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Resumo
Neste trabalho, são feitas análises iniciais do Projeto Escolas Sustentáveis, da
Coordenadoria Geral de Educação Ambiental do Ministério de Educação
(CGEA/MEC), relacionando seus pressupostos, princípios e eixos temáticos a um
estudo de caso: a primeira escola pública sustentável do Brasil, o Colégio Estadual
Erich Walter Heine, em Santa Cruz, município do Rio de Janeiro. A região da Baía de
Sepetiba, onde se localiza a escola, desde a instalação do complexo industrial do qual
faz parte também a TKCSA, tem sido marcada por inúmeros impactos à saúde dos
moradores e ao meio ambiente. O Projeto da CGEA/MEC de Escolas Sustentáveis se
estrutura em três eixos: espaço físico, gestão e currículo. O C. E. Erich Heine foi criado
por meio de uma parceria público-privada entre o governo estadual e a ThyssenKrupp
Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), o que traz implicações para o caráter
público da escola, para a noção de sustentabilidade (empresarial, pragmática), entre
outros aspectos. É importante ressaltar que, oficialmente, esta escola não integra o Projeto
Escolas Sustentáveis. No entanto, este tipo de iniciativa que envolve parcerias público-privadas
(governos e empresas ou ONGs), que parte destes eixos temáticos (edificação, gestão e
currículo) pode ser replicado para as escolas que venham a integrar o Projeto Escolas
Sustentáveis da CGEA/MEC. Tanto são compatíveis tais projetos que a SEEDUC/RJ teria
procurado o MEC. A criação da escola, para além de atender a uma demanda do mercado,
faz parte de uma estratégia de responsabilidade socioambiental e de marketing
empresarial verde. A longo prazo, o desafio desta pesquisa é compreender as
implicações que traz para a comunidade escolar a entrada da questão ambiental nas
escolas públicas, por meio de empresas e ONGs.
Palavras-chave: Educação Ambiental; escola pública; empresa
Introdução
Este trabalho faz parte da pesquisa de doutorado, em estágio inicial, cuja
proposta é analisar o Projeto Escolas Sustentáveis, da Coordenação Geral de Educação
Ambiental do Ministério de Educação (CGEA/MEC), tendo como base um estudo de
caso concreto: a dita primeira escola sustentável pública no Brasil, o Colégio Estadual
Erich Walter Heine. Este colégio foi recentemente inaugurado1 no bairro de Santa Cruz,
município do Rio de Janeiro, criado a partir de uma parceria público-privada entre o
governo do estado e a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). No bojo das
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As primeiras turmas começaram neste ano de 2011.
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A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) - lei federal nº 9.795/99; o Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA); e o Programa Nacional de Formação de Educadores Ambientais
(ProFEA).
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"Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em
referências concretas de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que mantêm uma relação
equilibrada com o meio ambiente; compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias
apropriadas, permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e futuras".(Trajber e Sato,
2010, p. 71).
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Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida, uma política do Órgão Gestor da PNEA, que
objetiva "fomentar um espaço estruturante e permanente na comunidade escolar para realização de ações
voltadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida, à comunicação interescolar e à integração
com as comunidades locais, com base no processo global e nacional de Agenda 21, capaz de propiciar um
cotidiano escolar participativo, democrático e sustentável".
http://gestao2010.mec.gov.br/o_que_foi_feito/program_52.php Acesso em 26/02/2012.
Acesso em 01 de setembro de 2011.
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Evidente que estes também são problemas presentes nas escolas, mas além de
distanciados das principais lutas dos profissionais de educação para uma educação
pública de qualidade (melhores salários e planos de carreira, aumento dos recursos
públicos para as escolas públicas, autonomia pedagógica, gestão democrática com
eleição da direção pela comunidade escolar, dentre muitas outras), a própria origem e
causas de tamanha precarização das instituições públicas escolares não são abordadas,
resultando neste tratamento dos problemas de forma descontextualizada das políticas
educacionais do Estado brasileiro.
Ao espaço físico das escolas é atribuída "a potencialidade de educar por si"
(ibidem), considerando a topografia, a luz natural, a eficiência energética, a
acessibilidade, dentre outros aspectos, de modo a gerar conforto térmico e acústico,
diminuir impactos ambientais, economizando recursos como eletricidade e água,
favorecer a arborização e a produção local de alimentos (hortas), buscar sistemas de
saneamento mais inteligentes e melhorar a mobilidade (transportes menos impactantes,
redução da pegada ecológica e melhoria da saúde ambiental) (ibidem, p. 18). Por sua
vez, o eixo gestão "pressupõe a existência de instâncias de poder na escola capazes de
empreender as iniciativas necessárias para torná-la gradualmente mais sustentável",
sendo que tal "sustentabilidade social pressupõe gestão participativa em dimensões
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http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40912
Acesso em 07 de agosto de 2011.
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Informações contidas na Moção de repúdio a TKCSA em solidariedade à população de Santa Cruz e
pelo direito à saúde, apresentada no VI Congresso Interno da FIOCRUZ, em outubro de 2010.
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Brasil, o Colégio Estadual Erich Walter Heine, no bairro de Santa Cruz, município do
Rio de Janeiro. É importante ressaltar que, oficialmente, esta escola não integra o
Projeto Escolas Sustentáveis. No entanto, este tipo de iniciativa que envolve parcerias
público-privadas (governos e empresas ou ONGs), que parte destes eixos temáticos
(edificação, gestão e currículo) pode ser replicado para as escolas que venham a integrar
o Projeto Escolas Sustentáveis da CGEA/MEC. Tanto são compatíveis tais projetos que
a SEEDUC/RJ teria procurado o MEC7. O estudo deste caso concreto visa dar
materialidade às investigações iniciadas no mestrado sobre as políticas públicas de
educação ambiental, com especial atenção para as escolas. Além disso, possibilita
relacionar um contexto específico, de profundos impactos ambientais e sociais, com
diversas políticas de âmbito nacional, estadual e municipal tanto no âmbito da educação
ambiental, quanto políticas educacionais e sociais de modo geral.
Em aparente contradição com a situação da região na qual se localiza, está a
escola sustentável ambientalmente. Este colégio oferece o Ensino Médio Integrado e o
Curso Técnico em Administração, com oferta inicial de 200 vagas, com expectativa de
ampliação, em período integral (das 7 h às 17 h e 30 min). O curso técnico tem a
duração de três anos. Segundo a Secretaria Estadual de Educação8, o projeto da escola
segue os moldes de outros colégios estaduais que possuem parcerias com empresas
(Instituto Oi Futuro e Grupo Pão de Açúcar).. O local onde foi construída a escola é um
terreno cedido pela prefeitura do Rio de Janeiro. Nestes casos, as parcerias entre esferas
governamentais (parcerias público-público) se efetivam em um contexto de parcerias
público-privadas. Assim, o discurso de parcerias é fortemente sustentado. De acordo
com a ex-secretária estadual de Educação, Tereza Porto, o objetivo da escola é formar
mão-de-obra especializada para atender à CSA9. Nessa mesma direção, o coordenador
de projetos da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC), Sérgio Menezes, afirmou:
7
Informações obtidas no debate da palestra "Desafios e perspectivas da CGEA/MEC na construção de
uma proposta de EA no âmbito acadêmico: da formação à pesquisa", com uma representante da
CGEA/MEC, durante o VI Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA), em 06/09/2011,
Ribeirão Preto, SP.
8
http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=353867 Acesso em 31 de julho de 2011.
9
Durante o lançamento da pedra fundamental do colégio.
http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=315825 Acesso em 31 de julho de 2011.
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http://www.youtube.com/watch?v=YpC3tXWJOmE Vídeo feito pela TV ALERJ Ecologia (Assembleia
Legislativa do Estado do RJ). Acesso em 26/02/2012.
11
http://www.printrio.net/escola-no-brasil-e-a-primeira-a-receber-selo-leed-schools/ Acesso em
26/02/2012.
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Há, nesta escola, uma tentativa de simular um ambiente empresarial. Foi criada
uma Empresa Júnior que reúne os alunos, com cargos (presidente, diretor financeiro,
diretor de marketing, diretor de recurso humanos, etc) e objetivos de desenvolver
projetos de marketing, consumo "verde", etc. Isto é compatível com o objetivo do
Projeto Escolas Sustentáveis do MEC de formação de uma nova sociabilidade, no caso,
uma sociabilidade empresarial, adequada às demandas do capital. Segundo William
Nogueira, coordenador de relações governamentais da ThyssenKrupp, em depoimento à
TV ALERJ Ecologia,
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Só para se ter uma ideia, alguns dos integrantes da Missão de Solidariedade e Investigação de
Denúncias a respeito da poluição e das violações de direitos humanos em Santa Cruz cometidas pela
Companhia Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, instituída em 17 de setembro de 2010: Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (PACS), Fórum de Meio Ambiente do Trabalhador, Rede Brasileira de
Justiça Ambiental, associações de pescadores e catadores de caranguejo, pesquisadores da Fundação
Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), da UERJ, da UFJV, UFRJ, UFF e UFRRJ, sindicatos (SEPE, SENGE,
SINDIMINA, SINDISPREV), dentre muitas outras.
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uma medida mitigadora por parte da empresa, bem como uma estratégia de
responsabilidade socioambiental e de marketing empresarial verde.
O discurso da sustentabilidade pode ser considerado um “discurso nodal”, pois
abre espaço para outros discursos, como o das parcerias público-privadas. Compreender
o sentido hegemônico deste e de outros discursos, sua apropriação pelos diferentes
agentes e grupos sociais envolvidos e sua materialização nas diferentes instituições e
locais (escolas, comunidades, empresas, governos, etc) é um desafio que se faz
premente, inclusive no que diz respeito a estabelecer sua relação com os modos de
operação da ideologia dominante e com a luta hegemônica.
Algumas perspectivas teóricas da própria educação ambiental abrem
possibilidades para a incorporação de uma noção mercantilizada de sustentabilidade.
Por exemplo, as perspectivas da “ética ecológica” (Grün, 1996) e da “alfabetização
ecológica” (Stone e Barlow, 200613; Munhoz, 2004), por razões distintas, ao tratarem a
sustentabilidade como uma questão individual, ética, comportamental e dependente da
“boa vontade” dos indivíduos, desconsiderando ou atenuando o contexto sócio-histórico
e político. Estas perspectivas, por não colocarem em xeque o modo de produção
capitalista e apresentarem um viés mais pragmático e imediatista, têm maior entrada em
grande parte dos espaços, inclusive nas escolas e, sobretudo, nas empresas (neste caso,
vinculadas ao discurso da responsabilidade social). Cabe compreender melhor como se
dá a articulação entre tais perspectivas e o projeto hegemônico do neoliberalismo de
Terceira Via, no sentido da consolidação de uma “nova pedagogia da hegemonia”.
Como desafios futuros, cabe aprofundar sobre a produção e consolidação das
políticas públicas de EA no âmbito do MEC e do MMA, realizando um estudo sobre a
parceria entre empresas, ONGs e escolas públicas, no Rio de Janeiro, no
desenvolvimento de atividades de educação ambiental nas escolas. Em um segundo
momento, como objetivos específicos da pesquisa, cabem: (1) analisar as políticas
públicas educacionais e de meio ambiente federais e estaduais que abrem espaço para a
entrada de empresas e ONGs nas escolas públicas; (2) compreender as disputas e
contradições em jogo no processo de formulação do currículo da escola (a grade
curricular, a seleção e formação exigida dos professores, a vinculação entre o currículo
e o mercado de trabalho, etc); (3) investigar, nos discursos dos professores e estudantes,
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Fritjof Capra é o intelectual que sistematiza e organiza em grande parte esta perspectiva teórica, além
de escrever o prefácio desse livro, com seu nome constando com destaque na capa do mesmo.
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Referências bibliográficas
BORGES, C. O que são espaços educadores sustentáveis? In: Espaços Educadores
Sustentáveis. Rio de Janeiro: Boletim TV Escola, nº 7, junho de 2011, pp. 11-16.
KAPLAN, L. Análise crítica dos discursos presentes nos documentos que definem a
política de educação ambiental no Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação) -
PPGE/FE/UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.
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