Universidade do Estado do Rio de JaneiroPrograma de Pós-Graduação em PsicanáliseProjeto de Qualificação de Mestrado
Mais além da construção delirante:
Um
sujeito, a função do delírio e a direção do tratamento
Aluna:
Raquel Coelho Briggs de Albuquerque
Banca Examinadora:
Doris Rinaldi (orientadora)Sonia AlbertiAndréa Hortélio FernandesRio de Janeiro20110
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................................11. O DELÍRIO E SUA RELAÇÃO COM A PSICOSE..............................................................6
1.1 - Um delírio.............................................................................................................................................61.2 – As origens da noção de psicose.........................................................................................................101.3 – As origens das noções de delírio e de paranóia...............................................................................131.4 Freud: a importância da noção de delírio para a conceituação da psicose....................................21
1. O DELÍRIO E SUA RELAÇÃO COM A PSICOSE1.1 - Um delírio
Alberto está na casa dos 30 anos. Aos 18, levou um tiro no pescoço que o deixou comseqüelas no aparelho fonador e no aparelho respiratório, além de uma grande cicatriz no pescoço. Ele estava trabalhando quando alguém mandou que chamasse um traficante, em umafavela próxima. Ele se recusou e o homem atirou nele. Mas essa é a versão que a famíliaconta. Segundo ele mesmo, a polícia confundiu-o com um traficante, e por isso atiraram nele.A partir de então, Alberto parece nunca mais ter sido o mesmo - segundo relatos dafamília e dele mesmo.Conheci Alberto anos depois, em um Centro de Atenção Psicossocial, onde ele já eraacompanhado há algum tempo. Em seu prontuário, constava que ele era usuário de drogas, ehavia também, uma única menção a um possível conteúdo delirante, que era também o modocomo ele se definia:
ele fazia chover.
Inicialmente, quando ele entreva no consultório, paraseu atendimento individual, dizia que precisava de
fluoxetina
, para melhorar a angústia, e pedia para eu transmitir isso ao médico. Dizia isso e já ia levantando rumo à porta de saída.Aos poucos, observando que eu não anotava no prontuário tudo o que ele dizia, Alberto foime contando, desordenadamente, sua história:Ele fazia chover. Era o responsável pelas chuvas do país. Abanando as mãos para océu chamava as nuvens, ou as afastava, de acordo com a necessidade de chuva.Mas o que mais o afligia era o que havia se dado uns oito anos antes - quando, a partir de uma grande seca, faltou energia elétrica e o país enfrentou um “apagão”. Embora essa“crise do apagão” tenha realmente ocorrido em 2001 e 2002, com o racionamento“voluntário” de energia, nosso paciente nos conta sua própria versão: faltou luz e água emhospitais e escolas e ele começou a receber inúmeros telefonemas de mulheres, “tinha atémulher casada”, e pedidos, inclusive da TV globo, para que ele interviesse e mandasse chuva.Ameaçaram-no de morte, caso ele não fizesse chover. “Era Albertinho
pra
cá, Albertinho
pra
lá... você tinha que ver como me tratavam bem, até que eu mandei a chuva e todosdesapareceram. Ninguém mais me ligou. Ninguém me agradeceu. Eu não recebi nem umobrigado.”E desde então Alberto teria ficado neste impasse: precisava fazer chover para que nãoo pegassem. Ele costumava ouvir muitas vozes que diziam, entre outras coisas, que os2
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