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PARECER TEMÁTICO
1
STOTT. John. Grandes questões sobre sexo. Rio de Janeiro: Vinde Publicações, 1993, p. 71.
2
DUTY, Guy. Divórcio e novo casamento. Venda Nova: Betânia, 1979, p. 29. O autor afirma que a carta
de liberdade ou carta de divórcio não significava apenas separação, mas, que “o vínculo matrimonial era
essa passagem, informando que o motivo pelo qual Moisés permitiu (não ordenou) foi
pela “dureza do vosso coração, vos permitiu [...] (Mt 19.8). Os “estatutos mosaicos
foram introduzidos não para substituir o plano original do Criador, mas apenas para
reconhecer a realidade da dureza do coração humano”3. Vale frisar que o texto tem
caráter descritivo, e não prescritivo, isto é, não aprova e nem encoraja o ato do divórcio.
3. Jesus em dada situação, questionado pelos fariseus sobre o casamento e
o divórcio, se posiciona em desfavor das escolas rabínicas4 que disputavam a
interpretação do texto de Deuteronômio 24. Ele, por sua vez, reafirma o projeto ideal
de casamento estabelecido no princípio, na criação (Mt 19.8, a parte final; cf. Gn 2.24),
como uma união duradoura e monogâmica. Acerca do divórcio, Jesus inclui a chamada
cláusula de exceção, conforme Mt 5.32, e Mt 19.9, em que o divórcio seria autêntico e
permissível5, isto é, o motivo para o divórcio legítimo é a imoralidade sexual6 ou o
adultério. É saudável reiterar que Jesus tem o casamento em mais alta conta, e o divórcio
permitido por causa da dureza de coração e falta de perdão, mas não faz dele, a saber
do divórcio, um ato obrigatório.
4. No ensino de Paulo o tema também aparece no texto de 1 Co 7.10-16,
contexto no qual o apóstolo instrui sobre a situação em que há o abandono por parte
de um cônjuge não cristão. Essa declaração constitui o que se convencionou chamar o
“privilégio paulino”. Paulo, portanto, usando de sua própria autoridade apostólica (1 Co
7.12) ao lidar com a questão do casamento misto - entre um cristão e um não cristão -
afirma que o cristão não deve se divorciar, todavia, se a parte incrédula quiser se separar
ou apartar-se, sem que haja possibilidade de manutenção do casamento por parte do
cônjuge não cristão, “[...] aparte-se; porque neste caso o irmão, ou a irmã, não está
sujeito à servidão [...]” (1 Co 7.15). Ressalta-se que o “[...] tempo verbal de “sujeitos à
servidão” (ou dedoulotai, tempo perfeito) em 7.15 sugere que o incrédulo abandonou o
casamento no passado e, como resultado, o cônjuge cristão que permaneceu no lar “não
está mais sujeito à servidão” no presente (com o efeito de que o abandono persiste no
presente)”7. No mesmo capítulo, v.39, Paulo diz que: “A mulher casada está ligada pela
lei todo o tempo em que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido, fica livre para
casar com quem quiser, contato que seja no Senhor”. Neste último verso, no v.39, o
apóstolo usa o termo grego deo, traduzindo a palavra ligada, cujo sentido é estar unido
aos laços matrimoniais. O termo deo faz parte do mesmo campo semântico do termo
dedoulotai traduzido no v.15 como servidão, o que indica com grande probabilidade, que
8
KÖSTENBERGER, Andreas J., JONES, David W. Deus, casamento e família: reconstruindo o
fundamento bíblico. tradução de Susana Klassen. - 2. ed. - São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 254-255.
9
DUTY, Guy. Divórcio e novo casamento. Venda Nova: Betânia, 1979, p. 97.
10
Os textos de 1 Tm 3.2,12 e Tt 1.6, apresentam a expressão grega (transliterada) mias gynaikas andra
traduzida como: NASB, NKJV, NJB, ACF, ARC “marido de uma mulher”; ARA, NVI “marido de uma só
mulher”; NRSV, A Mensagem “casado só uma vez”; TEV “somente deve ter uma mulher”; NLT
“comprometido com sua mulher”; NVT “fiel à sua esposa. Ainda é possível observar nuances de tradução
da expressão grega dentro dos textos da tradução da Bíblia.
11
SWINDOLL, Charles R. Comentário Bíblico Swindoll: 1, 2 Timóteo, Tito. tradução: Regina Aranha.
– São Paulo: Hagnos, 2018, p. 313.
12
KÖSTENBERGER, Andreas J., JONES, David W. Deus, casamento e família: reconstruindo o
fundamento bíblico. tradução de Susana Klassen. - 2. ed. - São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 271-274.
Paulo combate os falsos mestres que proibiam entre outras coisas o casamento13, e diz
que o matrimônio foi criado por Deus “para os fiéis [...] a fim de usarem deles com
ações de graças”; d) se o requisito fosse o casamento, isto é, que o líder devesse ser
casado, o apóstolo poderia ser mais específico usando a gamos, “casados”. Vale destacar
que a separação de jovens e/ou homens solteiros requer cautela. Pode-se acrescentar
ao menos dois argumentos positivos em favor de que os ministros sejam casados: a) 1
Co 9.5 presume que os líderes da igreja normalmente eram casados; b) o contexto das
listas de qualificações dos obreiros apresenta a vida conjugal e familiar como áreas às
quais deviam ser irrepreensíveis (1 Tm 3.4).
2. O líder não seja polígamo: Essa interpretação propõe que o líder não
poderá ser polígamo, não devendo ser simultaneamente casado com várias mulheres.
Contudo por este texto em específico: a) não é possível apresentar evidências que
demonstrem que a poligamia fosse comum entre os primeiros cristãos para justificar sua
menção prioritária entre os requisitos ministeriais14; b) inclusive, a poligamia “era
característica tão rara na sociedade pagã que tal proibição seria insignificância
inaplicável”15; c) em 1 Tm 5.9 há uma expressão paralela com respeito às viúvas que
poderiam receber o auxílio e sustento da igreja; d) todavia, se no texto em destaque
Paulo estiver proibindo a poliandria16, o casamento de uma mulher com muitos maridos,
ele estaria, portanto, considerando haver a presença e o risco de tal ação entre os
cristãos, porém, os estudiosos estão de acordo em que não há evidências de que esse
comportamento fosse presente no primeiro século. Por outro lado, de fato, o líder não
deve ser polígamo, isso porque o plano original e ideal de Deus para o casamento é que
seja monogâmico, de acordo Gn 2.24: “o homem [...] sua mulher”.
3. O líder não seja recasado após viuvez: Paulo estaria dizendo que o
líder deveria ser casado uma única vez, tendo uma única esposa em toda a sua vida. Se
essa for a interpretação os viúvos não poderiam casar-se novamente. Entretanto, o
Novo Testamento é decisivamente contrário à essa posição, pois: a) Paulo havia dito em
Rm 7.1-3 e 1 Co 7.39 que após a morte do cônjuge, a pessoa está livre para casar-se
novamente; b) até as viúvas jovens recebem orientação para casarem-se novamente a
fim de evitar tentações (1 Tm 5.14); c) Paulo em Tt 2.1-2 enumera algumas características
que tornariam os homens mais velhos adequados à sã doutrina, e não inclui a casamento
único como uma delas.
4. O líder não seja divorciado: Paulo estaria, portanto, proibindo que o
líder fosse divorciado, e consequentemente aqueles que se casaram novamente. Contra
essa posição há, porém: a) o próprio apóstolo considerou que é possível que viúvos se
casem novamente (1 Tm 5.14); b) Paulo admitiu que em determinada circunstância o
divórcio é legítimo: seja após morte do cônjuge (Rm 7.1-3; 1 Co 7.39), seja após o
13
ACKERMAN, David A. Novo Comentário Bíblico Beacon: 1 Timóteo. Rio de Janeiro: Central Gospel,
2020, p. 150 e 192.
14
STOTT, John R. W. A mensagem de 1ª Timóteo e Tito: a vida da Igreja local: a doutrina e o dever.
tradução: Milton Azevedo Andrade. – São Paulo: ABU Editora, 2004, p. 92.
15
FEE, Gordon D. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: 1 e 2 Timóteo, Tito. tradução: Luiz
Aparecido Caruso. – São Paulo: Editora Vida, 1994, p. 91.
16
STOTT, John R. W. A mensagem de 1ª Timóteo e Tito: a vida da Igreja local : a doutrina e o dever.
tradução: Milton Azevedo Andrade. – São Paulo: ABU Editora, 2004, p. 92.
abandono ou deserção do companheiro(a) (1 Co 7.15); c) por se tratar de um tema tão
delicado Paulo poderia ter sido mais específico expressando-se de modo menos
ambíguo, podendo ter afirmado diretamente: não seja divorciado17. Salienta-se que, com
exceção dos textos de tradução disputada, as Epístolas Pastorais não fazem referência
óbvia sobre a impossibilidade do divórcio e recasamento de líderes. Não obstante, essa
interpretação tem em seu favor que o divórcio e o novo casamento eram “prática
frequente na sociedade greco-romana”, e como Dt 24 e Mt 19 demonstram, não era
desconhecida dos judeus18. Alguns intérpretes chegam a dizer que a disputa expressão
“marido de uma só mulher”19 pode ser entendida como tendo uma dupla ênfase20.
Destarte, o líder não pode ser divorciado, assim como deve estar comprometido com
sua única esposa.
5. O líder seja um marido fiel: Essa interpretação considera que a frase
“marido de uma só mulher” seja melhor compreendida como uma expressão idiomática
cujo significado é um “termo para fidelidade conjugal”21. Objeta-se que: a) a
interpretação não favorece uma leitura literal do texto; b) a consequência lógica do
texto, portanto, seria a de que o líder poderia ter uma esposa por vez, e assim não seria
possível estabelecer um limite dos relacionamentos sucessivos. Em contrapartida afirma-
se que essa leitura do texto, exigindo como qualidade que o marido seja fiel à sua esposa:
a) pretende excluir “homens que tinham uma ou mais concubinas ou que haviam sido
infiéis à esposa de alguma outra maneira”22; b) o texto apresenta uma relação intrínseca
com 1 Tm 5.9, em que a viúva afim de receber o sustento da igreja deveria ser qualificada
como “fiel a seu marido” 23 ou “mulher de um só marido”; c) em 1 Tm 5.14 Paulo
incentiva a que viúvas jovens casem-se outra vez. Não seria de bom tom que o apóstolo
instruísse a que essas viúvas praticassem quaisquer pecados, considerando que o
segundo casamento fosse assim entendido; d) a exigência de que o marido seja fiel é um
correspondente coerente tanto do sétimo mandamento, qual seja, “Não adulterarás”
(Êx 20.14), como da lei do reino em que Jesus ressignifica e amplia a compreensão de
17
KÖSTENBERGER, Andreas J., JONES, David W. Deus, casamento e família: reconstruindo o
fundamento bíblico. tradução de Susana Klassen. - 2. ed. - São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 272.
18
DUTY, Guy. Divórcio e novo casamento. Venda Nova: Betânia, 1979, p. 22. O autor cita Alfred
Edersheim para afirmar que as escolas rabínicas se dividiam acerca do tema do divórcio, mas, “todos
defendem a ideia de que o divórcio é legítimo, questionando-se apenas suas motivações”.
19
MOUNCE, William. Word Biblical Commentary: pastoral epistles. V.46. Nashville: Thomas Nelson,
2000, p. 159, afirma ser importante considerar a tradução como sendo “marido (homem) de uma só
mulher”, pois, o verso torna-se um forte argumento a favor da exclusividade masculina na liderança
eclesiástica.
20
KENT, Homer A. The pastoral epistles: studies in 1 and 2 Timothy and Titus. Winona Lake, IN: BMH
Books, 2001, p. 126: “Ele deve ser comprometido com ela e lhe dar todo o amor e toda a consideração
que a esposa merece. [A frase] significa mais que simplesmente não ser divorciado, embora esse fato
objetivo pudesse ser verificado pela igreja”.
21
KÖSTENBERGER, Andreas J., JONES, David W. Deus, casamento e família: reconstruindo o
fundamento bíblico. tradução de Susana Klassen. - 2. ed. - São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 273.
22
KÖSTENBERGER, Andreas J., JONES, David W. Deus, casamento e família: reconstruindo o
fundamento bíblico. tradução de Susana Klassen. - 2. ed. - São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 273.
23
É válido observar que a melhor tradução de 1 Tm 5.9 é “fiel a seu marido”, pois, de outro modo Paulo
estaria proibindo que mulheres em poliandria fossem sustentadas e com isso supondo que a prática fosse
relevante para receber sua atenção. Já foi destacado em acima que a poliandria era uma prática quase
inexistente no mundo antigo.
adultério como significando fidelidade conjugal (Mt 5.27-28); e) aliás, a fidelidade conjugal
como requisito para o ministro coaduna com as cláusulas de exceção que afiançam
condições para o divórcio e novo casamento legítimos – imoralidade sexual, abandono
(Mt 5.31 e 32; Mt 19.1-12; 1 Co 7.10-16); f) o contexto das listas de qualificação
ministerial favorece a fidelidade como parte do caráter do obreiro (1 Tm 3, e Tt 1.5-9).
RESOLVE:
5. CONCLUSÃO
1. Diante da avaliação dos fundamentos bíblicos e teológicos apontados no item
3 deste parecer, os ministros divorciados legitimamente, em virtude de infidelidade e/ou
abandono ocasionado pela esposa, podem permanecer no exercício de suas atividades
eclesiásticas;
2. Considerando que a decisão sobre a permanência ou não do Ministro cabe à
Convenção Estadual, garantindo o contraditório e a ampla defesa, sendo-lhe também
assegurado recurso para a Mesa Diretora e para o plenário da Convenção Geral,
julgamos importante a aprovação de uma resolução estadual que regulamente o
procedimento sigiloso nos casos de divórcio de ministros;
3. Além de garantir unidade e tratamento isonômico nas situações de idêntica
natureza, o procedimento de divórcio de ministros será importante inclusive para
apurar, a partir dos dados, informações e demais provas colhidas durante a instrução, as
reais motivações que tenham ocasionado o fim do matrimônio, possibilitando avaliar a
conduta ética e familiar do obreiro (1Tm 3.1-7), assim como sua eventual contribuição
para o divórcio.
É o parecer.