Você está na página 1de 8

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DO TERMO

DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E SUA INCIDÊNCIA


NA AÇÃO PENAL

CRIMES AMBIENTAIS E TERMO DE COMPROMISSO AMBIENTAL


OU TAC: REFLEXOS PENAIS

Continua polêmica a questão da natureza jurídica do termo de


compromisso ambiental (ou termo de ajustamento de conduta) no âmbito
criminal. Afetaria (ou não) a punibilidade da conduta?

Sobre o assunto poderíamos resenhar as seguintes correntes:

(a) o ato de firmar o compromisso já significaria falta


de justa causa para a persecução penal – ou afetaria
o dolo e a culpa-, cabendo o trancamento de
eventual ação penal em curso;

(b) o compromisso (TAC ou TCA) constituiria causa


supralegal de exclusão da ilicitude;

(c) o compromisso (TAC ou TCA) não teria nenhum


reflexo penal se o compromissário dá continuidade
aos atos criminosos (STJ, HC 61.199-BA, j.
04.10.07, rel. Min. Jane Silva);

(d) se a reparação do dano acontece antes do


recebimento da denúncia ocorreria uma causa de
extinção da punibilidade (tal como no crime
tributário);

(e) o compromisso (TAC ou TCA) não tem nenhum


reflexo penal (autonomia das instâncias).

Para nós o TAC ou TCA, enquanto em execução, impede a ação penal


por falta de justa causa; depois de devidamente cumprido torna a pena
desnecessária (princípio da irrelevância da pena). Vejamos:

1. INTRODUÇÃO

A Medida Provisória 2.163-41, de 23.08.2001, inseriu na presente Lei o


art. 79-A, que dispõe sobre o Termo de Compromisso Ambiental (TCA), que
pode ser celebrado entre as pessoas físicas e jurídicas que exerçam
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e os órgãos ambientais
(federais, estaduais, distritais e municipais) integrantes do SISNAMA (Sistema
Nacional do Meio Ambiente).

A finalidade do Termo de Compromisso Ambiental é, conforme


explicitado no § 1.º deste art. 79-A, permitir que as pessoas físicas e jurídicas
que exerçam tais atividades possam promover as necessárias correções de
suas atividades, para o atendimento das exigências impostas.

O TCA pode ser celebrado nos casos de construção, instalação,


ampliação ou funcionamento de atividades e
estabelecimentos efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 79-A, caput). É
dizer, pode firmar compromisso quem supostamente provocará degradação
ambiental, bem como quem já causou degradação ao exercer sua atividade
econômica. Assim sendo, este art. 79-A tem relação não somente com o crime
do art. 60 desta Lei – que se referem apenas a estabelecimentos, obras ou
serviços potencialmente poluidores – mas também com os demais delitos de
poluição e assemelhados, previstos na Lei Ambiental.

2. O TAC OU TCA AFETA O DOLO OU A CULPA ASSIM COMO A


JUSTA CAUSA DA AÇÃO PENAL

Na doutrina, Guilherme de Souza Nucci1, em comentários a este art. 79-


A coloca que:

“se houver acordo entre os órgãos de controle


ambiental e pessoas físicas ou jurídicas para a
regularização de atividades relativas à exploração
ambiental, pode haver reflexo na órbita penal,
afetando a prova do dolo ou da culpa, bem como
servindo de obstáculo à propositura da ação penal,
por falta de justa causa. Depende, pois, da análise
do caso concreto”.
Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fábio M. De Almeida
Delmanto2 também entendem que:

“a realização do referido termo de ajustamento de


conduta impede, por falta de justa causa, a ação
penal”.

1
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo:
RT, 2006.
2
DELMANTO, Roberto, DELMANTO JÚNIOR, Roberto, DELMANTO, Fábio M. De
Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
Na jurisprudência, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que o
Termo de Compromisso acarreta a extinção da punibilidade e conseqüente
falta de justa causa para a ação penal: dirigentes da Câmara de Lojistas de
Belo Horizonte foram denunciados pelo art. 63 da Lei 9.605/98 porque
colocaram na sede do prédio duas placas publicitárias, sem a prévia licença
dos órgãos competentes, sendo que o local está no perímetro urbano da Praça
da Liberdade. Os dirigentes firmaram Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta com o Ministério Público e passaram a cumpri-lo fielmente, mas
oito dias após foram denunciados pelo crime mencionado. O TJ/MG decidiu
então que:

“Nos termos do art. 79-A da citada Lei, o referido


‘termo de acordo’ tem força de título executivo
extrajudicial, extinguindo-se a punibilidade do
agente, impedindo, de fato, a propositura da ação
criminal. Nesse caso, feita a transação, apenas o
descumprimento avençado deve ser objeto de
execução, pois a matéria penal ficou definitivamente
desconstituída, não se mostrando justa a
instauração da ação penal”. Além disso, acrescentou
o relator, “não há justa causa para a instauração da
ação penal, uma vez que o Termo de Compromisso
vem sendo estritamente cumprido, não se
mostrando justa a instauração da ação penal.”
(TJ/MG, AC 1.000.04.410063-4/000 (1), rel. Des.
Antônio Carlos Cruvinel, DJ08.10.2004)
Posteriormente o Tribunal Mineiro voltou a decidir no mesmo sentido:

“Nos crimes ambientais, a assinatura de termo de


compromisso de ajustamento de conduta junto aos
órgãos competentes, antes do oferecimento da
denúncia obsta a propositura da ação penal, tendo
em vista a falta de justa causa para a persecução
criminal, ante a desconstituição da matéria penal.
Ordem concedida” (TJ/MG, HC 1.0000.468818-3,
rel. Antônio Armando dos Anjos, DOE 03.04.2008).
Há, entretanto, decisão em contrário no Superior Tribunal de Justiça:

“a assinatura do termo de ajustamento de conduta


não impede a instauração da ação penal, pois esta
ocorre em área de atuação diversa.” (STJ, RHC
21469/SP, rel. Min. Jane Silva, DJU 05.11.2007, p.
289).

No Supremo Tribunal Federal também há decisão considerando que a


simples assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta não afasta, de plano,
a tipicidade:
“HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA O MEIO
AMBIENTE – LEI 9.605/98 – ‘TERMO DE
COMPROMISSO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL’
– Exclusão de justa causa para o prosseguimento da
ação penal não configurada. O trancamento de ação
penal em habeas corpus impetrado com fundamento
na ausência de justa causa é medida excepcional
que, em princípio, não tem cabimento quando a
denúncia ofertada narra fatos que, mesmo em tese,
constituem crime. 3. Dessa forma, o fato de o
paciente haver firmado ‘Termo de Compromisso de
Recuperação Ambiental’ e noticiado processo
administrativo em curso consubstanciam
circunstâncias insuficientes para, de plano, excluir a
tipicidade da conduta imputada ao réu” (STF, HC
86.361/SP, rel. Min. Menezes
Direito, DJE 01.02.2008, p. 400).

3. A REPARAÇÃO DO DANO ANTES DO RECEBIMENTO DA


DENÚNCIA É CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE

Gilberto Passos de Freitas3, em sua obra Ilícito Penal Ambiental e


Reparação do Dano destaca que a reparação do dano é fator fundamental e
imprescindível para o êxito de uma política de proteção ao meio ambiente. E
após ressaltar a importância do direito penal não só na proteção do meio
ambiente, mas também como instrumento de reparação, o autor faz uma
indagação, que segundo ele não pode ficar sem resposta: “a reparação do
dano ambiental, antes do oferecimento da denúncia, afasta a tipicidade? Seria
uma causa excludente de antijuridicidade ou de extinção da punibilidade?”.

Ao responder às suas próprias indagações, Gilberto Passos de Freitas


entende que a reparação do dano, antes do oferecimento da denúncia não
afasta a tipicidade da conduta, a não ser em caso de lesão insignificante e
também não elide a antijuridicidade da conduta. Mas deve ser considerada,
de lege ferenda, causa extintiva de punibilidade. Diz o autor:

“Em alguns casos, uma ação penal ou o


cumprimento de uma pena podem ser inoportunas e
inadequadas. Assim, o Estado prevê causas de
extinção da punibilidade e da pena, que consistem
no desaparecimento da pretensão punitiva do
Estado. (...) O elenco previsto no Código Penal e em
leis especiais, não impede que outras causas de
extinção da punibilidade possam ser estabelecidas

3
PASSOS de FREITAS, Vladimir; PASSOS DE FREITAS, Gilberto. Crimes Contra a
Natureza. 7. ed. São Paulo: RT.
pelo legislador, desde que, diante de um fato, não
haja mais interesse por parte do Estado na punição
do agente. E aqui, a nosso ver, está a resposta à
indagação feita de início, ou seja, de se reconhecer
a reparação do dano ambiental como causa extintiva
de punibilidade. Consoante prelecionam Antonio
Scarance Fernandes e Henrique Duek Marques: ‘a
jurisprudência, como fonte mediata do direito penal,
já antecipa uma tendência para extensão da
reparação do dano ambiental como causa de
extinção da punibilidade, afastando a pena privativa
de liberdade naqueles delitos que perdem
substância com a reparação espontânea do agente.
Assim, com relação ao meio ambiente, a adoção de
idêntica causa seria muito importante, não só pelo
que em si representa, como e, principalmente, para
solucionar uma questão que vem causando grande
polêmica, ou seja, quando o agente cumpre o
acordo firmado no compromisso de ajustamento de
conduta firmado para reparar o dano, reparando-o
integralmente e assim mesmo tem de ser submetido
ao processo criminal. De todo o exposto, resulta a
necessidade de uma alteração legislativa que,
partindo da importância da reparação do dano
ambiental prevista na Constituição Federal de 1988
e considerando o princípio da obrigatoriedade da
ação penal, proceda à adequada conjugação das
soluções consagradas em nosso ordenamento
jurídico e a consagrar, preveja como causa de
extinção da punibilidade a reparação integral do
dano ambiental antes do recebimento da denúncia,
assim como a suspensão do prazo prescricional
para os casos em que a reparação do dano
demande certo tempo”4.

4. O TAC OU TCA É CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA


ILICITUDE

O magistrado José Luiz de Moura Faleiros5 entende que o Termo de


Ajustamento de Conduta constitui causa supralegal de exclusão da ilicitude:

“A celebração de um Compromisso de Ajustamento


de Conduta, tal qual previsto no art. 5.º, § 6.º, da

4
O autor menciona vários exemplos de reparação do dano como causas extintivas de
punibilidade, já existentes em nosso ordenamento jurídico, como o pagamento do tributos, nos
delitos de sonegação fiscal, de apropriação indébita tributária, de peculato culposo etc.

5
FALEIROS, José Luiz de Moura. Crimes Ambientais. Disponível em:. Acesso em 02 abr 2008.
Lei 7.347/85, ou no art. 79-A da Lei 9.605/98, que
preveja a integral reparação do dano ou a completa
regularização da atividade perante os órgãos
licenciadores gera efeitos, não apenas na seara do
Processo Penal, mas também no campo do Direito
material. Isto porque, para a caracterização de um
fato como antijurídico não basta a sua mera
subsunção à norma, através de uma análise fria e
formal da realidade. A antijuridicidade há de restar
concretamente demonstrada, assim como a lesão ou
a ameaça de lesão há de ser socialmente relevante.
Vale dizer: há que se perquirir o porque da conduta
irregular e, ainda, quais as possíveis e prováveis
consequências para o ambiente dessa mesma
conduta. Um exemplo: no caso concreto, que uma
atividade, ainda que não-licenciada, não provoca
dano ambiental nem gera risco de lesão ao ambiente
e, ao mesmo tempo, que a atividade já está em
processo de regularização, mediante o cumprimento
das cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta
firmado e que o empreendedor está tomando todas
as providências tendentes a cumprir as exigências
do Poder Público, não haveria, em tese, ilicitude
material da conduta. Já nos casos dos crimes de
resultado, como, por exemplo, o de poluição, a
existência de um acordo firmado na área cível ou
administrativa com os agentes públicos competentes
e que assegure a integral recuperação do ambiente
degradado também pode constituir forte argumento
para a improcedência da ação penal, uma vez que
nesta hipótese, a finalidade última dessa esfera de
responsabilização ambiental já terá sido alcançada.
Com efeito, o reconhecimento de causas supralegais
de exclusão da ilicitude, que se excedem ao rol
exemplificativo do artigo 23 do Código Penal, a
exemplo da reparação do dano, viabilizada através
de um acordo entre o agente responsável e o
Ministério Público, é um imperativo dos tempos
modernos (...). Em síntese, a legislação ambiental
tem por vocação a prevenção e a reparação do
dano, que são exatamente o objeto do chamado
Termo de Ajustamento de Conduta. Este
instrumento, ao estabelecer condicionantes técnicas
e cronograma para a execução de determinadas
obrigações, definidos mediante as negociações que
se realizam entre o órgão ambiental e o
empreendedor, garante a regularização das
atividades e, ao mesmo tempo, a sua continuidade.
E a forma legal de conciliação entre a preservação
ambiental e o desenvolvimento econômico, que se
traduz exatamente no ideal do desenvolvimento
sustentável, que busca crescer sem destruir.
Quando essa situação se apresenta, a conduta tida
abstratamente como delituosa perde, no caso
concreto, seu caráter de antijuridicidade”.

5. O TAC OU TCA NÃO TEM NENHUMA RELEVÂNCIA PENAL

Ao contrário, José Roberto Marques6 sustenta que a reparação do


dano, antes ou durante a ação penal, não acarreta a extinção da punibilidade
nos delitos ambientais. O autor faz várias ponderações: em primeiro, coloca
que o art. 225, § 3.º, da CF prevê que os infratores ambientais sejam
responsabilizados administrativa e penalmente, independentemente da
obrigação de reparar o dano, o que torna certo que a reparação do dano não
elide a responsabilização criminal. Sustenta ainda que o art. 14, II da
Lei 9.605/98 prevê a reparação do dano como atenuante de pena e o
art. 17 prevê a possibilidade de concessão do sursis especial (art. 78, § 2.º,
do CP) apenas se houver a reparação do dano.

Assim, argumenta o autor:

“se ocorresse extinção da punibilidade com a


reparação do dano, o sursis não teria aplicação no
caso de crimes ambientais, pois ele tem-na como
pressuposto”. Pondera ainda o autor que o art. 27 da
Lei somente permite a formulação de proposta de
transação penal se houve a prévia composição do
dano ambiental, colocando que “se o legislador
condicionou a proposta de transação à prévia
reparação do dano, foi porque não a considerou
como forma de extinção da punibilidade. Ao
contrário, reparado o dano, jamais haveria proposta
de transação”. Por último o autor argumenta que o
art. 9.º da Lei prevê a reparação do dano como
forma de pena, não podendo, pois, ser ao mesmo
tempo causa extintiva de punibilidade. No mesmo
sentido, sustentando a autonomia das instâncias, cf.
AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal, Compromisso
de ajustamento de conduta ambiental, RT, 3. Edição,
2010, p. 128.

6. NOSSA POSIÇÃO

6
Crime ambiental: reparação do dano e extinção da punibilidade. Revista de Direito Ambiental,
n. 43, p. 347-351. São Paulo: RT, jul-set 2006.
Se a pessoa passa a construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer
funcionar um estabelecimento, obra ou serviço potencialmente
poluidor contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes tal
conduta subsume-se perfeitamente ao disposto no art. 60 desta Lei. Mas se
depois firma Termo de Compromisso com o Poder Público justamente para
“promover as necessárias correções” e as promove, cumprindo, integralmente,
o compromisso ajustado (as exigências impostas), não há razão (interesse)
para a responsabilização penal. Falta justa causa para a ação penal (enquanto
o TAC ou TCA está sendo cumprido).

No caso do estabelecimento que já está funcionando e que já causou


degradação ambiental, o cumprimento fiel e integral do Termo de Compromisso
Ambiental deve funcionar como causa de renúncia da pena (princípio da
irrelevância da pena).

A assinatura do compromisso de reparação do dano deve impedir a


propositura de ação penal ou suspender a ação já em curso. E o cumprimento
total do compromisso deve ensejar a incidência do princípio da irrelevância da
pena, nos termos do art. 59 do CP (que manda o juiz aplicar a pena somente
quando necessária). Se o meio ambiente foi reparado, não há razão para a
punição criminal.

O TAC ou TCA não pode ter efeito excludente da tipicidade ou da


antijuridicidade (excludente do dolo ou da culpa ou da antijuridicidade). A
reparação do dano não retroage para eliminar o fato já praticado. A reparação
do dano, no entanto, pode afetar a necessidade da pena, que tem que ser
avaliada pelo juiz, no momento da sentença. Sendo desnecessária a pena, o
juiz deixa de aplicá-la (por força do princípio da irrelevância da pena, que tem
fundamento legal no art. 59 do CP).

A reparação do dano ambiental não pode ser causa extintiva da


punibilidade por falta de base legal. Logo, a melhor corrente (s. M. J.) é a que
estamos sustentando: princípio da desnecessidade da pena (ou da irrelevância
da pena), que tem fundamento legal no art. 59 do CP.

Você também pode gostar