Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
- e de travessias -
O conteúdo da obra, bem como os argumentos expostos, são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não
representando o ponto de vista da editora, seus representantes e editores.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco
de dados sem permissão escrita do tradutor.
Av. Colombo, 5540 - Zona 07 - CEP 87030-121 - Fone |44| 3263.6712 - Maringá - PR
www.graficamassoni.com.br - contato@graficamassoni.com.br
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
2009 - Primeira Edição
DEDICATÓRIA
Esta obra é uma obra compartida, de amplo alento, que deve muito
à permanência e ao espírito de uma equipe, constituída por administrativos,
pesquisadores, professores, engenheiros e técnicos do CIMA (Centro
interdisciplinar de pesquisas sobre os meios naturais e aménagement rural),
criado em 1972, convertido logo em GÉODE (Geografia do meio ambiente) da
Université de Toulouse-Le Mirail e do CNRS (UMR 5602). Em colaboração
com outros pesquisadores, geógrafos e de outras disciplinas, franceses e
estrangeiros, muito particularmente os co-autores dos artigos. A contribuição
de cada um de nós é solidária do conjunto. Uma prova de amizade.
SUMÁRIO
Prefácio
Introdução: saberes híbridos, saberes fragmentados.............................................. I
I
O Geossistema: (re)construir uma geografia naturalista
Apresentação................................................................................................... 1
• Paisagem e geografia física global – 1968........................................................... 7
• Ecologia de um espaço geográfico - Os Geosistemas do Valle de Prioro - 1972.?
• Ensaio de análise ecológica do espaço montanhês – 1973............................... 36
• O geossistema ou “sistema territorial natural” – 1978..................................... 47
• A geografia física desnaturada? – 1978............................................................ 62
• A natureza em geografia: um paradigma de interface – 1991.......................... 81
• A geografia e as ciências da natureza – 1992................................................... 98
II
O Território: do natural ao antrópico, uma arqueologia de tempo longo
Apresentação...............................................................................................119
• O impossível quadro geográfico – 1975......................................................... 123
• “A arqueologia da paisagem” na perspectiva da ecologia histórica – 1978... 168
• A memória dos terroirs – 1991........................................................................ 176
• Apogeu e declínio de um geosistema silvo-pastoril - 1984................................. ?
• Não há território sem terra – 1995................................................................. 187
• Territorializar o meio ambiente – 1992......................................................... 193
III
A paisagem: irrupção do sensível no campo do meio ambiente
Apresentação...............................................................................................211
• A paisagem entre a natureza e a sociedade – 1978........................................ 213
• O Sodobre (Tarn): esboço de uma monografia - 1978....................................... ?
• Os geógrafos franceses e suas paisagens – 1984.............................................. 233
• A paisagem ou a irrupção do sensível nas políticas de meio ambiente e de
transformação do território............................................................................. 248
• A paisagem, uma ferramenta para a transformação dos territórios no Médio Pirineus....256
• Compor uma paisagem é recompor uma geografia – 1996............................. 264
IV
O sistema GTP (Geossistema, Território, Paisagem),
o retorno do geográfico?
Apresentação...............................................................................................271
• O geossistema: um espaço-tempo antropizado – 2000................................... 275
• A discordância dos tempos - 2002...................................................................... ?
• A paisagem e a geografia: um novo encontro? – 2001................................... 285
• O meio ambiente: caminhando para uma ciência diagonal? – 1998............. 301
• O olho do abutre – 1995................................................................................ 309
9
As travessias bertrandiana
Prof. Dr. Messias Modesto dos Passos
Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT-UNESP, Campus de Presidente
Prudente – passos@stetnet.com.br
Source-Ressource-Ressourcement.
Quatro questões vivas em torno da paisagem:
•Se a paisagem é uma representação cultural, como combinar esta
subjetividade com a materialidade de um território?
•Como a situar na “revolução coperniciana” que perturba, num ambiente
ecológico e social em crise, nossa relação no mundo? A paisagem, a maneira como a
gente a utiliza, cuja gente vive e a sente é um traço de perturbar nossa visão do mundo
que atualmente emerge nas questões da gestão (aménagement 3) do território e do
meio ambiente.
•Como integrar esta nova sensibilidade nas abordagens territoriais?
•Transcendendo os saberes acadêmicos, as práticas tecnocráticas e políticas,
ela não oferece uma via à democracia participativa?
Traverser quer dizer “ne pas s´arrêter”4 É uma etapa. É um meio de reunir
as informações, de sair de certa forma de geografia setorial que não respondia mais às
necessidades de nossa sociedade. É preciso construir um sistema a partir dos diferentes
elementos. É mais que um simples agregar. É preciso rejeitar a cesura entre geografia
física e humana, aproximar-se da história. É preciso utilizar a geografia para “traverser” as
outras disciplinas com a condição de traçar um caminho. Como o diz Antonio Machado:
“O caminho, a gente o faz caminhando”. É preciso considerar que desde que a gente
fala de paisagem, de meio ambiente, de gestão/amènagement ou de território, a gente
fala sempre do mesmo objeto. É um conjunto que a gente não pode utilizar com uma
única metodologia. É um paradigma que toma em consideração todos os elementos e
híbrido dos contrários (exemplo: natureza/sociedade, individual/coletivo, ordinário/
extraordinário).[...]. É uma entrada particular no território que é função de cada um.
Propomos três entradas: naturalista (antropização), socioeconômica e
territorial, sociocultural (paisagem).
Sobre o título, em uma primeira reflexão eu traduziria por “Geografia
Transversal”..., porque o Bertrand sempre expôs a idéia de que não se deve analisar
nem sempre de forma horizontal, nem somente vertical, mas sim de forma transversal.
No entanto, depois da leitura do “debate”, resumidamente exposto acima, eu traduzo
por “Uma geografia transversal – e de travessias”.
Fragmentos da travessia de Georges Bertrand
A expressão “meio ambiente” aparece na mídia, e na geografia, somente a
partir da Conferência Internacional Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Humano, realizada – sob o patrocínio da ONU - em Estocolmo-Suécia, no ano de
1972. Até então, o geógrafo – de forma setorizada – estava confrontado com o estudo
do “meio”5.
3 Aménager = disposer avec ordre/dispor com ordem. Até a crise de 1929, considerava-se, geralmente,
que a repartição das atividades econômicas e sociais era definida pelas condições naturais. A partir de então,
desenvolveu-se a idéia de que a organização econômica e social é/deve ser controlada pelo Estado, ou seja,
o Estado interfere sobre a localização das atividades. (N.T.)
4 “não parar”
5 Recomendamos a leitura de: (a) O sistema meio ambiente. In: Passos, M. M. dos “Biogeografia e
Paisagem”, pp. 89-104; 2003 e (b) Demangeot, J. Les milieux “naturels” du globe. Paris:Masson, 3e. édition,
1990, pp. 9-14.
Prefácio
sobre a paisagem. Não mostram a base científica que lhes permite opinar. Assim a
pesquisa será um “todo cheio de vazios”. Desse jeito a pesquisa não será nada. Portanto,
essas pessoas não fazem pesquisa realmente. Fazem política.
A chave e a fechadura
A expressão metafórica “a chave e a fechadura”, repetidas vezes utilizada por
G. Bertrand tem endereço, ou seja, os geógrafos tinham as melhores condições para
ocuparem o centro da problemática ambiental: arrolaram os dados, os inventários foram
feitos – o relevo, o clima, a vegetação, o solo, a sociedade, a economia etc. E os conceitos
de ecossistemas e de geossistemas eram a “chave”, isto é, permitiam a análise integrada,
a análise do conjunto. Acontece que os geógrafos não acreditaram na possibilidade
desses conceitos para “compreender o todo”. O conceito de geossistema foi pouco aceito
e insuficientemente aplicado porque os geógrafos tinham (e tem) uma visão de “oito
ou oitenta”, isto é, “já que o geossistema não é capaz de entender literalmente o todo,
então qual o sentido de adotá-lo como “procedimento metodológico””? No entanto,
ninguém negava a impossibilidade de reunir tudo! Acontece que a essência pode sim
constar num modelo conectivo. Sabe-se muito bem que não é possível juntar tudo e
que, nem tudo se presta à classificação e pode ser hierarquizado. Ocorrem omissões,
“caixas pretas”.
Inegavelmente o “GTP” (Geossistema, Território e Paisagem) representa um
notável avanço epistemológico, com relação ao conceito precedente de geossistema.
Por que?
Porque era necessário pensar em algo que permitisse conceituar a
“complexidade-diversidade”. Tínhamos o ecossistema – que ajudava na análise da
complexidade biológica; e o geossistema, que pretendia compreender a complexidade
geográfica. Percebeu-se que todas as disciplinas, todas as pesquisas que se baseiam num
conceito apenas (“monoconceituais”, portanto) têm a pretensão de, a partir dele, falar
do todo. Era preciso tomar uma posição, afirma G. Bertrand, de algum modo, mais
sábia e científica. Dizer: “Bom, a complexidade-diversidade (complexidade feita de
diversidade) não pode ser analisada por meio de um só conceito, pois isso é idealizar”.
Se lidamos não apenas com a complexidade, mas também com a diversidade das coisas,
podemos afirmar que naquilo que estudamos há elementos de ordem natural, de ordem
social e de ordem cultural. Por que não inventar alguma coisa que seja “policonceitual”?
Então é isso – conclui G. Bertrand -: “eu proponho que se analise a mesma realidade a
partir de três conceitos diferentes”. Conceitos que são três entradas no sistema. Chamo
“conjunto tripolar”, ou seja, no interior da complexidade, enxergo três grandes tipos
de diversidade: uma que está mais ou menos ligada aos fenômenos naturais, uma que
está associada aos fenômenos da economia e outra, aos culturais.
15
16
17
na felicidade do contorno/contournière
a exigência de um paradigma
Espalhado sobre quase meio século, nosso trabalho foi sem cessar
confrontado com contrastes e obstáculos múltiplos, alguns ligados aos estados
Introdução 23
sucessivos das pesquisas sobre o meio ambiente, outros inerentes à nossa própria
formação disciplinar: falta de cultura epistemológica, imprecisões semânticas,
insuficiências teóricas e metodológicas, hesitações institucionais. Enquanto
motivação maior que se inscreve no vazio de nossa pesquisa. Todos não
foram explicitados. Eles nos acompanharam, complicando nossas abordagens,
confundido as pistas que precede e procede ao nosso fazer.
A conexão disciplina-interdisciplina
c o n s t r u i n d o o c a m i n h o : a s c e rt e z a s p r o v i s ó r i a s
(1957-2002)
“Eles não sabiam onde estavam, eles não sabiam onde iriam
e, no entanto, eles discutiam incansavelmente o itinerário.”
Geoffrey CHAUCER, décimo primeiro conto de Canterbury
26 Introdução
PRIMEIRA PARTE
O GEOSISTEMA
(RE)CONSTRUIR UMA GEOGRAFIA
NATURALISTA
“A gente não pode mais atualmente separar a evolução do
relevo do meio climático e biogeográfico nem romper a unidade
do meio físico...” “Não se trata de estudar separadamente,
como a gente fazia antigamente, o relevo, o clima, a vegetação,
as águas, mas o complexo que eles formam. E mais, um estudo assim
compreendido teria o risco de não ser acadêmico, pois ele desbordaria
sobre problemas de valorização racional dos recursos
naturais da região. Ele definiria com precisão as unidades
naturais que o constituem e suas relações, assim como suas
possibilidades. Eis algumas reflexões que não têm outro objetivo senão
de vos encorajar a pesquisar caminhos novos...”
“Uma ciência que não se renova é uma ciência morta.”
François TAILLEFER (carta escrita para GB em 24/12/1960).
A análise da paisagem
Classificações elementares
As combinações bioecológicas
A síntese da paisagem
As unidades superiores
As unidades inferiores
19 Num primeiro estudo consagrado à análise de um caso concreto (G. BERTRAND, Esquisse bio
géographique de la Liébana, La dynamique actuelle des paysages, RGPSO, 1964, fasc. 3, p. 225-
262), havia-se utilizado um vocabulário diferente que tinha sido criticado por um certo numero de
especialistas.
40
Paisagem e Geografia Física Global
O geosistema
O geofácies e o geótopo
20 Sobre a noção de “mobilité écologique”, cf. G. BERTRAND, Pour une étude géographique de la
végétation RGPSO, 1966, fasc.2, p. 129-143.
44 Paisagem e Geografia Física Global
A dinâmica da paisagem
Os geosistemas em biostasia
Pl. I, A e esquema
Pl. I A
50 Paisagem e Geografia Física Global
Pl. I, B e esquema
Pl.IB
52 Paisagem e Geografia Física Global
Os geosistemas em resistasia
Pl.IIB – Geótopo com Aspidium Lonchitis Sw. Sobre “auto-solo” húmico carbonatado
alojado em microcavidades de dissolução cárstica do calcário viseano (geosistema
montanhês-atlântico da Hetraie calcícola, Picos de Europa, 1 400 m de altitude.
(Dimensões da cavidade: 30 x 60 cm.
Paisagem e Geografia Física Global 55
a fusão da neve que libera grandes massas de água. Junho é o mês essencial
no plano fenológico. O fluxo térmico é suficiente (média das máximas entre
20 e 30ºC).. Por outro lado, as precipitações se distribuem de forma bastante
irregular (m: 69; M: 65; Q1: 35; Q2; 93; Q3: 23; Q4: 130; min.: 4; máx.: 189);
contudo, uma importante compensação ocorre a nível de lençol freático devido
à saturação decorrente da fusão nival. É o momento do brotamento geral e da
floração de primavera (em particular as géofitas).
Um curto verão do tipo mediterrâneo, quente e seco, vem desarranjar
as reservas de água e perturbar o desenvolvimento das plantas.
Julho e agosto têm sempre P < 2 T com ar seco e forte insolação:
a. Calcários e conglomerados calcários do Westphalien. – b. Conglomerados quartzíticos do Stéfanian. – c. Xistos frágeis (fácies
Culm, asdósias, arenitos xistosos). – d. Glacis pré-glacial. – e. Terraço fluvial do Maximum glacial. – f. Brecha periglacial. – g.
Solos brunos florestais e rendzinas florestais. – h. Solos brunos ácidos com pedimento superficial. – i. Revestimento xistoso
de vertente. – j. Rankers e litosolos. – k. Faias e faial montano mesófilo. – l. Pinheiro silvestre e pinheiral reflorestado. –
m. Lande acidófila aberta. – n. Gramínea xerófita. – o. Culturas. – p. Cañada (com canais). – q. Garides. – r. Povoado de
Prioro. – s. Curvas das precipitações médias anuais. – t. Idem: setor com seca de verão bem marcada. – u. Nebulosidade e grau
higrométrico. – v. Cobertura de neve. – G. Geossistema e geofácies (os algarismos romanos e árabes remetem ao texto)
Ecologia de um espaço geográfico - Os geosistemas do Valle do Prioro
Ecologia de um espaço geográfico - Os geosistemas do Valle do Prioro 67
ainda mais notáveis pela baixa capacidade de retenção superficial dos mantos
de detritos e dos solos.
Vertentes herdadas do Quaternário “frio”, modeladas e dissecadas
pelo escoamento atual.
Com exceção dos três níveis de glacis, os terraços aluviais e os
depósitos morainicos de altitude, as inclinações do terreno foram modeladas
por processos periglaciais: vertentes regulares, camadas areníticas, processos de
solifluxão preenchendo os pequenos vales. Todos estes modelos são desfeitos ou
destruídos por processos posteriores, os quais devem ser inseridos dentro de um
sistema morfogenético antrópico. Os depósitos móveis são carreados e a rocha
é fragmentada em blocos grosseiros, sem fornecer muitos elementos arenosos
ou coloidais (pequenas placas de xisto, cascalhos quartzíticos desprendidos
de conglomerados). É a origem de numerosos processos de pedimentação de
vertentes (por fragmentos).
As vertentes nuas, sem “cobertura viva”, isto é, sem vegetação nem
solo, cobrem mais de um terço da superfície do Valle de Prioro.
Uma tipologia sumária permite isolar: as paredes talhadas em
conglomerados (calcários ou quartzíticos), que são geralmente elementos de
cristas ou de barras; as vertentes retilíneas de denudação (xistos ou vertentes
estruturais em calcário); as garupas convexas com pedimento móvel; os canais
que margeiam os patamares dos glacis. A conjunção “talus-rocha frágil-
depósitos móveis-exposição sul” é um fator ecológico essencial, responsável
pela concentração geográfica dos fenômenos de meteorização.
Para os comentários, se
reportar ao texto. As figuras
e os símbolos são os mesmos
no texto e nos mapas.
O noroeste do Valle de
Prioro visto do centro
da bacia. Em primeiro
plano, uma “cañada”
secundária que parte
da “cañada” principal
nas proximidades do
povoado de Prioro.
70 Ecologia de um espaço geográfico - Os geosistemas do Valle do Prioro
O método global
A legenda detalhada do mapa corresponde ao segundo capítulo do artigo (os algarismos romanos remetem aos geossistemas e os algarismos
arábicos aos geofácies).
75
76 Ecologia de um espaço geográfico - Os geosistemas do Valle do Prioro
27 Ponto de descrição: 1350 m de altitude, base de uma vertente, inclinação de 20%. – 1) Floresta
aberta colonizadas por lande (cobertura de 60-70%) com: estrato florestal (20%): carvalhos híbridos
(Quercus petraia) (3), faia +, pequenos bosques de 15-20 m de altura, idade de 80-100 anos; lande
associada (60%): Erica mediterranea (3), Erica cinerea (1), Genista cinérea (1), G. trichomanes (1),
Ilex aquifolium (+). – 2) solo bruno: 20-30 cm de espessura, ácido (pH 5), seco; rocha matriz: pequenas
placas de xisto em meio à argila; o solo é, geralmente, recoberto por um pedimento xistoso; serrapilheira
esparsa. – 3) a erosão mecânica se limita ao deslizamento do pedimento e a algumas incisões no manto
de detritos.
Ecologia de um espaço geográfico - Os geosistemas do Valle do Prioro 77
As “cañadas”
BIBLIOGRAFIA
METODOLOGIA
[1] G. BERTRAND, Esquisse biogéographique de la Liébana (Massif Cantabrique,
Espagne). La dynamique actuelle des paysages. Revue Géographique des Pyrérées et
Soud-Ouest, 1964. p. 225-262.
[2] G. BERTRAND, Paysage et géographie physique globale. Esquisse méthodologique.
Revue Géographique des Pyrérées et Soud-Ouest, 1968. p. 249-272.
[3] G. BERTRAND, Écologie de l’espace géographique. C.R. Soc. Biogéographie,
séance du 18/12/1969, nº 406, p. 195-205.
VALLE DE PRIORO
[4] Cartes topographiques: Mapa militar de Espanha 1:200.000, nº 14; Mapa de Espana
1:50.000, Riaño nº 105.
[5] Photographies aériennes: Servicio geográfico del ejército. Riaño nº 105, nº 43.193
à 43.197 et nº 43.306 à 43.311.
[6] G. BERTRAND, Morphostructures cantabriques. Revue Géographique des Pyrérées
et Soud-Ouest, 1971. p. 49-70 (une carte et une planche de coupes au 1:200.000).
[7] J. MOUNIER, Carte des régimes thermo-pluviométiques das l’Ouest et le Nord-
Ouest e la Péninsule Ibérique (1:1.000.000) avec notice explicative de 4 p., 1969.
CNRS, Recherches cartographiques apliquées au climat et à l’hydrologie, Équipe de
recherche associé à la Faculté des Sciences de Grenoble.
31 H. ERHART, La gênese des sols en tant que phénomène géologique. Esquisse d’une théorie
géologique et géochimique. Biostasie et rhexistasie. Paris, Masson, Evolution des sciences, 2e édition,
1967.
81
A compartimentação geomorfoestrutural
O efeito topoclimático
As catenas
As etapas da pesquisa
O CONCEITO DE GEOSISTEMA
Os componentes do geosistema
O funcionamento do geosistema
A estação de Martkopi
A antropização do geosistema
A arqueologia do geosistema
tradição geográfica. É assim que a ecologia por seu método e os ecologistas por
suas técnicas e suas divulgações, invadem o terreno habitual dos geógrafos, os
quais se sentem ameaçados em seu equilíbrio científico e pedagógico. Ao situar
a problemática fora dos quadros disciplinares tradicionais, a “volta à natureza”
carrega em si os germes de disputas e deve então ser analisada tanto em termos
de poder quanto de saber.
O conteúdo da geografia física, ou seja, o estudo do meio natural
e/ou desses principais elementos (relevo, solo, clima, vegetação) está, pelo
menos em primeira análise, suficientemente explícito. De qualquer modo,
ele é sustentado por uma produção contínua e vigorosa que parece justificar
a todo o momento e em toda circunstância a existência desta disciplina e dos
especialistas que a praticam. É neste sentido que se pode efetivamente dizer
que a geografia se prova ao existir e ao caminhar. Mas caminhando em que
rumo, com qual objetivo e com quais meios?
Antes de abordar o problema de fundo, é preciso limitar nosso
propósito. Não se trata de conduzir em algumas páginas uma epistemologia da
geografia física e de desenvolver uma análise crítica sobre o conjunto de uma
produção científica mais do que semi-secular. As pesquisas atuais e passadas
conduzidas pelos geógrafos “físicos” existem enquanto tais e entenda-se de
uma vez por todas que seu interesse específico não será aqui jamais posto em
dúvida, quer se trate de geomorfologia, de climatologia ou de biogeografia.
Nossa atitude se situa no lado direito de uma problemática (vidaliana?) que é
a de resituar as sociedades humanas em sua prática do espaço geográfico. Esta
pesquisa se baseia a priori sobre uma concepção unitária da natureza, então,
por simetria, da geografia física. Esta coerência deve evitar se deixar levar pelos
múltiplos desvios próprios da história desta disciplina. Por exemplo, o exame
crítico da geomorfologia não pode se conduzir a partir dos mesmos postulados
da geografia física considerada como um conjunto, sob pena de confusão e de
caricatura. A geomorfologia se tornou rapidamente mais do que a parte de
um todo. Em relação à natureza, ela é ao mesmo tempo bem menos e muito
mais do que a geografia física. Todavia, o problema central da geografia física,
tal como é atualmente praticada pelos geógrafos, continua sendo seu laxismo
conceitual e metodológico. Esta situação deve ser assinalada em prioridade
antecipando o debate de fundo, pois ela não deixa de influir no desenrolar e
no conteúdo de nosso empreendimento. De fato, a ausência de bases teóricas e
de um campo de aplicação perfeitamente definido para o conjunto da geografia
física permitiu o desenvolvimento excêntrico de pesquisas tão diversas e às
vezes tão contraditórias na sua finalidade (alternadamente naturalista ou
social) que a crítica deveria ser multidirecional, mudar constantemente de
objeto e de finalidade, isto é, permanecer na sombra ambígua de seu sujeito.
É assim que a maioria das críticas recentemente dirigidas ao mesmo tempo à
geografia física e à geomorfologia permaneceram sem alcance real, pois, de
um lado, elas atacavam um vasto corpo mole, desequilibrado e animado por
movimentos centrípetas e, por outro lado, elas mesmas não emanavam de um
projeto científico coerente 1. Por outro lado, ao confrontar a globalidade da
natureza à globalidade da geografia física, jogam-se as bases de um procedimento
ao mesmo tempo lógico e específico que encontra sua origem no postulado de
1 A. REYNAUD – Épistémologie de la géomorphologie, TIGRE-Reims, 1975, T 23-24.
106 A geografia física desnaturada?
uma geografia física contra a natureza. O debate então pode ser circunscrito e
se resumir a três propostas:
– a geografia física é por seu objeto – o estudo do “meio natural”
- uma ciência da natureza que se desenvolveu à margem dos conceitos e dos
métodos naturalistas;
– a geografia física não é mais do que um subconjunto da
geografia, ciência iminentemente social, mas ela nunca escolheu se ligar a uma
metodologia social em função de objetivos sociais;
– a geografia física – Janus em situação bifrontal entre as ciências
da natureza e as ciências da sociedade – não resolveu aquilo que aparece
como uma contradição interna. Ela não superou seu problema de identidade,
conseqüentemente de método.
O impossibilismo vidaliano
O seqüestro da herança
– ela oscila entre os dois, mas sem assumir uma função que
possamos qualificar de dialética no sentido mais amplo deste termo;
– ela não constitui então uma ponte entre as ciências da natureza
e as ciências da sociedade, no máximo uma passarela escondida, freqüentada
apenas pelos geógrafos e alguns historiadores.
A ausência de projeto físico global torna a natureza incompreensível,
sem graça e transparente. Na sua prática quotidiana, a geografia física contribuiu
assim sem querer para tirar a natureza da geografia e das ciências naturais. Uma
geografia física contra a natureza?
A natureza reencontrada
Ela não é mais do que um método científico que tem por objetivo
analisar os fenômenos vivos em seu meio ambiente. A confusão entre teoria e
método é bastante freqüente e às vezes voluntariamente sustentada. Ao passar
para o campo social, a ecologia deve então conservar seu estatuto de método
e não erigir-se implicitamente em uma teoria vagamente naturalista, a menos
que se trate de uma opção filosófica claramente afirmada. Além do mais, o
método ecológico revela-se imperfeito, pois é incompleto. Ele pode apreender
apenas o aspecto biológico da natureza. Ele deve então ser comparado e fundido
com o método geossistêmico tal como foi anteriormente exposto. O dualismo
ecologia-sociedade sobre o qual repousa uma parte da problemática social atual
é apenas uma falsa alternativa já que o primeiro termo é inadequado em relação
à natureza que ele deve representar.
A geografia reencontrada?
“Eu estou cada vez mais persuadido que a ciência antropossocial precisa articular-se com a
ciência da natureza e que esta articulação requer uma reorganização da própria estrutura do
saber”
E. Morin. La nature da la nature. 1977, p. 9
meio século e não se tem certeza de que todos seus efeitos estejam dissipados.
A geografia física atual está felizmente em crise e em desordem, por
mais que isto desagrade aos conformistas que se auto-satisfazem com sua rotina
e se auto-reproduzem. Liberada de uma grande parte da geomorfologia e dotada
de uma nova metodologia, a geografia física pode elaborar novos projetos e,
sobretudo, abrir-se para o exterior sem se dispersar. Enfim, a geografia pode
dialogar com a ecologia. É na confluência dessas duas correntes, quando suas
águas se tiverem misturado por muito tempo, que será elaborada esta nova
dialética da natureza, na qual o homem e a sociedade serão partes atuantes.
117
A NATUREZA NA GEOGRAFIA:
UM PARADIGMA DE INTERFACE
Os postulados fundadores
Estudos práticos
9 – 1972 BERTRAND (G.) – Écologie d´un espace géographique : les géosystèmes du
Valle de Prioro (Espagne du nord-ouest). L´espace géographique. – 1972, nº 2. – p.
113-128, 4 fig., 1 pl. Phot.
10 – 1973 BERTRAND (G.)/DOLLFUS (O.) – Himalaya (L´) central: essai d´analyse
écologique. L´espace géographique – 1973, nº 3. – p. 224-232, 1 fig.
11 – 1978 BERTRAND (C.)/BERTRAND (G.)/RAYNAUD (J.) – Sidobre (Le)
(Tam) : esquisse d´une monographie, in « Géosystème et aménagement « - Revue
géographique des Pyrénées et du Sud-Ouest. – 1978, vol. 49, nº 2. – p. 259-314, 9 fig.,
1 tabl., 2 pl. Fig. 4 phot. h.t. carte coul. h.t.
12 – 1980 BERTRAND (G.)/DOLLFUS (O.)/HUBSCHMAN (Q.) – Cartographie
(Une) de reconnaissance des géosystèmes dans les Andes du Pérou. – Revue
géographique des Pyrénées est du Sud-Ouest. – 1980, vol. 51, nº 2. – p. 169-181, 1
carte coul. h.t., réf. bibl.
13 – 1983 BERTRAND (G.) – Apogée et déclin d´un géosystème sylvo-pastoral
(Montagne de Léon et de Palencia, Espagne du nord-ouest). In « Forêts » - Revue
géographique des Pyrénées et du Sud-Ouest. – 1984, vol. 55, nº 2. – p. 239-248, 2
fig.
14 – 1986 BERTRAND (C.)/BERTRAND (G.) – Végétation (La) dans le géosystème
A natureza em geografia: um paradigma de interface 129
Esta é a questão. Está cada vez mais difícil apoiá-la. Se isto não
acontece, ou é feito sem convicção e com condescendência, como a pensam
e a praticam certos geógrafos franceses, esta intervenção é inútil. A geografia
então pode apenas desviar-se, como outras ciências sociais, para um outro lugar
que se parece muito com lugar nenhum. Ela viraria então as costas às grandes
interrogações sociais, culturais e econômicas que agitam hoje o meio das
sociedades e o aménagement do espaço. É bem verdade que a geografia pertence
prioritariamente ao campo das ciências humanas e sociais. Ela é, por excelência,
a ciência social do território. Neste papel, ela engloba inelutavelmente uma
parte de natureza, pois não há território sem “terra”. Esta parte de natureza,
ora superestimada, ora subestimada, deu lugar a múltiplos debates, algumas
vezes violentos, na maioria das vezes estéreis. A tendência geral é ignorá-la
na prática quotidiana e especialmente na formação geográfica. Liberada de
qualquer lógica, a “evocação” da natureza na geografia se tornou surrealista,
espécie de deus ex machina que só faz aumentar o número e a virulência de seus
detratores. Está na hora de voltarmos às fontes do conhecimento da natureza
e às ciências que se encarregam disso.
O avanço entre a geografia e as ciências da natureza é difícil. Por um
lado, é preciso ultrapassar um limite epistemológico de primeira grandeza entre
ciências da sociedade e ciências da natureza com os obstáculos que são, por
exemplo, a analogia, o reducionismo, o superdeterminismo, a babelização etc.
Por outro lado, a geografia não tem mais diante dela as antigas “ciências naturais”
que um espírito um pouco culto poderia mobilizar diretamente. Atualmente, a
geografia se encontra diante de ciências “duras”, complexas, diferenciadas, em
incessante recomposição e usando as mais altas tecnologias.
A geografia também tem a obrigação de transformar um produto natural
bruto (massa de ar, árvore, montanha, fonte) em um produto “socializado”, isto
é, incorporado nas problemáticas sociais, econômicas e culturais. A partir de
um fato natural, a geografia tem a obrigação de produzir a mais-valia social. A
nascente se transforma em recurso. Esta transformação, até esta transmutação,
foi por muito tempo confiada à geografia física considerada, pelo menos no
início, como um subconjunto da disciplina. A função, até mesmo a existência
desta geografia física está no centro do debate. Ela é objeto de muitas críticas
e de violentos ressentimentos em que se misturam as escolhas científicas, as
querelas institucionais e muitos rancores pessoais. Mesmo se a geografia física
A geografia e as ciências da natureza 131
FICHA 1
E a biologia?
A síndrome da “cuesta”
FICHA 2
Ecologia e ecossistema
FICHA 3
Leituras recomendadas
BERTRAND C et G., 1975, Pour une histoire écologique de la France rurale, Histoire
de la France rurale, Tome I, Pariss, Le Seuil.
FRONTIER S. et PICHOD-VIALE D., 1991, Ecosystèmes : structure, fonctionnement,
évolution, Paris, Masson.
MARTONNE E. (de), 1947, Traité de géographie physique, 7e. éd. , 3 tomes, Pariss,
Colin
Ministère de la Recherche et de la Technologie, 1989, Actes du colloque Planète-
Terre, Paris.
ROUGERIE G, et BEROUTCHACHVILI N., 1991, Gèosystèmes et paysages, Paris,
Colin.
SORRE, M., 1943, Les Fondements biologiques de la géographie humaine. Essai d´une
écologie de l´homme, Paris, Colin.
Palavras-chave
Antrópico – Antropização – Ecologia – Ecossistema – Geografia física – Geossistema
– Interface natureza-sociedade – Paisagem – Ciências da natureza – Ciências da Vida
e do Universo – Território.
145
SEGUNDA PARTE
O TERRITÓRIO
DO NATURAL AO ANTRÓPICO
UMA ARQUEOLOGIA DE TEMPO LONGO
“Eis aqui, os vaqueiros, os pastores, os limpadores,
os vinicultores, os trabalhadores da floresta,
todos vocês que deram, escultores obstinados,
a meu país sua fisionomia e seus adornos de príncipes.”
Louisa Paulin, Lo Remembro
PRIMEIRA PARTE
O IMPOSSÍVEL QUADRO GEOGRÁFICO
Sobre um tema atual, o livro de um
geógrafo, quase fatalmente e por força
das coisas será um quadro/tableau.
L. FEBVRE, 1922
tipos de sociedades rurais e os tipos de meios rurais. Além disso, todo quadro
supõe limites territoriais. O quadro também supõe, implicitamente, a escolha
de uma escala espacial de estudo. Os geógrafos clássicos tomaram como base
as “regiões naturais” ou “as regiões geográficas”. Mas existem outros níveis
espaciais, nos quais a função econômica e social variou no curso da história
(parcela cadastral, exploração e propriedade agrícola, território, comuna etc.).
Enfim, os progressos recentes, mas separados, obtidos pelas ciências naturais e
históricas, levantaram a questão das relações entre os feitos humanos e os feitos
ecológicos, às vezes mais aberto, outras mais exato, de qualquer forma menos
simples que há meio século atrás
A interpretação histórica do fator natural nas relações com a
sociedade e a estrutura agrária fica, pois, o problema mais mal elucidado, o
mais raramente abordado e, sobretudo, o mais mal colocado de toda a história
rural. Falta curiosamente uma “dimensão ecológica” a esta história que, aliás,
é largamente aberta sobre outras disciplinas, tais como a Economia, Etnologia,
Antropologia etc. A pesquisa histórica sobre as florestas, as pastagens, os
agrícolas, fica, salvo exceções, presa à finalidade econômica e jurídica. A
floresta só interessa ao historiador na medida em que é onerada do direito de
uso ou abatida. Somente a história das variações climáticas se abre com E. Le
Roy Ladurie sobre as perspectivas ecológicas. Mas a maioria dos historiadores
fica indiferente a este problemas, cegos diante das informações ecológicas. É
um verdadeiro disparate e difícil de interpretar o que contém nos documentos
arquivados.
Esta lacuna não é fortuita. Ela está ligada diretamente ao espírito
da escola histórica e da escola geográfica francesa. (...) Existe uma inibição
tradicional da história diante dos problemas naturais que ela considera como
domínio dos geógrafos. Trata-se de uma atitude que vai além de uma simples
questão de divisão do saber. É uma posição de princípio que releva da lógica
interna de um sistema de pensamento. Uma vez que o homem domina a natureza
- é o primeiro sentido do “possibilismo” que se difundiu entre os historiadores
- o meio natural não constitui um fator determinante da evolução humana.
Assim, a grande maioria dos historiadores se deixou fechar na alternativa
brilhante e confortável, mas pouco científica de L. Febvre que, esquematizando
o pensamento de P. Vidal de La Blache, colocou em oposição o possibilismo
humano ao determinismo natural. Dramatizando as relações do homem e da
natureza, esclerosou-se a reflexão e a pesquisa neste domínio.
É verdade que a geografia francesa não ofereceu aos historiadores
os materiais que pudessem lhes atender. A única grande fonte acessível aos
historiadores, ainda usada largamente, é constituída pelos grandes estudos de
geografia regional do começo do século (Blanchard, Dion, Sorre etc.), cujos
capítulos consagrados à apresentação dos meios naturais estão geralmente
ultrapassados. Renunciar ao “quadro” é também colocar distâncias em torno
da ciência geográfica tradicional e, mais particularmente, a geografia física.
Dessa forma, as ligações privilegiadas entre a história e a geografia, tão
fecundas há meio século, perderam progressivamente seu interesse e estão
normalmente distendidas; é um efeito de evolução própria da geografia física
que foi submergida pelas pesquisas geomorfológicas e que, desta maneira, ficou
O impossível quadro geográfico 153
A dimensão ecológica
altas cristas, pelo menos até o século XIX). A maior prova, nos Pirinéus como no
resto do território francês, é que o conjunto do solo está apropriado. O cadastro
deveria ser um dos primeiros documentos utilizados pelo ecologista.
Assim, o espaço rural não dever estar em oposição ao meio natural.
Um sucede o outro Mas se o meio natural não existe mais, o espaço rural
comporta importantes elementos naturais. Estes últimos não formam uma
estrutura da evolução autônoma, mas participam da dinâmica do conjunto
do espaço rural. Todavia, em uma primeira aproximação, é preciso distinguir
vários tipos de combinações:
- os espaços submetidos à cultura intensiva e praticamente contínua,
ou seja, inteiramente roçados e com solos modificados pelo modo de cultivo
e pelo uso de estrume e pastagem. As condições climáticas podem ser
transformadas, sobretudo a escala de microclimas;
- os espaços seminaturais, ou seja, aqueles que conservaram o essencial
das estruturas naturais (a cobertura vegetal, os solos, a circulação do ar e da
água), mas onde a evolução é controlada pelo tipo e freqüência das intervenções
antrópicas. É o caso das florestas, de uma parte dos campos de altitude, de
numerosas lagoas, pântanos e rios;
- os espaços intermediários submetidos a fases alternadas, mais ou
menos longas, de exploração e abandono. As terras sem cultivo e a maior parte
das charnecas entram nesta categoria.
Se não há mais meio natural no que diz respeito à estrutura e sistema
independentes, os elementos naturais e seus mecanismos próprios participam
sempre na formação e no dinamismo do espaço rural (exceto o caso limitado de
cultura inteiramente artificial, sob estufa, por exemplo). Esta realidade ecológica
não tem pois existência fora do espaço rural e das organizações humanas. Como
problema essencial, resta saber qual lugar ela ocupa na combinação rural. Aqui,
tropeça obrigatoriamente na questão do determinismo.
SEGUNDA PARTE
O NATURAL DOS “TERROIRS”
O fundamento da agricultura é o conhecimento da
base natural das terras que queremos cultivar
Olivier de SERRES
A “ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM” NA
PERSPECTIVA DA ECOLOGIA HISTÓRICA
A transparência da paisagem
Os conceitos naturalistas
utilização antrópica. Todavia, ainda que ele leve muito em conta o subconjunto
socioeconômico como elemento estruturante e dinâmico da combinação
ecológica, o geossistema permanece um conceito rigorosamente naturalista
na sua concepção e na sua finalidade.
Para o naturalista que utiliza o método ecossistêmico ou geossistêmico,
a paisagem não é mais um pau-para-toda-obra ambíguo. O pesquisador
pode classificar, comparar, cartografar, portanto, definir estruturas e analisar
dinamismos. Ele pode também, em certa medida, prever evoluções paisagísticas.
A análise integrada dos geossistemas se abre então naturalmente para a história
e para a arqueologia. Graças a este conceito, a ecologia histórica torna possível
uma “história natural” da paisagem. O mesmo não acontece para uma “história
social” desta mesma paisagem.
Superar a alternativa
comum, neste caso a paisagem. É esta via que uma “arqueologia da paisagem”
bem compreendida deveria tomar.
- a “arqueologia da paisagem” parece desde já obedecer a certa lógica
interna que implica que os pesquisadores possam rapidamente adquirir bases
ecológicas diferentes de simples técnicas reproduzíveis. A “arqueologia da
paisagem” parece poder se desenvolver a partir de alguns postulados simples;
- a “arqueologia da paisagem” é um procedimento socioecológico
integrado que transcende a simples análise das estruturas agrárias;
- a “arqueologia da paisagem” deve usar o método regressivo, pois
o único ponto de referência é o geossistema tal qual como existe e funciona
atualmente. Precisamos nos separar definitivamente do mito da “floresta
primitiva” e de um hipotético clímax;
-a “arqueologia da paisagem” deve ser uma reconstituição contínua dos
geossistemas e deve superar as separações tradicionais dos estudos históricos;
- a “arqueologia da paisagem” deve ser uma pesquisa espacial que
não se contenta com ler no solo os limites geométricos, mas que deve analisar
unidades de produção.
A arqueologia da paisagem está em evolução. Agora ela parece muito
menos simples e imediata do que poderíamos supor no começo. A reconstituição
de combinações socioecológicas complexas ainda é pouco habitual ou ainda
ingênua e grosseira demais. Isolada, a arqueologia da paisagem não pode
desenvolver-se, pois ela não pode garantir sozinha a problemática ecológica
que lhe é indispensável. Ela deve participar do esforço teórico e prático da
ecologia histórica que constitui atualmente um caminho entre tantos outros
para reencontrar a unidade perdida da história e da natureza.
177
A emergência do patrimônio
forte valor estético ou econômico, sucedeu uma visão patrimonial mais aberta e
mais social, de algum modo mais democrático. Foi na corrente desta revolução
cultural que a arqueologia agrária pôde se desenvolver. A memória dos mais
humildes, aquela dos camponeses, é cada vez mais solicitada. As paisagens que
as sociedades rurais elaboraram e mantiveram são cada vez mais apreciadas em
um movimento de recuperação cultural que não é isento de ambigüidade, mas
que, por enquanto, só pode favorecer o desenvolvimento da arqueologia.
De uma parte, o objeto mais banal e mais quotidiano se tornou digno
de interesse. A casa camponesa, o arado, a cerca viva são analisados da mesma
forma que a capela do castelo ou a villa do notável galo-românico. Por outro
lado, a arqueologia não procura mais isolar os objetos excepcionais nem fazer um
inventário à la Prevert. Ela se exercita em determinar conjuntos significantes
de objetos para reconstituir sistemas culturais, arquiteturais, econômicos,
etc. Hoje, a arqueologia entrou na análise do processo social. Ela deve então
participar de uma política patrimonial ampla e didática que coloca em novos
termos a questão até aqui mal resolvida da preservação e da apresentação dos
resultados da pesquisa. Cada vez mais são feitos esforços para compensar a
inevitável mumificação da museologia clássica, desenvolvendo as exposições
no próprio sítio, respeitando o meio ambiente, o mais próximo das condições
reais. Para os setores particularmente frágeis ou ameaçados, e sobretudo para
os sítios arqueológicos “importantes”, foi desenvolvida uma estratégia de
“santuarização” do tipo daquela das reservas naturais... ao passo que os turistas
podem extasiar-se diante de uma cópia de Altamira ou de Lascaux. Este é o
preço a pagar para que um patrimônio aumentado seja oferecido ao maior
número nas piores condições.
dados, etc. Mas na maioria das vezes trata-se apenas de técnicas emprestadas a
outras disciplinas, mesmo se elas são eventualmente objeto de desenvolvimentos
metodológicos em relação com a arqueologia. Este é o caso da palinologia ou da
teledetecção. Este arsenal técnico e tecnológico, freqüentemente de muito alto
nível e bem dominado, permitiu o desenvolvimento de um notável sistema de
medidas. Mas a “arqueometria”, por mais sofisticada e eficiente que seja, não
pode fundamentar a arqueologia agrária sozinha, tal como o demonstraram,
há várias décadas, as tentativas de metrologia sistemática e cega das estruturas
agrárias por historiadores e geógrafos.
Aliás, é preciso que os arqueólogos superem suas querelas bizantinas,
emirjam das disputas cronológicas e transcendam suas tipologias ao atribuir a
si mesmos um sentido na história. Saber se a arqueologia pode se tornar uma
ciência completa escapa a este propósito inicial. Esta questão deve ser remetida
aos arqueólogos e à sua estratégia a respeito da história e dos historiadores. Vista
do exterior, a arqueologia e a história participam de um mesmo procedimento
científico, mesmo se seus objetos e sobretudo suas ferramentas diferem. Trata-
se de olhares específicos, mas complementares, para uma mesma realidade. A
verdadeira coerência, a única que coloca dúvida, é a do patrimônio agrícola e
rural, da evolução das sociedades e dos espaços rurais. Esta problemática está
relacionada com a história, mas uma história revisitada e aumentada por uma
arqueologia que evolui além de sua própria tecnicidade.
“Archeology as anthropology?”
(L.R. Bindford)
8 M. BECKER, 1981. in Le Hêtre (sob a direção de E. Teissier du Cros). INRA, Paris, 612 p.
9 P. DUPONT, 1962. La Flore atlantique européenne. Introduction à l’étude du secteur ibéro-
atlantique, Toulouse, 414 p.
10 O termo “monte”, em espanhol, tem o significado um tipo de terreno com espécies florestais não
sujeito a atividade agrícolas, podendo servir de área de proteção, cumprir funções ambientais, recreativas
etc. [N.T.]
11 Trata-se dos “portos de montanha”, que correspondem a estrada ou caminho utilizado para atravessar
uma montanha ou área montanhosa. [N.T.]
12 Tipo de associação vegetal xerófita típica de locais pedregosos e ensolarados. [N.T.]
13 Pesquisa histórica não-publicada realizada por J.-P. Amalric, professor de História Moderna
(Universidade Toulouse-Le Mirail).
188 Apogeu e declínio de um geosistema silvo-pastoril
Um neo-geossistema silvo-pastoril
Geofácies silvo-pastoris
19 O primeiro número indica o estrato (de 0 a 7); o segundo, a abundância-dominância por estrato (de
0 a 5).
Apogeu e declínio de um geosistema silvo-pastoril 191
FIG. 1
Repartição da carga pastoril por ambientes e por estações
(tendência geral desde, pelo menos, o século XVIII)
1. Formações abertas e pastadas. – 2. Mata e floresta. A grande flecha representa, esquematica-
mente, o sistema de “cañadas”, “veredas” e “cordeles” (CRL: Cañada Real de León; cc: Cañada
Cerverena). Ambientes: HC: Altas Cristas – PM1: “Puertos de las merinas” (pastagens supra-
florestais), em substrato silicoso. – PM2: Idem em substrato calcário. – H1: Faial de montanha
acidófilo úmido. – H2: Faial de montanha calcícola mesófilo. H3: Faial de montanha calcícola
relictual. – ps: Plantação de pinheiro silvestre (século XVIII ?). – cp: Carvalhal de montanha
da espécie Quercus pyrenaica. – B: “Braña” (landes acidófilas). – G: Garrigue de montanha
(Caragana frutex em substrato calcário). – M1: Matagal de carvalho-verde, em substrato cal-
cário. – M2: Idem em substrato silicoso.
Estação de percurso: para a grande transumância: P, E, A, H; para as criações locais: p, e, a, h
(primavera, verão, outono, inverno).
192 Apogeu e declínio de um geosistema silvo-pastoril
FIG.2
Funcionamento espacial do geossistema agro-pastoril (1960-1980)
1. Progressão do carvalho da espécie Quercus Pyrenaica em moitas, matagais e taillis. – 2. Pro-
gressão do pinheiro silvestre. – 3. Degradação em curso das matas e florestas pelas pastagens.
Entretanto, não devemos ter muitas ilusões. Se estas pesquisas não estão
mais hoje contra a correnteza, elas nem por isso são menos marginais. O problema
é de fato muito mais amplo e de natureza institucional. Por um lado, o lugar desta
geografia física renovada não é muito confortável no centro de uma disciplina
que se “sociologiza” desastradamente. Além disso, a associação tradicional entre a
história e a geografia perdeu muito de sua credibilidade por não ter desenvolvido
problemáticas e metodologias comuns, enquanto tudo a justifica e deveria acomodá-
la no campo da pesquisa e ainda mais no do ensino, do “primário” ao “superior”. É
preciso saudar a este propósito o trabalho de reflexão conduzido pelo inspetor geral
Pierre Desplanques e sua equipe, que propõem uma nova maneira de “ensinar a
geografia” em simbiose com a história.
Este colóquio demonstrou que os historiadores ruralistas não hesitam em
apelar para a geografia física para participar do novo impulso de sua disciplina. Por
sua vez, a geografia física tem, mais do que nunca, necessidade dos historiadores para
desenvolver com eles pesquisas sobre os meios ambientes das sociedades e sobre as
paisagens que estas produzem e imaginam. O paradoxo não estaria no fato que esta
geografia física de inspiração ecológica e ambiental encontra-se certamente muito
mais próxima das problemáticas históricas, e muito especialmente da história rural,
do que a disciplina geográfica no seu conjunto?
1 Jérôme BONHÔTE. Forges à la catalane et évolution forestière dans les Pyrénées de la Haute
Ariège. Pour une histoire de l´environnement. Thèse de doctorat, Université de Toulouse-Le Mirail,
1992, 425 p.
Serge BRIFFAUD. Naissance d´un paysage. La montagne pyrénéenne à la croisée des regards XVIe-XIXe
siècles. Association Guillaume Maurin – Archives des Hautes Pyrénées – Tarbes, 1984.
Aline DURAND. Les paysages médiévaux du Languedoc (Xe-XIIe. Siècles). Presses Universitaires
du Mirail, 1998, 447p.
198
aspectos, em uma situação análoga àquela que ela conheceu, em torno dos
anos 60, quando apareceu a noção de transformação do território. A ambição
tinha sido desmedida: fazer da geografia a “ciência da transformação”. Foi
preciso diminuir as pretensões. Mas a experiência foi salutar e a geografia é
hoje amplamente reconhecida nesse campo.
coisas não rolam mais sobre carretéis, fala-se de crise ou de catástrofe, tanto mais
que esses fenômenos se desenvolvem e interferem em um mundo que sabemos
finito, com um futuro no mínimo incerto. Então, o antropocentrismo egoísta
se apaga, sem contradição aparente, diante de um ecocentrismo universalista
que pode se tornar da mesma maneira radical... e igualmente ridículo. É assim
que o meio ambiente, tal como um conceito flácido, balança, em princípio,
entre dois extremos.
É preciso, então, ver a gestação de uma nova ideologia nessa tomada
de consciência da fragilidade e da finitude do mundo? No mínimo, vemos o
fim das ideologias de “progresso”, positivas e otimistas, marxistas ou liberais,
que acompanharam e incensaram a revolução industrial. E no melhor caso,
o nascimento de uma ética de base científica, mas que nem por isso deixa de
ser, inevitavelmente, o vetor de ideologias incontroláveis e contraditórias,
hiperprogressistas ou sobretudo ultraconservadoras, à imagem dos ecologismos
políticos tentados por todos os extremismos. Não devemos, por cientifismo, ou
por angelismo, considerar a pesquisa ambientalista fora de seu... meio ambiente
ético e metafísico, como se pudesse facilmente expurgá-la de alguns de seus
impulsos místicos. Não se faz meio ambiente sem consciência e o aspecto
político nunca está muito afastado.
uma metaciência que vem superar todas ou parte das ciências da sociedade e da
natureza. As chamadas “ciências do meio ambiente” não são nunca mais do que
reagrupamentos interdisciplinares circunstanciais em torno de um programa
de pesquisa, fundamental ou finalizado, de uma perícia ou de uma formação
pedagógica (DEA, Escola Doutoral, etc.). O meio ambiente não corresponde
a um novo objeto, complexo, que se acrescentaria aos objetos científicos mais
“simples” já reconhecidos e às suas respectivas ciências.
O meio ambiente é, acima da interdisciplinaridade, a consideração
global de fenômenos conhecidos ou desconhecidos e o estudo privilegiado
de suas interações. Superando a divisão das ciências positivas, ele encontra
a unidade do que é vivo e a unidade do planeta. Não há meio ambiente sem
sistêmico. A noção de meio ambiente é essencialmente funcional e ampla...
aí incluído o funcionamento das “caixas pretas”!
Ao incitar os cientistas a colaborarem entre si e as ciências da natureza
a se associar com as ciências da sociedade, a pesquisa em meio ambiente
ultrapassou um patamar epistemológico importante e lançou os fundamentos de
uma nova maneira de pensar as ciências em um dado contexto social. O saber
científico adquiriu aí uma nova configuração e uma nova dimensão. Certos
filósofos vêem nisso a passagem de um “contrato social” para um “contrato
natural”. “A história global entra na natureza, a natureza global entra na
história: aí está algo inédito na filosofia” (Michel Serres). Aí está também o
inédito na geografia!
natural. Ele é então um produto de interface que é preciso tratar como tal.
Ora, os conceitos utilizados para apreendê-lo se originam geralmente ou das
ciências do homem e da sociedade, ou das ciências da vida e da terra. O diálogo
desanda freqüentemente para a cacofonia. Há muita confusão no manuseio
dos conceitos e até na linguagem mais comum. O meio ambiente deve cuidar
de seu vocabulário. A geografia, mais do que outras disciplinas, tem o hábito
de manusear conceitos “mistos” na encruzilhada de campos semânticos e
disciplinares: meio social, limitação, crise, meio, paisagem, potencialidade,
recurso, etc. A pesquisa ambiental deve se prestar urgentemente a um
esclarecimento semântico que deve assegurar, com prioridade, o domínio de
mecanismos conceituais tirados ainda muito freqüentemente da analogia e do
reducionismo.
em abrir a geografia a dois campos de pesquisa que ela domina mal: o biológico
e o sensível, sem os quais não se pode falar seriamente de vida e de qualidade
da vida.
BIBLIOGRAFIA
TERCEIRA PARTE
A PAISAGEM:
IRRUPÇÃO DO SENSÍVEL NO CAMPO
DO MEIO AMBIENTE
“O campo de oliveiras
se abre e se fecha como um leque.”
Federico GARCÍA LORCA
Por que debater ainda sobre a banal paisagem? Trata-se, por escrúpulo
disciplinar, de preservar o objeto antiquado que é, ao mesmo tempo, o cenário
de uma geografia confinada? Trata-se de submeter-se à onda ecológica que
invade a análise social? Ou de responder a uma pergunta ainda confusa e
ambígua e a novas questões sobre as relações que a sociedade mantém com o
espaço? Trata-se de refletir sobre um dos aspectos das relações entre natureza
e cultura no centro da combinação social? Ou, então, de atacar uma noção
ideologicamente opaca, aproveitada e aviltada pelo discurso dominante das
mass media e pela prática tecnocrata? O problema da paisagem está centrado
hoje em todas estas questões e muitas outras ainda. Todas estas interrogações e
todos estes elementos díspares são na verdade indissociáveis, mas, por enquanto,
inextrincáveis.
A questão da paisagem parece freqüentemente o tipo do debate
impossível, até um falso debate. Futilidade científica, no entanto, existência
material e cultural quotidiana e inelutável. Uma contradição que justifica, por
si só, este esboço metodológico. Por que a paisagem terá sido esvaziada tanto
da problemática social quanto da problemática naturalista? É bem verdade que
a paisagem não é responsabilidade de nenhum especialista, e é menos ainda
uma disciplina científica constituída. Não existe uma “ciência da paisagem”, no
sentido amplo do termo. E sem dúvida jamais haverá. Seria preciso considerar a
existência de um procedimento específico? Mas com qual finalidade? A partir
de qual axiomática e com qual metodologia?
A dialética da paisagem
7 E. MORIN (10)
8 L. von BERTALANFFY (1).
A paisagem entre a natureza e a sociedade 219
geographers” localizam na maioria das vezes seus pólos e seus fluxos de atividades
em espaços geométricos e desnaturados.
As noções de espaço vivido e de espaço percebido não podem
pretender cobrir o conjunto do fenômeno cultural, este “filtro da civilização”,
segundo P. Gourou, cuja análise exige uma projeção histórica que apenas os
etnólogos souberam realizar, ao estudar pequenas comunidades humanas que
exploram diretamente um meio bem circunscrito 11.
A inter-relação objeto-sujeito
A paisagem é um sistema...
se sabe, que é feito, deve ser feito, que é vivido quotidianamente: tal limite
arraigado e invisível, mas que não devemos transgredir, materializa tal relação
de força no interior do grupo social, tal tabu espacial, tal projeto de cultura ou
tal esperança de colheita. O observador, o turista ou o pesquisador científico
podem, do exterior, apreender algo além de formas ricas, porém mudas?
A paisagem em cena
Os cenários complexos
O Sidobre em cena
Fig. 1
Do Sidobre granítico aos “outros Sidobres”.
Os subsistemas sidobreanos e a concorrência por espaço.
234 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
12 R. NAUZIÈRES (1905). A citação exata (p. 40 da primeira edição) refere-se apenas ao Pic des
Fourches; estendemos seu sentido ao conjunto do Sidobre.
O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia 235
Fig. 2
Localização e extensão do Sidobre.
1 – Cantão. 2 – Comuna. 3 – Batólito granítico
19 “Biens de village” são pequenas parcelas de terra, ao redor das cidades, destinados a cultivos
específicos, como hortaliças, uva etc. [N.T.]
O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia 237
b. – A “peiro”20
A utilização e produção do granito constitui uma tradição, com é
testemunhado pela arquitetura local e alguns instrumentos agrários (cilindros,
pedra de amolar, cochos etc.) “No próprio Sidobre, o granito foi utilizado para
a construção: as escadas, as plataformas e os parapeitos, os enquadramentos de
janelas, as pias, foram feitos de granito talhado. E algumas cercas eram feitas
de placas de granito instaladas verticalmente”21 . O granito sidobreano, a peiro
(existem muitas variedades) é um material duro e quebradiço, heterogêneo, com
estrutura orientada e é mais ou menos alterado em superfície. Ele se apresenta
em formas arredondadas de várias centenas ou milhares de toneladas ou em
forma de lajes que afloram nas vertentes. Ele é difícil de ser cortado e seu
emprego é relativamente especializado. A história do artesanato sidobreano é,
portanto, estreitamente dependente do progresso técnico e do escoamento.
Fig. 3
Ascensão demográfica das comunas de dominância graniteira
Retomada do crescimento da população de Lacrouzett (4) e Saint-Salvy (6) e, mais recentemente, de
Burlats (1), onde se explorou mais tardiamente o granito azul. Diminuição nas comunas agrícolas de
Ferrières (3) e de Bez (2). Vabre (7) perdeu quase toda atividade econômica desde o fechamento da
última indústria têxtil; Roquecourbe (5) é uma pequena vila industrial ativa (malharia “reconvertida”).
20 “Peiro” ou “peyro” é uma palavra da língua occitana que significa “pedra”. [N.T.]
21 A. ARMENGAUD (1975) a quem agradecemos de nos ter fornecido um trabalho inédito.
238 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
sem que eles chegassem a uma explicação satisfatória. Depois de ter visto ali
os traços incontestáveis do Apocalipse e do Dilúvio, foram descobertos alguns
tipos de megalíticos: “as pedras quase suspensas, se não fossem uma combinação
druídica37 , serviriam sempre a algum julgamento de Deus”38 . Em meados
do século XIX, temos, com Massol, uma primeira interpretação geológica: “a
terra do Sidobre, ficando mais leve, foi levada pelos ventos e chuvas, e... os
rochedos, desnudos, rolaram no precipício”39. Em 1879, o geólogo Caravin-
Cachin surge com a hipótese de uma origem glacial: um Sidobre recoberto por
uma gigantesca moraina 40. O geógrafo Emmanuel de Martonne, aparentado
da burguesia de Castres pela família de Paul Vidal de la Blache, seu sogro, passa
férias no Sidobre, na propriedade da família de Ruscayrolles e faz, em 1927,
uma primeira interpretação coerente do modelado local.
“Em geral, por todas as partes, a rocha granítica é recoberta por
areia grosseira, exceto sobre as vertentes abruptas de desfiladeiros profundos...
como ao do Agout, no Sidobre. Observa-se também blocos arredondados que
aparecem, às vezes, nas alturas formando agrupamentos pitorescos... ou no fundo
de certos vales onde a torrente desaparece, reaparecendo sob o amontoado de
blocos de rochas (“compayrés” do Sidobre). Trata-se, evidentemente, de partes
que teriam resistido à decomposição isolada pela corrente d’água e acarretou o
aparecimento das areias grosseiras... O afloramento destes pela corrente d’água,
chegando a deixar blocos encavalados, pode ter ocorrido sob um clima mais
úmido que o atual, no Quaternário. A retirada do “chaos” do fundo do vale
sempre ocorreu por rupturas da encosta devido ao rejuvenescimento de um
novo ciclo”.
Graças a duas páginas do Tomo 1 do Tratado de Geografia Física,
a uma fotografia e a um croqui, o modelo granítico do Sidobre, seus blocos
arredondados e seus “compayrés” entraram na literatura geográfica41 .
Mas esta primeira demonstração científica parece ter sido ignorada
no âmbito local. A exploração do granito tem ocorrido sem nenhum apoio
da prospecção geológica e da análise geomorfológica. No plano turístico e
cultural, é a exploração morâinica que prevaleceu, devido a audiência regional
de Caravin-Cachin e, talvez, devido ao mito da erosão glacial fazer parte da
cultura escolar burguesa. A pesquisa científica não contribui em nada para os
sidobreanos e ninguém parece se preocupar com isso.
42 E. GRILLOU (1957). 1948: primeiras serras de fio helicoidal com abrasivos (grãos de ferro
fundido, carbureto de silício, corindo); 1953: serra com disco diamantado; 1955: utilização dos primeiros
diamantes sintéticos. A velocidade horária da serra que era de 4-5 cm em 1948, passa a 8-10 cm em
1964 e mais de 30 cm em 1970. Não apenas se trabalha mais rápido, mas se pode também trabalhar
com o granito azul, mais duro que o granito cinza.
248 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
QUADRO 1
HIERARQUIA DAS EMPRESAS SEGUNDO O NÚMERO DE AS-
SALARIADOS
(Fonte: Pesquisa CIMA, 1970-1974)
Um exemplo de comercialização.
As vendas dos Estabelecimentos T. durante o ando de 1957
certo orgulho; todavia, agora existe concorrência. As lutas para o controle das
municipalidades não são menos intensas e ocorrem algumas crises. Contudo,
nenhuma prefeitura escapa jamais, direta ou indiretamente, do poder graniteiro.
Com a exceção de alguns conflitos restritos, rapidamente sufocados, a sociedade
sidobreana apresenta falsas aparências de unanimidade. Existem fracassos,
abandonos, mas nunca falências oficiais devido aos “arranjos” familiares ou
outros atos. Ao mesmo tempo, as diferentes empresas são concorrentes e
comercializam por sua própria conta em toda a França e no estrangeiro. A
expansão e o enriquecimento possibilitam estas contradições. A economia
graniteira corresponde àquela de uma frente pioneira capitalista empreendedora,
dilapidadora e que nunca experimentou um fracasso econômico. Não obstante,
o fracasso existe no próprio seio do sistema graniteiro: a gestão do espaço conduz
à degradação irreversível do patrimônio ecológico, cultural e, em longo prazo,
econômico.
A “caça às pedras” tinha acabado por volta de 1940, mas foi preciso
chegar 1950 para que se abrissem as primeiras minerações. Passou-se a atacar
desordenadamente a base do granito e não mais os blocos arredondados de
superfície. A técnica de exploração evoluiu rapidamente com a utilização de
tratores-esteira. Por razões de produtividade e de custos de exploração, evita-
se cavar abaixo de 4 a 5 m de profundidade, devido atingir o lençol d’água.
Até 1970, as minerações continuaram de tamanho modesto, limitados pelo
parcelamento das propriedades, e as frentes de lavra se restringiam a algumas
dezenas de metros de extensão. A abertura de uma jazida de granito constitui
um risco, uma vez que não existe nenhuma prospecção científica prévia, além
do embasamento granítico, desigualmente fraturado e alterado, possuir uma
heterogeneidade muito grande. A busca às cegas do “bom” granito por meio de
trator-esteira conduz ao massacre da “cobertura viva” (vegetação-solo-fauna-
manto de alteração) que é arrancada, raspada e despejada em diversos fundos de
vale. O trabalho de exploração propriamente dito não é nem um pouco mais
cuidadoso: escombros acumulados o mais rápido e o mais próximo possível, sem
reservar a terra vegetal e as areias superficiais; minerações abandonadas abertas
e desnudas, contaminadas por carcaças de máquinas. Minerações se abrem a
alguns metros de áreas reservadas (“chaos” de La Rouquette). Não obstante,
sua implantação depende de autorização da prefeitura, o que, até por volta de
1970, tratava-se, geralmente, de uma mera formalidade. A classificação ou o
cadastro no inventário das áreas, que leva em conta apenas a proteção pontual
de rochedos ou de parcelas, em vez de considerar o conjunto do ambiente,
é pouco eficaz. As minas de extração não representam apenas uma perda
do potencial ecológico e uma poluição estética; ela introduz uma poluição
sonora (detonação de minas, maquinários) e uma poluição mecânica das águas
correntes (transporte de partículas em suspensão). J. Raynaud faz um inventário
cartográfico das minerações em 1970. Se o Sidobre setentrional é preservado,
todo o setor meridional é amplamente aberto e degradado.
252 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia 253
254 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia 255
256 O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia
No alto, à esquerda: áreas de brejo com lande em La Plancardié; à direita: campos em Brugu-
eyroux.
Abaixo, à esquerda: “chaos” de La Rouquette; à direita: Ferrière Haute.
(Desenhos de André BERTRAND, 1977-1978; versos de G. GABAUDE, 1966)
O Sidobre (Tarn): esboço de uma monografia 257
e. – A solidão do pesquisador
e. – Os próximos Sidobres...
BIBLIOGRAFIA
contigente não é geográfico (3). Em toda sua glória, a geografia regional francesa
passa ao lado da grande mutação paisagística do início do século XX.
Aquilo que era a “nova geografia” dos anos 1970 rejeita a paisagem
como um resíduo ou uma ressurgência da geografia descritiva, subjetiva,
“ruralista” e conservadora. Estes são, portanto, os mesmos que descobrem
atualmente o filtro sociocultural da percepção e que trabalham sobre os
espaços vividos e percebidos. Mas é sensato retomar a existência do país e
do território e levar em conta, em alguma parte, sua dimensão paisagista? O
principal bloqueio parece proceder de um reflexo cientificismo e economicista
que subentende numerosas atitudes científicas. Portanto, o trabalho de A.
Fremont demonstra que a subjetividade mais avivada de certas descrições
paisagísticas não levanta obrigatoriamente uma ideologia subjetivista quando
ela se inscreve em um projeto científico de geografia social. Viver no país é
tambem viver numa paisagem, sonho acordado e maravilhado. Atualmente, a
paisagem e as pesquisas que ela supõe não são mais marginalizadas. Hérodote et
l’Espace géographique abrem suas colunas e R. Brunet lança um debate sobre
a semiologia da paisagem (23).
Estas observações são decepcionantes. Elas não são descorajantes.
Primeiro, a paisagem está aqui, enraizada no coração da natureza e do social,
no coração das relações sociais, inevitávveis. Ela não se vive antes de se
estudar. É um paradoxo vivo e a polissemia é sua razão de ser. Ela não precisa
ser eliminada. Mas todo pesquisador tem a tarefa de elaborar, de seu “ponto de
vista” científico, um conceito paisagístico que não será jamais um “modelo”
entre outros “modelos”. Absorvidos nos problemas (reais) de descrição, de
perspectiva, de imagens e de percepção, os geógrafos franceses não souberam
elevar o debate para colocar a paisagem na problemática geral que não pode
ser, para a geografia, senão social. A “paisagem geográfica” é inconsistente e
286 Os geógrafos franceses e suas paisagens
triste. Ela não é uma ferramenta de conhecimento das relações sociais e ainda
menos um fenômeno de cultura geral. Géo não é uma revista de geógrafos.
À base da análise paisagística, não há somente a percepção, mas toda
a teoria da informação considerada aqui na sua dimensão social: “codages”
sociais, transmissão e memorização sociais, modo de produção e de reprodução
do processo paisagístico. Peso social e histórico da paisagem, histerese coletiva,
desigualdades para o acesso, a leitura e o uso da paisagem que participam das
estratégias e das lutas sociais. A paisagem é bem isto que a gente vê, mas a gente
não a vê jamais diretamente, a gente não a vê jamais isoladamente e a gente
não a vê jamais pela primeira vez. A paisagem está no espelho da sociedade.
Os geógrafos, entre outros, devem refleti-la.
BIBLIOGRAFIA
9 – J.C. WIEBER, Dynamique érosive et structure des paysages. Thèse d´État, Paris
VII, 1977. Th. Brossard, J.C. Wieber. « Essai de formulation systèmatique d´un mode
d´approche du paysage », Bull. Ass. Géogr. Fr.,Paris, 1980, nº 468, p. 103-111. G.
Fumey, Des usages du mot paysage à la formation d´un concept, Thèse 3e. Cycle,
Besançon, 1983, 219 p. (Institut de Géographie, Université de Franche-Comté, 30
rue Mégevand, 25030, Besançon Cedex).
10 – F. MORAND, ERA 426 du CNRS, 20 Avenue des Bleuetes 91300 Massy.
11 – J.M. PALIERNE, « La notion de paysage en géographie est-elle un faux problème ?
» Norois, nº 62, 1969, 8 p. G. Houzard, Les Massifs forestiers de Basse Normandie, Thèse
d´État, Caen, 1980. (Département de Géographie de Caen, 14032 Caen Cedex).
12 – M. BRUNEAU, « Le concept de paysage », Actes du Colloque Géopoint, 1978,
4 p.
13 – A. JOURNAUX, Carte de l´Environnement au 1/50 000, Caen. J.-P. Bravard,
La Chautagne, Institut d´Études Rhodaniennes, 1981, 182 p. (Institut d´Études
Rhodaniennes LA 260 du CNRS, 74, rue Pasteur, 69007 Lyon).
14 – Voir L´Espace géographique nº 4, 1972, e nº 2, 1974.
15 – J.L. KRETZ « La production du paysage rural », CERT EDF., Stage 8804, 1979,
7 p.
16 – G. ROUGERIE, Les Cadres de vie, PUF, SUP, 1975, 264 p.
17 – Ch. BLANC-PAMARD et J.-P. RAISON, « Paesaggio » (estratta da Enciclopedia),
Inaudi, 10, Torino, 1980. Ch. Blanc-Pamard, Le Paysage comme référence commune
du scientifique et du paysan, 50 p. Laboratoire de Sociologie et de Géographie africaine
LA 94 du CNRS, 131, boulevard St-Michel, 75005 Paris.
18 – G. SAUTER, « Le paysage comme connivence », Hérodote, Maspero, Paris, nº
16, 1979, p. 40-66. (Adresse : cf nº 17).
19 – A. FRÉMONT, La Région espace vécu, Paris, PUF, SUP, 1976, 223 p. A.
Frémont, « Les profondeurs des paysages géographiques. Autour d´Ecouves », L´Espace
géographique, Paris, Doin, nº 2, 1974, p. 120-137.
20 – S. RIMBERT, Les Paysages urbains, Paris, A. Colin, 1973, 240 p. (Dynamique
des espaces géographiques. E.R.A. 214, Université de Strasbourg 1 ; 12, rue Goethe
67000, Strasbourg).
21 - Cf. note 9.
22 – Les Territoires de la vie, Colloque Géopoint, Avignon, 1982, 442 p.
23 – Écologies Géographiques, numéro spécial Hérodote. Paris, Maspero, nº 26, 1982.
R. Brunet, « Analyse du paysage et sémiologie. Éléments pour un débat », L´Espace
géographique, Paris, Doin, nº 2, 1974, p. 120-126.
Ver: J.R. PITTE, Histoire du paysage français, 1983, Paris, Taillandier, 2 tomos (203 e
238 p.). É uma contribuição essencial à análise da paisagem geográfica considerada como
uma realidade cultural que liga felizmente a hisória das paisagens urbanas e industriais
àquela das paisagens rurais. Essencialmente descritiva e curiosamente desprovida de
dimensão ecológica.
288
não seja desejável na medida em que ela contribuiria para isolar a paisagem dos
outros aspectos do meio ambiente. O bate-boca sobre a paisagem que grassa há
mais de uma década na França favoreceu o desenvolvimento de um paisagismo
muito estetizante, tão indefinido quanto ambicioso e que submete a paisagem
à boa-vontade de alguns. Os estudos de paisagem marcam passo. Foi assim que
o Ministério do Meio Ambiente e da Transformação do Território lançou em
1998 e 1999 um programa de pesquisa para incitar os pesquisadores a avaliar
as políticas públicas que consideram, direta ou indiretamente, as paisagens
francesas atuais e seu futuro.
Sobre essas bases díspares e frágeis, lançamos uma tentativa de
“quadratura” científica da paisagem. Este termo é utilizado aqui sob com dupla
acepção: geométrica e pictural (“quadratura”). Ele reforça, ao mesmo tempo, a
ambição do projeto, apreender a paisagem na sua complexidade, e sua modéstia,
na medida em que sabemos antecipadamente que ele não revelará nunca toda
a combinação paisagística.
A análise da paisagem proposta se baseia em uma grade de leitura
com quatro entradas (ou verbetes?):
– os locais paisagísticos que são um conjunto de corpos materiais
(árvore, muralha, colina) definidos por seu volume, suas propriedades bio-físico-
químicas, seu agenciamento e seu funcionamento (sobre a base do método do
geossistema);
– os atores da paisagem, individuais ou coletivos, atuais ou passados,
endógenos ou exógenos em relação ao território considerado, com sua carga
de memória patrimonial;
– os projetos de paisagem que exprimem o tipo de relação entre os
lugares e os atores e que podem ser tanto contemplativos quanto econômicos
(passantes, empreendedores, etc.);
– os tempos da paisagem que combinam o tempo linear “histórico”,
aquele das sociedades humanas como aquele da natureza, com o tempo circular
das estações (fenologia e sucessão dos “estados” paisagísticos).
Esta grade de leitura permite conceber uma espécie de modelo de
interpretação da paisagem composto de dois subconjuntos:
– um subsistema “cultural” baseado nas percepções e representações
paisagísticas que deve revelar a diversidade e do cruzamento dos olhares sobre
um mesmo território. Ele permite, em particular, evidenciar as questões, as
contradições e os conflitos que nascem em torno da paisagem. Os olhares não
são todos iguais; eles se hierarquizam em função de um modelo dominante
fortemente mediatizado.
– Um subsistema material que propõe uma análise dos objetos da
paisagem, com suas características biológicas ou físicas, sua organização espacial
e seu funcionamento histórico.
A confrontação permanente entre estes dois subsistemas, com
diferentes escalas de tempo e de espaço, permite analisar a sinergia do complexo
paisagístico e evidenciar as disfunções internas, retroações, inércias e defasagens,
A paisagem ou a irrupção do sensível nas políticas de meio ambiente e de 293
transformação de território
Isto significa que a paisagem tal como ela é apreendida hoje, mesmo
se lhe reconhecemos raízes eruditas dentre as quais algumas, e não as menos
importantes, são de origem geográfica, não está na mira dos geógrafos clássicos.
A paisagem contemporânea, de raízes múltiplas e contraditórias, participa do
forte movimento ecológico-ambiental que agita as economias tanto quanto as
sensibilidades. Ela faz parte da ideologia dominante e é fortemente sustentada
pela profusão das imagens e onipresença das mídias visuais. Esta paisagem não
pertence a ninguém e todos a reivindicam com razão: paisagistas, arquitetos,
artistas, historiadores, agrônomos, geógrafos. Sem esquecer sua novíssima
dimensão jurídica: desde 1992, a paisagem entrou na lei francesa, aplicável a
todos, no menor POS ou permissão para construir.
Exaltar a polissemia
Da monografia ao sistema
QUARTA PARTE
O SISTEMA GTP
(Geossistema, Território, Paisagem)
O RETORNO DO GEOGRÁFICO?
Jean Giorno
307
O GEOSSISTEMA: UM ESPAÇO-TEMPO
ANTROPIZADO
Esboço de uma temporalidade ambiental
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Eis um ponto essencial e longe de ser resolvido. Ele atinge até mesmo
a credibilidade da análise de sistema tal como a praticamos. Há confusão, leia-se
contradição entre, de um lado, a dinâmica interna de um sistema responsável
por seu funcionamento e por sua resiliência e, de outro lado, a evolução do
sistema em si. Esta última corresponde, com efeito, a uma mudança de processo,
portanto, de sistema. Onde colocar um limite e como definir as condições
da mudança? Por exemplo, a relação lande-floresta não é tão simples quanto
parece, como tem mostrado, desde muito tempo, A. Baudière no Maciço do
Caroux (Maciço Central, França).
Como avaliar o equilíbrio ou o desequilíbrio de um sistema
sem conhecer a periodização em longo prazo? Os pares reversibilidade-
irreversibilidade e “renovabilidade-não-renovabilidade” tem sentido apenas
num “passo de tempo” preciso e, de todo modo, eles têm apenas um valor
relativo em sistemas ambientais em perpétua evolução. Por exemplo, a
“durabilidade” das formações arbóreas abertas de Juniperus thurifera que
se intercalam entre os faiais atlântico-montanos e as florestas de Quercus
ilex (carvalho-verde) mediterrâneo-continental da vertente sul-cantábrica
(Espanha) foi comandada por temporalidades diferentes. Formados no fim
do terciário, estes juniperais são, portanto, pré, ou pelo menos, sinorogênicos.
Eles resistiram às fases glaciais e, mais diretamente, perigraciais. Desde o
século XVI, eles são paradoxalmente mantidos pelas sobrepastagens da Mesta
e, atualmente, ameaçada pela retomada de uma vegetação sub-ocupada pelo
gado (C. e G. Bertrand, 2000).
320 A discordância dos tempos
Um catastrofismo atemporal
A paisagem-território
indispensáveis. Elas não são suficientes. Além disso, elas podem desnaturar
o projeto paisagístico; os fracassos, até mesmo as catástrofes, não faltam no
terreno da prática.
Consideramos aqui que a paisagem é parte de um todo; este todo
sendo o território em amplo sentido. Assim concebida, a paisagem não é
apenas a aparência das coisas, cenário ou vitrine. É também um espelho que
as sociedades erguem para si mesmas e que as reflete. Construção cultural
e construção econômica misturadas. E sob a paisagem, há o território, sua
organização espacial e seu funcionamento. O complexo território-paisagem é
de alguma forma o meio ambiente no olhar dos homens, um meio ambiente
com aparência humana.
Sob esta acepção, ao mesmo tempo global e finalizada, a paisagem
aparece ao mesmo tempo como objeto e sujeito. Ela é o objeto-território na
sua materialidade de mar ou de montanha, de cidade ou de campo. Ela é, ao
mesmo tempo, sujeito, nascido no olhar voltado para o território com sua carga
emocional e toda sua profundidade humana. E um mesmo território só se torna
paisagem através do cruzamento de olhares múltiplos, a partir de fenômenos
sensoriais e cognitivos compartilhados. A paisagem é sensível onde ela não o
é, com sua parte de sentimentos, até de sentimentalidade. Quase sempre há
um toquezinho romântico e pitoresco, mesmo se o negamos. Das ramblas de
Barcelona aos lagos de Aigüestortes, do porto de Empúries aos rochedos de
Montserrat se desdobra uma paisagem que é a identidade e o patrimônio de
todo um povo. Não há paisagem fora da cultura.
Compreendemos aqui porque os pesquisadores hesitaram tanto
diante de tantas materialidades e “valores” acumulados. Freqüentemente,
eles se contentaram com um discurso paisagístico lenitivo e desordenado que
permanece na superfície das coisas. As impressões do momento e as descrições
instintivas fazem parte do processo paisagístico e, sobretudo, não devemos
negligenciá-las. Elas não se bastam. Quanto à análise paisagística, ao custo
de certo peso, deve ser um aprofundamento sem fim dos conhecimentos,
e especialmente desta interação entre elementos considerados diferentes,
até disparates e contraditórios: biofísicos e sociais, econômicos e culturais,
patrimoniais e prospectivos, que combinados sobre um mesmo território, fazem
nascer a paisagem na sua aparente banalidade quotidiana.
Tudo deve ser retomado da base. É claro que não se trata de
inventar tudo. Por outro lado, é preciso remodelar e hierarquizar para dar uma
existência crível à paisagem, e trazer elementos indispensáveis para a gestão
do meio ambiente e para o desenvolvimento dos territórios. Não apenas uma
questão de método. No começo, há a reflexão epistemológica, depois vem a
teoria estreitamente associada à prática, em seguida o método combinado à
tecnologia. Nós, então, escolhemos propor a elaboração, senão de um paradigma
paisagístico, pelo menos de um paradigma ambiental que deixa um lugar para
a paisagem.
A paisagem e a geografia: um novo encontro? 333
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
O OLHO DO ABUTRE
Da margem à unidade
Eis porque os Pireneus não estão mais lá onde estavam! Você notou,
em certos mapas de atlas, sobretudo nos mais recentes, que o maciço pirenaico,
como se sub-repticiamente, mudou de lugar? Para grande prejuízo do mau aluno
que sabia que, desde sempre e tranqüilamente, “os Pireneus são uma montanha,
no fundo da França, em baixo, à esquerda”. Os Pireneus de fato foram por muito
tempo relegados à beirada de um mapa, representados por apenas uma de suas
vertentes, isto é, em um cenário ou uma ordem nacional, espanhol ou francês.
Quando olhamos os Pireneus de Madri ou de Paris, vemos forçosamente apenas a
metade. Hoje, precisamos apreendê-los globalmente como uma realidade acima
O olho do abutre 349
A montanha mosaico
Paisagens-territórios, paisagens-espelhos
pelas inversões térmicas que os tornam presas do ar frio que não permite as
culturas um pouco delicadas. Cidades maiores ou menores permaneceram por
muito tempo limitadas à baixa vertente ensolarada, com cones torrenciais
estabilizados e saliências rochosas das extremidades das geleiras. Foi somente
a partir do século XIX que a urbanização colonizou estes raros espaços planos,
acompanhando a construção das grandes vias de comunicação e a implantação
de alguns estabelecimentos industriais. Estes rios prolongam, assim, no interior
da montanha, as paisagens urbanas, industriais, amplamente degradadas e
poluídas do piemonte vizinho.
Este mosaico teria apenas um frágil valor de referência se ele fosse
imobilizado fora do ritmo das estações, que anima a paisagem pirenaica e a faz
viver e morrer ao longo de um ciclo anual. Eis-nos aqui presos, assim como todo
caminhante, entre um bom conhecimento das grandes características climáticas
regionais e a verificação frenética do boletim meteorológico quotidiano. Entre
estes dois níveis de informação permanece sempre uma margem de incerteza que
se pode esforçar por reduzir partindo do conhecimento do mosaico paisagístico
e de seu funcionamento sazonal através do que será designado pelo nome de
estados paisagísticos.
Este mosaico paisagístico não é eterno, da mesma forma que não o são
os picos e os canions que, no entanto, parecem desafiar o tempo e o olhar dos
homens. Desde o começo das glaciações do Quartenário, a montanha pirenaica
está em evolução permanente, geológica, climática, geomorfológica, biológica.
Ali, todos os meios são naturalmente, ainda que de forma desigual, instáveis
e sacudidos por catástrofes (torrencialidade, avalanches, abalos sísmicos, etc.)
que são como a respiração entrecortada da montanha.
O impacto das sociedades montanhesas sucessivas só pôde exacerbar
esta fragilidade. Desde a criação das primeiras comunidades agrárias por
queimadas, pastagem e cultura se desenvolvem e acarretam destruições
irreversíveis do solo, da fauna e da flora. No entanto, não devemos esquecer,
como acontece com freqüência, os numerosos canteiros de renovação da
montanha, empreendidos cedo demais e coroados na vertente francesa pelos
trabalhos do Serviço de Restauração de Florestas de Proteção, melhoramento
pastoris). As paisagens pirenaicas são o resultado deste duplo movimento de
destruição e de renovação que se realizou tanto contra a natureza como com
ela e por ela.
Hoje, o mosaico paisagístico está preso em um torno entre, de um
lado, a perda de controle de seu território pela sociedade montanhesa (progresso
dos matos, abandono dos caminhos, dos terraços, da pequena hidráulica) e,
de outro lado, a progressão de uma urbanização multiforme (construções,
vias de comunicação, pistas de esqui). A complementaridade das regiões está
comprometida e cada compartimento de paisagem (cidade, pasto, campos
abertos, floresta, gramado...) evolui a uma velocidade e a uma direção diferentes.
Não se vê, pelo menos por enquanto, serem estabelecidas novas coerências
paisagísticas, especialmente nos setores de total abandono ou de urbanização
muito forte. Uma paisagem não é guardada como um cenário de teatro quando
o espetáculo termina.
Para mudar a face, é preciso mudar o olhar. Os olhares dirigidos até
agora aos Pireneus, quer seja o do transformador ou o do ecologista, permitem
descobrir apenas uma metade da face e fazer como se a outra metade fosse
apenas o avesso vergonhoso. A incompreensão era inevitável.
GLOSSÁRIO
Algumas palavras...
Desde a introdução desta obra (Quais palavras para lhe dizer?) nós
assinalamos a difícil e essencial questão do vocabulário e da linguagem. O meio
ambiente não constitui apenas um campo semântico específico, mas, sobretudo,
nossa pesquisa se iniciou antes da emergência da ecologia científica e do meio
ambiente. Nós temos, pois procedido por empréstimos sucessivos de diferentes
disciplinas na França e no estrangeiro sem poder sempre evitar uma linguagem
analógica, e mesmo reducionista.
A lista das palavras que segue não é, pois, nem o rascunho de um
improvável dicionário (seriam precisos muitos... quando eles existem*), nem
mesmo de um léxico especializado ou de um glossário sucinto. Ela não tem
outra pretensão que esclarecer o leitor que vai reter, ao longo das páginas
desta obra, algumas palavras raras cuja definição não deve sair do contexto.
Os termos fundadores, quase que todos surgidos no curso da pesquisa (meio
ambiente, geossistema e ecossistemas, paisagem, território, equilíbrio e ruptura,
recurso etc.) são definidos, às vezes redefinidos, e muito repetidos no corpo
desta obra.