O texto do Pe. Jesus Hortal, SJ, intitulado “Separação conjugal e dissolução do
matrimônio”, se inicia abordando o tema da separação conjugal com permanência do vínculo. Para apresentar o tema de maneira precisa, o sacerdote jesuíta distingue a separação de fato e de direito da separação perpétua e temporária. A primeira, embora não seja denominada desta maneira no Código, para os canonistas, produz seus efeitos no foro externo a partir da intervenção da autoridade pública. Embora o Código de Direito Canônico de 1983 reafirme a necessidade da emissão do decreto do bispo diocesano ou duma sentença judicial para a que a separação dos cônjuges seja legítima, no Brasil, graças à uma “concessão tática” as autoridades eclesiásticas permitiram que estas causas fossem julgadas apenas pelos tribunais civis. A separação perpétua, por sua vez, surge apenas do adultério, que quebra de maneiras culpável a fidelidade, afetando diretamente a unidade do matrimônio. Nela, há sempre o elemento de culpabilidade, de modo que o direito do cônjuge culpável cessa por inteiro. Entretanto, para que o cônjuge inocente conquiste a separação perpétua, requer- se que o adultério reúna os seguintes requisitos: a) o adultério deve ser verdadeiro, ou seja, com realização da cópula sexual perfeita entre duas pessoas das quais ao menos uma delas seja casada. Não são suficientes os atos libidinosos; b) o adultério deve ser formal, o que significa dizer que o adúltero deve realizar a cópula adulterina de modo consciente e livre. Não se pode chamar de adultério a cópula praticada no erro de pessoa, nem tampouco se falta vontade (estupro) ou se o adúltero agiu em estado de transtorno mental; c) o cônjuge inocente deve ter certeza do adultério cometido por seu consorte. Não se exige comprovação física ou comprovação material direta, basta a certeza moral que se origina em indícios suficientemente fortes. Nas decisões da Rota Romana normalmente se exige que os indícios sejam violentos, ou seja, capazes de gerar, por si só, certeza moral nas pessoas. Entretanto, o Prof. Jesus Hortal, SJ destaca que a simples suspeita ou a probabilidade de adultério não dá direito à separação; d) o adultério não pode ter sido consentido pelo consorte. Não poder ter sido provocado de maneira direta e próxima como a pressão do marido para que a esposa se prostitua em troca de dinheiro. Não deve ser perdoado, dado que embora a caridade cristã seja um princípio fundamental da fé, o perdão não pode ser concedido com uma aprovação ou confirmação da conduta pecaminosa do adúltero. Quando concedido, o perdão precisa ser livre e não fruto da violência ou chantagem. Ele pode ser expresso ou tácito. Entretanto, como a separação perpétua não é uma pena imposta ao adúltero, mas uma faculdade reconhecida ao cônjuge inocente, em caso de perdão, o que a lei faz é reconhecer que o cônjuge inocente renunciou espontaneamente ao seu direito e que, deste modo, não poderá mais invoca-lo em ordem a uma separação ulterior; d) Os dois cônjuges não tenham cometido adultério, posto que, nesse caso, os dois perdem o direito à separação. A separação temporária é concedida para evitar um perigo, ou seja, um mal que se apresenta como decorrência moralmente certa do prosseguimento da convivência conjugal. Ela pode ser por um tempo definido ou indefinido e se deve a causas que dificultam a comunhão de vida, mas, não a ferem diretamente. Surge de um conflito entre os deveres que se originam no vínculo conjugal e outros de categoria superior, indispensáveis para a preservação do bem físico ou espiritual da pessoa de cada um dos cônjuges. Nesta separação, o direito dos cônjuges fica suspenso apenas enquanto perdurar o perigo. Se a separação perpétua se origina de um fato passado (adultério cometido) a temporária encontra sua justificativa na previsão de um dano futuro. Por isso, se distingue as causas de separação temporária de caráter espiritual e as de caráter corporal. O Código de 1983 especifica três motivos gerais para esta separação: a) grave perigo para a alma, que obviamente deve ser entendido no sentido teológico como um perigo proveniente da comunidade de vida conjugal para a vida em graça da alma; b) grave perigo para o corpo, entendido como risco à integridade física que supera o dever de convivência matrimonial entre os esposos. Para o código, basta a existência objetiva de ameaça de um mal futuro, portanto, quando há ameaça de morte ou de ferimentos graves, mas também nos casos de doença contagiosa e de demência de um dos cônjuges. Evidentemente, passado o perigo para o corpo, por cura ou outra causa, há a obrigação de restaurar a convivência conjugal; c) dificuldade muito grande na convivência conjugal, como crueldades ou vida criminosa e ignominiosa, gerada por um dos cônjuges de maneira direta ou indireta, mesmo sem culpa moral, ou que, mesmo sendo causada por uma terceira pessoa, um dos cônjuges nada faça para impedi-la. Além disso, ainda falando sobre o tema, o autor destaca que a separação conjugal produz efeitos como o fato de os cônjuges poderem adquirir domicilio ou quase domicílio próprios e continuarem responsáveis pelo sustento e educação dos filhos. Tendo falado sobre a separação dos cônjuges de maneira prolongada, o texto segue para o tema da dissolução do vínculo e expõe com consistência a doutrina da Igreja contida na Indissolubitate matrimonii, que foi elaborada pela Comissão Teológica Internacional em 1977.
Embora tenha deixado aberta a possibilidade de evolução doutrinária posterior, o
documento apoia a disciplina atual da Igreja sobre a questão e lhe dá um fundamento doutrinário, ao mesmo tempo em que reafirma a incompetência da Igreja para dissolver matrimônios ratificados e não consumados (Cf. cân 1141). Entretanto, como a indissolubilidade extrínseca do matrimônio só se torna absoluta quando nele concorrem simultaneamente as duas qualidades de sacramentalidade e consumação, quando expõe o cân 1142, o texto recorda que o Código está afirmando que todo matrimônio não consumado pode ser dissolvido, desde que o batismo e a inconsumação esteja presentes na mesma pessoa. Nestes casos, o Romano Pontífice, por meio de um ato formal específico ou em virtude de uma disposição do direito, pode dissolver o vínculo. Acerca do tema da inconsumação o autor destaca que ela deve ser provada num processo especial, de caráter administrativo, cuja instrução é feita por autoridade do ordinário local e cuja decisão corresponde exclusivamente à Santa Sé. Além disso, também fica claro que a concessão da dispensa do matrimônio ratificado só pode ser solicitada pelos cônjuges, seja separadamente ou não e que a ausência de uma causa justa invalidaria a concessão e o vínculo não seria rompido. Visto desta forma, entendemos que o matrimônio consumado ou não, que não tenha sido contraído por dois batizados pode ser dissolvido. Essa dissolução se dá através do chamado “privilégio da fé”, visto que, trata de uma união na qual os dois cônjuges eram pagãos. Dentre estes casos de dissolução pelo privilégio da fé destaca-se o privilégio paulino, que está prescrito no cân 1143 § 1 e se dá apenas quando se reúnem as seguintes condições: a) que o matrimônio seja contraído por dois não batizados; b) que posteriormente aconteça a conversão e o batismo válido de um dos cônjuges; c) que o cônjuge não convertido abandone física ou moralmente o cônjuge convertido; d) que o cônjuge batizado interpele o não batizado se quer também converter-se e ser batizado ou se, pelo menos, está disposto a coabitar pacificamente no matrimônio sine contumélia creatoris (Cf. cân. 1144 § 1); e) que seja celebrado o novo matrimônio. Sem uma destas condições o novo casamento não será lícito. Porém, além destes casos indicados no privilégio paulino, existem ainda outros casos em que aparecem conflitos semelhantes, como é o caso da poligamia anterior ao batismo e a impossibilidade de comunicação entre os cônjuges, que se resolve apenas quando o polígamo passar a assumir apenas um dos cônjuges, de preferência a primeira. O mesmo vale para a mulher que tiver vários maridos (poliandria). Além dos casos já citados acima, na praxe da Igreja existem ainda outros casos de dissolução do vínculo de uniões conjugais que não foram ratificadas ou não foram consumadas após a sacramentalização e de dissolução do matrimônio não ratificado em favor da fé de terceira pessoa. O primeiro caso, segundo o Padre Jesus Hortal, SJ, não possui fundamentação escriturística e foi erroneamente denominado como “privilégio petrino”, visto que se trata de uma aplicação do poder pastoral do Romano Pontífice. Entretanto, para o autor, como se trata de tutelar o exercício livre da fé de um dos cônjuges e a educação cristã da prole deveria ser chamado preferencialmente de privilégio da fé. O segundo caso, mais incomum, trata-se de um matrimônio contraído entre dois batizados sem que nenhum deles se converta ao cristianismo e, portanto, sem que nenhum deles seja batizado, e que posteriormente, após o naufrágio deste, surgida uma nova união civil, a parte católica fica envolvida afetivamente, tendo havido inclusive nascimento de prole e a parte não católica não se ocupa da educação católica dos filhos nem estava disposta a se converter. Em todos esses casos de dissolução do vínculo de um matrimônio não ratificado, porém, destaca o autor, se existe dúvida positiva e provável, quer quanto aos fatos ou quanto ao alcance doas normas do direito, deve prevalecer a liberdade para contrair novo matrimônio.