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Djamila Ribeiro pois desde sua fundação ela teve um único princípio: controle e
submissão dos povos “não civilizados”. É preciso entender,
como Mbembe deixou claro, que o projeto de neoliberalismo é
Dec 5, 2018 08:30AM
uma tentativa de reedição da escravidão num novo patamar
produtivo. É disso que se trata o devir negro do mundo.
Por Inês Maia
Então com duzentos anos de modernização capitalista, nesses capitalista, mas, em se adequar ao seu interior, criando espaços
de visibilidade para “subjetividades coletivas” invisibilizadas.
tristes trópicos, é factível a impossibilidade de superação do
racismo contra os negros baseados nas premissas básicas de um Aliás, a palavra capitalismo aparece duas vezes no livro. Em
segundo lugar, trata de trazer à tona a demarcação das diferenças
sistema no qual a exploração radical é o que o mantém vivo. É
equivocada a crença na possibilidade de ascensão racial em um identificando-as passo a passo, aceitando de antemão os
sistema que inventou as raças, que inventou um continente para pressupostos colonialistas que basearam essas diferenças.
Isto significa, sobretudo, que foi justamente a escravidão a trata-se apenas de uma posição culturalista, ou melhor, moralista.
Ainda presa aos prognósticos do feminismo de donzelas do E com a sustentação teórica, algo genérica, baseada em algumas
século XIX, até importa-se em colocar em xeque a posição social referências a Lélia Gonzalez, reduz o debate epistemológico e
do feminismo que, em termos sintéticos, nas suas premissas, científico a questão da raça excluindo não só o debate contra a
deixou de lado não só o componente racial, mas, como aparece neutralidade da ciência, como ainda, optando por excluir a
nas desgostosas arengas de Truth, ficou afastado de uma base própria ciência do horizonte emancipatório, já que é algo de
social pobre, entretanto, a posição social é reforçada só para privilegiado. Assim, é melhor lutar por um outro conhecimento,
sustentar um discurso que passa ao largo das questões de por uma outra episteme, “negra”, porque, segundo a autora, no
classe. escopo da ciência branca, há vozes que são legitimadas e vozes
que não. Nada original; a posição problemática de Grada Kilomba
Apesar de tipificar o surgimento de um feminismo que era alheio
ressoa no texto de maneira rebaixada.
a questão racial, Djamila, além de projetar uma fundamentação do
feminismo norte-americano como um dado universal – por Ora, combater a neutralidade epistemológica não é o mesmo que
exemplo, não diz qual foi, ou como se deu, o desenvolvimento do simplesmente negá-la, assim, quando a autora se apossa de Lélia
feminismo no Brasil –, não deixa claro também, por exemplo, as Gonzalez, como instrumental para defender os próprios
condições de possibilidades que invisibilizaram a questão racial pressupostos, apenas aponta de maneira genérica quais pontos
no interior do movimento feminista norte-americano, a não ser de vista que permeavam a práxis de Lélia, que, tendo ou não seus
algo como uma espécie de cegueira moral daquelas primeiras equívocos, de fato foi importante para trazer a questão racial para
feministas. Tal atitude argumentativa elide as condições objetivas o interior do movimento feminista. A discussão sobre o fazer
e violentas, além das contradições existentes, em cada Estado da ciência envolve radicalmente a política econômica que é não
federação. Nessa perspectiva, portanto, o racismo torna-se apenas a ciência dominante como ciência da dominação. Sem
sobretudo uma questão moral. dúvida, a questão do racismo governa os castelos conceituais da
ciência é preciso combatê-lo, no entanto, sem petite-negre que,
Lançando mão do conceito de “narrativas”, um olhar para o
em termos grosseiros, significa um racismo crente de que o
passado a partir do presente, a autora afirma que a luta no
negro não conseguirá entender, jamais, Kant ou Hegel.
interior do movimento feminista era uma disputa de narrativas.
Anacrônica ou não, essa perspectiva lança as bases para o que a Sabemos que, ao contrário de Fanon que detestava o petite-
comentarista tentará sustentar. negre, Gonzalez era entusiasta da liberdade gramatical como polo
de resistência e suposta herança cultural. Aceitando de saída a
É nesse ponto que entra pela janela do texto uma noção de
alcunha redutora de que “eles não poderão ler os nossos livros”,
privilégio, mais ou menos, empírica, e diga-se de passagem
tal noção acaba por limitar-se ao terreno minado criado para
plenamente liberal; o privilegio aí não advém do monopólio da
balizar o negro no interior da raça e defini-lo a partir dos
riqueza, mas sim de um aspecto epidérmico biologizante. A culpa,
pressupostos coloniais. Pois é exatamente aí que Djamila Ribeiro
segundo essa perspectiva, não é do sistema capitalista, cuja
se sustenta para combater o “universalismo”. A todo momento
fundamentação colonial propiciou uma hierarquização social
não se saí da lógica colonial e se busca uma reafirmação do “eu”
efetivada pela epiderme, mas sim do branco que nasceu branco.
para disputar internamente aos pressupostos simbólicos do
Como é parcial a forma de articulação do problema, também é
significante raça.
parcial sua resposta e, dessa forma, aposta numa posição de
mudança no interior dos limites postos pela vida baseada na E assim salta para os argumentos de Alcoff com intuito de buscar
competição e no fetichismo de mercado. valorizar outros saberes. Olhados agora, sabemos que essa é
justamente a palavra de ordem do mercado: tragam para nós
seus saberes “originários”, ou esse romantismo putrefato que
volta, como tragédia, à esquerda e à direita. Mas, mais que isso, Naturalmente esta teoria é uma teoria de gestores da classe
qualquer saber tem como intuito a transformação ou a trabalhadora, aqueles que reivindicam um acento na política
conservação da realidade em sentido amplo; uma busca pública, ou um departamento de pesquisa na universidade. As
incessante pela produção da verdade significando que sua trabalhadoras negras, aquelas que estão nas ruas pelas cinco da
disputa é política e múltipla. Não se trata pois de querer criar, manhã e voltam às dez da noite, depois de um transito infernal,
como se fosse um ato de decisão, uma nova metafisica, trata-se estão pouco se lixando para coisitas tais! Então, em primeiro
antes de colocar em xeque o mundo no qual essas epistemologias lugar, é preciso estabelecer o lugar de fala dessa teoria e ele é o
são autorizadas como discurso da verdade. Já sabemos que a lugar da classe-média!
ciência é um acordo que produz realidades, a questão é: o que e
quem autoriza esse acordo? Esse lugar da classe média ilustrada é interessante ser posto em
xeque porque acentua não apenas a dimensão ilusória de seus
E com essa carta na manga a autora diz: “Seria preciso, então, diagnósticos e de seus resultados, como nos faz entender como e
desestabilizar e transcender a autorização discursiva branca, o porquê a esquerda se afastou radicalmente da vida comum, das
masculina cis e heteronormativa e debater como as identidades pessoas comuns. É patente a importância da discussão racial
foram construídas nesses contextos”. Desestruturar a como aquela que possibilita interpretar a superexploração radical
autorização discursiva branca, masculina cis e heteronormativa dos negros numa estrutura subdesenvolvida e dependente de
não se dá pela manutenção através da competição no interior das capital, só que nada disso importa para essa classe-média.
instituições heteronormativas senão pela desestruturação dos
próprios espaços e lugares onde a possibilidade de política está A transformação social radical será negra, ou não será, mas para
morta. Não se busca manter um lugar, mas acabar com o lugar; a tanto é preciso que nós negros tenhamos dimensão concreta
desterritorialização do espaço político como possibilidade de daquilo que possibilita o racismo e o mantém inalterado. É
encarnar as múltiplas vozes do coro dos “Condenados da Terra” preciso sairmos dos limites coloniais que nos identifica, nos diz o
em um objetivo comum e para o comum. É claro que qualquer que somos e como devemos agir. Mbembe diz, mais ou menos,
epistemologia não é neutra porque social, então por que não se que nada garante que o fim do capitalismo possa proporcionar o
questiona a fundamentação social da epistemologia em nenhum fim do racismo. Tudo bem! Mas, nós temos a certeza de que com
momento no livro? a manutenção do capitalismo o racismo jamais terá fim.
Arrisquemo-nos!
O fato de não criticar, em nenhuma passagem do livro, a
fundamentação social dessa epistemologia, sustenta a posição de Compartilhe isso:
hierarquização e disputa no interior dos pressupostos e limites
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dados pelo capitalismo e sua posição que no lado sul do globo
jamais deixou de ser colonial. Nada disso interessa aí. Curtir Carregando…