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Uma conversa entre Inês racismo que lhes cabe. Basta dizer, “Ei! Capitalista, amiguinho, olha
pra sua cor, e agora olha quantos negros tem capital ou estão em
Inês, pseudônimo de uma pessoa desconhecida, sentou-se ao lado de Falam de racismo estrutural, mas individualizam o racismo como se
Douglas e daí iniciou-se a conversa que consegui gravar num ponto em fosse algo moral de uma pessoa doente. Não que um racista não seja
que as coisas já estavam mais quentes. Nós aqui do LavraPalavra uma pessoa doente, mas eu quero saber o que gera a doença e não só
cidadania de terceira classe aqui no Brasil. O que não contavam, Mas fui fiel a minha formulação e mostrarei pra você. – O rapaz ri seu
porém, é que o processo de miscigenação ao invés de embranquecer o riso característico e continua. – A questão é a seguinte: você tem toda
país tornou ele negro e como a dinâmica da classe trabalhadora foi razão, se ler o que escrevi pela lógica ortodoxa. É claro que o
totalmente absorvida pelo componente racial, já que é comprovado processo histórico é imprevisível, mas a questão do trabalho é que a
que os casamentos interraciais se dão no final da pirâmide social, isto luta da classe trabalhadora é desaparecer enquanto classe e não criar
é, entre os mais pobres. O que isso demonstra? É a elite desse país que um mundo do trabalho. A classe se ergue para desaparecer na luta e
é profundamente racista. Não que o racismo não seja uma cultura, e não para se consolidar. Lutamos contra a sociedade de classes porque
faça parte até da cultura popular, mas quem o defendeu a ferro e fogo as classes são produzidas pela desigualdade. Com a cisão processada
até pouco tempo atrás foram estes que invisibilizaram os negros. na identidade abre-se caminho ao sujeito, e com esse caminho aberto
abre-se o caminho para o sujeito político, quer dizer, para a classe
como processo de luta, e não limitada a matriz sociologizante. Com o Aliás, é inegável como os trabalhadores em alguns lugares passaram a
triunfo dos Condenados da Terra não haverá mais condenados! Esse é se ver como negros. Anda hoje no Itaim Paulista! Você vai ver as
nosso motor! minas afirmando sua negritude. Tendo orgulho em meter um cabelo
Black. É claro que aqui temos aquela besteirada de representatividade
Agora, para levar a conversa aonde você levou…Você deve ter se que é ideológico, mas pensemos para além dela!
perguntado: “mas por que esse capítulo?”. Vou tentar responder:
existem duas formas de se pensar a dialética. A primeira, você já Não se trata de representatividade mas sim de se reconhecer como
disse: a ideia do escravo que ao trabalhar se desenvolve em seu devir- um ser invisibilizado, nadificado mesmo. E quando isso se dá, minha
Outro, para voltar a si mesmo. A segunda, e espero aqui ser o mais amiga… quando um ser-nada afirma sua existência, ele pode ser tudo.
simples possível, já que estamos numa mesa de bar, é pensar a É a velha verdade da Internacional! Se nada somos, sejamos tudo!
dialética como uma operação sobre a cisão: não existe identidade que
não esteja dilacerada. Sem a menor chance de repousar sobre si Veja só, isso abriu possibilidades dos negros se verem como frutos
mesma. É quando a identidade se cinde que o sujeito começa a se históricos violentados pela ideia de raça. Se me afirmo como um
processar. A questão que o Império não quer, é demonstrar a cisão negro estou mais perto de entender como o processo racial foi
permanente operada na identidade, pois ela possibilita a emergência desenvolvido para nos controlar e nos submeter a fim de gerar
do sujeito. riqueza privada de uma classe. E como é o próprio processo de
desigualdade social necessária do capital que gera as questões de
Quer dizer, é quando somos expulsos de qualquer ponto de repouso, violência racial.
sobre a consciência que temos de nós mesmos, que se inicia o
dilaceramento e com ele o processo-sujeito, como chama Badiou. O Uma palestina não é menos negra que você! Esse afinal é o devir
mais desafiador e o verdadeiro exercício de liberdade é se dar conta negro do mundo, a tentativa de criar um mundo em que relações de
de que: não precisamos ser quem dizem que somos. Melhor ainda, não semi-escravidão e morte dos supérfluos seja algo naturalizado.
Enfim, o próprio capitalismo precisa ser superado por uma nova forma [1] Movimento negro unificado.
de sociabilidade porque ele se baseia na desigualdade e com ela
precisa separar e dividir os povos através das religiões, nacionalidade Compartilhe isso:
e da criação contínua das raças.
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Inês – Pois é, você é certeiro neste ponto… Agora não entendo
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porque você passa um pano para a galera que para naquele ponto…
como você disse mesmo?… poxa, foi até bonito!… Ah! Sim! Afirmar
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uma identidade como possibilidade de criação simbólica?
https://lavrapalavra.com/2019/05/13/uma-conversa-entre-ines-maia-e-
Douglas – Eu não passo pano! – Ri e bebe cerveja – só que são passos
douglas-rodrigues-barros/
constitutivos, ilusões necessárias para que a gente comece a se ver
como sujeitos do processo. Olha só, do ponto de vista prático, se não
fosse essas afirmações iludidas sobre a identidade, não estaríamos
hoje discutindo sobre a questão racial.