechou a minha história.
Ele disse: “Você tem uma pessoa para amar, é a sua esposa!” E eu me
perguntava: “Mas, e se eu não sinto mais nada por ela? Pelo contrário, só
converso com ela para brigar? Já estou me sentido atraído por outra mulher!”
Eu estava convencido de que Paulo escreveu uma coisa absurda, um
mandamento impossível. Fechei meu coração, não aceitando aquilo. “Imagine!
Já estou com outros planos em mente e, de repente, leio na Bíblia que Deus
quer que eu ame a minha esposa! Como se fosse fácil colocar isso no
coração!” Imagine como ficou minha cabeça? Eu fiquei totalmente travado.
Lembrei-me de uma mulher que certa vez pregou que esse mandamento
de amar era impossível de ser praticado e, então, comecei a achar que ela
estava certa. O meu problema era entender o amor, porque na minha cabeça
amar era estar apaixonado; esse era o meu conceito. Esse amor que Paulo e a
Bíblia inteira falam não tem nada a ver com o que eu pensava que era amor.
Então, o Espírito Santo começou a me desmontar durante aquele jejum. A
primeira coisa que Deus falou comigo foi: “Você não sabe o que é amor!”
Paulo está dizendo nesse verso que temos de imitar a Deus como filhos
amados e andar em amor. Assim, eu percebi que todos os mandamentos que eu
conhecia sobre o amor tinham uma palavra que se repetia: “COMO”. Então eu
eliminei o “QUANTO”, porque Jesus NÃO disse: “Amai-vos uns aos outros
tanto quanto eu vos amei”.
Entretanto, a pregação daquela irmã era assim: “Como é que alguém vai
amar como Jesus amou?” Na cabeça dela também havia um equívoco, porque
ela estava pensando em termos de quantidade e intensidade de amor. Se Deus
é amor, como é que alguém vai amar com a mesma intensidade com que Ele
amou? O mandamento não é esse. O mandamento é “COMO eu vos amei”,
“COMO Cristo amou a igreja.” Outra coisa que eu percebi é que essa forma
de amor apontava sempre para o mesmo lugar: a entrega. Era um amor
sacrificial, não sentimental. Sacrifício fala de dor, de angústia, de morte e
Jesus fez isso por nós.
“Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e
devemos dar nossa vida pelos irmãos”. (I João 3:16).
Eu não sabia o que era o verdadeiro amor e era isso que precisava
conhecer. Quando João diz: “Nisto conhecemos o amor”, ele estava apontando
para o calvário, para a cruz onde Cristo deu sua vida por nós. Veja que
interessante: não era PARA nós, mas POR nós. Não era uma entrega PARA
uma pessoa, mas POR ela. Por nós valeu a pena o sacrifício.
Amar a Deus, então, é quando alguém se entrega POR outros para Deus.
Um filme se descortinou diante de mim. Meu conceito de amor estava
quebrado. Eu estava crendo que estava amando aquela moça, mas, na verdade,
o Espírito Santo me disse: “Você está amando a si mesmo. O amor que eu
tenho para você só acontece no altar, porque é um sacrifício.” O altar de Deus
é a cruz – amor, no sentido mais profundo da palavra. Deus me disse: “A
minha vontade é que você se entregue por Denise, sua esposa. Eu quero ver
você morrer por ela, a mulher da sua mocidade, a que fez um pacto com você,
aquela que você disse que amava!” Essa era uma decisão que eu deveria
tomar.
A cruz é uma escolha deliberada: você escolhe se a quer ou não. Jesus
foi bem claro sobre isso. Esse egoísmo que compete o tempo inteiro com o
Espírito Santo não tem outro modo de sair, a não ser pelo altar.
A Bíblia fala muito de entrega por sacrifício. Só que às vezes nós temos
uma entrega que não é literal, mas apenas “da boca para fora”. É claro que
apenas pelo fato de sermos crentes já exigimos muito de nós e já renunciamos
a muitas coisas, mas não pense que já chegou ao fim; é apenas o começo.
Imagine que você tem algo que ama muito, que deseja muito e Deus lhe diz:
“Eu quero isso aí.” É assim que acontece todos os dias em nossas vidas.
Li certa vez acerca de um irmão que, apesar de estar a muitos anos na
igreja, não se desenvolvia, não frutificava, e o autor do livro não entendia o
porquê. Então, aquele irmão pediu para ficar um ano na igreja sem se
comprometer, só ouvindo o Evangelho. Entretanto, no decorrer do
relacionamento, alguns irmãos perceberam que, quando o assunto envolvia a
esposa dele, ele se anulava, simplesmente era muito fraco, não cooperava no
casamento. Um dos irmãos que estava trabalhando mais de perto com ele,
procurou saber o porquê daquela fraqueza tão grande e descobriu que ele “se
achava muito feio para a esposa”. Para ele, sua mulher era a pessoa mais linda
do mundo e ele era muito feio. Então ele fez a seguinte revelação: “Eu estava
lendo um livro sobre intercessão que relata a história de um homem que, no
momento em que se converteu, perdeu tudo, perdeu dinheiro, perdeu seus bens.
Eu até estou disposto a perder tudo. Só que, no decorrer da história, aquele
homem perdeu também a esposa. Quando o Espírito Santo me perguntou se eu
estava disposto a perder minha esposa também, eu respondi que não. Tudo
menos a esposa”. Por isso ele se fechou para Deus.
Jesus disse que “aquele que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser
Seu discípulo” (Lucas 14:33). Imagine que Deus peça algo bem específico
para você: “Renuncie ao que lhe pedi! Entregue no altar”. Algumas coisas
você perde definitivamente, outras não. A Abraão, Deus pediu o filho, e ele foi
sacrificá-lo. O fato de Deus ter dado um filho a Abraão, não significa que Ele
não possa pedir de volta, afinal, Ele tem soberania, Ele é dono de tudo. Já
ouvi gente dizendo que Deus não pode pedir aquilo que Ele mesmo deu, ou
seja, se Ele deu um noivo, não pode pedir o noivo, se Ele deu um emprego,
não pode pedir o emprego. Bem, não foi assim com Abraão. Deus lhe pede
algo que custa sua própria vida - seus sonhos, seus desejos - e você entrega,
mesmo que relutando um pouco. Nos primeiros dias você fica como se
estivesse literalmente morto, pois toda entrega, no início, não é um momento
de festa, mas de dor. Depois disso, um milagre acontece.
Eu me lembro de que, quando entendi essa palavra, concluí: “Então Você
está me dizendo que a Tua vontade é que eu fique com a minha esposa, ame
essa mulher do jeito que ela é e me consagre por causa dela? Tudo o que
aconteceu lá em Minas Gerais é coisa da minha cabeça? É isso que o Senhor
está me dizendo?” Deus me deu uma revelação, uma visão: De um lado havia
uma cruz, do outro lado uma paisagem com pássaros, um rio, uma ponte e um
casalzinho romântico em cima. A cruz era feia, mal feita. Eu estava no meio,
tendo que decidir. Entendi que amor, para Deus, era o lado que estava a cruz.
O outro lado não era amor; era um sentimento, uma paixão. O que eu deveria
fazer? Apegar-me a essa cruz feia e apagar o outro lado da minha vida?
Escolher entre a cruz ou um sonho que me preenchia? Então eu lutei, chorei,
experimentei a sensação de morte. Tomei essa decisão sozinho, em casa,
orando e jejuando, porque não precisamos tomar decisões formalmente, no
meio da igreja, entre muita gente. Eu tomei aquela decisão literalmente
morrendo.
Foi tão forte aquela experiência, que no fim de semana seguinte eu fui até
aquela cidade determinado a chegar lá e dizer que aquela era minha última
visita à igreja, que nunca mais eu voltaria para estar com eles. Quando eu
desci do ônibus, estava ali aquele grupo de jovens que sempre ia me buscar.
Aquela moça olhou para mim e disse: “O que houve com você?” Ela percebeu
que algo havia acontecido. Eu nunca lhe disse que tinha algum sentimento por
ela, mas ela percebeu que algo se quebrou! A cruz tem um poder muito forte. O
nosso grande chamado é para a cruz, o que age em nosso coração é o
sacrifício. O que queima, o que arde de verdade é a entrega. Se você voltar na
sua história, verá que o que sempre te atraiu foi o sacrifício, porque isso tem a
ver com o amor de Deus. Dar a vida por alguém é a manifestação do amor de
Deus. No entanto, naquele dia, naquela estação rodoviária, o que se podia
perceber era a morte. A moça viu que eu estava morto para ela e por ela.
Um dia o Senhor pede que você Lhe entregue algo e, então, você faz a
escolha de Deus, a escolha certa. Passado um período, você se sente morto.
Deus não ressuscita um vivo; o poder da ressurreição só pode operar em quem
já morreu. A vara de Aarão só floresceu por que era uma vara morta. Esse é o
milagre da ressurreição. Você morre por um tempo, mas depois vem o poder
da ressurreição e você começa, de repente, a ganhar uma vida nova, diferente,
começa a provar o poder e o amor de Deus.
Um exemplo: Vamos fazer de conta que o seu sonho está em Cabo Frio,
mas Deus quer o seu sonho, e lhe envia para cumprir o sonho dele em
Aquidauana. Então você renuncia a si mesmo e viaja para o centro do Brasil.
Você chega lá e começa a plantar uma igreja, começa a pregar, consegue a
conversão de uma pessoa e diz a ela: “Eu te amo”. A pessoa que está ouvindo
isso acredita, fica convencida pelo Espírito Santo do seu amor. Por que ela
tem essa convicção? Porque no dia em que você foi para o altar (a cruz) e fez
a entrega, você estava amando como Jesus amou. Amar como Jesus amou é dar
a vida por alguém. Você pode amar alguém sem nem mesmo conhecê-lo,
porque esse amor não depende disso. A pessoa irá lhe perguntar: “Mas por
que você me ama?” E você poderá responder: “Porque eu abri mão dos meus
sonhos, da minha vida para estar aqui, pregando para você o amor de Deus”.
Você nem sabe ainda por quantas pessoas está se sacrificando, mas Deus
sabe. Na hora em que Ele lhe chama para o altar dEle, para o sacrifício, Ele já
sabe quem será alcançado pelo seu amor. Não é uma coisa fictícia, surreal; é
uma coisa verdadeira. Você pode verdadeiramente dizer para as pessoas que
as ama, pode afirmar isso com toda sua confiança e fé e eles vão acreditar
porque é a verdade. Você não as ama agora, já as amou lá atrás.
Um dia uma irmã me disse: “Eu queria lhe agradecer pelo seu amor.” Eu
perguntei a ela: “Mas quando foi que você acha que eu te amei?” Ela disse:
“Foi naquele dia em que meu filho foi operado. Você chegou antes de mim no
hospital.” Então eu lhe disse: “Qualquer satanista poderia fazer até melhor do
que isso. Você acha que eu amo a sua família porque cheguei ao hospital antes
de você? Eu a amei no dia em que eu estava para “chutar o balde” da minha
casa, largar minha mulher e ir atrás de uma moça lá em Minas Gerais e, então,
escolhi fazer a vontade de Deus. Foi nesse dia que eu a amei”. Depois disso
houve outros casos de cruz, de renúncia, porque isso não parou lá atrás. Eu a
amei realmente, mas não foi por ter chegado antes no Hospital. Isso qualquer
um poderia fazer. Eu a amei porque lá atrás houve um preço que paguei; esse
amor teve um custo.
Quando eu digo: “Ame como Jesus”, não pense em coisas boas, pense na
cruz. O modelo de amor é Jesus. Como foi que Jesus amou? Se entregando a
Deus por nós. Maridos, amem suas esposas como Jesus amou a igreja. Que o
Espírito Santo encha sua mente e coração da compreensão desse amor, porque
o sacrifício, as exigências que Deus fará a você lhe darão melhor
compreensão do porquê dEle pedir certas coisas. Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu filho único para que todo aquele que nEle crer seja salvo
(João 3:16). Jesus se entregou, se sacrificou. Não foi diferente com ele. Ele
provou esse amor se entregando, se sacrificando. Essa é a maior expressão do
amor. Amor sem cruz não é amor bíblico. Vamos lembrar a história de Amnon
e Tamar novamente. Ele a amou com amor eros, paixão carnal; não era
sacrifício, não era cruz. Um amigo que ama o outro por preferência, porque é
simpático, porque agrada, também não é amor. Mas, se alguém se sacrificou
por você, abriu mão da sua vida e dos seus sonhos, se entregou a Deus e se
santificou por sua causa, isso é amor.
O egoísmo está tão forte hoje, tão “na moda”, que quando falamos em
santidade a maioria pensa em santificação para si próprio: “Eu tenho que me
santificar para ser salvo.” Quantos pensam ou declaram como a oração de
Jesus em João 17? “Por eles, eu me santifico”. Quantos pensam na santidade
POR outra pessoa? Pensamos que a santidade é um negócio que vai promover
a nossa salvação. Mas a verdadeira santidade, o verdadeiro amor, é aquele
que você se entrega, se santifica por outra pessoa.
Essa visão também nos guarda de pecar, porque o pecado está
intimamente ligado ao egoísmo, aos prazeres e escolhas pessoais. Quantas
vezes você pensou: “Se eu for por esse caminho vou desgraçar muita gente?”.
Então você pede: “Deus, me livre desse caminho!”. Você pensou em alguém,
se santificou por alguém, está novamente abrindo mão de algo por alguém. Isso
é amor, amor bíblico, amor “ágape”. Ágape é quando você se doa pelo outro,
se sacrifica pelo outro. Portanto, quando ouvir falar de amor, não pense em
qualquer coisa. Limpe seus conceitos antigos, reavalie seu entendimento
acerca do amor.
A visão errada do amor, inclusive, é uma complicação até para o
discipulado. Muitas vezes um irmão reivindica amor, mas o que ele quer não é
amor de verdade, é outra coisa. Pode ser até um ato bonito, mas não é amor.
Amor bíblico é entrega. A Bíblia diz que quando Jesus descartou o jovem rico,
fitou-o nos olhos, amou-o e lhe disse: “deixa teus bens, vende ou doe tudo o
que tens e depois me segue” (Lucas 19:21). Para entender essa atitude de
Jesus, precisamos ter uma visão real do amor. Se a nossa visão de amor for
uma coisa complicada, então julgaremos que Jesus não teve amor nenhum.
Quem consegue ver amor nesta cena? Quem consegue ver amor na disciplina?
Na maioria das vezes, se vamos corrigir alguém, a pessoa pensa que a estamos
odiando.
Lembro-me de um comentário de um pastor, citando um livro escrito por
uma prostituta. Em um trecho do livro ela dizia que esperava que seu pai a
amasse quando ela começou a cometer os seus erros; ela esperava esse amor
em forma de correção. A correção não veio e ela se sentiu desamada,
rechaçada, interpretou tudo aquilo como rejeição. Raramente alguém consegue
ver amor na disciplina. Por que é tão complicado vivermos uma vida no
Espírito? Porque não sabemos ouvir um “não” - nem de Deus, quanto mais dos
irmãos. Se você já disse “não” para si mesmo, então pode dizer “não” para um
discípulo. Você diz “não” a si mesmo quando renuncia a um desejo legítimo do
seu coração por Jesus. Esse é o melhor caminho: o da cruz.
Voltando à minha história pessoal, quando tomei a decisão de me
entregar por Jesus e renunciar a tudo o que eu estava vivendo, voltei em Minas
Gerais, sentei-me com a moça e abri meu coração. Falei tudo: sobre os meus
sentimentos, minha esposa, minha filha, meu casamento, minha decisão. Ela
começou a chorar e eu percebi que ela tinha os mesmos sentimentos por mim.
Naquela hora tomei suas mãos, convidei-a a fazermos uma oração de entrega
total a Jesus e eu nunca mais a vi. Voltei para casa e fui me encontrar com os
três rapazes que disseram que me queriam como pastor. Naquela mesma
semana o meu pastor me chamou e pediu para que eu retirasse alguns jovens
para longe dali e fizesse uma reunião com eles, e eu fui.
Logo em seguida, uma moça me encontrou na rua e me fez um pedido.
Sabendo do meu trabalho de evangelização com os drogados, disse que tinha
um salão onde se reuniam muitos drogados e queria que eu fosse fazer um
culto com eles, reunir uma igreja lá, cobrando-me apenas um valor simbólico
de aluguel. Coloquei o violão debaixo do braço e fui com os rapazes. Não
chegava nem a dez pessoas. Na primeira reunião não tinha cadeiras e nem
microfone. Fizemos um louvor a Deus, chamamos os vizinhos e começamos. O
lugar era o mais ridículo e feio que você possa imaginar. No meio da
pregação, se alguém entrava no banheiro e dava descarga, tínhamos que
esperar o barulho acalmar para depois continuar. Cada um que ia levava sua
própria cadeira. Era um “colorido” daqueles. Um homem levou até um banco
de Kombi e deixou lá. Em frente, havia um terreiro de macumba e ganhamos a
dona dele para Jesus. No dia em que aquela mulher se converteu, nós fizemos
uma fogueira com todas as coisas que ela usava para fazer macumba. Só
sobraram os banquinhos que ela usava para os seus “clientes”: esses foram
usados para a igreja. Cada vez ia mais gente e fazíamos reuniões todos os
dias.
Comecei, então, a enxergar que Denise, minha esposa, havia virado uma
guerreira e passei a admirá-la. Ela caminhava um longo percurso de casa até
aquele local de reunião com a criança no colo. Não faltava um dia, estava ao
meu lado o tempo todo me sustentando. Era como se eu nunca a tivesse visto
antes. Deus começou a mudar tudo entre nós; Ele fez um milagre.
Um ano depois, no dia do nosso aniversário de casamento, eu abri a
Bíblia para pregar em João 12:24: “Em verdade, em verdade vos digo: se o
grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer,
produz muito fruto”. Quando eu olhei para aquela “igrejinha” lotada, me
voltou aquela visão lá do início: de um lado a cruz, do outro lado meu desejo.
Mas aquela minha cena romântica parecia um quadro manchado, todo feio, e o
casal já não existia mais, eu estava só. O Espírito Santo me mostrou que se eu
tivesse escolhido naquele dia o meu desejo, eu estaria assim hoje, sozinho num
deserto. Quando, porém, olhei para o lado da cruz, já não era uma cruz de
madeira, feia. Era uma cruz formada por várias faces, as faces das pessoas que
se converteram e estavam ali. Comecei a ver o rosto de cada irmão na cruz. Eu
estava vivendo aquilo intensamente. Foi assim que eu entendi o texto que eu
iria pregar. Se morrer, dá fruto; se não morrer, fica só. Pela graça de Jesus,
Deus entrou na minha história e não me deixou atolar na lama. Ele me
resgatou, e assim terminou aquele episódio na minha vida.
Amor sempre gera fruto. Amor é sacrifício. Veja o amor como Deus vê.
Entenda o amor como Deus entende. Tudo se resume no amor de Deus! Se
você entender isso, muitas coisas vão, de fato, acontecer em sua vida.
______
Amém!
BIBLIOGRAFIA
1. Bíblia Sagrada. Diversas versões: Almeida Revista e Atualizada (ARA);
Almeida Revista e Corrigida (ARC); Almeida Corrigida Fiel (ACF); Almeida
Edição Contemporânea (AEC); Nova Versão Internacional (NVI), Nova
Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH); Nova Versão Transformadora
(NVT); Septuaginta Transliterada; Tradução da CNBB e Tradução dos Monges
Maredsous (Ave Maria).
11. DUTY, Guy. Divórcio e Novo Casamento. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora
Betânia, 1979.
17. FRANCO, Sérgio. Tudo se resume no amor de Deus. 1ª ed. Curitiba: Apê
Criativo, 2015
19. HARPER. Kyle. Porneia: The making of a christian sexual norm. In:
Journal of Biblical Literature. Vol 131, nº 2 (2011), p. 363-383. Published by
The Society of Biblical Literature.
22. JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Tradução: Vicente Pedroso. 24ª
impressão. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2013.
24. KRESCH, Daniela. Em Israel, pena maior a marido que nega divórcio.
Matéria jornalística publicada pelo O Globo em 03.03.2014. Disponível em
<https://oglobo.globo.com/mundo/em-israel-pena-maior-marido-que-nega-
divorcio-11777586>. Acesso em 21.06.2017.
28. LUCA, Isabel de. Bigamia de judeu ortodoxo com brasileira detona
batalha religiosa nos Estados Unidos. Matéria jornalística publicada pelo O
Globo em 30.03.2014. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/mundo/bigamia-de-judeu-ortodoxo-com-brasileira-
detona-batalha-religiosa-nos-estados-unidos-12034021>. Acesso em
21.07.2017.
40. STOTT, John. Grandes questões sobre sexo. 1ª ed. Niterói: Vinde
Comunicações, 1993.
3 Em Ezequiel 16, o Senhor usa a figura do casamento para retratar sua relação com Jerusalém:
“... dei-te juramento e entrei em aliança contigo, diz o SENHOR Deus; e passaste a ser minha”.
4 Poliandria - Substantivo feminino. União conjugal de uma mulher com mais de um homem,
simultaneamente. § po.li.ân.dri.co adj.; po.li.an.dro adj.
5 João 1:17 - “Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por
meio de Jesus Cristo”.
7 Em I Coríntios 7:10 e 11, Paulo dá orientações aos casais cristãos, e nos versículos seguintes (12
ao15) se dirigir aos cristãos que estão casados com incrédulos. A condição matrimonial dos
incrédulos será estudada mais detalhadamente no capítulo 7 desde livro.
8 A palavra fornicação tem origem na palavra latina fornicatio, que procedia de fornix, o arco da
porta sob a qual as prostitutas romanas se exibiam. Fornicatio era uma referência às relações
sexuais ilícitas em geral. Entretanto, em língua portuguesa, a palavra fornicação passou a ser mais
usada para designar a relação sexual entre pessoas solteiras (é neste sentido que essa palavra
será usada neste livro). Se uma das pessoas envolvidas da relação ilícita for casada, esse pecado é
chamado de adultério, e não de fornicação. Entretanto, reforçamos que, por vezes, tradutores
usaram a palavra fornicação para designar qualquer relação ilícita, e não apenas a relação entre
solteiros.
10 A relação entre a lei e a graça por vezes é descrita como um cumprimento. Ou seja, Jesus, em
sua própria vida, cumpriu as exigências da lei, oferecendo-se como sacrifício a Deus por nós.
Certos aspectos da lei eram sombras de realidades que já se estabeleceram em Cristo. Entretanto, o
ensino de Jesus estabelece mandamentos mais profundos do que a lei. Por isso, dizemos que essa
relação é de aprofundamento, e não de oposição.
11 Com isso não queremos dizer que a Lei, os Profetas e os Salmos não têm valor para um cristão,
mas sim que devem ser lidos à luz do Novo Testamento. A sombra deve ser compreendida à luz da
realidade. Isso não elimina a verdade de que “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de
Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (II Timóteo 3:16,17).
12 Em Mateus 14:15, por exemplo, quando os discípulos pedem para Jesus despedir a multidão, o
verbo que aparece é apoluo. Já em Mateus 15:27, apoluo é traduzido como “mandar embora”: “E
o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida” (ARA).
16 No quinto capítulo deste livro veremos que a “teoria dos esponsais” constrói sua tese sobre o
divórcio utilizando uma interpretação de Deuteronômio 24:1-4.
17 Ela [a legislação de Deuteronômio 24:1-4] não requer, nem recomenda, nem mesmo sanciona o
divórcio. Diz respeito, primariamente, não ao divórcio, de modo algum, nem mesmo a certificados
de divórcio. Seu objetivo é proibir o homem de tornar a casar-se com a primeira esposa” (STOTT,
John. Grandes questões sobre sexo, p. 73). Nesse mesmo sentido, ver também: ADAMS, Jay E.
Casamento, divórcio e novo casamento na Bíblia, p. 111.
23 “Os códigos mais antigos da humanidade já configuravam o divórcio como uma instituição
social inquestionável. O Código de Hamurabi (1792-1750 a.C.) legislou claramente sobre o
divórcio… Assim, Moisés não foi o primeiro legislador a tratar do divórcio” (LOPES, Hernandes
Dias. Casamento, divórcio e novo casamento, p. 74).
25 “Os filhos de um homem casado com uma mulher que não é sua esposa não são mamzerim
(porque o casamento entre os pais não seria proibido), embora os filhos de uma mulher casada
com um homem que não seja seu marido são mamzerim (porque ela não poderia se casar com ele)”
(“Marriage”, disponível em <www.jewishvirtuallibrary.org/marriage-in-judaism>, acesso em
21.07.2017). Ver também: “Bastards” (disponível em <www.jewishencyclopedia.com/articles/2648-
bastard>, acesso em 21.07.2017); e “Mamzer” (disponível em
<www.jewishvirtuallibrary.org/mamzer>, acesso 21.07.2017). Sobre os bastardos eram aplicadas
as determinações de Deuteronômio 23:2 - “Nenhum bastardo entrará na assembléia do SENHOR;
nem ainda a sua décima geração entrará nela”.
27 STOTT, John. Grandes questões sobre sexo, p. 76; RICHARDS, Lawrence O. Comentário
Histórico-Cultural do Novo Testamento, p. 63.
30 Tal prática ainda existe na atualidade entre os muçulmanos na Índia, apesar de não ser
determinada pelo Alcorão: “A Índia é talvez o único país no mundo onde um homem muçulmano
pode se divorciar de sua esposa em questão de minutos. Tudo o que ele precisa fazer é dizer à
mulher a palavra talaq (divórcio) três vezes” (Matéria de Geeta Pandey, publicada em 24.04.2016,
disponível em <www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160421_talaq_divorcio_india_mv,
acesso em 21.07.2017>).
35 Sifrei Devarim, 270.1: “‘E ela deve sair de sua casa’: Nós somos ensinados que a mulher deixa
a presença do homem (isto é, ela sai da casa, não ele)” (Disponível em
<www.sefaria.org/Sifrei_Devarim.270.1?lang=bi>, acesso em 21.07.2017).
36 A lei mosaica não reconhecia às mulheres o direito de repudiar seus maridos. Entretanto, a
tradição rabínica posterior passou a admitir que a mulher, em casos como o não cumprimento dos
deveres conjugais, poderia requerer de um tribunal que o marido fosse obrigado a lhe dar carta de
divórcio. Ainda assim, o divórcio era um ato do marido, e não podia ser feito diretamente pelo
tribunal. Ou seja, a tradição rabínica reconhecia o direito da mulher de requerer o divórcio em
certas circunstâncias, mas nunca lhes deu o direito de dar carta de divórcio aos seus maridos.
Durante o período herodiano (37 a.C - 92 d.C), sob a influência da prática romana, são
registrados casos em que mulheres deram cartas de divórcio a seus maridos, mas esses casos foram
reconhecidos como violação da lei, e nunca se tornaram precedentes (Ver Divorce, disponível em
<www.jewishencyclopedia.com/articles/5238-divorce>, acesso em 21.07.2017). Flávio Josefo
menciona uma dessas situações, declarando que era contrária à lei: “Costabro teve depois uma
séria divergência com Salomé, sua mulher, e ela mandou-lhe o libelo de divórcio, contra o costume
de nossas leis, que permitem esse ato somente aos maridos e não consentem nem mesmo às mulheres
repudiadas tornar a casar-se sem a licença deles” (JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus, p.
725).
37 “Mulher que tem o divórcio negado há 17 anos faz greve de fome fora do Knesset (Parlamento
Israelense)” (SHARON, Jeremy. Woman denied divorce for 17 years goes on hunger strike outside
Knesset. Matéria jornalística publicada pelo The Jersusalem Post em 08.05.2017, disponível em
<www.jpost.com/Israel-News/Woman-denied-divorcefor-17-years-goes-on-hunger-strike-outside-
Knesset-490143>, acesso em 21.07.2017). Notícia aborda o caso de uma mulher israelense que
teve o divórcio negado por seu marido, o qual foi preso e por anos ainda continua negando o
divórcio.
38 “Em Israel, pena maior a marido que nega divórcio: Homens que se recusarem a conceder
separação podem ficar presos por até 20 anos” (KRESCH, Daniela. Matéria jornalística
publicada pelo O Globo em 03.03.2014, disponível em <https://oglobo.globo.com/mundo/em-israel-
pena-maior-marido-que-nega-divorcio-11777586>, acesso em 21.06.2017.
39 “Bigamia de judeu ortodoxo com brasileira detona batalha religiosa nos Estados Unidos:
Apesar de se recusar a conceder divórcio à ex-mulher, médico Meir Kin consegue que rabino
celebre seu novo casamento em Las Vegas” (LUCA. Isabel de. Matéria jornalística publicada pelo
O Globo em 30.03.2014, disponível em <https://oglobo.globo.com/mundo/bigamia-de-judeu-
ortodoxo-com-brasileira-detona-batalha-religiosa-nos-estados-unidos-12034021>, acesso em
21.07.2017).
40 Por exemplo, os sacerdotes eram proibidos de subirem no altar por degrau para que a nudez
(erwath) deles não ficasse exposta (Êx 20:26: “Nem subirás por degrau ao meu altar, para que a
tua nudez não seja ali exposta”). Já nos textos de Levítico 18 e 20 “descobrir a nudez” é uma
referência a relações sexuais.
41 Mishná, Gititn 9.10: “A Casa de Shammai diz: Nenhum homem deve divorciar de sua esposa, a
menos que tenha encontrado nela comportamento não casto, como é dito, porque ele encontrou
‘ervath dabar’ (Deuteronômio 24: 1). A Casa de Hillel diz: Mesmo se ela estragou sua comida,
porque é dito, ‘ervath dabar’. O rabino Akiva diz: Mesmo que ele tenha encontrado outra mulher
mais bonita do que ela, como é dito ‘se acontecer que ela não encontre mais favor aos seus olhos’”
(Disponível em: <www.sefaria.org/Mishnah_Gittin.9.10?lang=bi>, acesso 16.07.2017). Esse
debate entre as escolas de Hilel e Shammai sobre o significado de erwath dabar também é
registrado no Talmud Bavli, Gittin 90a e no Sifrei Devarim 269.
42 “Essa posição é defendida, p. ex., por Gleuso A. Heringer: “Essa exceção de Deus indicava um
ato de misericórdia tanto para com a mulher descoberta nesta situação, pois cairia em desgraça,
quanto para o homem enganado” (HERINGER, Gleuso A. Divórcio: Não pense nisso! Separação,
divórcio, recasamento e o Reino de Deus, p. 63).
43 Para sustentar essa ideia, por vezes utiliza-se da história de José e Maria (Mateus 1:17-24), os
quais já eram identificados como marido e mulher, mas o casamento ainda não havia sido
consumado. Ao pensar que Maria lhe havia sido infiel, José pretendeu deixá-la (no gr. apoluo,
repudiar) secretamente. Entretanto, o fato dos judeus utilizarem o expediente do divórcio para
desfazer o noivado não implica que a situação descrita em Deuteronômio 24:1 seja a de um
noivado. Como veremos, Deuteronômio 24:1 trata claramente de um divórcio em um casamento já
consumado, e não de uma possibilidade que só poderia ocorrer no noivado.
44 Atualmente as duas fases do casamento judaico são realizadas numa única cerimônia, dividida
em duas partes. A promessa de casamento (que corresponderia à ideia moderna de noivado) é
chamada de shiddukhin.
45 No caso da noiva ser uma viúva, essa intervalo era reduzido para 30 dias (Mishnah, Ketubot
5.2), pois ela já tinha itens disponíveis em seu casamento anterior (Talmud Bavli, Ketubot 57a.10).
46 A palavra kiddushin vem da raiz Qof-Dalet-Shin, que significa “santificado”, indicando algo
reservado ou consagrado para um propósito específico. O ritual do kiddushin reservava a mulher
para ser esposa de um homem em particular e de nenhum outro.
48 Levítico 19:20 apresenta uma exceção para o caso do homem que se deitava com uma mulher
desposada. Trata-se do caso em que essa mulher fosse escrava ainda não resgatada ou liberta.
Nessa situação, ambos seriam açoitados, mas não mortos: “Se alguém se deitar com uma mulher, se
for escrava desposada com outro homem e não for resgatada, nem se lhe houver dado liberdade,
então, serão açoitados; não serão mortos, pois não foi libertada”. Como essa escrava era
desposada mas ainda não era liberta, há quem defenda que esse desposamento não correspondia
ao kiddushin, pois nesse caso a mulher já seria livre.
49 Nota-se a diferença da linguagem entre o versículo 23 (“… a achar na cidade e se deitar com
ela”) e o versículo 25 (“… achar… e a forçar e se deitar com ela”). No primeiro caso houve
consentimento da mulher, enquanto no segundo ela foi forçada.
50 Alguns autores, ao sustentarem que “coisa indecente” seria a falta de virgindade, afirmam que
não poderia ser adultério pois esse pecado era punido com morte (ARRUDA, Enoque de Lima,
Divórcio entre vírgulas: uma abordagem exegética de Mateus 19, p. 41; HERINGER, Gleuso A.
Divórcio: Não pense nisso! - separação, divórcio, recasamento e o reino de Deus, p. 62,63).
Entretanto, esses autores não mencionam que a infidelidade da mulher durante o noivado também
era punida com morte, tal como o adultério. Na verdade, os judeus desconheciam distinção entre
infidelidade no noivado e infidelidade no casamento, pois desde o noivado (kiddushin) a mulher já
era considerada esposa, consagrada a um único homem. Se “coisa indecente” não pode ser
adultério, pois este era punido com morte, necessariamente deveria ser dito que também não pode
ser falta de virgindade da mulher.
51 “Se um homem casar com uma mulher, e, depois de coabitar com ela, a aborrecer, e lhe atribuir
atos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Casei com esta mulher e me cheguei a
ela, porém não a achei virgem” (Deuteronômio 22:13,14).
52 HERINGER, Gleuso A. Divórcio: Não pense nisso! Separação, divórcio, recasamento e o Reino
de Deus, p. 63.
53 Diante do questionamento dos fariseus sobre os motivos para o repúdio (Mateus 19:1-9), Jesus
não alimenta o debate entre as escolas rabínicas de Hilel e Shammai. Estudaremos no próximo
capítulo que o fato de Jesus mencionar uma cláusula de exceção não tem relação alguma com a
expressão “coisa indecente” de Deuteronômio 24:1-4.
54 De acordo com a Jewish Encyclopedia, a abolição total da pena de morte entre os judeus teria
ocorrido no ano 40 d.C., antes da destruição do Templo, quando os tribunais judeus,
provavelmente sob pressão das autoridades romanas, renunciaram ao direito de infligir pena de
morte. Ver “Adultery”, disponível em <www.jewishencyclopedia.com/articles/865-adultery>, acesso
em 21.07.2017.
55 Segundo a Mishná, a mulher divorciada por causa de adultério estaria proibida de se casar
com o homem com quem adulterou (Sotah 5.1; Yevamot 2:8). Até os dias de hoje, no Estado de
Israel, uma mulher que recebeu o divórcio por causa de adultério estará impedida de casar com o
homem com quem adulterou: “A Torá é inequívoca: se um homem comete adultério com uma mulher
casada, homem e mulher serão mortos. O Estado moderno de Israel, em contraste, não possui leis
contra adultério, assim os adúlteros podem viver livremente. Mas o que eles não podem fazer é
casar com a pessoa com quem cometeram adultério em uma cerimônia oficial judaica. Isso é
proibido pela lei judaica, que regulamenta os tribunais rabínicos de Israel, que por sua vez
regulamentam o casamento judaico reconhecido pelo estado no país” (ETTINGER, Yair. Rabbinical
Courts Keep Blacklist of Allegedly Adulterous Women’. Matéria jornalística publicada pelo Haaretz
em 24.04.2015. Disponível em: <www.haaretz.com/israel-news/.premium-1.653333?>. Acesso em
21.07.2017).
56 O texto de Deuteronômio 24:4 faz referência a uma contaminação, e por isso alguns autores
supõem que isso se deve ao fato da mulher ter casado com outro homem enquanto ainda valia o
primeiro casamento. Assim, a contaminação seria a evidência de que o segundo casamento era um
tipo de adultério tolerado pela lei ou algo equivalente a essa prática. Porém, isso não faz sentido
algum. É uma suposição que ultrapassa em muito os limites do que está escrito. Embora o adultério
também seja descrito como uma contaminação (Levítico 18:20; Números 5:13,29), ele é muito mais
grave que isso, pois era punido com morte e foi listado entre as abominações que contaminaram a
terra (Levítico 18:20,24-30). O adultério era um mal que deveria ser eliminado de Israel
(Deuteronômio 22:22,23). Já o segundo casamento não é descrito nesses termos. Em Deuteronômio
24:4, a abominação que faz a terra pecar não é o segundo casamento, e sim o retorno da mulher
para o primeiro marido. Dizer que a mulher estava contaminada não é a mesma coisa que dizer
que ela havia adulterado. A lei de Moisés fazia referência a muitas contaminações cerimoniais, e
provavelmente é esse o tipo de contaminação que Deuteronômio 24:4 menciona. Muito
possivelmente essa contaminação já era uma demonstração que algo não estava de acordo com os
propósitos de Deus. E Jesus deixa isso claro, dizendo a lei só permitiu o repúdio por causa da
dureza do coração dos homens.
57 As leis religiosas samaritanas baseiam-se nas leis judaicas do Pentateuco (Torá). Contudo, ao
contrário dos judeus, o samaritanos rejeitam a importância religiosa de Jerusalém como lugar de
adoração e se consideram descendentes dos antigos israelitas do Reino do Norte. Há ainda nos
dias de hoje um pequeno remanescente da população samaritana dentro do Estado de Israel, o
qual os reconhece como judeus. No entanto, os samaritanos não são reconhecidos como judeus
pelo rabinato ortodoxo de Israel.
58 Alguns autores (p. ex. DUTY, Guy. Divórcio e novo casamento, p. 33), talvez por desatenção,
afirmam que o homem judeu precisava da carta de divórcio para contrair novas núpcias.
Entretanto, isso é um equívoco.
60 Também é a mesma palavra usada em Esdras 10, para dizer que os judeus despediram suas
esposas gentias.
63 Já vimos que, segundo a Mishná, a mulher divorciada por causa de adultério estaria proibida
de se casar com o homem com quem adulterou (Sotah 5.1; Yevamot 2:8).
64 Pelos registro de Flávio Josefo e de Fílon de Alexandria, escritores judeus do século I, sabemos
que o pensamento de Hilel sobre o repúdio era o mais popular entre os judeus, sendo comum a
prática do repúdio por qualquer motivo. Ver “Divorce”, disponível em
<www.jewishencyclopedia.com/articles/5238-divorce>, acesso em 21.07.2017.
65 A prática da poligamia entre judeus só foi abolida no século XI, muito depois do início da Era
Cristã (ADAMS, Jay E. Op. cit., p. 136, 137). Apesar de abolida há cerca de 1.000 anos, na
atualidade há quem defenda que essa prática seja recuperada no judaísmo: “Rabino defende
poligamia em Israel” (Matéria jornalística publicada pela Redação do Estadão em 21.08.2011,
disponível em <www.estadao.com.br/blogs/jt-radar/rabino-defende-poligamia-em-israel/>, acesso
em 21.07.2017). Sobre a poligamia no judaísmo, recomendamos a leitura de “Polygamy”,
disponível em <www.jewishencyclopedia.com/articles/12260-polygamy>, acesso em 21.07.17.
66 “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus
enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com
efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que
não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Romanos 8:3,4).
67 O adultério contra a esposa é claramente mencionado em Marcos 10:11: “E ele lhes disse:
Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra aquela”.
68 Ao considerar que a cláusula de exceção mencionada por Jesus (porneia) se refere às relações
sexuais ilícitas, alguns equivocadamente sustentam a tese de que Jesus se aproximou das ideias
defendidas por Shammai (p. ex: “…de acordo com Mateus, o ensino de Jesus não está distante da
opinião de seu quase contemporâneo Shammai” - REID, Daniel G. Dicionário Teológico do Novo
Testamento, p. 830). Outros se recusam a admitir que a exceção tenha esse significado justamente
por pensarem que isso aproximaria Jesus da escola shammaíta (GELDARD, Mark. Jesus’ Teaching
on Divorce: thoughts on the meaning of porneia in Matthew 5:32 and 19:9, p. 137). Entretanto,
tais conclusões nascem de uma leitura do texto a partir de categorias ocidentais contemporâneas.
Pelo fato da nossa sociedade proibir a bigamia, costumamos ler o texto entendendo que, como uma
pessoa já casada deve desfazer o primeiro casamento se quiser casar com outra, a discussão sobre
os motivos do repúdio entre as escolas rabínicas dizia respeito ao segundo casamento após o
divórcio. Entretanto, na discussão entre Hilel e Shammai, não estava em consideração a liberdade
para o segundo casamento do homem. Lembrar disso nos faz ver como Jesus foi surpreendente ao
responsabilizar o homem e denunciar o adultério deste ao repudiar sua esposa, exceto em caso de
porneia, e casar com outra.
69 Um dos autores que defende essa teoria é Walter L. Calisson, no texto “O divórcio, a lei e
Jesus”, publicado como apêndice no livro “Quando o vínculo se rompe”, de Esly Regina de
Carvalho (Editora Ultimato).
70 Trata-se de uma teoria a que tivemos acesso recentemente através do livro “Divórcio? Não
pense nisto!”, de Gleuso Araújo Heringer.
74 A teologia católica faz uma distinção entre divórcio absoluto (divortium plenum ou perfectum), o
qual implica dissolução do vínculo matrimonial e possibilidade de novo casamento, e o divórcio
limitado (divortium imperfectum), que deixa o vínculo matrimonial intacto e implica apenas a
cessação da vida comum (separação de cama e de mesa, ou, além disso, separação de moradia).
Em um casamento cristão nunca poderia haver divórcio absoluto. Em casos de adultério poderia
haver o divórcio limitado. Entretanto, essa distinção entre divórcio absoluto e divórcio limitado era
totalmente desconhecida dos judeus a quem Jesus dirigiu suas palavras em Mateus 5:32 e 19:9,
pois o próprio conceito de divórcio carregava consigo a possibilidade de novo casamento
78 Autor anônimo que por muito tempo foi identificado com Ambrósio, tendo recebido
posteriormente a designação de Ambrosiaster ou Ambrosiastro, e que escreveu comentários sobre
as epístolas paulinas entre 366 e 383 d.C.
80 Exemplo disso são os textos de Lactâncio (240 - 320 d.C): “Como uma mulher é obrigada pelos
laços de castidade a não desejar nenhum outro homem, então que o marido fique preso pela mesma
lei, uma vez que Deus juntou o marido e a esposa na união de um só corpo. Por este motivo, ele
ordenou que a esposa não seja repudiada, a menos que seja condenada por adultério, e que o
vínculo da aliança conjugal nunca se dissolva, a menos que a infidelidade o tenha quebrado”
(Epitome of the Divine Institutes, 66). “Quem se casa com uma mulher divorciada por seu marido é
um adúltero; assim é quem se divorcia de sua própria esposa (exceto por uma acusação de
adultério) para se casar com outra. Deus não pretendia que o corpo unido fosse separado e
dividido em dois” (Divine Institutes, L. VI, c. 23, n. 33).
81 Epifânio de Salamina (310-406 d.C), depois de destacar a necessidade do celibato para o clero
e afirmar que isso não é exigido dos leigos, declara: “Se o homem não pode se contentar com a
única esposa, a qual morreu, ou se houve um divórcio por algum motivo - fornicação, adultério ou
outra coisa - e o homem se casa com uma segunda esposa ou a esposa com um segundo marido, a
Palavra de Deus não os censura ou os afasta da igreja e da vida, mas os tolera por causa de sua
fraqueza. A santa palavra e a santa igreja de Deus mostram misericórdia de tal pessoa,
particularmente se ele é, por outro lado, devoto e vive pela lei de Deus - não deixando ele ter duas
mulheres ao mesmo tempo enquanto vive, mas deixando-o casar com uma segunda esposa
legalmente, se surgir a oportunidade, depois de se separar da primeira (Panarion, 59, 4.8)
82 Basílio de Cesareia (330-370 d.C), em sua resposta à consulta feita por Anfílóquio de Icônio
sobre o que fazer com aqueles que estão em segundo casamento, declara: “Não sei se é possível
denominar adúltera a mulher que vive com o marido abandonado. A que abandona é adúltera, se
convive com outro homem. O que é abandonado por sua mulher é desculpável e a que vive com ele
não é condenada” (Basil of Caesarea, Letter 188, Canon IX, disponível em
<http://www.newadvent.org/fathers/3202188.htm>, acesso em 21.07.2017).
84 O Sermão da Montanha, Livro I, 43. In: AGOSTINHO, O Sermão da Montanha e Escritos sobre
a Fé.
86 Falamos sobre um casal de discípulos de Jesus considerando que, em I Coríntios 7, Paulo trata
de forma separada a situação do casal em que ambos os cônjuges são cristãos e a situação do
cristão casado com incrédulo.
87 No próximo capítulo analisaremos a teoria dos casamentos ilícitos (a exceção caberia apenas
para casamentos inválidos) e a teoria dos esponsais (a exceção se referiria apenas à fornicação
durante o noivado, já que o Evangelho de Mateus foi escrito para um público judaico, que já
considerava os noivos como marido e mulher antes mesmo da consumação do casamento. A
exceção não teria aplicação para casamentos já consumados).
91 A palavra fornicação (do latim, fornicatio) em sua origem também foi usada para se referir a
relações sexuais ilícitas em geral. Porém, em alguns idiomas, com o passar do tempo essa palavra
teve seu significado reduzido a sexo pré-marital, e é nesse sentido que a estamos usando neste
livro.
95 Já estudamos que sob a lei, o adultério consistia em tocar a mulher do próximo. Entretanto, à
luz do ensino de Jesus, o adultério passar a ser um pecado cometido contra a própria esposa. O
casamento é um pacto de fidelidade e exclusividade entre os cônjuges.
96 É interessante destacar que, na Septuaginta, os filhos de Gômer, esposa de Oséias são descritos
como filhos de prostituição (tekna porneiaV, em Oséias 1:2 e 2:4 [2:6)).
97 Apesar do livro de Oséias descrever os pecados de Gômer como porneia, por vezes utiliza-se, de
forma isolada, o texto de Oséias 4:13 e 14 para dizer que o adultério não poderia estar incluído
no conceito de porneia, pois esses versículos falam sobre “filhas que se prostituem” e “noras que
adulteram”. Entretanto, o que vemos nos referidos versículos é um caso de paralelismo, muito
comum na literatura hebraica, em que uma frase repete a ideia da frase anterior, utilizando outras
palavras a fim de reforçar a comunicação. Isso pode ser visto claramente quando lemos o texto a
partir versículo 12: “O meu povo consulta o seu pedaço de madeira, e a sua vara lhe dá resposta;
porque um espírito de prostituição os enganou, eles, prostituindo-se, abandonaram o seu Deus.
Sacrificam sobre o cimo dos montes e queimam incenso sobre os outeiros, debaixo do carvalho, dos
choupos e dos terebintos, porque é boa a sua sombra; por isso, vossas filhas se prostituem, e as
vossas noras adulteram. Não castigarei vossas filhas, que se prostituem, nem vossas noras, quando
adulteram, porque os homens mesmos se retiram com as meretrizes e com as prostitutas cultuais
sacrificam, pois o povo que não tem entendimento corre para a sua perdição” (Oséias 4:12-14).
Vemos que todo o povo estava entregue à prostituição - porneia (v. 12). Isso era tão generalizado
que as mulheres, tanto solteiras como casadas, estavam cometendo prostituição. Contudo, a
prostituição de uma mulher casada é adultério. A ênfase do texto é que todos estavam entregues à
porneia, tanto homens quanto mulheres, tanto solteiras como casada. O adultério não deixa de ser
porneia só pelo fato de ser cometido por uma pessoa casada.
98 P. ex.: Na ocasião em que foi pedido um sinal do céu a Jesus, enquanto Marcos registra a
resposta como “a esta geração não se lhe dará sinal algum” (Marcos 8:12), Mateus e Lucas
registram “nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas” (Mateus 12:39; 16:4; Lucas
11;29). Entretanto, não há contradição alguma, pois o pedido foi por um sinal do céu, o que foi
negado, e o sinal que seria dado (o de Jonas) não surgiria no céu: “Porque assim como esteve
Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e
três noites no coração da terra” (Mateus 12:40); “Porque, assim como Jonas foi sinal para os
ninivitas, o Filho do Homem o será para esta geração… Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta
geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem
é maior do que Jonas” (Lucas 11:30,32).
99 Vimos que essa construção aparece no texto apócrifo de Eclesiástico 23:33 - “Primeiro, ela foi
infiel à lei do Altíssimo; segundo, pecou contra seu marido; terceiro, prostituiu-se no adultério
[porneia emoiceuqh] e teve filhos de outro marido”.
100 Alguns mencionam o texto de Hebreus 13:4 para dizer que o moichos (adúltero) não pode estar
incluído no conceito de pornos, pois essas palavras são mencionadas uma ao lado da outra.
Portanto, pornos se referiria a um homem solteiro e moichos, a um homem casado. Vejamos o
versículo: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque
Deus julgará os impuros (pornos) e adúlteros (moichos)”. Entretanto, a palavra pornos é
mencionada em outro versículo no mesmo livro, e não foi usada para se referir a um homem
solteiro: “nem haja algum impuro (pornos) ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto,
vendeu o seu direito de primogenitura” (Hebreus 12:16). A única coisa que a Bíblia registra sobre
a vida sexual de Esaú é que ele foi casado com duas mulheres hetéias que se tornaram amargura
de espírito para Isaque e para Rebeca (Gênesis 26:34,35). O livro de Hebreus chama Esaú de
pornos não porque ele era solteiro, mas provavelmente por ele ser um homem que, conduzido pela
imoralidade (porneia), tomou decisões equivocadas. Portanto, dificilmente o termo pornos em
Hebreus 13:4 teria um significado diferente do usado em Hebreus 12:16.
101 Quando pensamos em adultério e prostituição, descobrimos algo interessante: muita gente que
adultera não é promíscua no sentido mais generalizado da palavra (pessoa dada à prostituição).
Muitos alegam motivos que consideram “justos” para o segundo casamento, ao qual se dizem fiéis.
Ou seja, estão sinceramente enganados. Não são promíscuos, mas estão em adultério por causa da
dureza do coração – rejeitaram o primeiro o cônjuge, não amaram a primeira aliança etc. Certas
mulheres buscam um segundo casamento para se ampararem em um homem. Outros decidem ficar
juntos, mas não se casam para não perderem a pensão ou um benefício qualquer do casamento
anterior. Então, o problema dessas pessoas não é sexual, não é a promiscuidade, mas é a avareza,
a dureza do coração; ou seja, estão em adultério.
102 Embora Jesus se aproxime de Shamai, ele é bem mais conservador quanto a quem pode casar-
se de novo, pois, segundo ele afirma, divorciados ilegítimos não podem contrair novas núpcias sem
cometer adultério – coisa que a escola shamaíta permitia” (NOGUEIRA. Rafael. A questão do
divórcio e novo casamento”. Disponível em: <http://www.cacp.org.br/a-questao-do-divorcio-e-
novo-casamento/>. Acesso em 21.07.2017).
103 Já vimos que a palavra hebraica traduzida como prostituição em Jeremias 3:8,9 é zanah, e que
na Septuaginta esse termo foi traduzido para o grego como porneia. Quem conhecia essa tradução
do Antigo Testamento entenderia que Deus se divorciou de Israel por causa de porneia,
prostituição espiritual.
104 O episódio narrado em Esdras 10 não serve como fundamento para que um cristão tome a
iniciativa de se divorciar de seu cônjuge incrédulo, pois Paulo trata desse tema em I Coríntios 7.
105 Tradução Ave Maria: “Eu, porém, vos digo: todo aquele que rejeita sua mulher, a faz tornar-se
adúltera, a não ser que se trate de matrimônio falso, e todo aquele que desposa uma mulher
rejeitada comete um adultério” (Mateus 5:32).
106 Na obra O Pastor de Hermas, o divórcio é uma obrigação para o homem cuja esposa está
vivendo em contínuo adultério impenitente. Sem o divórcio, o marido seria cúmplice do adultério da
esposa, mas o marido não poderia casar de novo para não impedir o arrependimento da mulher
adúltera (Mandamento 4, capítulo 29). Já para Agostinho, o divórcio em caso de adultério era uma
permissão e não uma obrigação, mas ainda assim o novo casamento não seria permitido nem
mesmo para a parte inocente (O Sermão da Montanha, Livro I, 43. In: AGOSTINHO. O Sermão da
Montanha e Escritos sobe a Fé). Jerônimo, que não concebia a possibilidade de novo casamento,
traduziu a palavra porneia para o termo latino fornicatio, que se referia à imoralidade sexual em
geral, e não apenas a matrimônios ilícitos. Entre os autores cuja leitura permitem compreender que
o segundo casamento é permitido em caso de divórcio por causa de adultério estão Lactâncio,
Epifânio de Salamina, Basílio de Cesareia e Ambrosiáster.
107 Segundo o Talmud babilônico, os casamentos ilícitos que envolvem relações incestuosas
proibidas pela Torá não requeriam carta de divórcio para serem desfeitos, pois tais casamentos não
eram efetivos (Kiddushin 67b.16; Yevamot 52b.9, 91a.16, 94b.5). Segundo a tradição judaica, a
dissolução de um casamento proibido apenas pela lei rabínica, mas não pela Torá, requer carta de
divórcio (Ver “Marriage, Prohibited”, disponível em <http://www.jewishvirtuallibrary.org/marriage-
prohibited>, acesso em 21.07.2017).
108 Herodias, ainda que casada com Herodes, sempre é descrita como mulher de Filipe: “Porque
Herodes, havendo prendido e atado a João, o metera no cárcere, por causa de Herodias, mulher
de Filipe, seu irmão; pois João lhe dizia: Não te é lícito possuí-la” (Mateus 14:3); “Porque o
mesmo Herodes, por causa de Herodias, mulher de seu irmão Filipe (porquanto Herodes se casara
com ela), mandara prender a João e atá-lo no cárcere. Pois João lhe dizia: Não te é lícito possuir a
mulher de teu irmão” (Marcos 6:17,18); “mas Herodes, o tetrarca, sendo repreendido por ele, por
causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas as maldades que o mesmo Herodes havia
feito, acrescentou ainda sobre todas a de lançar João no cárcere” (Lucas 3:19,20 - grifo nosso).
109 “Disse-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e vem cá; ao que lhe respondeu a mulher: Não tenho
marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e
esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade” (João 4:16-18 - grifo nosso).
110 Entre os adeptos dessa teoria estão John Piper (Sobre divórcio e recasamento em caso de
adultério. Disponível em: <http://www.desiringgod.org/articles/on-divorce-remarriage-in-the-event-
of-adultery?lang=pt>. Acesso 21.07.2017).
111 Em se tratando de virgem não desposada, ela e o homem que a deflorou não receberiam o
tratamento de adúlteros (Deuteronômio 22:28,29). O homem teria que pagar ao pai da moça 50
ciclos de prata, casar com ela e não poderia repudiá-la por toda a sua vida.
112 Em Deuteronômio 22:24, quando trata do pecado do homem que se deitou com uma virgem
desposada, é dito que esse homem “humilhou a mulher do seu próximo”. O pecado desse homem é
descrito nos mesmos termos que o adultério, e tratado da mesma forma: com morte. Confira: “Nem
te deitarás com a mulher de teu próximo, para te contaminares com ela” (Levítico 18:20); “Se um
homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera” (Levítico
20:10); “Se houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade e se deitar com ela,
então, trareis ambos à porta daquela cidade e os apedrejareis até que morram; a moça, porque
não gritou na cidade, e o homem, porque humilhou a mulher do seu próximo; assim, eliminarás o
mal do meio de ti” (Deuteronômio 22:23,24).
113 John Piper é um dos pensadores que sustentam essa ideia: “Mateus diz que José era ‘justo’ em
sua tomada de decisão para divorciar-se de Maria, provavelmente por conta de sua porneia,
fornicação... Portanto, a fim de evitar a inconsistência gritante entre o que ele disse sobre José e o
que Jesus diz sobre o divórcio, Mateus insere a cláusula de exceção, a fim de exonerar José e
mostrar que o tipo de divórcio que alguém pode perseguir durante um noivado por causa de
fornicação, não está incluído no que Jesus tinha dito” (PIPER, John. Sobre divórcio e recasamento
em caso de adultério. Disponível em: <http://www.desiringgod.org/articles/on-divorce-remarriage-
in-the-event-of-adultery?lang=pt>. Acesso 10.06.2017).
114 Na lei de Moisés não há nada que condene, limite ou proíba um homem de repudiar sua noiva.
A tradição judaica estendeu a regulamentação sobre o divórcio para os casos de noivado.
115 A palavra grega que designa uma mulher desposada é mnesteuo, que é usada para descrever
Maria em Mateus 1:18 e Lucas 1:27.
117 Toda a disciplina deve ocorrer na expectativa de contribuir com o arrependimento do irmão
que está se opondo à Palavra de Deus: “disciplinando com mansidão os que se opõem, na
expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a
verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos
cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (II Timóteo 2:25,26).
118 Aqui a palavra grega traduzida como “separe”, é chorizo, que significa: separar, dividir,
despedir-se, partir, ir embora. Paulo estava falando sobre a mulher deixar o marido. Naqueles
dias, os homens não saiam de suas casas.
119 No grego, a palavra “apartar” é aphiemi, que significa: enviar para outro lugar, mandar ir
embora ou partir, deixar ir, abandonar.
120 Aqui, ambas as palavras, “abandonar e deixar” possui o mesmo significado: aphiemi, a mesma
palavra usada no versículo 11 para dizer que o marido não deve se apartar da sua esposa.
122 Tanto a palavra doulos como a palavra eleutheros aparecem em I Coríntios 7:21, na qual
Paulo escreve sobre a situação do escravo que poderia tornar-se livre: “Foste chamado, sendo
escravo [doulos]? Não te preocupes com isso; mas, se ainda podes tornar-te livre [eleutheros],
aproveita a oportunidade”.