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Recredenciamento
Portaria MEC 347, de 05.04.2012 - D.O.U. 10.04.2012.
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Saúde Mental e Espiritualidade: os limites entre patologia e vivências religiosas


Camila da Silva Araújo¹
Katiane Lilian da Silva²
Carla Correa de Lima³

Resumo: O objetivo deste artigo foi compreender e diferenciar as psicoses das experiências
espirituais no contexto dos transtornos mentais. Levando em consideração a prevalência de
delírios religiosos em pacientes psiquiátricos entende-se que é fundamental a distinção entre a
patologia e a crença religiosa do paciente. Este estudo revisou artigos científicos de relevância
no que se refere à saúde mental e espiritualidade, e assim, concluiu que esta integração gera
fatores positivos para os pacientes psiquiátricos no que diz respeito ao diagnóstico e na
intervenção terapêutica, confirmando a necessidade do preparo dos profissionais na distinção
de sintomas patológicos de espirituais para a eficácia no manejo clínico.
Palavras chave:“psicologia e espiritualidade”; “saúde mental e espiritualidade”;
“experiências espirituais e psicoses”; “diagnóstico diferencial entre patologia e
espiritualidade”.
Abstract: The aim of this article was to understand and differentiate psychoses from spiritual
experiences in the context of mental disorders. Taking into account the prevalence of religious
delusions in psychiatric patients it is understood that the distinction between the pathology
and the religious belief of the patient is fundamental. This study reviewed scientific articles of
relevance regarding mental health and spirituality, and concluded that this integration
generates positive factors for psychiatric patients with regard to diagnosis and therapeutic
intervention, confirming the need to prepare professionals in the distinction of pathological
symptoms of spiritual for efficacy in clinical management.
Keywords: "psychology and spirituality"; "Mental health and spirituality"; "Spiritual and
psychic experiences"; "Differential diagnosis between pathology and spirituality".

¹ Acadêmica do curso de Psicologia do CESUCA. Disciplina de Estágio Profissional III


² Doutora, Docente do curso de Psicologia do CESUCA.
³ Psicóloga Supervisora local Clinica Libertad
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1. Introdução
A relação entre espiritualidade e saúde mental foi ignorada por muito tempo na
intervenção ao paciente psiquiátrico. Segundo Lukkof (1992, citado por Moreira e Almeida,
2007) psicólogos e psiquiatras consideravam experiências espirituais como transtornos
mentais e o envolvimento religioso como um marcador de patologia ou imaturidade
psicológica.Espiritualistas de diferentes linhas religiosas têm desafiado profissionais da saúde
mental na compreensão e diferenciação entre uma experiência espiritual saudável e um
transtorno psicótico com conteúdo religioso.
Freqüentemente pacientes psiquiátricos apresentam em seus quadros algum tipo de
alucinação ou delírio, muitas vezes de cunho religioso e espiritual. Este tema ainda é
emergente nos estudos das relações entre a saúde mental e a espiritualidade e um
conhecimento mais profundo é importante, pois experiências espirituais podem ser
confundidas com psicoses, visto que envolvem eventos de natureza visionária e auditiva,
interpretados facilmente como sintomas alucinatórios de esquizofrenia.
Em alguns casos a religião pode contribuir na produção de sintomas, em outros ela
integra o paciente ao seu convívio social, motivando-o na aderência e continuidade do
tratamento. Diante dessa colocação estudos afirmam a influência da espiritualidade na saúde
física e mental e seu impacto na intervenção clínica (Volcan et al, 2003, citado por Leite,
2013).Diante dos diferentes quadros clínicos e a variedade dos sintomas entende-se que às
necessidades específicas do sujeito devem ser trabalhadas de forma sistemática.A
complexidade envolvida nesse tema leva a necessidade de diferenciação entre patologia e
vivência religiosa a fim de um manejo adequado dessas experiências, utilizando os fatores
espiritualidade x patologia na prática clínica e em todas as fases do tratamento psíquico.
2. Método
Trata-se de um trabalho de revisão teórica sobre o tema, utilizando-se como
metodologia um levantamento de periódicos e buscas em bancos de dados eletrônicos. As
pesquisas foram realizadas no PubMed, Scielo, Capes, ferramentas de grande utilização para
buscas de referências. Utilizou-se as expressões, como palavras chave “psicologia e
espiritualidade”, “saúde mental e espiritualidade”, “experiências espirituais e psicoses”,
“diagnóstico diferencial entre patologia e espiritualidade”, esta resultou na escolha de artigos
específicos, os quais trouxeram conteúdos significativos para o processo de estudo e
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desenvolvimento deste artigo. A pesquisa teve como foco periódicos que relacionados aos
aspectos espirituais e psicológicos trouxeram dados importantes para a prática do psicólogo
no contexto psiquiátrico evidenciando as diferenças entre os conteúdos relacionados às
vivências espirituais e as psicoses presentes em diferentes patologias.
3. Espiritualidade x psicoses: como diferenciá-las?
Antes do século XX, a espiritualidade era entendida como uma influência negativa
para o indivíduo em sua saúde mental, a experiência mística e outras formas de manifestações
religiosas eram associadas a histeria (Appignanesi, 2009 citado por Aminhana et tal, 2009),
sendo a religião vista como causadora de neuroses e sintomas psicóticos. Freud (1962, citado
por Junior et al, 2009, p. 75) afirmou que “a religião seria uma neurose obsessiva universal da
humanidade”.A teoria psicanalítica buscou esclarecer as motivações psíquicas da experiência
religiosa. Freud propõe ao longo de suas obras uma interpretação psicanalítica da psicogênese
e da natureza do fenômeno religioso, e também analisar o significado dos rituais e do
comportamento religioso.
Assim, para Freud (1962, citado por Junior et al, 2009) a religião funciona como uma
neurose coletiva, isto é, uma dependência que o ser humano tem para com a figura do pai e da
mãe, que ele projeta para o grande pai e grande mãe que seria Deus. Tem a religião uma
função terapêutica, uma neurose que evita uma psicose, que evita uma destruição do sentido
de vida, que ilude o ser humano.
Janet (1889, citado por Junior et al, 2009)defende a existência de uma “segunda
consciência” subjacente à corrente normal de pensamentos. Os fenômenos diversos como
catalepsias, escritas automáticas, possessões, alucinações seriam formas de “desagregação
psíquica”, manifestações secundárias que sobrepõe a consciência. Janet descartava origem
paranormal para os fenômenos citados. O fenômeno mediúnico seria “quase sempre um
neprovata quando não francamente histérico” Janet (1889, p.382 citado por Junior et al, 2009)
, e que a mediunidade surgiria da histeria e alienação, sendo um sintoma e não uma causa de
patologia. Ele afirmava que a desagregação psíquica era decorrente de traumas vivenciados
pelo indivíduo, sendo assim pessoas saudáveis não teriam essa experiência. Buscava os
sintomas histéricos em experiências traumáticas vivenciadas por seus pacientes que foram
negligenciados pela personalidade primária, seu objetivo era restabelecer a unidade da
consciência.
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Nesta época falava-se muito nos fenômenos de transe, possessão e as práticas


mediúnicas que geravam posturas diversificadas, muitos defendiam a idéia de fraude,
chegando a ser considerada causa de alienação mental. A partir da metade do século XX a
religião passou a ser entendida como uma possível colaboradora no processo de tratamento
dos considerados doentes mentais (Almeida,Oda & Dalgalarrondo,2007).
A complexidade existente entre a distinção de experiências religiosas e patologias foi
ganhando espaço, exigindo uma abordagem mais humana e mais profunda. Pesquisadores
contemporâneos passaram a explorar o tema, constatando que diferente do que se pensava a
religião e espiritualidade atribuem um aspecto positivo para o indivíduo, atuando de forma
protetiva em transtornos como depressão, ansiedade, abuso de drogas e álcool, bem como
doenças físicas como câncer e cardiovasculares (Almeida,Oda & Dalgalarrondo,2007).
Dalgalarrondo (2008),sobre esse tema, questiona o limite entre religiosidade e psicose,
referindo que:
Não existe um limite nítido, e que isto também depende da cultura e das ideias
prevalentes, sendo difícil distinguir as crenças religiosas culturalmente
sancionadas de sintomas psicóticos, pois os delírios religiosos existem em um
continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças
fantásticas de pacientes psicóticos. (p.440).

Um dos autores que estudou os possíveis efeitos benéficos da religiosidade foi


William James(1991, citado por Moreira-Almeida,2011), pioneiro a estudar psicologia e
religião, que investigou as experiências místicas e apurou que quando vivenciadas em
episódios breves, estas teriam efeitos benéficos para os indivíduos que as vivenciavam.
Gradativamente a religião passou a ser aceita e reconhecida como fator importante para a
promoção da saúde mental e no tratamento de doenças psíquicas. William James (1902/1995,
p. 16) afirma ainda que “para o psicólogo, as tendências religiosas do homem hão de ser, pelo
menos, tão interessantes quanto quaisquer outros fatores pertencentes à sua constituição
mental” .
Segundo Foucault (2004) o conceito de espiritualidade refere à constituição da
subjetividade do sujeito, o que implica em um conjunto de buscas, práticas e experiências
como purificações e modificações da existência. O termo “espiritualidade” surgiu como um
fenômeno individual em busca de um sentido para a existência. Uma conexão com uma força
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maior que si próprio, podendo ou não fazer parte de uma participação religiosa formal.
(Volcan, 2003).
Depois da compreensão da necessidade de considerar que a espiritualidade é uma
dimensão importante na subjetividade do sujeito, outros estudos foram realizados no intuito
de fazer a diferenciação entre uma espiritualidade saudável e psicótica. Autores
contemporâneos passaram a estudar com maior profundidade a relação entre o espiritual e o
patológico. Grof e Grof (1990) realizaram uma detalhada pesquisa com objetivo de
diferenciar as manifestações espirituais de transtornos mentais. Segundo esses autores, as
manifestações espirituais tendem a ser suaves e ausentes de sensações indesejáveis ou
causadoras de algum desconforto, as mesmas preservam os indivíduos de sofrimento e
prejuízos, sendo assim estimulam a mudança de comportamento através da aceitação, gerando
assim uma expectativa positiva possibilitando a mudança de compreensão de si mesmo e do
mundo. Quando às experiências tem ligação com algum transtorno mental, as mesmas tendem
a serem intensas, provocando prejuízos, com sensações de desconfortos físicos, geram atitude
ambivalente com perturbações diárias, induzem a resistência à mudança de comportamento
provocando assim conflitos na consciência de si e do mundo.
Partindo destas definições é possível esclarecer a identificação e diferenciação entre as
experiências espirituais e sintomas psicóticos. Estudos mostram a dificuldade apresentada
pelos profissionais da saúde em reconhecer e interpretar as experiências psicóticas
vivenciadas pelos pacientes, não considerando a história religiosa na avaliação do paciente.
Em um levantamento realizado pela OMS envolvendo 256.445 pessoas em 52 países
em indivíduos que apresentavam sintomas psicóticos não diagnosticados, 12,5% da população
mundial e 32% dos brasileiros referiram vivência psicótica sem associar a estado de
sonolência, sob influência de álcool ou drogas, 10% dos casos apresentaram vivências
psicóticas associadas a um diagnóstico de psicose (Nuevo et al, 2010 citado por Moreira-
Almeida, 2011).O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV)
reconheceu que indivíduos possam apresentar experiências religiosas ou espirituais sem
caracterizar um transtorno mental e incluiu a categoria “problemas religiosos e espirituais”
com o objetivo de estimular pesquisas recorrentes ao tema que expandam o conhecimento no
que refere a distinção entre experiências religiosas espirituais e transtornos mentais, esta
categoria se mantém no DSM V.
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Comumente delírios religiosos, alucinações e transes (possessões) são presenciados


por profissionais no tratamento de pacientes psiquiátricos, estudos buscam estabelecer
critérios mais claros para facilitar a diferenciação destas relações. Segundo Lewis(1989,
citado por Moreira-Almeida, 2011) existe a possessão saudável e a patológica, testemunhadas
com frequência no contexto cultural e no contexto psiquiátrico. A possessão saudável,
segundo ele, ocorre em um tempo delimitado, em episódios específicos dentro do ambiente
cultural que lhe dá o significado. Já a possessão ou transe patológica, tende a ser
desorganizada, crônica,ocorrendo de forma descontrolada e incompatível com o ambiente a
qual o indivíduo esteja integrado.Cardeña (2011), utilizando os conceitos de Lewis (1989),
refere que a possessão não patológica ocorre através de uma possível predisposição biológica,
que foi construída com fatores culturais organizados, permitindo assim que indivíduos
vivenciem rituais controlados de possessão. Importante salientar então que é nesta premissa
que se pode compreender os transes relacionados a mediunidade, vivenciados em religiões
como Espiritismo, Umbanda e Candomblé. Na possessão (transe) patológica o autor afirma
que se dá também através de predisposição biológica, porém quando impactadas por traumas
físicos, sexuais ou emocionais, geram disfunções na identidade, onde o indivíduo encontra
dificuldade em controlar, e passam a manifestar sofrimento e prejuízo psicológico, afetando
seu o funcionamento social.
A fim de auxiliar na distinção entre experiências espirituais e transtornos
mentais,Jackson e Fulford (199, citado por Dalgarrondo,2008, p.169) identificaram sintomas
que diferenciam uma experiência espiritual e um transtorno mental que serão apresentados na
tabela a seguir:
Diferenciação entre experiências espirituais e sintomas psicopatológicos
Características Experiências espirituais Sintomas Psicopatológicos
Os conteúdos seguem uma O conteúdo é bizarro:
Conteúdo das vivências doutrina religiosa: são geralmente reivindica um status
aceitáveis pelo subgrupo ou a posse de poderes especiais.
cultural.
Características das Os elementos sensoriais Os elementos sensoriais são
experiências sensoriais são mais “intelectuais”; percebidos como “corpóreos”,
(ilusões, alucinações, são sentidos como dão a sensação de serem

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visões, vozes) “conteúdos mentais”. percepções reais.


As vivências têm, de modo As vivências têm, de modo
Positividade/negatividade geral, sentido “positivo” geral, sentido “negativo” para a
para a vida do sujeito. vida do sujeito.
Predominantemente Predominantemente alucinações
Modalidade sensorial das alucinações e ilusões auditivas.
vivências visuais.
Grau de certeza das As crenças se formam com As crenças são “incorrigíveis”,
vivências a possibilidade da dúvida. geralmente há certeza absoluta.
Insight Às vezes insight presente, Freqüentemente insight ausente.
às vezes ausente.
Duração da vivência Duração Breve. Duração longa.

Há, por parte do sujeito, São experiências vivenciadas


Controle volitivo um grau de controle e sem qualquer controle por parte
direcionamento sobre as do sujeito.
vivências.
Vivências são orientadas Vivências são quase sempre
Orientação em relação a em direção a outras orientadas para si (auto-
outras pessoas pessoas. orientadas).

Sentido de “auto- Experiências geralmente


Significado para a vida do realização” experiências desintegrativas, que produzem a
sujeito que “alargam” a vida, deterioração do funcionamento
produzem “frutos”. vital do sujeito.

(continuação)
Características Experiências espirituais Sintomas Psicopatológicos

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Implicação na “ação” do São experiências nas quais São experiências nas quais o
sujeito o sujeito se percebe como sujeito se percebe “sendo agido”,
“agindo”, produzindo sua vive passivamente a experiência.
vida.

Relação com sintomas São experiências Geralmente não são vivências


psicopatológicos em outras “isoladas”, que não se isoladas. Ao lado do delírio ou
esferas da vida articulam com outros da alucinação mística, há outros
sintomas de transtornos sintomas psicóticos.
mentais.
Estilo de vida e de Tanto o estilo de vida O estilo de vida e a
personalidade do sujeito como a personalidade do personalidade indicam alterações
sujeito revelam e deterioração associadas a
religiosidade presente e transtornos mentais.
antecedendo a vivência.
Comunicação da experiência Sujeito busca relatar sua Sujeito é, geralmente, reticente
com as outras pessoas experiência para outras em relatar e discutir essas
pessoas, sobretudo de seu experiências.
grupo cultural.
Fonte: Dalgalarrondo, Paulo Religião, psicopatologia e saúde mental / Porto Alegre : Artmed, 2008.

Diante das evidências apresentadas e as diferenciações citadas, é possível perceber que


o âmbito espiritual é um componente importante nos cuidados referentes a saúde mental,
sendo assim é de fundamental importância que os profissionais possam integrá-lo na prática
clínica identificando e distinguindo o espiritual do patológico. Independentemente das
relações existentes entre saúde, religião e doença a crença do paciente deve ser levada em
consideração ao realizar um diagnóstico bem como sua intervenção.

4. Discussão dos resultados


Percebe-se que há um avanço significativo na compreensão e percepção da
espiritualidade no contexto da psiquiatria, embora esta prática ainda seja pouco evidente no

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âmbito clinico é preciso reconhecer que este avanço é uma importante ferramenta no cuidado
ao paciente. Este olhar torna-se uma estratégia na busca do bem-estar de forma integral, a
interligação entre espiritualidade e a saúde mental busca favorecer a autonomia e reabilitação
do paciente, sendo assim fundamental no contexto clinico.Para que esta interligação seja
saudável é preciso entender o sentido como o paciente recebe e interpreta a experiência
espiritual em sua vida.
A saúde mental exige um olhar que inclua os fatores bio-psico-social-espiritual do
indivíduo, sendo levados em consideração impactam de forma positiva diretamente no
cuidado clinico do paciente. O reconhecimento das crenças religiosas ou espirituais auxilia no
tratamento psiquiátrico levando os profissionais a compreender melhor seus
pacientes,refletindo diretamente de forma efetiva no diagnóstico, evolução do tratamento e no
manejo destinado aos mesmos.Sabe-se que as experiências espirituais afetam de forma
positiva ou negativa a saúde mental, algumas características presentes nas vivências
espirituais são semelhantes a sintomas apresentados em pacientes psicóticos e dissociativos.
Características como visões (alucinações visuais), escuta de vozes (alucinações
auditivas), transe (dissociação da identidade) entre outros, são comumente presentes na
esquizofrenia, transtorno delirante, quadros maníacos, depressivos psicóticos e em outras
psicoses, que devem ser avaliados considerando os interesses pessoais, núcleo familiar e
grupo social(incluindo as experiências espirituais e religiosas)do paciente. Alterações de
consciência, rompimento da fronteira entre o self e o objeto, alteração do sentido de tempo e
conexão com o divino, são características vivenciadas tanto nas experiências religiosas quanto
nas psicoses com delírios religiosos. Os delírios religiosos são um continuum correlacionado
entre as crenças de indivíduos saudáveis e as fantasias de pacientes psicóticos, estes
apresentam outros sintomas de doença mental e nenhuma funcionalidade positiva (Siddle et
al., 2002).
Critérios pesquisados por diferentes autores, a fim de distinguir os sintomas psicóticos
de experiências espirituais, buscam elucidar profissionais na diferenciação entre a patologia e
espiritualidade a fim de identificar a que tipo de experiência se refere determinadas sintoma
quais suas conseqüências para o paciente.
Jackson e Fulford (1997, citado por Dalgalarrondo, 2008) destacam os sintomas que
diferenciam a psicose de experiências espirituais: a vivência espiritual geralmente é destinada
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aos outros, com episódios de curta duração, é vivida de forma intelectual, o indivíduo
apresenta dúvida sobre a real existência, tem insight preservado garantindo o entendimento
sobre a experiência, é controlada, mantém o contato com a realidade, leva a valorização da
vida, gera crescimento pessoal, estes critérios levam o indivíduo classificar como uma
experiência emocionalmente positiva. No entanto a experiência psicótica leva o indivíduo a
centrar-se em si mesmo, tem longa duração, existe certeza sobre a veracidade do sintoma
mesmo com evidências contrárias, há ausência de insight, de controle e contato com a
realidade, não apresenta consciência em relação a compreensão dos outros, leva à
desvalorização da vida comumente através da ideação suicida, seu conteúdo é desconhecido
no contexto social vivido pelo indivíduo sendo emocionalmente uma experiência negativa
acarretando prejuízos na vida pessoal.
É importante uma avaliação minuciosa ao que diz respeito ao diagnóstico diferencial.
Diante da inserção do indivíduo na saúde mental é imprescindível avaliar distintos cenários,
não apenas nos cuidados psíquicos, mas na rede de apoio social e familiar que o envolve,
buscando identificar a crença religiosa/ espiritual e sua relevância na vida do paciente. Koenig
(2011) refere que uma interligação positiva entre a espiritualidade e a saúde mental para
indivíduos pertencentes a alguma crença religiosa são mais saudáveis, com menor índice de
transtornos mentais e sintomas patológicos.
5. Conclusão
A espiritualidade é um marco da história das civilizações e deve ser reconhecida como
elemento importante na construção do ser humano no que refere as questões de significado e
sentido de vida. Ela auxilia no bem-estar físico e psicológico, tornando-se uma ferramenta
positiva na promoção da saúde. A espiritualidade se apresenta intensamente em fenômenos
patológicos através de alucinações, delírios religiosos e dissociação da identidade entre
outros. Assim é imprescindível a diferenciação entre fenômenos psicóticos e experiências
espirituais, esta ocorre através de parâmetros que distinguem os sintomas e devem servir para
precisão no diagnóstico, evitar avaliação distorcida e preconceituosa de experiências
espirituais saudáveis como patológicas, auxiliar clínicos no processo psicoterapêutico e na
compreensão dos papéis positivos e negativos que a espiritualidade desempenha na vida do
sujeito. Através dos resultados apresentados neste trabalho é possível concluir que existe a
necessidade de estudos que auxiliem no preparo do profissional para a compreensão e
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elaboração de estratégias que possibilitem a pratica clínica, sobretudo pesquisas mais


aprofundadas sobre o tema são de extrema relevância.

Referências:
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transe e possessão. Rev. Psiquiatr. Clínica, vol. 34(1):34-41.

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DSM- IV-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – Quarta Edição


Revisada. Porto Alegre: Artemed, 2002. p. 880

DSM- V-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – Quinta Edição


Revisada. Porto Alegre: Artemed, 2014.

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estudo transversal. Rev. Saúde pública, vol 37(4). Pag.440-445.

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