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BIOÉTICA: CONTRACEPÇÃO

1. INTRODUÇÃO

Cumprindo com o sublime encargo recebido de Nosso Senhor Jesus Cristo de


anunciar a boa nova a todas as nações (Mt 28, 19-20), a Santa Igreja vem instruindo nestes
tempos os fiéis sobre os princípios mais elevados que devem reger a comunhão dos esposos,
especialmente naqueles pontos em que a debilidade humana se tem manifestado de modo
mais saliente em nosso século. Dentre estas debilidades chama-nos a atenção aquelas que
dizem respeito ao controle da fertilidade e mais especialmente a contracepção, sobre a qual
nos propomos fazer uma breve exposição da doutrina católica. Antes de desenvolvermos o
assunto é mister que saibamos o que a Igreja entende por contracepção.

1.1 Formas de Contracepção

Citando a encíclica Humanae Vitae de Paulo VI, o catecismo da Igreja Católica


define a contracepção como: “qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer
durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha,
como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”. (CCE 2370).
Ao longo dos tempos os homens tem desenvolvido muitos métodos físicos a até
mesmo químicos de impedir a concepção, especialmente nos últimos dois séculos com o
progresso da medicina. De forma geral existem quatro tipos de contracepção:
1. A esterilização: “Dá-se o nome de esterilização à intervenção que suprime no
homem ou na mulher, a capacidade de procriar” 1, tal como a vasectomia ou o ligamento das
trompas da mulher.”2
2. Onanismo: que é a interrupção do ato sexual antes da ejaculação;
3. Preservativos: A utilização de dispositivos mecânicos tanto por parte do homem
como por parte da mulher; 3

1
SADA, Ricardo ; MONROY, Alfonso. Curso de Teologia Moral. Trad. José Coutinho de Brito. 3. Ed.
Lisboa: Rei dos livros, 1989, p. 165.
2
“La esterilización "directa" es la que pretende hacer imposible la concepción, tal como la vasectomía, cortar
los conductos semanales del varón o el ligamento de trompas en la mujer.” FERNANDEZ, Aurélio. Teología
Moral: Moral de la Persona y de la Familia. 3. ed. Burgos: Facultad de Teología Burgos, 2001, v. 2, p. 570-
575.
3
“Embora estes dispositivos costumem impedir a fecundação, em muitos casos, são abortivos, por impedirem
que o óvulo já fecundado se implante no útero (é o caso do chamado dispositivo intra-uterino, ou DIU );”
SADA, Ricardo; MONROY, Alfonso. Curso de Teologia Moral. Trad. José Coutinho de Brito. 3. Ed. Lisboa:
Rei dos livros, 1989, p. 165.
1

4. Produtos farmacológicos: ingestão de pílulas que são abortivas ou impedem a


fecundação.4

1.2 A postura da Igreja ante os atos contraceptivos

A doutrina Católica é muito clara em afirmar que « Os atos pelos quais os esposos se
unem íntima e castamente são honestos e dignos; realizados de modo autenticamente
humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro com
alegria e gratidão. »5 Com efeito a honestidade deste ato provém da finalidade que lhe é
própria, como expressa claramente a Humanae Vitae:
“Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo
que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de
novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da
mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e
procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor
mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do
homem para a paternidade.”6

Ora, a ilicitude da contracepção provém principalmente da separação que esta


provoca na dupla finalidade natural que é própria ao ato conjugal: a saber a finalidade
unitiva e procriativa:
«À linguagem que exprime naturalmente a doação recíproca e total dos
esposos, a contracepção opõe uma linguagem objetivamente
contraditória, segundo a qual já não se trata de se darem totalmente um
ao outro. Daí deriva, não somente a recusa positiva da abertura à vida,
mas também uma falsificação da verdade interna do amor conjugal,
chamado a ser um dom da pessoa toda. [...] Esta diferença antropológica
e moral, entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos, implica
dois conceitos de pessoa e de sexualidade humana irredutíveis um ao
outro» 7

Pio XI na encíclica Casti Connubi também afirma que « Qualquer uso do


matrimónio em que maliciosamente o ato fique destituído da sua própria e natural virtude
procriadora vai contra a Lei de Deus c contra a Lei Natural, e os que tal cometem tornam-se
culpáveis de um grave delito»8
4
“Alguns destes produtos são anovulatórios, isto é, inibem a ovulação, impedindo a fecundação; outros são
claramente abortivos, porque actuam depois da concepção, impedindo a implantação do óvulo fecundado. A
maioria dos produtos farmacológicos actuais são abortivos.’ SADA, Ricardo; MONROY, Alfonso. Curso de
Teologia Moral. Trad. José Coutinho de Brito. 3. Ed. Lisboa: Rei dos livros, 1989, p. 165.

5
II CONCÍLIO DO VATICANO, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070.
6
PAULO VI. Humanae Vitae. Carta Encíclica. 25 de julho de 1968, n. 12
7
JOÃO PAULO II, Ex. ap. Familiaris consortio, 32: AAS 74 (1982) 119-120.
8
PIO XI. Enc. Casti connubii: n 21
2

1.3 Licitude dos meios terapêuticos

Entretanto é preciso ressalvar que a contracepção é um ato imoral quando buscada


diretamente pois:
A Igreja, por outro lado, não considera ilícito o recurso aos meios
terapêuticos, verdadeiramente necessários para curar doenças do
organismo, ainda que daí venha a resultar um impedimento, mesmo
previsto, à procriação, desde que tal impedimento não seja, por motivo
nenhum, querido diretamente. 9

Aurélio Fernandez em seu Tratado de Teologia Moral especifica que:


A este apartado não pertencem somente as operações cirúrgicas
necessárias, das quais tem como consequência a esterilidade temporal
ou perpétua, mas também o uso de pílulas que pretendam regular a
função menstrual da mulher ou quando é preciso fixar o ciclo ovulatório
que permanece alterado nos meses que seguem o parto (puerpério) e em
outros estados clínicos precisados por um bom medico. Nestes casos se
trata de uma terapia curativa e não de praticas anticonceptivas. 10

1.3.1 Sagradas Escrituras

Claro está que as definições magisteriais estão profundamente fundamentadas nas


Sagradas Escrituras. É com base nela que se vai formando aos poucos os elementos da
doutrina sobre o matrimônio e da postura da Igreja ante as práticas contraceptivas.
No primeiro livro da Bíblia já nos deparamos com o mandato de Deus aos homens
para sejam abertos a comunicação da vida: « Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra, e
sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais
que se movem sobre a terra. » (Gn 1,28) Ainda que não seja diretamente uma referência à
contracepção, fica claro que todo ato que não esteja aberto à vida é contrário a ordem dada
por Deus.
No mesmo livro do Gênesis encontramos uma referência direta à malícia da
contracepção na condenação que Deus faz ao pecado de Onam por não consumar o ato
conjugal a fim de impedir que a mulher do seu irmão concebesse, pois ele não queria gerar
filhos em nome do seu consanguíneo: «Por isso, o senhor o feriu de morte, porque fazia uma
coisa detestável. » (Gn 10, 38).

9
PAULO VI. Humanae Vitae. Carta Encíclica. 25 de julho de 1968, n. 19
10
FERNANDEZ, Aurélio. Teología Moral: Moral de la Persona y de la Familia. 3. ed. Burgos: Facultad de
Teología Burgos, 2001, v. 2, p. 675 (Tradução nossa)
3

O livro de Tobias também testemunha a rejeição que Deus tem a contracepção. O


livro narra como o anjo Rafael instrui Tobias da forma que deve unir-se a Sara a fim de não
incorrer na mesma pena dos outros sete homens que tentaram unir-se a ela e acrescenta os
que foram castigados: “São os que se casam com tais disposições que lançam a Deus fora de
si e do seu espírito e se entregam à sua paixão como o cavalo e o jumento que não tem
entendimento.” (Tb 6,18) E para que isso não se desse com Tobias, entre as várias
recomendações aconselha “tomarás a donzela no temor do Senhor, levado mais pelo desejo
de ter filhos, do que por sensualidade” (Tb 6, 22).

1.3.2 Tradição

Nos primeiros séculos da Igreja o tema da contracepção não foi abordado de maneira
exclusiva. Entretanto se encontram muitas reflexões teológicas a partir dos dados da
Revelação, especialmente nos comentários dos padres da igreja ao relato do pecado de
Onam, ou nos breves tratados sobre o matrimônio. 11 Como exemplificação de um destes
tratados citamos abaixo um trecho de Santo Agostinho em sua obra De bono coniugale:

O homicida mata o corpo, mas não a alma, que pode ir gozar da visão
de Deus; aquele que evita o filho, cortando as fontes da vida, corta as
mãos de Deus e impede que chegue à vida uma pessoa que poderia
gozar eternamente de uma felicidade imensa. Vale a pena refletir sobre
isto, e notar, quando nos dizem que estancar as fontes da vida é «crime
horrendo», que trocar «o uso conforme à Lei Natural pelo contrário à
natureza» é «crime em si mesmo nefasto, mas ainda mais recriminável
na vida matrimonial», porque «a dignidade do vínculo conjugal radica
na casta e legítima faculdade de procriar, e no cumprimento honesto dos
deveres mútuos relacionados com esse fim. 12

Tem também grande importância para a Tradição os sermões de São Cesário de


Arles séculos V e VI. Estes sermões são uma verdadeira catequese para solucionar as
debilidades morais dos primeiros cristãos como se nota no seguinte trecho « As mulheres
não devem tomar estas poções diabólicas que as tornam incapazes de conceber. Toda mulher
que faça isso deve saber que é culpável de tantos infanticídios como de filhos que poderia
ter. »13

11
Cf. BEDOUELLE, Guy; BRUGUÉS, Jean Louis; BECQUART, Philippe. La Iglesia y la sexualidade.
Madrid: BAC, 2007, p.83.
12
AGOSTINHO DE HIPONA, Santo. Obras Completas: De bono coniug., XI, 12. Trad. Lope Cilleruelo et al.
Madrid: BAC, 1983
13
CESÁRIO DE ARLES, São. Sermon 44,2
4

Nos séculos que se seguiram se encontram muitas referências e condenações à


contracepção nos manuais penitenciais e nas condenações canônicas que revelam com a
Igreja tem sido sempre intransigente ante esta prática imoral.

1.4 Recurso aos períodos Infecundos

Com efeito, Deus em sua infinita sabedoria dispôs que nem de todo ato conjugal se
desse uma nova concepção. Disto decorre que a que decisão de utilizar do matrimônio nos
períodos infecundos da mulher afim de regular a natalidade não contraria as leis da Igreja
como afirma a Humanae vitae:
se, para espaçar os nascimentos, existem sérios motivos, derivados das
condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias
externas, a Igreja ensina que, nesses casos, é lícito ter em conta os ritmos
naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimónio apenas
nos períodos infecundos, e assim regular a natalidade» (n. 14). Se,
portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que
derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de
circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em
conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar
do matrimônio só nos períodos infecundos.14

Cabe, porém, ressaltar que a decisão de se utilizar do matrimônio nos períodos


infecundos a fim de controlar a natalidade deve ser tomada apenas por motivos sérios,
pois « Os esposos hão de responder perante Deus sobre o modo como possibilitaram a obra
da criação, e terão de dar contas do empenho que puseram ou que omitiram para o
cumprimento dos desígnios divinos. Nisto assenta a verdadeira paternidade responsável. »15
Fica assim concluído que a contracepção é um pecado grave pois atenta diretamente
contra a função natural do ato conjugal que é a concepção de uma nova vida.

14
PAULO VI. Humanae Vitae. Carta Encíclica. 25 de julho de 1968, n. 16
15
SADA, Ricardo; MONROY, Alfonso. Curso de Teologia Moral. Trad. José Coutinho de Brito. 3. Ed.
Lisboa: Rei dos livros, 1989, p. 165.

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