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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

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ANÁLISE PRELIMINAR DO PROJETO ESCOLAS SUSTENTÁVEIS:


ESTUDO DE CASO DA PRIMEIRA ESCOLA SUSTENTÁVEL DO BRASIL,
NA BAÍA DE SEPETIBA (RJ)

Leonardo Kaplan - PPGE/UFRJ

Resumo
Neste trabalho, são feitas análises iniciais do Projeto Escolas Sustentáveis, da
Coordenadoria Geral de Educação Ambiental do Ministério de Educação
(CGEA/MEC), relacionando seus pressupostos, princípios e eixos temáticos a um
estudo de caso: a primeira escola pública sustentável do Brasil, o Colégio Estadual
Erich Walter Heine, em Santa Cruz, município do Rio de Janeiro. A região da Baía de
Sepetiba, onde se localiza a escola, desde a instalação do complexo industrial do qual
faz parte também a TKCSA, tem sido marcada por inúmeros impactos à saúde dos
moradores e ao meio ambiente. O Projeto da CGEA/MEC de Escolas Sustentáveis se
estrutura em três eixos: espaço físico, gestão e currículo. O C. E. Erich Heine foi criado
por meio de uma parceria público-privada entre o governo estadual e a ThyssenKrupp
Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), o que traz implicações para o caráter
público da escola, para a noção de sustentabilidade (empresarial, pragmática), entre
outros aspectos. É importante ressaltar que, oficialmente, esta escola não integra o Projeto
Escolas Sustentáveis. No entanto, este tipo de iniciativa que envolve parcerias público-privadas
(governos e empresas ou ONGs), que parte destes eixos temáticos (edificação, gestão e
currículo) pode ser replicado para as escolas que venham a integrar o Projeto Escolas
Sustentáveis da CGEA/MEC. Tanto são compatíveis tais projetos que a SEEDUC/RJ teria
procurado o MEC. A criação da escola, para além de atender a uma demanda do mercado,
faz parte de uma estratégia de responsabilidade socioambiental e de marketing
empresarial verde. A longo prazo, o desafio desta pesquisa é compreender as
implicações que traz para a comunidade escolar a entrada da questão ambiental nas
escolas públicas, por meio de empresas e ONGs.
Palavras-chave: Educação Ambiental; escola pública; empresa

Introdução
Este trabalho faz parte da pesquisa de doutorado, em estágio inicial, cuja
proposta é analisar o Projeto Escolas Sustentáveis, da Coordenação Geral de Educação
Ambiental do Ministério de Educação (CGEA/MEC), tendo como base um estudo de
caso concreto: a dita primeira escola sustentável pública no Brasil, o Colégio Estadual
Erich Walter Heine. Este colégio foi recentemente inaugurado1 no bairro de Santa Cruz,
município do Rio de Janeiro, criado a partir de uma parceria público-privada entre o
governo do estado e a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). No bojo das

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As primeiras turmas começaram neste ano de 2011.

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análises da pesquisa, serão investigados os discursos sobre sustentabilidade, meio


ambiente, desenvolvimento e educação ambiental (EA) que circulam entre a
comunidade escolar. Para tanto, parte-se de algumas questões de pesquisa: Em que
medida estes assimilam pressupostos, premissas, conceitos e ideias-chave do discurso
hegemônico do desenvolvimento sustentável, recontextualizado e difundido pelas
empresas, e, quais suas possibilidades de resistência e contraposição a esta perspectiva?
Como este projeto se sustenta entre a comunidade escolar, considerando os impactos
ambientais, sociais, à saúde e à economia da região da Baía de Sepetiba agravados com
a instalação do complexo industrial da TKCSA?
Esse estudo pretende avançar nas pesquisas do campo da EA que têm buscado
analisar a entrada de projetos empresarias e de ONGs no interior de escolas públicas
(Lamosa, 2010), bem como as que buscaram investigar os discursos hegemônicos
materializados nos documentos oficiais das principais políticas públicas de educação
ambiental no âmbito federal2 (Kaplan, 2011). Neste segundo eixo, os focos das análises
foram as concepções de Estado e sociedade civil, de crise socioambiental e o papel da
escola nestas políticas. Nesses discursos, os resultados indicaram: (1) o Estado visto
como parceiro e financiador de projetos de uma sociedade civil harmonizada; (2) uma
crise de valores éticos e culturais, desvinculada do capitalismo; (3) e, uma tendência à
desescolarização da educação ambiental, seja retirando o peso da educação escolar ou
fazendo tais ações entrarem nessa instituição por meio de agentes externos à
comunidade escolar (ONGs e empresas, sobretudo), sem tocarem em questões centrais
da gestão e da política educacional.
Nas políticas públicas federais de EA e em publicações do campo, a escola é
pensada como um dos “espaços educadores sustentáveis” (Brasil, 2006; Brasil, 2007;
Trajber e Sato, 2010; Borges, 2011; Moreira, 2011). Em boa parte destes materiais, as
propostas de educação ambiental nas escolas são defendidas dentro da lógica das
parcerias público-privadas, mediante a entrada de agentes externos às escolas públicas.
Por meio de uma pedagogia de resultados, de justificativa da competência técnica, de
uma lógica gerencial e utilizando-se de um vocabulário repleto de termos e conceitos
oriundos da Ecologia, de outras ciências ambientais e da "ciência complexa" (não sem
problemas), vai sendo produzido um discurso apaziguador, conservador e conciliatório.

2
A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) - lei federal nº 9.795/99; o Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA); e o Programa Nacional de Formação de Educadores Ambientais
(ProFEA).

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Há um entendimento, de que os conflitos devem ser equacionados a partir do diálogo.


Assim, a própria EA é utilizada como fator de conciliação de interesses de classes e
grupos sociais diversos, encampando muitas vezes os ideários do desenvolvimento
sustentável.
É nos marcos de uma sociedade estruturada em classes que devemos buscar
compreender a "questão ambiental" e a noção de sustentabilidade, as quais são
apropriadas teoricamente (em conceitos e ideias-chave) e materializadas nas práticas
sociais. O modo de produção capitalista tem três implicações centrais para a noção de
sustentabilidade, sendo estruturalmente insustentável por três razões: a falha metabólica
entre homem-natureza, a contradição entre o valor de uso e o valor de troca, e em
decorrência do modelo econômico de extração e produção de commodities para a
exportação. A perturbação na interação metabólica entre o homem e a natureza (o
trabalho, pelo qual o homem se relaciona e transforma a natureza, transformando-se
também ao longo deste processo), formulação de Marx resgatada por Foster (2005), que
ocorre no capitalismo, decorre da separação entre a cidade e o campo, do
estabelecimento da grande propriedade fundiária e da propriedade privada. Esta falha
metabólica resulta tanto na exaustão dos elementos naturais quanto na alienação do
trabalho. Além disso, é importante termos em mente a contradição entre o valor de uso e
o valor de troca para compreendermos o sentido da apropriação feita da natureza e dos
seus elementos dentro do capitalismo. Neste sistema, a produção mercantil não tem
relação com a satisfação das necessidades humanas básicas, mas sim com a produção
em larga escala, que não é voltada para atender as necessidades do conjunto dos povos e
da população em geral, mas para obtenção de lucro para pequena parcela que detém os
meios de produção. Por fim, a desigual distribuição dos lucros e dos custos (ambientais,
sociais, econômicos) entre os países quanto ao papel que os mesmos desempenham na
economia capitalista é determinada pelo papel que ocupam dentro do sistema
imperialista, contando com os interesses e a participação ativa das frações da burguesia
nacional ligadas a determinados setores da economia. No caso brasileiro, o modelo é de
exportação de commodities (grãos, carne, açúcar, minério de ferro, petróleo,
agrocombustíveis, etc) o que gera uma intensa degradação ambiental para a extração
destes elementos para a exportação em larga escala, é profundamente degradador do
ambiente e também não gera um desenvolvimento da economia nacional. Por todo o
exposto, atualmente, a sustentabilidade está condicionada pela dinâmica do capital,

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servindo para compatibilizar a expansão e a acumulação do capital com a preocupação


com o ambiente.

Políticas sociais no contexto da reforma do Estado brasileiro e o Projeto Escolas


Sustentáveis
Para compreender meu objeto de estudo, as escolas sustentáveis, interessam-me,
especialmente, as políticas públicas do campo da educação ambiental e do campo
educacional, em geral, e seus rebatimentos sobre os contextos escolares. Mediante
análises das políticas federais de EA, é possível observar que este contexto político mais
amplo influenciou no caráter destas. A presença de concepções de Estado gerencial e
sociedade civil harmonizada, as formulações sobre a problemática de crise ambiental
enquanto crise de valores éticos dos indivíduos, o esvaziamento das políticas públicas e
o reforço da lógica de prestação de serviços, bem como o papel atribuído e a forma de
entrada predominante da educação ambiental nas escolas públicas (via parcerias com
empresas e ONGs) são fortes indicações disto (Kaplan, 2011).
O Projeto Escolas Sustentáveis, da CGEA/MEC em parceria com três
universidades federais (UFOP, UFMT e UFMS), parte da concepção de "espaços
educadores sustentáveis"3, que tem como antecedentes recentes o Colóquio sobre
Educação para a Sustentabilidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES), o Plano Nacional sobre Mudança do Clima e o inciso V, artigo 2º, do
decreto federal nº 7.083/10, que instituiu o Programa Mais Educação (Trajber e Sato,
2010, p. 71). No escopo desse projeto, há três eixos: o espaço (adequação de acordo
com as premissas da sustentabilidade), a gestão (envolvendo estudantes, membros da
comunidade, professores, funcionários e gestores, por meio das COM-VIDAs4) e o
currículo escolar. Tem como argumentos a contribuição da EA para a mitigação das
mudanças climáticas e a formação de uma nova cidadania (Moreira, 2011, p. 17), e

3
"Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em
referências concretas de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que mantêm uma relação
equilibrada com o meio ambiente; compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias
apropriadas, permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e futuras".(Trajber e Sato,
2010, p. 71).
4
Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida, uma política do Órgão Gestor da PNEA, que
objetiva "fomentar um espaço estruturante e permanente na comunidade escolar para realização de ações
voltadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida, à comunicação interescolar e à integração
com as comunidades locais, com base no processo global e nacional de Agenda 21, capaz de propiciar um
cotidiano escolar participativo, democrático e sustentável".
http://gestao2010.mec.gov.br/o_que_foi_feito/program_52.php Acesso em 26/02/2012.
Acesso em 01 de setembro de 2011.

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parte de uma concepção de educação permanente, em que a educação é um processo ao


longo da vida, em vários locais e instituições e do qual a escola é apenas uma parte,
relativizando sua importância (Borges, 2011, p. 11-13). Com uma visão bastante
distanciada da realidade escolar, do seu cotidiano, dos problemas, potenciais, objetivos
e reivindicações específicas e gerais dos trabalhadores da educação, os problemas
estruturais são tratados não como precarizadores das condições de trabalho e do
processo de ensino-aprendizagem, mas de forma ética, por tornarem a escola "pouco
inclusiva", tornando a aprendizagem "pouco prazerosa". O trecho a seguir indica esta
leitura sobre os prédios escolares:

Mantém-se apartados da comunidade/bairro por muros altos,


são repletos de grades, têm salas de aula mal ventiladas e pouco
iluminadas. Os pátios não possuem árvores e bancos para as
pessoas sentarem, tampouco espaços para jogos e outros tipos
de interação. Bibliotecas, laboratórios e salas de informática,
quando existem, permanecem trancadas e sem uso, como forma
de evitar depredação. Trata-se, enfim, de espaços pouco
inclusivos (...) (Moreira, 2011, p. 17)

Evidente que estes também são problemas presentes nas escolas, mas além de
distanciados das principais lutas dos profissionais de educação para uma educação
pública de qualidade (melhores salários e planos de carreira, aumento dos recursos
públicos para as escolas públicas, autonomia pedagógica, gestão democrática com
eleição da direção pela comunidade escolar, dentre muitas outras), a própria origem e
causas de tamanha precarização das instituições públicas escolares não são abordadas,
resultando neste tratamento dos problemas de forma descontextualizada das políticas
educacionais do Estado brasileiro.
Ao espaço físico das escolas é atribuída "a potencialidade de educar por si"
(ibidem), considerando a topografia, a luz natural, a eficiência energética, a
acessibilidade, dentre outros aspectos, de modo a gerar conforto térmico e acústico,
diminuir impactos ambientais, economizando recursos como eletricidade e água,
favorecer a arborização e a produção local de alimentos (hortas), buscar sistemas de
saneamento mais inteligentes e melhorar a mobilidade (transportes menos impactantes,
redução da pegada ecológica e melhoria da saúde ambiental) (ibidem, p. 18). Por sua
vez, o eixo gestão "pressupõe a existência de instâncias de poder na escola capazes de
empreender as iniciativas necessárias para torná-la gradualmente mais sustentável",
sendo que tal "sustentabilidade social pressupõe gestão participativa em dimensões

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como democracia, equidade e diversidade (de raça, gênero, cultural, geracional,


regional" (ibidem, p. 19). Segundo a autora, isto passa por rever o Projeto Político
Pedagógico (PPP) e o regimento interno, de modo a torná-los ativos, mas, sobretudo,
confere uma ênfase à criação de COM-VIDAs nas escolas. De novo, não se busca
articular isto às lutas dos trabalhadores da educação por uma gestão democrática nas
escolas (eleição direta de diretores, aumento dos recursos públicos para as escolas
públicas sem intermediação de organizações privadas, etc). Por fim, para o eixo
currículo, é dito sobre a inserção da educação ambiental no PPP de forma inter e
transdisciplinar, para promover a "construção do conhecimento com uma postura
crítica, ética e transformadora de valores que reorientem atitudes para a construção de
sociedades sustentáveis" (ibidem, p. 21) Apesar disto, os exemplos de discussões
revelam um conteúdo pragmático: ecotécnicas (telhado verde, fogão solar, captação de
água, banheiro seco, compostagem e horta escolar, uso de óleo de cozinha, coleta
seletiva, etc), tratamento de resíduos, poluição por produtos tóxicos e não recicláveis,
educação financeira, consumo sustentável e economia solidária (ibidem, pp. 21-22).
Sem contextualizar tais temas dentro deste modo de produção, esses aparecem em uma
perspectiva de um capitalismo "humanizado", um "capitalismo verde".

Contexto da Baía de Sepetiba: conflitos sociais, impactos à saúde dos moradores e


ao meio ambiente
O contexto de instalação, na Baía de Sepetiba, em Santa Cruz, zona oeste do Rio
de Janeiro, do conglomerado industrial-siderúrgico-portuário envolvendo a siderúrgica
alemã ThyssenKrupp (73%), em parceria com a brasileira Vale do Rio Doce/Companhia
Siderúrgica do Atlântico (27%), a TKCSA, é bastante conturbado. Lançado em 2006,
previsto para ser o maior pólo siderúrgico da América Latina, com capacidade de
produção de 10 milhões de toneladas de placas de aço por ano, conta com uma usina
siderúrgica integrada, uma usina termoelétrica para a geração de 490 MW de energia
elétrica alimentada por 4 milhões de toneladas de carvão mineral proveniente da
Colômbia e um porto com dois terminais composto por uma ponte de acesso de 4 Km e
um Píer de 700 m que atravessa o manguezal e o oceano (PACS, 2009, p. 25). Está
sendo construído em uma área onde viviam 75 famílias ligadas ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que estavam acampadas há cinco anos e
retiravam seu sustento da produção agrícola, tendo sido expulsas ou intimidadas a se
retirarem do local para a instalação da indústria (ibidem, p. 33).

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A zona oeste do Rio de Janeiro, em especial a região da Baía de Sepetiba,


próxima ao bairro de Santa Cruz, historicamente, caracteriza-se pela instalação destes
grandes complexos industriais, altamente poluidores, e pela violação dos direitos
sociais, ambientais, econômicos e culturais, um território ou "zona de sacrifício"
marcado pela presença de comunidades de baixa renda, sem infraestrutura, e onde se
instalam fábricas poluentes. A escolha da área deveu-se à proximidade do porto de
Sepetiba, por conta da exportação dos lingotes de aço5. Dentre os impactos causados ao
meio ambiente e à saúde da população local, é possível destacar: o aumento de 76% nas
emissões de gás carbônico na cidade do Rio; a possibilidade de geração de benzeno a
pireno; a poluição atmosférica com fuligens de grafite, partículas de limalha de ferro, pó
de calcário e outros minerais que estão nestes particulados; o gusa (material que sai do
ferro) é depositado em buracos abertos; os relatos da população local sobre doenças de
pele, fortes irritações e alergias nos olhos e vias respiratórias; a possibilidade de
ressuspensão de material contaminado depositado no fundo do mar resultante de
acidente ocorrido na década de 1990, entre outros. Ao longo desse tempo, a TKCSA já
sofreu ato de infração pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), embargo de parte da
obra e multa pelo IBAMA (2007), interdição e embargo pelo Ministério Público do
Trabalho, tem sido objeto de mais de nove ações civis públicas, de um inquérito no
Ministério Público Federal, foi multada em R$ 1,8 milhão pelo Instituto Estadual do
Ambiente (INEA) e alvo de muitas manifestações coletivas e de denúncias dos
moradores, mesmo estes sofrendo ameaças e intimidações por parte da empresa6.

Colégio Estadual Erich Walter Heine: primeira escola sustentável do Brasil


A proposta do estudo é compreender melhor como estas políticas têm se
materializado nas escolas públicas, considerando que a escola não é um espaço somente
de reprodução da estrutura social, da ideologia e dos projetos políticos das classes
dominantes, mas, dialeticamente, produzem-se movimentos de resistência e
recontextualização em seu interior, próprios da natureza conflitiva da dinâmica social.
Assim, a pesquisa propõe-se a investigar os projetos de escolas sustentáveis, tendo
como base um estudo de caso concreto, a dita primeira escola sustentável pública no

5
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40912
Acesso em 07 de agosto de 2011.
6
Informações contidas na Moção de repúdio a TKCSA em solidariedade à população de Santa Cruz e
pelo direito à saúde, apresentada no VI Congresso Interno da FIOCRUZ, em outubro de 2010.

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Brasil, o Colégio Estadual Erich Walter Heine, no bairro de Santa Cruz, município do
Rio de Janeiro. É importante ressaltar que, oficialmente, esta escola não integra o
Projeto Escolas Sustentáveis. No entanto, este tipo de iniciativa que envolve parcerias
público-privadas (governos e empresas ou ONGs), que parte destes eixos temáticos
(edificação, gestão e currículo) pode ser replicado para as escolas que venham a integrar
o Projeto Escolas Sustentáveis da CGEA/MEC. Tanto são compatíveis tais projetos que
a SEEDUC/RJ teria procurado o MEC7. O estudo deste caso concreto visa dar
materialidade às investigações iniciadas no mestrado sobre as políticas públicas de
educação ambiental, com especial atenção para as escolas. Além disso, possibilita
relacionar um contexto específico, de profundos impactos ambientais e sociais, com
diversas políticas de âmbito nacional, estadual e municipal tanto no âmbito da educação
ambiental, quanto políticas educacionais e sociais de modo geral.
Em aparente contradição com a situação da região na qual se localiza, está a
escola sustentável ambientalmente. Este colégio oferece o Ensino Médio Integrado e o
Curso Técnico em Administração, com oferta inicial de 200 vagas, com expectativa de
ampliação, em período integral (das 7 h às 17 h e 30 min). O curso técnico tem a
duração de três anos. Segundo a Secretaria Estadual de Educação8, o projeto da escola
segue os moldes de outros colégios estaduais que possuem parcerias com empresas
(Instituto Oi Futuro e Grupo Pão de Açúcar).. O local onde foi construída a escola é um
terreno cedido pela prefeitura do Rio de Janeiro. Nestes casos, as parcerias entre esferas
governamentais (parcerias público-público) se efetivam em um contexto de parcerias
público-privadas. Assim, o discurso de parcerias é fortemente sustentado. De acordo
com a ex-secretária estadual de Educação, Tereza Porto, o objetivo da escola é formar
mão-de-obra especializada para atender à CSA9. Nessa mesma direção, o coordenador
de projetos da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC), Sérgio Menezes, afirmou:

Nós temos que atender essa demanda de mercado. Quem fala


mais alto é o mercado. O governo Sérgio Cabral, a Secretaria
Estadual de Educação, tá buscando essas parcerias público-
privadas com esse objetivo. Objetivo de atender a uma

7
Informações obtidas no debate da palestra "Desafios e perspectivas da CGEA/MEC na construção de
uma proposta de EA no âmbito acadêmico: da formação à pesquisa", com uma representante da
CGEA/MEC, durante o VI Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA), em 06/09/2011,
Ribeirão Preto, SP.
8
http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=353867 Acesso em 31 de julho de 2011.
9
Durante o lançamento da pedra fundamental do colégio.
http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=315825 Acesso em 31 de julho de 2011.

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necessidade de mercado que é reconhecida a nível federal,


estadual e municipal. O Brasil carece de ensino
profissionalizante e as empresas tão demandando, precisam
dessa mão-de-obra, e em regime de parceria, em função das
vocações regionais do estado, e em função das necessidades
específicas do parceiro privado a gente busca esse casamento,
se complementa em termos de esforços, somo as forças, né, e aí
você consegue fazer uma escola mais barata do que qualquer
outra escola do estado e de primeiro mundo e oferecendo um
ensino de primeiro mundo em dois turnos10.

Fica evidente aqui o objetivo de criação da escola em formar mão-de-obra


segundo as demandas da empresa. Apesar disto, nada é dito com relação ao nível de
especialização profissional requerido. É preciso considerar que os profissionais com
formação técnica tem sido altamente desvalorizados, tendo, muitas vezes e, na medida
do possível, de buscar cursos superiores para melhorarem sua qualificação e
remuneração. Aliado a isto, os setores industriais ligados à produção de commodities, no
caso a siderurgia, não demandam, em sua maioria, elevado nível tecnológico e
qualificação profissional, gerando, quase sempre, empregos de baixa remuneração. Isto
justifica a opção por cursos técnicos.
No final, o investimento total da TKCSA na escola foi de R$ 11 milhões. Além
do ensino referência em Administração, a intenção dos parceiros é que o Colégio
Estadual Erich Walter Heine seja uma escola verde, com a chancela do selo LEED
(Leadership in Energy and Environmental Design). Inclusive, esta foi a primeira escola
na América Latina a receber o selo LEED Schools. Das 120 que já o possuíam, 118
ficam nos EUA, uma na Noruega e outra em Bali, na Indonésia11. Trata-se de um
programa de certificação de edifícios sustentáveis da ONG americana U.S Green
Building Council. Para isso, a unidade conta com ecotelhado (revestido de grama),
sistema de aproveitamento de água de chuva, ecopiso cobrindo o terreno, refrigeração
de alta eficiência energética (aparelhos que consomem 40% menos), sensores de
presença nas salas de aula que desarmam a luz e os aparelhos de ar condicionado após
20 minutos se não houver ninguém, lâmpadas led, sistema de aproveitamento de energia
(captação de luz solar e ventos), coleta de lixo para reciclagem, sistema acústico,
acessbilidade para cadeirantes, plantio de espécies nativas da região, etc.

10
http://www.youtube.com/watch?v=YpC3tXWJOmE Vídeo feito pela TV ALERJ Ecologia (Assembleia
Legislativa do Estado do RJ). Acesso em 26/02/2012.
11
http://www.printrio.net/escola-no-brasil-e-a-primeira-a-receber-selo-leed-schools/ Acesso em
26/02/2012.

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Há, nesta escola, uma tentativa de simular um ambiente empresarial. Foi criada
uma Empresa Júnior que reúne os alunos, com cargos (presidente, diretor financeiro,
diretor de marketing, diretor de recurso humanos, etc) e objetivos de desenvolver
projetos de marketing, consumo "verde", etc. Isto é compatível com o objetivo do
Projeto Escolas Sustentáveis do MEC de formação de uma nova sociabilidade, no caso,
uma sociabilidade empresarial, adequada às demandas do capital. Segundo William
Nogueira, coordenador de relações governamentais da ThyssenKrupp, em depoimento à
TV ALERJ Ecologia,

a empresa já ofereceu alguns cursos para os professores e para a


direção da escola voltados a essa parte da sustentabilidade. Não
quis só transformar a escola numa escola sustentável, mas a
gente gostaria que todos pensassem de forma sustentável. Então
os professores já receberam um primeiro treinamento, os alunos
também vão receber uma capacitação.

Nesse processo de formação, há o envolvimento de uma empresa de consultoria, a


Ciclos Engenharia, que elaborou um Programa de Comunicação e Educação Ambiental
(ProCEA), com diversas etapas e abrangência que vai além do C. E. Erich Heine.

Concluindo por ora


Considerando toda a problemática envolvida desde o processo de licitação para a
instalação do complexo industrial da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do
Atlântico (TKCSA), seus enormes impactos ambientais, sociais e para a saúde da
população local, os quais vêm sendo denunciados por diversas entidades e instituições12,
cabe compreender as contradições presentes no interior da escola e na sua relação com a
região, no contexto de uma parceria público-privada que apresenta um discurso de
sustentabilidade, mas a condiciona a uma lógica privatista, de mercantilização e
aparentemente silenciando os impactos trazidos ou agravados pela própria empresa. A
criação da escola, para além da já citada formação de mão-de-obra para a TKCSA, é

12
Só para se ter uma ideia, alguns dos integrantes da Missão de Solidariedade e Investigação de
Denúncias a respeito da poluição e das violações de direitos humanos em Santa Cruz cometidas pela
Companhia Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, instituída em 17 de setembro de 2010: Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (PACS), Fórum de Meio Ambiente do Trabalhador, Rede Brasileira de
Justiça Ambiental, associações de pescadores e catadores de caranguejo, pesquisadores da Fundação
Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), da UERJ, da UFJV, UFRJ, UFF e UFRRJ, sindicatos (SEPE, SENGE,
SINDIMINA, SINDISPREV), dentre muitas outras.

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uma medida mitigadora por parte da empresa, bem como uma estratégia de
responsabilidade socioambiental e de marketing empresarial verde.
O discurso da sustentabilidade pode ser considerado um “discurso nodal”, pois
abre espaço para outros discursos, como o das parcerias público-privadas. Compreender
o sentido hegemônico deste e de outros discursos, sua apropriação pelos diferentes
agentes e grupos sociais envolvidos e sua materialização nas diferentes instituições e
locais (escolas, comunidades, empresas, governos, etc) é um desafio que se faz
premente, inclusive no que diz respeito a estabelecer sua relação com os modos de
operação da ideologia dominante e com a luta hegemônica.
Algumas perspectivas teóricas da própria educação ambiental abrem
possibilidades para a incorporação de uma noção mercantilizada de sustentabilidade.
Por exemplo, as perspectivas da “ética ecológica” (Grün, 1996) e da “alfabetização
ecológica” (Stone e Barlow, 200613; Munhoz, 2004), por razões distintas, ao tratarem a
sustentabilidade como uma questão individual, ética, comportamental e dependente da
“boa vontade” dos indivíduos, desconsiderando ou atenuando o contexto sócio-histórico
e político. Estas perspectivas, por não colocarem em xeque o modo de produção
capitalista e apresentarem um viés mais pragmático e imediatista, têm maior entrada em
grande parte dos espaços, inclusive nas escolas e, sobretudo, nas empresas (neste caso,
vinculadas ao discurso da responsabilidade social). Cabe compreender melhor como se
dá a articulação entre tais perspectivas e o projeto hegemônico do neoliberalismo de
Terceira Via, no sentido da consolidação de uma “nova pedagogia da hegemonia”.
Como desafios futuros, cabe aprofundar sobre a produção e consolidação das
políticas públicas de EA no âmbito do MEC e do MMA, realizando um estudo sobre a
parceria entre empresas, ONGs e escolas públicas, no Rio de Janeiro, no
desenvolvimento de atividades de educação ambiental nas escolas. Em um segundo
momento, como objetivos específicos da pesquisa, cabem: (1) analisar as políticas
públicas educacionais e de meio ambiente federais e estaduais que abrem espaço para a
entrada de empresas e ONGs nas escolas públicas; (2) compreender as disputas e
contradições em jogo no processo de formulação do currículo da escola (a grade
curricular, a seleção e formação exigida dos professores, a vinculação entre o currículo
e o mercado de trabalho, etc); (3) investigar, nos discursos dos professores e estudantes,

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Fritjof Capra é o intelectual que sistematiza e organiza em grande parte esta perspectiva teórica, além
de escrever o prefácio desse livro, com seu nome constando com destaque na capa do mesmo.

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as concepções de educação ambiental e crise ambiental, e o papel do Estado e da


sociedade civil (empresas, ONGs, movimentos sociais, sindicatos, redes, etc) na
promoção de políticas públicas de educação ambiental; (4) analisar em que medida os
discursos empresariais sobre educação ambiental se manifestam nas práticas
pedagógicas concretas no interior da escola. A longo prazo, o desafio desta pesquisa é
compreender as implicações que traz para a comunidade escolar a entrada da questão
ambiental nas escolas públicas, por meio de empresas e ONGs.

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