Você está na página 1de 17

GEOGRAFIA HUMANÍSTICA

Yi-Fu Tuan

Transcrito dos Annals of the Association of American


Geographers, 66: (2), junho 1976. Título do original:
Humanistic Geography. Tradução de Maria Helena
Queiróz.

A Geografia Humanística reflete sobre os fenômenos geográficos com o


propósito de alcançar melhor entendimento do homem e de sua condição. A
Geografia Humanística não é, desse modo, uma ciência da terra em seu
objetivo final. Ela se entrosa com as Humanidades e Ciências Sociais no
sentido de que todas compartilham a esperança de prover uma visão precisa
do mundo humano. Qual é a natureza do mundo humano? As Humanidades
ganham maior esclarecimento desta natureza por focalizarem-se sobre o que o
homem faz supremamente bem nas artes e no pensamento lógico. As Ciências
Sociais adquirem conhecimento do mundo humano pelo exame das
instituições sociais, as quais podem ser vistas tanto como exemplos da
criatividade humana e como forças limitadoras da atividade livre dos
indivíduos. A Geografia Humanística procura um entendimento do mundo
humano através do estudo; das relações das pessoas com a natureza, do seu
comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito
do espaço e do lugar. As relações com a natureza e o comportamento
geográfico são, contudo, também do interesse de outros geógrafos. Por
exemplo, um geógrafo físico examina as relações do homem com o meio
ambiente e um analista regional estuda as "leis da interação espacial". Com o
que pode o geógrafo humanístico contribuir? A questão pressupõe que
saibamos o significado do humanismo e da perspectiva humanística.

1. HUMANISMO

O humanismo parece ter diferentes significados. Erasmo (1466-1536) foi um


humanista, mas também o zoólogo Sir Julian Huxley (1887-1975) o foi. O que
um pensador da Renascença e um cientista moderno têm em comum? Ambos
procuraram alargar o conceito do indivíduo humano. Os pensadores da
Renascença voltaram-se aos estudos clássicos, aos ideais gregos e à ciência
em reação contra as estreitas doutrinas estabelecidas pelo clero. Erasmo, um
padre ordenado pela igreja romana, deplorava a intolerância religiosa do seu
tempo; sua tolerância e vasto conhecimento foram evidência do seu desejo de
expandir o conceito do homem além dos ensinamentos da sua igreja. Isto pode
parecer estranho, mas mesmo no Século XX, um humanista-cientista como
Julian Huxley viu uma necessidade de lutar contra as restrições impostas pelos
dogmas religiosos. Mesmo agora, em algumas escolas, o Gênesis tem maior
peso do que a teoria da evolução biológica.

O uso histórico, então, permite-nos definir o humanismo como uma visão


ampla do que a pessoa humana é e do que ela pode fazer. Uma visão restritiva
ainda existe. Nas universidades é a ciência dogmática ao invés da religião que
agora tende a circunscrever a linguagem apropriada das dissertações
concernentes ao homem. Os humanistas surpreendem-se com esta inversão
dos fatos, onde, o antes liberador torna-se agora censor. O humanismo luta por
uma visão mais abrangente. Os pensadores da Renascença, como Erasmo e Sir
Thomas More, não negavam a doutrina religiosa; eles a achavam insuficiente.
O humanista hoje não nega as perspectivas cientificas sobre o homem;
trabalha sobre elas.

2. PERSPECTIVA HUMANÍSTICA

Qual é a perspectiva humanística? De que maneira a concepção humanística


do homem é mais compreensiva do que a da ciência? Uma resposta é sugerida
verificando as disciplinas acadêmicas que agora estão no cerne das
humanidades. Tais disciplinas são História, Literatura, Artes e Filosofia.
Todas focalizam sobre pensamentos e atos que são unicamente humanos. No
coração da História, por exemplo, estão os eventos. Os eventos humanos
diferem em caráter e finalidade, mas são similares quando mostram a
capacidade humana de iniciar, isto é, de começar novamente. Se é admitido
que o povo pode verdadeiramente iniciar, então eventos tais como a ascensão
meteórica do Islão, a Revolução Francesa, a descoberta da América ou o
materialismo dialético, são largamente impredizíveis. Além da História, a
Literatura e as Artes são as áreas padrões do âmbito humanista. Nas obras de
arte, as experiências pessoais sobre a vida e sobre o mundo são vivamente
objetificadas. Todos os animais são capazes de exprimirem-se e os
chimpanzés podem ser ensinados a pintar, mas a Literatura e as Artes são
especificamente atividades humanas. A própria Ciência é uma manifestação
única da capacidade humana e a natureza da Ciência é de vital interesse para
os humanistas. Fazer Filosofia talvez seja a atividade humana por excelência,
porque sua característica básica é a reflexão. O hábito da reflexão filosófica é
raro entre criaturas não humanas. As pessoas não somente dançam, falam e
pensam, como outros animais também podem fazer, más elas são capazes de
refletir sobre seus atos e avaliá-los criticamente.

Pela perspectiva científica, muitos temas na Sociologia e na Geografia


Humana - tanto o casamento, a territorialidade, ou a arquitetura - são
geralmente reduzísseis àqueles da etologia animal. A perspectiva humanista
focaliza-se sobre as atividades e os seus produtos que são distintivos das
espécies humanas.
3. TEMAS DA GEOGRAFIA HUMANÍSTICA

As abordagens científicas para o estudo do homem tendem á minimizar o


papel da conscientização e do conhecimento humano. A Geografia
Humanística, em contraste, tenta especificamente entender como as atividades
e os fenômenos geográficos revelam a qualidade da conscientização humana.
Usarei o modelo etológico na Ciência para prover o ponto de partida para o
exame da perspectiva humanista. Outros modelos científicos reduzidos do
homem - homem econômico -, por exemplo, podem também servir como
ponto de partida, mas para evitar sobreposição e confusão não os tenho usado.
A sobreposição existe porque todos os modelos científicos do homem
simplificam a capacidade humana de saber, criar e ofuscar. Pode a Geografia
Humanística oferecer um novo modo de enxergar os fenômenos geográficos?
Para dar uma resposta tenho que brevemente explorar cinco temas de interesse
geral para os geógrafos: conhecimento geográfico; território e lugar,
aglomeração humana e privacidade, modo de vida e economia, e religião.

3.1. Conhecimento geográfico

Se a singularidade do homem está na sua capacidade especial de pensar e


refletir, então segue-se que a tarefa primária da Geografia Humanística é o
estudo das idéias geográficas articuladas. Nos campos da humanística, o
tempo é verdadeiramente pródigo em grandes pensadores e escritores, desde
Platão até William James. Por analogia, a Geografia Humanística pode ser
confinada ao estudo dos trabalhos de geógrafos meritórios. Conhecer a
história do pensamento geográfico tem sido uma parte do treinamento de
estudantes, na pós-graduação, por algum tempo. A Geografia Humanística,
neste sentido limitado, é um subcampo aceito na disciplina. Ela é também um
tanto fraca. O pensamento de Estrabão peca pela falta de profundidade e de
sutileza do de Platão e não requer explicação sistemática. Com exceção dos
especialistas, o traçado detalhado das idéias de um geógrafo a outro pode ser
mais obscuro e provincial, como a longa exposição de um ancestral intelectual
de um pequeno novelista em uma aula de inglês.

A Geografia Humanística tem, como uma de suas tarefas, o estudo do


conhecimento geográfico, mas o que é o conhecimento geográfico?
Concebido de maneira ampla, o conhecimento da Geografia é necessário à
sobrevivência biológica. Todos os animais devem tê-lo. Nós falamos de lobos
que têm um "mapa mental" e de aves migratórias como supremas
"navegadoras". O conhecimento da Geografia, neste sentido, é um instinto
animal, desenvolvido em vários graus de acuidade nas diferentes espécies. Em
contraste, o conhecimento geográfico cultivado no âmbito dos departamentos
acadêmicos é altamente cônscio e especializado. Entre estes extremos fica
uma larga faixa de idéias a respeito de espaço, localização, lugar e recurso.
Todos os grupos humanos possuem tais idéias, embora seu grau de articulação
varie amplamente de grupo para grupo. Algumas pessoas tem falta de um
senso formalizado de espaço e lugar; elas podem achar seu caminho no seu
mundo, mas esta habilidade não é transformada em conhecimento que possa
ser passado adiante verbalmente ou em mapas e diagramas. Outras pessoas
podem ser excelentes navegadoras, que velejam com confiança sobre todo o
largo oceano e cujos conhecimentos geográficos são formalmente
organizados, de maneira que possam ser ensinados, ainda que deficientemente
desenvolvidos em conceitos de hierarquias e sistemas espaciais. Um terceiro
grupo pode ter elaborado um cosmos no qual as hierarquias espaciais sejam
um maior componente, ainda que seus membros sejam indiferentes geógrafos
aplicados.

Sabemos pouco sobre por que as culturas variam muito em desenvolver


habilidades espaciais e em providenciar conhecimento geográfico. Por que há
alguns povos primitivos que são hábeis cartógrafos enquanto outros,
materialmente mais avançados, não conhecem o conceito de mapeamento?
Qual é a relação entre habilidade espacial e conhecimento espacial?" Tais
questões, de importância central para os humanistas, raramente foram
levantadas na profissão geográfica. Embora possamos saber muito acerca do
conhecimento especializado de geógrafos acadêmicos, falhamos em localizá-
los no espectro total da consciência geográfica. Este espectro se estende desde
o "mapa mental" das aves migradoras até o nosso próprio "mapa mental",
quando dirigimos num estado de transe; do conhecimento implícito ao
conhecimento explícito como o encapsulado em mapas de navegação da
Polinésia, desde as idéias simples da estrutura do espaço até as intrincadas
hierarquias espaciais de Dogon.

3.2. Território e lugar

Os etologistas1 mostraram como os animais vivem em seus nichos ecológicos.


Algumas espécies defendem seu espaço vital contra os intrusos. Elas se
comportam como pensam a respeito de certas áreas delimitadas como sua
propriedade; parecem ter um sentido de território. Os cientistas e escritores
populares têm extrapolado seus dados do mundo animal para o mundo
humano. As atitudes humanas quanto ao território e lugar tem uma clara
semelhança com as dos outros animais. O humanista, contudo, deve ir além da
analogia e perguntar como a territorialidade humana e a ligação ao lugar
diferem daquelas das criaturas menos carregadas com a emoção e pensamento
simbólico." Há, por exemplo, o problema de conceituação. Todos os animais,
incluindo os seres humanos, ocupam e usam espaço, mas a área como unidade
limitada de espaço é também um conceito. Uma área de certo tamanho,
característica do território de um animal, pode raramente ser percebida como
um todo. O pássaro cantor é reputado por ter um forte senso de território, mas
o pássaro cantor está empoleirado alto em uma árvore e é capaz de vigiar a
área toda que toma como sendo sua. Os mamíferos que vivem perto do chão
não conseguem vigiar toda a sua área. Seu território real não é um espaço
limitado, mas uma rede de caminhos e lugares. As pessoas são capazes de
manter o território como um conceito, contemplar mentalmente o seu formato,
incluindo aquelas partes que não podem correntemente perceber. A
necessidade de fazer isso, contudo, pode não aparecer. Por exemplo, os
caçadores e coletores migradores têm poucas ocasiões em que necessitam
divisar a fronteira do seu território. O território, para eles, é portanto uma área
não circunscrita; é essencialmente uma rede de caminhos e lugares permeáveis
com os caminhos de outros caçadores. Em comparação, as comunidades das
fazendas tendem a ter um forte senso de propriedade e de espaço delimitado.

Qual é o papel da emoção e do pensamento na ligação ao lugar? Considerem o


animal como movendo-se ao longo de um caminho, parando de tempo em
tempo. O animal pára por uma razão, usualmente para satisfazer uma
necessidade biológica importante - a necessidade de descansar, beber, comer
ou acasalar. A localização da parada torna-se para o animal um lugar, um
centro de significância que ele pode defender contra intrusos. Este modelo de
comportamento animal e sentimento de lugar é prontamente aplicável aos
seres humanos. Nós paramos para atender a exigências biológicas; cada pausa
estabelece uma localização como sendo significativa, transformando-a em
lugar. O humanista reconhece a analogia, mas novamente está disposto a
perguntar como a qualidade da emoção é do pensamento humano dão ao lugar
uma gama de significação humana inconcebível no mundo animal. Um caso
que esclarece a peculiaridade humana é a importância que as pessoas dão aos
eventos biológicos do nascimento e da morte. Os animais não têm nenhuma
preocupação sobre isso. As localizações pragmáticas dos animais têm valor
porque satisfazem suas necessidades vitais correntes. Um chimpanzé não tem
preocupações sentimentais sobre o seu passado, sobre sua terra natal, mas ele
antecipa o futuro e teme a sua própria mortalidade. Santuários dedicados ao
nascimento e à morte são unicamente lugares humanos.

Os lugares humanos variam grandemente em tamanho. Uma poltrona perto da


Iareira é um lugar, mas também o é um estado-nação. Pequenos lugares
podem ser conhecidos através da experiência direta incluindo o sentido íntimo
de cheirar e tocar. Uma grande região, tal como a do estado-nação, está além
da experiência direta da maioria das pessoas, mas pode ser transformada em
lugar - uma localização de lealdade apaixonada - através do meio simbólico da
arte, da educação e da política. Como um mero espaço se torna um lugar
intensamente humano é uma tarefa para o geógrafo humanista; para tanto, ele
apela a interesses distintamente humanísticos, como a natureza da experiência,
a qualidade da ligação emocional aos objetos físicos, as funções dos conceitos
e símbolos na criação da identidade do lugar.

3.3. Aglomeração humana e privacidade


O impacto da alta densidade de população na qualidade de vida urbana tem
chamado a atenção dos cientistas e planejadores sociais. Pode a aglomeração
produzir tensões, levando a doenças e comportamentos anti-sociais?

Observações dos animais em situações de aglomeração mostraram que eles


também sofrem e tendem a se engajarem em atos anormais e autodestrutivos.
Os seres humanos, sem dúvida, também experimentam tensões físicas e
psicológicas quando sujeitos à aglomeração. Exceto sob extremas condições,
contudo, raramente pode ser demonstrado que as patologias sociais e/ou
individuais são causadas pela alta densidade de população mais do que pelo
mau funcionamento das forças econômicas e sociais. A cultura é medianeira
entre a densidade e o comportamento. As pessoas da aglomerada Hong-Kong
não são mais propensas ao crime do que aquelas vivendo nas relativamente
espaçosas cidades americanas. Nas planuras abertas do deserto de Kalahari, os
bosquímanos Kung se aglomeram por escolha, e os indicadores biológicos de
tensões estão ausentes a despeito da alta densidade. O modo de como a cultura
é medianeira entre a densidade da população e o comportamento é um desafio
tanto para o cientista social como para o humanista. O enfoque humanista
distintivo está em descrever a qualidade da emoção experimentada em casos
específicos. Por exemplo, escritores existencialistas notaram quanto até
mesmo uma só pessoa a mais em um quarto pode criar uma sensação de
constrangimento espacial. Um homem toca piano sozinho em um grande
salão; alguém entra para observá-lo. Imediatamente a atmosfera muda para o
pianista. Deixando de ser o único sujeito em comando sobre o espaço, torna-se
um objeto entre muitos, todos sob o olhar fixo de outro sujeito. Sentir que o
lugar ficou aglomerado é uma espécie de mal, levantando da subconsciência a
conscientização de que agora há duas perspectivas, as quais são diferentes e
portanto conflitantes, vigiando o mesmo campo objetivo. A privacidade é
abalada. A privacidade, neste exemplo, é a necessidade de estar consigo
próprio nos seus atos e pensamentos, não perturbados por aqueles de um
estranho. Na solidão uma pessoa cria seu próprio mundo; a salvo do olhar de
outros, parece suster a existência de tudo o que vê. Todas as pessoas
necessitam de privacidade: o grau e a natureza podem variar. As condições de
aglomeração tornam difícil escapar da atenção dos outros e, portanto, de um
sentido desenvolvido de si mesmo. 
Aglomeração e privacidade têm um termo físico: são afetadas pelo espaço
físico e pelo número de pessoas. Elas têm um termo biológico: além de certa
densidade, sob condições específicas, aparecem os indicadores biológicos de
tensão. Elas têm um pronunciado termo humano, que requer o entendimento
da cultura, mas que não é exaurido pela idéia da cultura; sem levar em conta a
cultura, o homem pode ocasionalmente sentir-se amargamente só no meio de
sua própria espécie e uma plenitude de ser na solidão. O que significa
"aglomeração"? Onde as pessoas raramente têm quarto para ficar, podem
ainda abrir seus espaços intelectuais e afetivos para outras, de tal modo que o
epíteto "aglomerado” é inapropriado. Por outro lado, a hostilidade cria um
senso de sufocação, um estreitamento do mundo que o espaço físico pode
fazer muito pouco para aliviar."

3.4. Modo de vida e economia

As atividades de um animal podem ser vistas como tendendo à preservação da


espécie. Suas relações com outros organismos e seus comportamentos no
meio ambiente são funcionais, como são funcionais as partes anatômicas e os
processos fisiológicos dentro de um organismo individual. As vidas das
criaturas são quase exclusivamente econômicas. Nem a dança de certos
pássaros nem a revoada das térmitas2 são jeux d'esprit inúteis; são atos
instintivos a serviço da vida biológica. Este modelo animal largamente aceito
às vezes foi estendido ao mundo humano. Levando a analogia ao extremo,
todas as atividades humanas parecem ser econômicas e funcionais, no sentido
de que suportam o sistema social, sem o qual as pessoas não poderiam viver.
Quer seja a veneração da vaca sagrada ou o ritual dos sacrifícios humanos, tais
atos podem estar mostrando ter importantes conseqüências econômicas e, por
isso, não estão fora do racional econômico. A perspectiva humanística sobre a
vida econômica pode ser apresentada como resposta para duas questões:

1. O que significam os termos "atividades de sustentação da vida" e "modo


de vida"? No mundo animal, pressupõe-se que todas as atividades sejam
engrenadas para a sustentação da vida. No mundo humano, contudo, as
necessidades de sobrevivência biológica consomem somente uma parte da
energia humana, mesmo no mais adverso dos meios ambientes naturais. O
modo de vida no contexto humano não significa meramente atividades que
mantém uma vida biológica da comunidade. O termo modo de vida é usado
principalmente para os seres humanos e por uma boa razão: até mesmo entre
os povos mais primitivos, o ganhar a vida é colorido por objetivos e valores
não zoológicos. Nas sociedades avançadas, a natureza não zoológica de
muitas atividades econômicas é evidente. A produção de armamento, por
exemplo, é um empreendimento econômico que proporciona meio de vida
para muitos operários, mas está em dúvida a sua contribuição para a
sobrevivência da espécie. Sob o ponto de vista do aumento biológico, a
fabricação de armamento é um dos entusiasmos menos práticos da
Humanidade. Os entusiasmos inúteis, que afetam com intensidade diferente
todos os compartimentos da vida, são grãos para o moinho do humanista.

2. Até que ponto as pessoas distinguem as atividades econômicas das não-


econômicas? A capacidade para se fazer tal distinção implica uma atitude
secular e pragmática para com a vida. O homem moderno é pragmático, mas
não está sozinho em sua concentração sobre as recompensas tangíveis. As
culturas tribais percorrem a gama do ceticismo, do materialismo e do fervor
espiritual. A nitidez com a qual um compartimento de vida é identificado
como econômico, devotado à produção e ao intercâmbio de bens materiais,
varia amplamente de sociedade para sociedade e dentro de cada sociedade.

As forças econômicas operam se as pessoas as reconhecem como tais ou não.


Entretanto, a conscientização tem um impacto sobre os tipos de decisões
tomadas e, por isso, sobre o funcionamento do sistema econômico. Podemos
perguntar: os comerciantes dos mercados periódicos africanos sabem como
funciona a economia? Sem dúvida alguma, alguns sabem mais que outros.
Como este conhecimento parcial e diferencial afeta a geografia de mercado?
As pessoas agem com base na informação que tem. Esta informação pode ser
uma sabedoria herdada ou, no outro extremo da escolha deliberada, ela é um
produto de análise econômica calculada. Todas as pessoas fazem planos. Os
planejadores profissionais diferem das pessoas comuns em que tem - ou
reivindicam ter - o corpo mais articulado de conhecimentos à sua disposição.
Até que ponto os planejadores, os profissionais ou não, fazem uso da teoria e
dos fatos econômicos para alcançarem as decisões? Quão bons são os
resultados? Tais indagações podem ser formuladas sobre o planejamento em
todas as escalas, desde o lar e do centro de compra até a nação. No geral, o
problema de como o conhecimento, real ou ilusório, afeta o comportamento é
central para o empreendimento humanístico.

3.5. Religião

A religião está presente em vários graus em todas as culturas. Parece ser um


traço humano universal. Na religião, os seres humanos são claramente
diferenciados dos outros animais. De que maneira pode uma perspectiva
humanística contribuir para a geografia da religião? O campo não está
ordenado por falta de uma definição coerente do fenômeno que procura
compreender. A pesquisa sobre tipos de celeiros e de casas é geografia
cultural, mas a pesquisa sobre igrejas e templos parece pertencer é geografia
da religião. Por que não é a feng-shui uma técnica para a localização de
sepulturas e de casas, tratada como um ramo da geografia aplicada, ou mesmo
de um levantamento? É considerada religiosa porque algumas práticas na
geomancia3 parecem sobrenaturais ou mágicas para o erudito ocidental? Um
campo tão carente de focalização e tão arbitrário em sua seleção de temas não
pode esperar alcançar a maturidade intelectual.

Um geógrafo humanista preocupado com a religião começa perguntando: qual


é o significado da religião? Considerando que a religião é um tipo especial de
conscientização, de que modo difere dos outros tipos de conscientização? A
palavra religião é derivada do latim religare, que significa ligar-se novamente,
isto é, ligar-se fortemente a um conjunto de crenças, a uma fé ou a uma ética.
Falando de modo mais amplo, a pessoa religiosa é aquela que busca coerência
e significado em seu mundo, e uma cultura religiosa é aquela que tem uma
visão do mundo claramente estruturada. O impulso religioso é para reunir as
coisas. Para quê? O "quê" é a preocupação final sobre a qual falam os
teólogos, e ela difere de pessoa para pessoa. A preocupação final é a
expressão carregada de emoção para a orientação de um sistema de crenças ou
do princípio central, que liga os componentes de uma visão do mundo. O
princípio central pode ser Deus, a crença de que "Deus não joga dados", uma
ética ecológica ou social, ou um conceito de justiça ou de desenvolvimento
histórico. Neste ponto de vista o Budismo é tanto uma religião quanto o
cristianismo e o comunismo ateu não é menos religião do que o
confucionismo agnóstico. Ao nível individual, Aibert Einstein era tão
religioso quanto São Tomás de Aquino; as suas orientações diferiam, mas não
as suas paixões por um cosmos significativo. 
Todos os seres humanos são religiosos se a religião é amplamente definida
como um impulso por coerência e significação. A força do impulso varia
enormemente de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Uma cultura ou
pessoa não religiosa é descrita como secular. O que significa secular?
Significa o impulso religioso reduzido ao mínimo. Uma pessoa secular é uma
pessoa pragmática, que não atua a partir de um conjunto de princípios firmes;
seus atos são ad hoc, baseados nas necessidades e nas condições do momento.
Não sente nenhum impulso para integrar sua experiência e seu conhecimento
com um sistema mais amplo. Ela tem muitos projetos a curto prazo, porém
nenhum interesse final. A moderna sociedade tecnológica é secular porque
suas orientações são grandemente pragmáticas; seus membros não subscrevem
qualquer visão do mundo autoritária. Contudo, é um erro igualar a sociedade
industrial moderna com a perspectiva secular. Alguns povos iletrados são
muito pragmáticos. Podem praticar a magia, porém a mágica é principalmente
uma técnica para alcançar fins limitados e não está integrada com qualquer
sistema de pensamento religioso. Uma abordagem humanística à religião iria
requerer que tivéssemos consciência das diferenças no desejo humano por
coerência, e que notássemos como essas diferenças estão manifestas na
organização do espaço e do tempo e nas atitudes para com a natureza.

4. HISTÓRICO E REGIONAL

As tarefas na Geografia Humanística assim esboçadas são todas passíveis de


um tratamento sistemático; na verdade, convidam a uma abordagem
sistemática, conceitual e comparativa. Qual é o lugar da Geografia Histórica e
Regional no empreendimento humanístico?

Se a História é um pilar das humanidades, então a Geografia Histórica deveria


ser um pilar da Geografia Humanística. O paralelo é, contudo, enganador, pois
"histórico” não é simplesmente uma forma adjetival de "história". As duas
palavras diferem no significado. A História está preocupada com os eventos;
sem eventos não há História. O histórico, por outro lado, refere-se a um tempo
passado; é um conceito estático. A Geografia Histórica pode ser geografia do
povoamento e do uso da terra de uma área no passado, ou ela pode rever uma
sucessão de tais passados. Os próprios eventos são importantes, visto que
afetam direta ou claramente a superfície da terra. Considerando esse critério,
uma Geografia Histórica da Califórnia deve incluir a Corrida do Ouro.
Entretanto, uma Geografia Histórica da Europa não necessita mencionar a
Revolução Francesa, mesmo que seja um evento maior por qualquer padrão
histórico, além do seu impacto imediato sobre os padrões de campo. Usar a
mudança física na paisagem como medida da importância do evento humano é
tomar a Geografia Física como modelo. A Geografia Histórica pode estar
muito distante dos interesses humanísticos. Para o geógrafo parece como se a
História e a Geografia se associassem somente no estudo das migrações em
grande escala. Os movimentos maciços de pessoas, tais como o povoamento
do Novo Mundo, são acontecimentos maiores e os geógrafos os estudam, mas
desde que a Terra haja sido ocupada perdem interesse nas iniciativas humanas
diferentes daquelas que visivelmente alterem a paisagem. A Guerra Civil é um
divisor na história dos Estados Unidos, todavia os geógrafos históricos pouca
atenção deram a ela.

O elemento humanístico na Geografia Histórica é freqüentemente mínimo.


Entretanto, a Geografia Humanística claramente requer o conhecimento da
História e da Geografia Histórica. Os povos têm história; as outras criaturas
não. A História não é somente a passagem dos acontecimentos, mas a sua
reconstrução consciente na memória do grupo para as finalidades correntes.
Assim definida, a História exerce um papel essencial no sentido humano de
territorialidade e lugar. Consideremos Quebec e o Oeste americano. O passado
fez de Quebec o que ela é hoje em dia; deu à província sua paisagem e cultura
distintas. O humanista deve conhecer o passado factual da província, mas o
passado não determina a atual identidade de Quebec. Sua atual identidade está
sendo criada pelos quebequenses através do uso seletivo do seu passado. O
passado, neste sentido de história reconstituída, é um arsenal para a formação
de uma consciência e de uma ideologia nacionais. A história reconstituída não
necessita ser real; precisa somente se assemelhar à realidade. O Oeste
americano lembra-nos de quão pouco a imagem popular de um lugar depende
de um escrupuloso conhecimento histórico.

A Geografia Regional, que tem êxito em capturar a essência de lugar, é um


trabalho de arte. A retratação de uma região tem a mesma espécie de
dificuldade que a retratação de uma pessoa, porém multiplicada várias vezes.
Uma pessoa é sua biologia, seu meio ambiente, seu passado, suas influências
acidentais, a maneira como vê o mundo e a maneira pela qual deliberadamente
prepara a imagem pública. A identidade de um lugar é a sua característica
física, sua história e como as pessoas fazem uso de seu passado para promover
a consciência nacional. A arte atende às minúcias; é altamente especifica e,
todavia, dá a impressão de universalidade. Uma aldeia pode parecer um
microcosmo. A vida em uma cidade da Pensilvânia é todos os eventos
detalhados de um lugar específico e contada com genialidade ela parece lançar
luz sobre a natureza humana e sobre a condição humana.

A descrição vívida de uma região é talvez a mais alta conquista da Geografia


humanística, porém o sucesso artístico não é um programa que possa ser
seguido. A Geografia humanística seria um plano de perfeição se restrita à
criação de trabalhos de arte. Os temas aqui sugeridos para a Geografia
Humanística não exigem a visão unificada ou um talento para síntese da mais
alta ordem. Seu mérito é que podem ser sistematicamente explorados.

5. RISCOS E OPORTUNIDADES

A Geografia Humanística, com sua focalização sobre a conscientização e o


saber, corre certos riscos. Estes incluem ver propósitos e deliberação onde
nada existe, presumindo concordância entre o intelecto e o comportamento,
emprestando atenção excessiva aos inícios quando objetivos
conscienciosamente mantidos guiam a ação.

5.1. Propósitos do projeto

Consideremos a construção de um edifício. Um geógrafo humanista vê os


operários engajados em suas tarefas separadas nos andaimes de um edifício
que se ergue. A cada semana um novo andar é acrescentado ao edifício e,
eventualmente, é completado. O humanista é tentado a considerar a estrutura
final como um projeto na cabeça de alguém, que foi totalmente executado. Por
exemplo: os operários agem como se soubessem exatamente o que estão
fazendo; contudo, é mais provável que cada operário saiba somente o seu
próprio papel e os dos colegas mais próximos. Nenhum deles tem o plano
completo em sua mente, nem mesmo o capataz ou o arquiteto chefe. O
conhecimento é, em todas as partes, parcial, porém o edifício é construído.
Existe como uma unidade integrada e funcionando na sua totalidade. 
Consideremos um sistema urbano simples, formado de uma cidade central
cercada por um anel de povoações menores. Um humanista olhando o sistema
pode vê-lo como um projeto que se situava originalmente na cabeça do
planejador principal, e que então foi fielmente executado. De fato, muito
embora seja possível planejar um tal sistema para a última estrada lateral, a
maior parte das redes urbanas surgiu como resultado de decisões individuais
não integradas. Seu projeto global é produzido pela operação de forças
econômicas amplamente impessoais. Um cientista tende a ver os padrões
humanos emergindo sem o benefício da vontade humana; ao contrário, o
humanista está inclinado a perceber a intenção onde somente operam as forças
objetivas. Um exemplo extremo seria descrever o modelo de um floco de neve
como tendo sido projetado, uma maneira de falar para a qual os cientistas - em
seus momentos de desligamento - estão também inclinados. A oportunidade,
para o humanista, repousa no reconhecimento do risco e com este risco e m
mente perguntar a extensão na qual a consciência e o projeto entram na
criação dos meios ambientes humanos em escalas diferentes.

5.2. Intelecto e comportamento

Tanto o cientista como o humanista estão de acordo em pressupor uma


concordância entre o intelecto e o comportamento, entre o que uma pessoa diz
e o que ela faz, entre as crenças e os trabalhos. Pressupondo essa
concordância, um cientista liberta-se da necessidade de estudar as atitudes
verbalizadas desde que ele pode inferir, se necessário, a atitude a partir da
ação observável. Um humanista literário, por sua vez, tende a considerar as
atitudes verbalizadas, particularmente aquelas canonizadas na literatura, como
evidência suficiente daquilo que as pessoas realmente fazem. Quando o
cientista social enceta pesquisar as atitudes com questionários também
pressupõe que as opiniões enunciadas são boas orientações para a ação. A
crença e o comportamento expressos freqüentemente estão em concordância,
porém algumas vezes não. A oportunidade, para o humanista, reside na
tentativa de entender em profundidade a natureza das crenças, atitudes e
conceitos; a força com a qual são mantidos; suas ambivalências e contradições
inerentes; e seus efeitos, tanto diretos como indiretos, sobre as ações.

5.3. Iniciativas

O planejamento ativo é necessário quando uma pessoa encontra novos


desafios, tais como entrando para um novo trabalho ou tendo uma nova
vizinhança. Ela tem que decidir onde morar, onde ir às compras, e de quanto
tempo pode dispor para gastar no deslocamento para o trabalho. Em uma
grande escala, a migração de um povo, de um país para outro, exige
pensamento deliberativo tanto antes da viagem como ao final dela, quando os
migrantes têm de adaptar-se a um novo país. O humanista corre o risco de dar
excessiva atenção às iniciativas quando a consciência do objetivo e o
planejamento exercem um grande papel no comportamento. É provável que
ele esqueça que o hábito governa a vida das pessoas, e uma vez que um
modelo satisfatório de deslocamento seja estabelecido, este tende a
permanecer. Sob um ponto de vista objetivo, o modelo de deslocamento pode
parecer complicado e altamente deliberativo; de fato, é executado com um
mínimo de pausas para tomadas de decisão." O hábito é biologicamente
adaptativo. As tarefas, uma vez aprendidas, podem ser desempenhadas
inconscientemente de forma que o pensamento é liberado para explorar e para
reagir a novos desafios. Um humanista que reconhece a força do hábito em
todas as esferas da atividade humana está mais bem capacitado para avaliar a
importância da iniciativa, da habilidade para romper os modos habituais sob a
orientação de um pensamento consciencioso.

6. RELAÇÕES PARA COM A CIÊNCIA


A Geografia Humanística constrói, de modo crítico, sobre o conhecimento
científico. As regras e leis formuladas na Ciência são percebidas como
funcionando como destinos no drama humano. As pessoas obedecem às leis
econômicas e físicas, reconheçam-nas como tais ou não; as pessoas também
são os joguetes da oportunidade. O geógrafo humanista deve estar
agudamente ciente dos empecilhos sobre a liberdade humana. A menos que
conheça o comportamento animal espacial, não pode diferenciar as ações
humanas que são biologicamente condicionadas daquelas que dependem da
mente deliberadora e liberadora; a menos que saiba como os animais reagem a
uma densa aglomeração, não pode saber como os seres humanos
singularmente respondem a essa aglomeração; a menos que conheça as forças
impessoais de uma economia, não pode avaliar até que ponto as crenças e as
venturas estão baseadas na ilusão.

A Geografia Humanística tem um outro elo mais direto com a ciência. O


subcampo, temos visto, está centralmente preocupado com a qualidade da
conscientização humana e com o aprendizado. De que maneira as pessoas
adquirem habilidades e conhecimentos espaciais? De que maneira as pessoas
se tornam emocionalmente envolvidas com um lugar? Tais indagações
mostram que o geógrafo humanista compartilha da preocupação do psicólogo
do desenvolvimento. Suas indagações são semelhantes, embora endereçadas
aos fenômenos de diferentes complexidade e escala. Até mesmo suas técnicas
de campo têm em comum a observação detalhada do comportamento
individual na vida real. As obras de Jean Piaget, por exemplo, contêm muitos
relatos detalhados de crianças brincando na casa e no pátio, que tem a solidez
e a complexidade da arte de um novelista.

A contribuição da Geografia Humanística para a Ciência está na revelação de


materiais dos quais o cientista, confinado em sua própria estrutura conceitual,
pode não estar consciente. O material inclui a natureza e a gama da
experiência e pensamentos humanos, a qualidade e a intensidade de uma
emoção, a ambivalência e a ambigüidade dos valores e atitudes, a natureza e o
poder do símbolo e as características dos eventos, das intenções e das
aspirações humanas. Um cientista social provavelmente pode beneficiar-se da
leitura de biografias, de histórias, poemas e novelas, como documentos
humanos, mas freqüentemente são demasiado específicos e de uma textura
demasiado densa para sugerirem possíveis linhas de pesquisa. Um dos papéis
do geógrafo humanista é o de um agente intelectual; toma essas pepitas de
experiência como capturadas na arte e decompõe-nas em temas mais simples
que podem ser sistematicamente ordenados. Uma vez que a experiência seja
simplificada e dada uma estrutura explícita, seus componentes podem
produzir uma explanação científica.

7. TREINAMENTO
O treinamento básico de um climatólogo pode ser especificado com clareza e
lógica. Qual é a educação ideal para um geógrafo humanista? Um
conhecimento básico da Geografia Física, da etologia animal e dos conceitos
nas Ciências Sociais, é útil. Os fatos provenientes desses campos são, para ele,
um ponto de partida e uma lembrança das muitas restrições que as forças
impessoais colocam sobre o homem. A partir da etologia, além do mais,
aprende as técnicas de observação. O geógrafo humanista deve obviamente ter
habilidades lingüisticas e não somente no sentido de escrever bem; deve estar
ciente das nuanças de linguagem, do significado ambíguo de palavras-chave
como natureza e natural, fazer e conhecer, equilíbrio e desenvolvimento, a
qualidade de vida; deve desenvolver uma sensibilidade para com a linguagem
de modo que possa ler, por assim dizer, as entrelinhas de um texto e ouvir o
que não foi dito em uma conversação. Deveria ser bem versado na História e
na literatura imaginativa. 
Um climatólogo não precisa ser bem versado na filosofia científica para ser
competente em seu trabalho científico. Ao contrário, um geógrafo humanista
deve ter um interesse penetrante na Filosofia, pois esta levanta questões
fundamentais de epistemologia4 para ás quais podemos buscar
exemplificações no mundo real. A Filosofia proporciona também um ponto de
vista unificado a partir do qual toda uma gama de fenômenos humanos pode
ser sistematicamente avaliada. O cientista não tem necessidade de adquirir
deliberadamente um ponto de vista ou uma estrutura filosófica. A metodologia
científica é uma tal perspectiva e estrutura; é universalmente aceita e tem
amplamente demonstrado sua utilidade no domínio dos objetos materiais e dos
relacionamentos abstratos. Ao contrário, o humanista deve procurar uma
Filosofia adequada ao seu objetivo. Sem um ponto de vista fundamental, seu
trabalho tende a tornar-se uma esotérica desarticulada. Ter um tal ponto de
vista é confessar as limitações, mais do que as tendências. Estas ocorrem
quando ignoramos as nossas pressuposições filosóficas ou quando insistimos
que uma perspectiva é um sistema totalmente inclusivo.

8. UTILIDADE

A Geografia proporciona um conhecimento útil. Ela "serve às necessidades


dos Estados", proclamou Estrabão. Os tipos de informação que os geógrafos
coletam e mapeiam podem, na verdade, ter servido às grandes organizações
senão a partir da época de Estrabão, então a partir das grandes explorações
européias e da fundação de impérios. Qualquer grande organização deve
indagar do "quanto” e do "onde”. Os governos estabelecem departamentos
com a finalidade expressa de coleta e arquivamento de dados. Os geógrafos,
quando mapeiam o uso da terra e a população, contribuem para esta vasta
tarefa sisífica. 
O que é utilidade? Um critério é ser pago: por definição, um trabalho é útil se
é remunerado. Um outro, é o efeito discernível sobre a vida das pessoas e
sobre a terra. Um terceiro critério é o objetivo humano: um trabalho é útil se
contribui para o bem-estar da sociedade. Qual é o uso da Geografia
Humanística? Um geógrafo humanista raramente é pago, exceto em uma
faculdade de artes liberais, pelo que ele faz. Não tem qualquer papel
assegurado em uma burocracia tradicional, porque o processamento de maciço
material estatístico não é uma de suas especialidades. Que efeito tem um
humanista sobre o mundo real? Naturalmente, os estudantes são uma parte do
mundo real e o ensino dedicado pode abrir as mentes. De fato, pelo critério do
efeito sobre os outros, um humanista em sua sala de aula pode ser julgado
mais útil que seu colega provido de mente prática em um escritório de
planejamento. O acúmulo de dados não é garantia de uso. Toneladas de mapas
de uso da terra, de relatórios sobre parques e recreação, de planos de cidades e
Estados jamais vêm à luz do dia. Os sonhos que começam em uma prancheta
de desenho, demasiado freqüentemente fazem uma curta viagem para o
arquivo onde permanentemente são guardados.

De que maneira um geógrafo humanista contribui para o bem-estar humano


como, por exemplo, no projeto de um meio ambiente físico melhor? Seu
colega científico pode sugerir um sistema de transporte mais eficiente, ou
localizações ideais para novas indústrias ou para as estações de esgoto. O que
pode fazer o humanista? Falando de maneira geral, a competência de um
humanista repousa na interpretação da experiência humana em sua
ambigüidade, ambivalência e complexidade. Sua principal função como
geógrafo é esclarecer o significado dos conceitos, dos símbolos e das
aspirações, à medida que dizem respeito ao espaço e ao lugar. Eis uma
sugestão específica de como ele pode servir. A reação das pessoas ao cenário
físico é mediada pela cultura, que é tanto parte da vida do dia-a-dia que
raramente pode ser vista pelos próprios habitantes. Uma das funções do
humanista é tornar explícitos as virtudes e os defeitos de uma cultura. Deve
ser capaz de sugerir ao planejador que em algumas culturas as pessoas
preferem viver bem próximas; por outro lado, deve ser capaz de lembrar às
pessoas que a proximidade, muito embora aconselhável, é alcançada às custas
de certos outros valores humanos. O humanista mostrará como o lugar é um
conceito e um sentimento compartilhados tanto quanto uma localização e um
meio ambiente físico. Pode sugerir meios pelos quais um sentido de lugar
possa ser enfatizado.

A despeito desses possíveis serviços, a abordagem do humanista jamais será


realmente popular. A razão não é simplesmente porque ele pareça muito
menos eficiente do que a manipulação direta do meio ambiente físico. Uma
razão mais básica é que poucas pessoas cuidam de auto-analisar-se
profundamente. O autoconhecimento, a recompensa primeira do
empreendimento humanístico, sempre foi suspeito na cultura ocidental.'"
Consideremos o problema de criar um sentido de lugar ou de identidade
nacional. Em tal tarefa ele ajuda a dramatizar as conquistas de uma vizinhança
ou de uma nação; ajuda a salientar a imagem de um lugar pelas técnicas da
publicidade. A um nível mais profundo, ajuda a despertar nas pessoas uma
consciência de seu próprio passado, por meios tais como os concursos
históricos e livros descritivos. Onde se pára neste problema de experiência?
Como o passado de um indivíduo está cheio de esqueletos enterrados, assim e
ainda mais é na história de um povo. Um humanista que começa bem ao dizer
a uma vizinhança como adornar sua imagem, perde seu cliente à medida que
põe a nu seu passado complexo e nem sempre agradável.

APÊNDICE: WILHELM VON HUMBOLDT

A Geografia Humanística é crítica e refletiva. O mundo dos fatos geográficos


inclui não somente o clima, as propriedades agrícolas, os povoamentos e as
nações-estados, mas também os sentimentos, os conceitos e as teorias
geográficas. Um humanista olha esse mundo de fatos e pergunta: o que ele
significa? O que ele diz a respeito de nós? Como um grupo profissional, os
geógrafos não são notados pela introspecção. Como nosso grande ancestral,
Alexandre von Humboldt, nós somos extrovertidos. Nosso traço cativante, e
nosso defeito, é a tendência para sair às pressas e fazer as coisas sem ponderar
por quê. Um apêndice ajustáveis a este ensaio é o comentário de Wilhelm von
Humboldt sobre seu irmão mais jovem, Alexandre. Os comentários são
injustos, como um humanista ou cientista dedicado pode freqüentemente ser
injusto aos entusiasmos alheios aos próprios, mas até o ponto em que sacodem
nossa complacência eles têm uma mensagem para nós.

"Você conhece os pontos de vista de Alexandre. Eles jamais


podem ser iguais aos nossos, por mais que o ame. É
extremamente engraçado quando ele e eu estamos juntos.
Sempre deixo-o falar à sua maneira, pois de que adianta
contrariar quando as bases iniciais de todos os nossos
princípios são totalmente diferentes. Alexandre não tem
unicamente um aprendizado singular e pontos de vista
verdadeiramente compreensivos, mas um caráter
incomumente belo. Caloroso, prestativo, auto-sacrificante e
altruísta. O que falta a ele é uma satisfação sossegada em si
mesmo e em pensamento. Isto é porque ele não compreende
nem as pessoas, embora ele sempre viva em estreita
associação com alguém e até mesmo, por preferência, se
preocupe com os sentimentos alheios, nem a arte, muito
embora ele prontamente compreenda todos os seus aspectos
técnicos e, ele próprio, seja um pintor bastante bom, nem - e
isto é uma coisa ousada e assustadora de dizer a seu
respeito - entenda a natureza, embora todos os dias faça
importantes descobertas na ciência natural".

Pequeno glossário:
1 Etologista: 1 - Tratado dos costumes, usos e caracteres humanos. 2 - Estudo dos hábitos dos animais e
da sua acomodação às condições do ambiente. 3 – Parte da Botânica que estuda as adaptações
observadas nos vegetais.
2 Térmitas: Designação comum ao insetos da ordem dos isópteros. Cupim.
3 Geomancia: Adivinhação que se faz deitando pó de terra sobre a mesa e examinando as figuras que se
formam.
4 Epistemologia: Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados da Ciências já constituídas, e que
visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; teoria das ciências.  

Você também pode gostar