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CASAMENTO PUTATIVO only one spouse or by both.

Thus, after
studying the origin of the institute and its
evolution in Brazilian law, the effects of
putativity on spouses as well as on third
Camila Fernanda Pinsinato Colucci 2 parties will be investigated.
Key words: Marriage; putativity; good
faith; effects; third parties.

RESUMO
1. INTRODUÇÃO
Trata o presente artigo da análise do
casamento putativo, instituto jurídico Nosso sistema civil privilegia a
peculiar, eis que, apesar de ser
considerado como uma união boa-fé nas relações jurídicas. Dentre
matrimonial nula ou anulável, produzirá essas relações, podemos encontrar o
efeitos no mundo jurídico. Essa
contradição é explicada pelo fato de casamento. Por vezes, situações que
haver necessidade da presença da boa-fé, caracterizam casamentos nulos ou
seja da parte de apenas um dos cônjuges,
seja da parte de ambos. Assim, se estudar anuláveis acabam por gerar efeitos na
a origem do instituto e sua evolução no prática, tendo em vista a boa-fé de um ou
Direito brasileiro, serão investigados os
efeitos da putatividade em relação aos de ambos os cônjuges. Tem-se, então, a
cônjuges, bem como em relação a figura do casamento putativo, que é o
terceiros.
“casamento que se acredita ser
Palavras-chave: Casamento;
verdadeiro, legal e certo, e não o é”.3
putatividade; boa-fé; efeitos; terceiros.
Porém, apesar desta invalidade, ainda
assim será um casamento apto a gerar
ABSTRACT efeitos, desde que a boa-fé esteja
This article deals with the analysis of the presente. Com isso, “mesmo que o
putative marriage, a peculiar legal casamento venha a ser anulado, mantém
institute which, although is considered
as a null or nullable marriage union, will sua eficácia da data de sua celebração até
have effects in the juridical world. This ser desconstituído”.4
contradiction is explained by the fact
that good faith is mandatory, either by

2
Camila Fernanda Pinsinato Colucci. Bacharel
em direito pela Faculdade de Direito da 3
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito
Universidade de São Paulo. Mestre em Direito das famílias. 8. ed. rev, atual. e ampl. São
Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 286.
de São Paulo. Professora das matérias de direito 4
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito
civil e processo civil do Unianchieta desde o ano
das famílias. 8. ed. rev, atual. e ampl. São
de 2014. Atua como advogada nas áreas de
direito civil e direito da infância e juventude nas Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 286.
cidades de Jundiaí e São Paulo.

Revista de Direito Civil, ISSN 2596-2337, v. 1, n. 2, jul./dez. 2019


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Como situar o casamento Segundo Levenhagen, a
putativo dentro do ordenamento? Seria putatividade foi o meio que a legislação
ele um casamento válido por conta dos encontrou para minimizar os efeitos do
efeitos produzidos, decorrentes da boa- casamento nulo e anulável,
fé? Ou seria modalidade de casamento especialmente quanto aos filhos. Se
inválido ao qual seriam dados os efeitos pensarmos que, no modelo de direito de
jurídicos? família sob a égide do Código Civil de
Yussef Said Cahali, discorrendo 1916, em que eram ilegítimos os filhos
sobre a natureza jurídica do casamento advindos de relações que não fossem o
putativo, traz que para alguns autores, casamento válido, os efeitos da
como Washington de Barros Monteiro, putatividade vieram, e muito, em auxílio
ou Lafayette e Faria Coelho, tratar-se-ia de muitas famílias que seriam desfeitas
de uma ficção jurídica.5 Esta é a posição, por conta de o casamento conter algum
também, de Álvaro Villaça Azevedo, tipo de vício. Para Levenhagen
que entende que “A lei, por ficção e ante
a boa-fé dos contraentes ou de um deles, casos há em que os contraentes são
iludidos na sua ignorância ou
atribui efeitos de casamento válido ao traídos na sua confiança, vindo a
contrair casamento cuja realização
anulável e mesmo nulo, até a data da a lei proíbe por existirem
impedimentos absolutos ou
sentença que o invalida”.6 Outros o relativos. Atendendo a esse
consideram uma exceção aos efeitos da princípio de humanidade, a lei
empresta aos casamentos assim
nulidade, eis que a sentença judicial teria realizados todos os efeitos do
casamento válido, até a data da
o condão de retirar o instituto do mundo decretação da nulidade.
Reconhece-se, desse modo, na boa
jurídico, ressalvando, porém, os efeitos fé dos cônjuges ou de um deles,
força bastante para validar o ato,
já produzidos. Porém, conclui o autor enquanto este durou.8
que se trata de situação com
características próprias, não sendo Ensina Yussef Said Cahali que
simples exceção.7 não caberia resposta tão grave quanto a
perda dos efeitos do casamento, “ferindo

5
CAHALI, Yussef Said. O casamento direito de família. v. 5. Rio de Janeiro:
putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Forense, 2006, p. 210).
7
Tribunais, 1979, p. 5-6. CAHALI, Yussef Said. O casamento
6
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
direito civil: direito de família. São Paulo: Tribunais, 1979, p. 5-6.
8
Atlas, 2013, p. 116. Também neste sentido: LEVENHAGEN, Antônio José de Souza.
NADER, Paulo. Curso de direito civil: Do casamento ao divórcio. São Paulo: Atlas,
1992, p. 85.
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gente que foi levada ao matrimônio na data da sentença que decretou ou
declarou sua nulidade”.12
ignorância do impedimento, ligando-se
Na definição de Alípio Silveira,
através de uma união que parecia regular
“casamento putativo é aquele nulo ou
aos olhos de todos”.9 Ainda segundo o
anulável, mas que, em atenção à boa-fé
mesmo autor, seja por motivos
políticos, ou por indulgência para
com que foi contraído por um ou ambos
com o cônjuge de boa-fé e os cônjuges, produz, para o de boa-fé e
comiseração para com a prole; ou
devido a razões humanitárias e de os filhos, todos os efeitos civis até passar
equidade, o ordenamento jurídico
foge à sistemática própria e em julgado a sentença anulatória”.13
empresta àquele casamento
anulado, ou mesmo nulo, efeitos Segundo Rolf Madaleno,
do casamento válido, até que a
nulidade seja pronunciada.10
o matrimônio putativo surge como
uma forma de amenizar as danosas
2. CONCEITO consequências da retroatividade
do reconhecimento judicial da
nulidade ou de anulação do
Nas palavras de Rolf Madaleno, casamento, no tocante aos
interesses dos cônjuges e dos
“diz-se putativo o casamento que, filhos, passando o instituto a
reconhecer os efeitos retroativos à
mesmo nulo ou anulável, ainda assim a sentença aos que havia casado com
inequívoca boa-fé, desconhecendo
lei lhe reconhece os efeitos jurídicos ao tempo da celebração das
núpcias os impedimentos
àquele que o contraiu de boa-fé, podendo geradores da invalidade do
incidir sobre um ou sobre ambos os matrimônio.14

cônjuges”.11 Já Levenhagen
São requisitos do casamento
putativo a decisão judicial declarando o
ensina que casamento putativo “é
aquele celebrado de maneira nula casamento nulo ou anulável e a boa-fé,
ou anulável, mas cujo vício era
inteiramente ignorado pelos por pelo menos um dos cônjuges. Apesar
nubentes ou por um deles, levados,
assim, pela boa-fé, a acreditarem
de vários autores trazerem esses dois
na licitude do ato. O casamento requisitos, Carlos Roberto Gonçalves
assim realizado tem, por lei,
reconhecidos os seus efeitos até a filia-se à corrente que entende que basta

9 12
CAHALI, Yussef Said. O casamento LEVENHAGEN, Antônio José de Souza.
putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Do casamento ao divórcio. São Paulo: Atlas,
Tribunais, 1979, p. 2. 1992, p. 84.
10 13
CAHALI, Yussef Said. O casamento SILVEIRA, Alípio. O casamento putativo
putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos no direito brasileiro. São Paulo:
Tribunais, 1979, p. 2. Universitária de Direito, 1972, p. 7.
11 14
MADALENO, Rolf. Curso de direito de MADALENO, Rolf. Curso de direito de
família. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de família. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, p. 146. Janeiro: Forense, 2011, p. 146.
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a boa-fé, eis que a declaração de nulidade depende, pois, de comprovação da boa-
ou anulabilidade é apenas pressuposto fé”.18
lógico para aplicação da putatividade.15 Fundamental ressaltar que o
Washington de Barros Monteiro, momento em que a boa-fé deve existir é
tratando sobre a boa-fé na relação o da celebração do casamento.19 Assim,
matrimonial, define como o “estado eventual conhecimento posterior, pelo
psicológico que se resume no ignorar a cônjuge que estava de boa-fé no
circunstância decisiva, que ao ato momento da celebração, de motivo que
imprimiria caráter ilícito, se presente leve à nulidade ou anulabilidade do
fosse ao espírito do agente”.16 De acordo casamento, não retirará dele sua
com Paulo Nader, a “boa-fé se característica de putatividade.
caracteriza simplesmente com a Ponto importante lembrado por
ignorância, antes do casamento, da causa Washington de Barros Monteiro diz
determinante da invalidade (...)”, respeito ao fato de que não importa o
devendo ser entendida como boa-fé motivo que tenha levado o casamento à
subjetiva, por se referir à ignorância de nulidade ou anulabilidade: o ponto a que
vício que atinge o casamento.17 devemos nos ater é a boa-fé de pelo
Ainda sobre a boa-fé, menos um dos cônjuges.20
Washington de Barros Monteiro Caio Mario da Silva Pereira, por
relembra que em nosso ordenamento a sua vez, ressalta que a putatividade é
boa-fé se presume, devendo a má-fé ser decorrente de lei. Assim, nessas
provada. Com isso, “o ônus da prova situações, “não cabe ao juiz conceder ou
compete a quem a negue [boa-fé]. O recursar o favor; compete-lhe, tão
reconhecimento da putatividade não somente, apurar a boa-fé, em face das

15
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito 2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz
civil brasileiro: direito de família. v. 6. 12. Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007,
ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 124. p. 142.
16 19
MONTEIRO, Washington de Barros. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
Curso de direito civil: direito de família. v. civil brasileiro: direito de família. v. 6. 12.
2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 124.
20
Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, MONTEIRO, Washington de Barros.
p. 139. Curso de direito civil: direito de família. v.
17
NADER, Paulo. Curso de direito civil: 2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz
direito de família. v. 5. Rio de Janeiro: Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007,
Forense, 2006, p. 210. p. 139.
18
MONTEIRO, Washington de Barros.
Curso de direito civil: direito de família. v.
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circunstâncias do caso, e, sendo a prova filhos havidos tanto antes quanto
durante a constância do
positiva, proclamar a putatividade”.21 casamento, e não reconhecia
nenhum resultado econômico
Pode-se considerar que a relacionado com o regime de bens
eleito, justamente para um
aplicabilidade prática do casamento casamento cuja eficácia havia sido
putativo se reduziu após a Constituição cassada pelo decreto judicial de
nulidade ou anulação.22
Federal ter igualado os filhos, acabando
com a classificação de filhos ilegítimos, Com a putatividade, então,
assim entendidos aqueles não advindos quando reconhecida posteriormente à
do casamento válido. Os efeitos, porém, Constituição Federal, estar-se-ia
estendem para além dos filhos, atingindo conferindo, em um primeiro momento,
os próprios cônjuges e eventuais legitimidade aos filhos de união que
terceiros. fosse posteriormente considerada nula
Rolf Madaleno ensina que, antes ou anulável por sentença judicial.23
da Constituição Federal, se não fosse Esta figura matrimonial
pela putatividade, ao se ter judicialmente permeada pela boa-fé é tão importante
invalidado um casamento, não se que se encontra presente em outros
reconheceria ordenamentos jurídicos. Podemos citar,
como exemplo, o Direito francês, no qual
qualquer direito aos nubentes, o casamento putativo vem previsto pelo
mesmo se houvessem contraído
suas núpcias de boa-fé, por artigo 20124 do Código Civil francês. Já
completa ignorância do insanável
vício que povoava seu na Itália encontramos semelhante
matrimônio. Dessa forma a
sentença tornava ilegítimos os
disposição no art. 128 do Código Civil25.

21
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Em tradução livre: “Art. 201. O casamento
Instituições de direito civil: direito de declarado nulo produz, no entanto, seus efeitos
família. v. 5. 14. ed. atual. por Tânia da Silva em relação aos cônjuges, quando foi contratado
Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. de boa-fé.
Se a boa-fé existe apenas por parte de um dos
155.
22 cônjuges, o casamento produz seus efeitos
MADALENO, Rolf. Curso de direito de apenas em favor desse cônjuge”.
família. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de 25
“Art. 128. Se il matrimonio e' dichiarato nullo,
Janeiro: Forense, 2011, p. 146. gli effetti del matrimonio valido si producono, in
23
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de favore dei coniugi, fino alla sentenza che
direito civil: direito de família. São Paulo: pronunzia la nullita', quando i coniugi stessi lo
Atlas, 2013, p. 117. hanno contratto in buona fede, oppure quando il
24
“Article 201. Le mariage qui a été déclaré nul loro consenso e' stato estorto con violenza o
produit, néanmoins, ses effets à l'égard des determinato da timore di eccezionale gravita'
époux, lorsqu'il a été contracté de bonne foi. derivante da cause esterne agli sposi.
Si la bonne foi n'existe que de la part de l'un des ((Il matrimonio dichiarato nullo ha gli ef etti del
époux, le mariage ne produit ses effets qu'en matrimonio valido rispetto ai figli.))
faveur de cet époux”.

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Na Espanha, o instituto está presente no estar convencido da verdade de um fato,
art. 79 do Código Civil.26 Por fim, no ou ainda se referindo ao que é
Código Civil português, podemos imaginário, fictício e irreal.28 Já segundo
encontrar o instituto nos artigos 1.647 e Yussef Said Cahali, putativo vem de
1.648.27 putativus, que significa “reputado, tido
como tal, pensado, crido tal como é
3. ORIGEM E EVOLUÇÃO imaginado”.29 Noticia este último autor
HISTÓRICA que essa denominação parece ter sido
utilizada pela primeira vez pelo
De acordo com Carlos Roberto canonista Johanes Andreae.30 Álvaro
Gonçalves que a palavra putativo vem do Villaça Azevedo, na mesma linha, ensina
latim putare, significando reputar ou

27
Se le condizioni indicate nel primo comma si “Art. 1.647º. 1. O casamento civil anulado,
verificano per uno solo dei coniugi, gli effetti quando contraído de boa fé por ambos os
valgono soltanto in favore di lui e dei figli. cônjuges, produz os seus efeitos em relação a
Il matrimonio dichiarato nullo, contratto in estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da
malafede da entrambi i coniugi, ha gli effetti del respectiva sentença.
matrimonio valido rispetto ai figli nati o 2. Se apenas um dos cônjuges o tiver contraído
concepiti durante lo stesso, salvo che la nullita' de boa fé, só esse cônjuge pode arrogar-se os
dipenda da ((...)) incesto”. benefícios do estado matrimonial e opô-los a
Em tradução livre: “Art. 128. Se o casamento for terceiros, desde que, relativamente a estes, se
declarado inválido, os efeitos de um casamento trate de mero reflexo das relações havidas entre
válido são produzidos, a favor dos cônjuges, até os cônjuges.
a sentença que pronuncia a nulidade, quando os 3. O casamento católico declarado nulo pelos
próprios cônjuges o tiverem contratado de boa-fé tribunais e repartições eclesiásticas produz os
ou quando o consentimento for extorquido com seus efeitos, nos termos dos números anteriores,
violência ou medo de gravidade excepcional até ao averbamento da decisão, desde que esteja
decorrente de causas externas aos cônjuges. transcrito no registo civil.
((O casamento declarado inválido tem o efeito de Art. 1.648º. 1. Considera-se de boa fé o
um casamento válido em relação aos filhos)). cônjuge que tiver contraído o casamento na
Se as condições indicadas no primeiro no ignorância desculpável do vício causador da
primeiro parágrafo ocorrerem apenas para um nulidade ou anulabilidade, ou cuja
dos cônjuges, os efeitos se aplicam apenas a ele
declaração de vontade tenha sido
e seus filhos.
O casamento declarado inválido, contratado de extorquida por coacção física ou moral.
má-fé por ambos os cônjuges, tem o efeito de um 2. É da exclusiva competência dos tribunais
casamento válido em relação aos filhos nascidos do Estado o conhecimento judicial da boa
ou concebidos durante o mesmo, a menos que a fé.
nulidade dependa de ((...)) incesto”. 3. A boa fé dos cônjuges presume-se”.
26 28
“Artículo 79. La declaración de nulidad del GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
matrimonio no invalidará los efectos ya civil brasileiro: direito de família. v. 6. 12.
producidos respecto de los hijos y del ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 123-124.
contrayente o contrayentes de buena fe. 29
CAHALI, Yussef Said. O casamento
La buena fe se presume”.
putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Em tradução livre: “Artigo 79. A declaração de
nulidade do casamento não invalidará os efeitos Tribunais, 1979, p. 3.
30
já produzidos com relação aos filhos e ao CAHALI, Yussef Said. O casamento
contraente ou contraentes de boa-fé. putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
A boa-fé se presume”. Tribunais, 1979, p. 4.
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que “o verbo latino puto,are quer dizer autor, o matrimonium putatiuum podia
imaginar, julgar, pensar”.31 ser inferido em disposições legislativas
Aduz Carlos Roberto Gonçalves esparsas.35
que apesar de ter sua origem no Direito No Brasil, Teixeira de Freitas já
romano, foi o direito canônico que trazia a regulamentação do casamento
desenvolveu sua teoria, com o objetivo putativo em seu Esboço de Código Civil,
de mitigar os efeitos da nulidade, já que escrito de 1860 a 1864, nos artigos 1.447
havia muitos casamentos contraídos em e seguintes. O Esboço, porém, foi
situações de impedimento e, no caso de rejeitado pelo governo brasileiro.
prole, haveria a ilegitimidade.32 Já de O Decreto n. 181, de 1890, por
acordo com Rolf Madaleno, a teoria do sua vez, previa em seu art. 79 que o
casamento putativo surgiu com o direito cônjuge de má-fé, que deu causa à
canônico na Idade Média, sendo anulação do casamento, perderia todas as
desconhecido pelo Direito romano.33 vantagens havidas do outro cônjuge,
Washington de Barros Monteiro devendo, assim, ceder a metade de seus
compartilha da ideia de que o casamento bens e dos bens adquiridos na constância
putativo, embora desenvolvido pela do casamento, se no regime da
Igreja Católica, tem suas origens no comunhão de bens. O cônjuge de boa-fé
Direito romano, que trazia como seus poderia, ao contrário, preferir a
requisitos a boa-fé, o erro escusável e a separação dos bens, retirando o que era
celebração.34 seu anteriormente ao casamento, mais a
Nesse sentido também é a lição metade dos bens adquiridos em sua
de Paulo Nader, que ensina que o Corpus constância. Já o art. 75 previa que
Juris Civilis romano trazia referências
isoladas a esta modalidade de casamento, Quando o casamento nulo ou
anulável tiver sido contraído de
em especial para benefício dos filhos. boa-fé, produzirá os seus efeitos
civis, quer em relação aos
Segundo outra corrente, apontada pelo cônjuges, quem em relação aos
filhos, ainda que estes fossem

31 34
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de MONTEIRO, Washington de Barros.
direito civil: direito de família. São Paulo: Curso de direito civil: direito de família. v.
Atlas, 2013, p. 116. 2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz
32
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007,
civil brasileiro: direito de família. v. 6. 12. p. 137.
35
ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 123. NADER, Paulo. Curso de direito civil:
33
MADALENO, Rolf. Curso de direito de direito de família. v. 5. Rio de Janeiro:
família. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Forense, 2006, p. 213.
Janeiro: Forense, 2011, p. 146.
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29
havidos antes do mesmo seus efeitos civis só a ele e aos
casamento. Todavia, se um só dos filhos aproveitarão.
cônjuges o tiver contraído de boa- § 2o Se ambos os cônjuges
fé, o casamento só produzirá estavam de má-fé ao celebrar o
efeitos em favor dele e dos filhos. casamento, os seus efeitos civis só
aos filhos aproveitarão.

Com o advento do Código Civil


4. EFEITOS
de 1916, o tratamento do casamento
putativo foi regulamentado pelo art. 221:
Art. 221. Embora anulável, ou
Com a decretação da anulação ou
mesmo nulo, se contraído de boa fé nulidade do casamento, vários efeitos
por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes prejudiciais eram gerados em detrimento
como aos filhos, produz todos os
efeitos civis até o dia da sentença da família, isto é, em detrimento dos
anulatória.
P. único. Se um dos cônjuges filhos e do cônjuge de boa-fé. Ao ser
estava de boa fé, ao celebrar o
casamento, os seus efeitos civis só
invalidado por sentença, o casamento
a esse e aos filhos aproveitarão. não gerava quaisquer efeitos, tornando,
por exemplo, ilegítimos os filhos
Até mesmo antes da Constituição
provenientes da relação, e sem efeito as
de 1988, que excluiu do ordenamento
disposições patrimoniais do regime de
brasileiro a ideia de ilegitimidade de
bens. Embora a Constituição Federal
filhos, a Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio),
tenha terminado com a diferenciação
no parágrafo único do art. 14,
entre filhos legítimos e filhos ilegítimos,
determinava que independentemente da
ainda assim o cônjuge de boa-fé deixava
boa-fé dos cônjuges, os efeitos do
de ter direitos com relação ao patrimônio
casamento aproveitariam aos filhos.
gerado pelo casamento.
Como consequência, os filhos
A regra geral para que se tenha
provenientes de casamentos nulos ou
casamento na modalidade putativo é a
anuláveis seriam considerados legítimos.
boa-fé de pelo menos um dos cônjuges,
No Código Civil atual, de 2002, o
sendo esta boa-fé presumida. E a
casamento putativo vem regulado pelo
consequência jurídica para o cônjuge de
art. 1.561:
boa-fé é a produção de efeitos para ele.
Art. 1.561. Embora anulável ou
mesmo nulo, se contraído de boa- Assim, faz-se necessária a declaração
fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes judicial de putatividade, já que, por
como aos filhos, produz todos os
efeitos até o dia da sentença intermédio dela, alteram-se os efeitos
anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de
temporais da anulação. De acordo com o
boa-fé ao celebrar o casamento, os art. 1.563 do Código Civil, a anulação do

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casamento provoca efeitos ex tunc, isto mínimo inusitado: durante um período
é, os efeitos retroagem à data da de tempo, o cônjuge de boa-fé foi casado
celebração do casamento. Porém, e o outro, o que agiu de má-fé, não”.37
reconhecida judicialmente a boa-fé, os Também neste sentido são as palavras de
efeitos da anulação do casamento Yussef Said Cahali que, ao tratar da
vigoram apenas a partir da sentença, isto peculiaridade da situação, afirma que “o
é, ex nunc. Observa-se, assim, que os mesmo casamento se considera, até a
efeitos se assemelham aos do caso de sentença anulatória, como se tivesse sido
dissolução do vínculo conjugal pelo validamente contraído, mas pela metade:
divórcio ou pela morte de um dos válido com relação ao cônjuge de boa-fé,
cônjuges. nulo com relação ao outro (...)”.38
Discorrendo sobre os efeitos da E não haveria mesmo razão
putatividade, ainda sob a égide do jurídica para que o cônjuge de má-fé
Código Civil de 1.916, Arnoldo Wald recebesse os benefícios da produção de
entende que “o cônjuge de boa-fé tem efeitos. Segundo Yussef Said Cahali,
todos os direitos que lhe caberiam caso o
A discriminação se justifica em
casamento não fosse nulo, enquanto o razão de equidade, ou devido à
proteção que merece a boa-fé,
cônjuge de má-fé não tem nenhum ensejando efeitos que
normalmente não poderiam
desses direitos e tem todos os deveres derivar do casamento anulado, não
oriundos de sua condição”.36 se estendendo assim ao cônjuge de
má-fé, preocupada a lei em que
Maria Berenice Dias ressalta que este não retire qualquer proveito
do casamento que ele contraiu com
o casamento putativo em que apenas um desprezo da ordem jurídica e da
moral social; o diferente estado de
dos cônjuges está de boa-fé gera efeitos ânimo de cada cônjuge determina
o tratamento diferenciado.39
de forma diferente para os cônjuges, já
que para o de boa-fé, o casamento produz
Para o cônjuge de má-fé, tem-se,
efeitos até a anulação por sentença. Para
basicamente, de acordo com o art. 1.564
o cônjuge de má-fé, haverá efeitos
do Código Civil, efeitos de ordem
retroativos da sentença. Segundo ela,
patrimonial, perdendo ele quaisquer
“nesse caso ocorre um fenômeno no
vantagens havidas do cônjuge de boa-fé.

36 38
WALD, Arnoldo. O novo direito de CAHALI, Yussef Said. O casamento
família. 14. ed. rev., atual. e ampl. São putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Paulo: Saraiva, 2002, p. 75. Tribunais, 1979, p. 126.
37 39
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito CAHALI, Yussef Said. O casamento
das famílias. 8. ed. rev, atual. e ampl. São putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 287. Tribunais, 1979, p. 126.
Revista de Direito Civil, ISSN 2596-2337, v. 1, n. 2, jul./dez. 2019
31
Maria Berenice Dias traz, como impostas ao casamento válido refletem
exemplos, a perda da meação, no putativo, como a imposição
dependendo do regime de bens do obrigatória do regime da separação de
casamento, e a perda da eficácia de bens no caso de casamento de menor de
eventual pacto antenupcial, embora o 18 anos. Ainda, as dívidas contraídas
cônjuge de má-fé deva ainda cumprir durante o casamento deverão ser
obrigações nele assumidas em favor do partilhadas entre os cônjuges, se ambos
cônjuge de boa-fé.40 Já Yussef Said de boa-fé, dependendo do regime de
Cahali41 ensina que o cônjuge de má-fé bens; não correrá prescrição entre os
não pode ser herdeiro do de boa-fé. cônjuges de boa-fé na constância do
Já o cônjuge de boa-fé teria casamento putativo; a emancipação, caso
efeitos diferenciados. Paulo Nader os tenha sido atingida com a celebração do
exemplifica: “direito a alimentos até a casamento, permanecerá.43
sentença; subsistência de herança havida Levenhagen narra interessante
antes da sentença; subsistência das caso julgado pelo STF em 1943 (Revista
doações recebidas do consorte ou de Forense, 102/155), que declarou a
terceiros em razão do casamento; direito putatividade em casamento realizado
à liquidação dos interesses pecuniários entre sogra e genro. Eram ambos viúvos
de acordo com o regime de bens adotado e vieram a se casar, infringindo, apesar
no casamento”.42 Acrescenta Yussef da boa-fé dos dois, o impedimento
Said Cahali a hipótese de autorização do gerado pelo parentesco por afinidade em
cônjuge, nos casos necessários, e que linha reta, que não se extingue com a
permanecerá válida. Já os atos que dissolução do casamento. O casamento
dependiam de tal autorização, não sendo foi anulado, mas o STF, ao declarar a
esta dada, deverão ser anulados nos putatividade, garantiu todos os efeitos
mesmos termos caso fosse válido o advindos deste casamento, até a data da
casamento. Ademais, todas as restrições decretação da nulidade.44

40 43
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito CAHALI, Yussef Said. O casamento
das famílias. 8. ed. rev, atual. e ampl. São putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 287. Tribunais, 1979, p. 124-125.
41 44
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. LEVENHAGEN, Antônio José de Souza.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, Do casamento ao divórcio. São Paulo: Atlas,
p. 258. 1992, p. 85-86. Este caso também é narrado
42
NADER, Paulo. Curso de direito civil: por Álvaro Villaça Azevedo (AZEVEDO,
direito de família. v. 5. Rio de Janeiro: Álvaro Villaça. Curso de direito civil: direito
Forense, 2006, p. 213.
Revista de Direito Civil, ISSN 2596-2337, v. 1, n. 2, jul./dez. 2019
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Deve-se analisar, ainda, a gama realizadas por terceiro em contemplação
de efeitos que podem vir a ser do casamento, caducarão quanto ao
produzidos perante terceiros. Embora a cônjuge de má-fé, já que a condição para
lei não trate do assunto, é uma lacuna sua efetividade não se realiza, sendo
facilmente suprível se levarmos em efetivas, por outro lado, para o cônjuge
conta que a boa-fé geradora da de boa-fé.47
putatividade deve se estender na relação Já com relação aos filhos
dos cônjuges com terceiros. O que deve advindos do casamento putativo, visto
primeiramente ser levado em conta é a que não se fala mais em ilegitimidade,
validade do casamento quanto à poder-se-ia afirmar que seu único
produção de efeitos até que seja resultado prático seria a presunção de
decretada sua nulidade, inclusive com paternidade do art. 1.597 do Código
relação aos eventuais terceiros. Assim, Civil.
nas palavras de Washington de Barros Para ilustrar tudo quanto dito,
Monteiro: “Sobretudo quanto aos foram separados alguns julgados que
terceiros de boa-fé, o casamento putativo tratam sobre a matéria em estudo.
produz todos os efeitos do casamento Primeiramente, ressalta-se acórdão
válido”.45 exarado em Recurso Especial
Neste sentido, Yussef Said (1995/0032729-5), da lavra do Min.
Cahali ensina que devemos nos valer da Nilson Naves, 3ª Turma, j. 16.12.1999,
teoria da aparência para determinar em cuja ementa é como segue:
que medida terceiros podem se Casamento putativo. Boa-fé.
Direito à alimentos. Reclamação
beneficiar da putatividade, auferindo da mulher. 1. Ao cônjuge de boa-
fé aproveitam os efeitos civis do
direitos que adquiririam caso o casamento, embora anulável ou
mesmo nulo (Cód. Civil, art. 221,
casamento fosse válido.46 O autor cita, parágrafo único).
entre outros exemplos, que as doações 2. A mulher que reclama alimentos
a eles tem direito, mas até a data da

47
de família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 117- CAHALI, Yussef Said. O casamento
118). putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
45
MONTEIRO, Washington de Barros. Tribunais, 1979, p. 176-178. Este exemplo
Curso de direito civil: direito de família. v. da doação feita por terceiro em
2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz contemplação de casamento também é dado
Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007, por Washington de Barros Monteiro
p. 139. (MONTEIRO, Washington de Barros.
46
CAHALI, Yussef Said. O casamento Curso de direito civil: direito de família. v.
putativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos 2. 38. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz
Tribunais, 1979, p. 175. Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 141).
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sentença (Cód. Civil, art. 221, separação judicial, é a separação
parte final). Anulado ou declarado de fato (que, normalmente,
nulo o casamento, desaparece a precede a separação de direito e
condição de cônjuges. continua após tal ato formal) que
3. Direito a alimentos “até o dia da viabiliza a caracterização da união
sentença anulatória”. estável de pessoa casada.
4. Recurso especial conhecido 2. Consequentemente, mantida a
pelas alíneas a e c e provido. vida em comum entre os cônjuges
(ou seja, inexistindo separação de
fato), não se poderá reconhecer a
Destaca-se, em sequência, união estável de pessoa casada.
Nesse contexto normativo, a
acórdão mais atual sobre o tema, também jurisprudência do STJ não admite
o reconhecimento de uniões
em Recurso Especial (2018/0176652-5), estáveis paralelas ou de união
estável concomitante a casamento
levando o conceito de putatividade para em que não configurada separação
dentro do instituto da união estável, de fato.
3. No caso dos autos, procedendo-
tendo por relator o Min. Luis Felipe se à revaloração do quadro fático
delineado no acórdão estadual,
Salomão (4ª Turma, j. 13.12.2018). No verifica-se que: (a) a autora e o réu
(de cujus) mantiveram
caso em tela, houve o início de um relacionamento amoroso por 17
anos; (b) o demandado era casado
relacionamento quando um dos quando iniciou tal convívio, não
envolvidos ainda era casado, não sendo tendo se separado de fato de sua
esposa; e (c) a falta de ciência da
separado nem mesmo de fato. A pessoa autora sobre a preexistência do
casamento (e a manutenção da
envolvida no segundo relacionamento convivência conjugal) não foi
devidamente demonstrada na
tinha ciência dos fatos e, por não poder espécie, havendo indícios robustos
em sentido contrário.
ser ela considerada de boa-fé, os efeitos 4. Desse modo, não se revela
da putatividade não se aplicariam: possível reconhecer a união
estável alegada pela autora, uma
vez que não foi atendido o
requisito objetivo para sua
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO configuração, consistente na
DE RECONHECIMENTO E inexistência de relacionamento de
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO fato duradouro concomitante
ESTÁVEL C/C PEDIDO DE àquele que pretende proteção
ARROLAMENTO E PARTILHA jurídica.
DE BENS. UNIÃO ESTÁVEL 5. Uma vez não demonstrada a
CONCOMITANTE A boa-fé da concubina de forma
CASAMENTO SEM irrefutável, não se revela cabida
SEPARAÇÃO DE FATO. (nem oportuna) a discussão sobre a
1. À luz do disposto no §1º do aplicação analógica da norma do
artigo 1.723 do Código Civil de casamento putativo à espécie.
2002, a pedra de toque para o 6. Recursos especiais do espólio e
aperfeiçoamento da união estável da viúva providos para julgar
não está na inexistência de vínculo improcedente a pretensão
matrimonial, mas, a toda deduzida pela autora.
evidência, na inexistência de
relacionamento de fato duradouro
concomitante àquele que pretende Por fim, colaciona-se acórdão do
proteção jurídica. Nesse viés,
apesar de a dicção da referida Tribunal de Justiça de São Paulo, da
norma também fazer referência à
lavra do Des. Miguel Brandi (Apel.
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0000993-83.2003.8.26.0472, 7ª Câm. aplicabilidade em relação à prole, que
Dir. Priv., j. 03.06.2014, v.u.), no sentido será sempre legítima, expressa proteção
de que a nulidade do casamento não pode à conduta de boa-fé. Embora se trate de
atingir terceiros de boa-fé: casamento que a princípio seria
considerado nulo ou anulável, a lei fez
ANULATÓRIA DE DOAÇÃO, por bem emprestar a este os efeitos
USUFRUTO VITALÍCIO E
ALIENAÇÃO DE BENS jurídicos, privilegiando a boa-fé,
IMÓVEIS. Casamento putativo.
Nulidade declarada que não atinge contornando, assim, o defeito que o
terceiro de boa-fé. Apelação
objetivando a nulidade da doação
inquinava.
feita aos filhos do segundo Pode-se considerar, assim, que a
casamento (anulado por bigamia),
ao fundamento de ofensa aos sociedade estaria duplamente protegida:
direitos sucessórios.
Inadmissibilidade. Doação de a uma, eis que a proteção da ordem
ascendente para descendente que
não implica em nulidade, mas em pública ainda estaria resguardada, já que
possível adiantamento da legítima.
Fato que enseja apenas em
o casamento contraído com algum
necessidade de levar o bem à impedimento seria retirado da ordem
colação a fim de igualar as
legítimas de todos os herdeiros jurídica; a duas, já que se protegem
necessários. Ação improcedente.
Sentença incensurável. também os efeitos de um casamento que
RECURSO DESPROVIDO.
se acreditava livre de quaisquer vícios.

O corpo do acórdão faz menção Se considerarmos que a posse do

aos próprios termos da sentença: “(...) a estado de casados existia, e que a família

regra de que o ato nulo não produz é ainda um pilar da sociedade brasileira,

nenhum efeito não é absoluta, haja vista não há porque não serem os vícios

que, algumas vezes dele emanam contornados, empregando-se efeitos

consequências, como ocorre no válidos como se o casamento não

denominado casamento putativo, estivesse sendo invalidado, mas apenas

contraído de boa-fé por ambos ou um dos como se estivesse sendo dissolvido o

cônjuges”. vínculo, da mesma forma que ocorreria


com casamentos libertos de vícios.

5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Verificou-se, por tudo o que foi


AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de
exposto, que o casamento putativo, Direito Civil: Direito de Família. SP:
embora não tenha mais ampla Atlas, 2013.

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35
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos.
6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
________. O casamento putativo. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais,
1979.

DIAS, Maria Berenice. Manual de


direito das famílias. 8. ed. Rev, Atual.
e Ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.

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Família. Campinas: LZN, 2003.

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Civil brasileiro: Direito de Família.
12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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Souza. Do casamento ao divórcio.
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MADALENO, Rolf. Curso de Direito de


Família. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense, 2011.

MONTEIRO, Washington de Barros.


Curso de Direito Civil: Direito de
Família. v. 2. 38. ed. rev. e atual. por
Regina Beatriz Tavares da Silva. São
Paulo: Saraiva, 2007.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil:


Direito de Família. v. 5. RJ: Forense,
2006.

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Instituições de Direito Civil: Direito
de Família. v. 5. 14. ed. atual. por
Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.

SILVEIRA, Alípio. O casamento


putativo no Direito brasileiro. São
Paulo: Universitária de Direito, 1972.

WALD, Arnoldo. O novo direito de


família. 14. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2002.

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