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28/07/2019 CADERNO DE TURISMO - Os primeiros hotéis da cidade de São Paulo - Século 19: Império e República

  MAPA DO CORREIO GOURM@ND

     
     

Viajar e comer - prazeres indissolúveis


 
 
OS PRIMEIROS HOTÉIS DA CIDADE DE SÃO PAULO
Século 19: Império e República
 
Eudes Campos
 

Reminiscências dos tempos coloniais

Figura 1 - Pintura de autoria de Charles Landseer chamada


No princípio do século 19, quem chegasse a São Paulo e quisesse passar alguns dias na cidade, Tropeiro Paulista, baseada em desenho a lápis de 1827,
desfrutando certo conforto e tranqüilidade, tinha de trazer na bagagem cartas de recomendação mostrando um pouso de tropeiros. À frente, vemos a figura
dirigidas a moradores dispostos a acolher viajantes em sua residência. Aqui não existiam hotéis, típica do tropeiro paulista, aguardando o apresto das montarias
em meio a bagagens e fardos de mercadorias.
só pousos e estalagens para tropeiros. Entre as albergarias se encontrava a de certo português No detalhe abaixo, a mesma cena na versão em desenho.
chamado Antônio ou Antônio Manuel (?-1857), situada na entrada da cidade, no largo posicionado
entre a saída da estrada de Pinheiros e Sorocaba (atual Rua da Consolação) e a da de Santo
Amaro (hoje rua desse nome). O estado de imundície do lugar era tão revoltante, que o
naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) lamentou o fato de ter sido obrigado a
passar nele duas noites seguidas, em 1819. Precavido, Saint-Hilaire munira-se de carta de
apresentação para ficar hospedado em casa particular, mas o cidadão a quem a carta era dirigida
se ausentara por alguns dias, forçando o viajante a se recolher às horríveis instalações da
estalagem do Bexiga, apelido pelo qual era conhecido o proprietário do estabelecimento.

Os raros europeus que passavam por São Paulo naquela época sempre traziam cartas de
recomendação. Assim acontecera, por exemplo, com o mineralogista inglês John Mawe (1764-
1829), que, antes do francês, em 1808, também teve a má sorte de não encontrar a pessoa a
quem a carta estava endereçada. Foi portanto igualmente constrangido a pernoitar na estalagem
onde deixara suas bestas de carga. Pela descrição que fez, Mawe passou a noite num pouso
situado nas proximidades da Capital: ao lado de um grande pasto, via-se um amplo telheiro
sustentado por esteios de madeira, sob o qual eram descarregados e reunidos os fardos trazidos
pelos animais e onde os viajantes descansavam como podiam (fig.1). Destinado a atender as
necessidades mais elementares de homens de vida rude como os tropeiros, esse tipo de abrigo
precário, segundo o viajante inglês, se achava então espalhado por todo o Brasil.

O País daquele tempo ainda não cortara os laços com o império português, e até então não
desenvolvera uma vida urbana que, do ponto de vista social, econômico e cultural, fosse capaz de
atrair o interesse da maioria dos estrangeiros. Aliás, a Metrópole, sempre ciosa das riquezas
minerais existentes na colônia, durante muito tempo procurou mesmo evitar a presença de
forasteiros dentro do território brasileiro. Não é à toa que os poucos viajantes estrangeiros que
conseguiram visitá-lo no inicio dos Oitocentos sempre se tornavam objeto de intensa curiosidade, Figura 2 - Hotel Palm.
à qual não deixava de se mesclar uma grande dose de desconfiança proveniente da população em Foto de autoria de Militão Augusto de Azevedo, 1862/1863.

geral.  

Até por volta da década de 1830, os estabelecimentos de hospedagem na cidade de São Paulo se
reduziam aos pousos dispostos ao longo das estradas e às albergarias de tropeiros situadas nas
cercanias da área urbana. As albergarias eram em geral compostas de duas fileiras de cubículos
contíguos, desprovidos de janela e com as portas dando para um vasto terreiro. Segundo o
paulistano Francisco de Assis Vieira Bueno (1816-1908), não havia outras formas de hospedagem
na cidade porque os viajantes procedentes do interior eram poucos, e os do exterior em menor
número ainda. Em razão disso, os de fora que desejassem ficar mais bem acomodados tinham de
se contentar com a hospitalidade oferecida por particulares.

Para bem acolher os forasteiros, as casas urbanas e rurais do mundo colonial brasileiro, quando
pertencentes a pessoas de recursos, estavam quase sempre, desde o final do século XVIII,
providas de baterias de alcovas, cujas portas se abriam para a sala de visitas. Essas peças
desprovidas de janelas eram especialmente destinadas a hóspedes. Em geral apresentavam
pequenas dimensões, comportando poucos móveis, entre eles o indispensável leito, mas quando o
proprietário era bastante rico, e gostava de ostentar, poderiam ser exuberantemente decoradas e
providas de portas envidraçadas, sendo então denominadas câmaras nobres. O visitante ficava
assim restrito à parte social da casa, sem nunca entrar em contato direto com a família do
hospedeiro. Na maioria das vezes, o hóspede nem chegava a pôr os olhos na dona da casa, já que
nas regiões brasileiras mais conservadoras os membros da família do sexo feminino pouco contato
mantinham com o mundo exterior.

Poucos anos depois, em 1839, outro visitante, o reverendo metodista norte-americano Daniel P.
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Kidder (1815-1891), contou num de seus relatos que em São Paulo se dirigiu ao único
estabelecimento em que era possível conseguir hospedagem e aí se instalou “com conforto”. A
hospedaria então existente se achava sob a direção de um francês chamado Charles, casado com
uma portuguesa. Esse Charles, no entanto, não admitia em seu estabelecimento quem estivesse
desprovido de carta de recomendação. Por causa disso, os companheiros do sacerdote tiveram de
passar a noite numa casa em ruínas, onde chovia tanto como na rua. Ainda em 1847 o advogado
americano Samuel Green Arnold (1821-1880) escrevia que na capital paulista só havia uma única
pousada. Hotéis propriamente ainda não haviam sido criados. Consta que durante esse tempo, em
São Paulo como em outras cidades brasileiras, as casas comerciais faziam muitas vezes o papel de
hotéis, dando hospedagem a seus fregueses do interior. Sabe-se também que algumas vendas ou
tascas, em geral bem ordinárias, ofereciam modestas acomodações para viajantes pouco
exigentes ou desprovidos de recursos. Hábito que muito mais tarde faria com que essas vendas
fossem classificadas como cortiços, conforme somos induzido a pensar a partir do relatório
elaborado em 1893 pela comissão responsável pelo exame e inspeção das habitações de padrão
subnormal localizadas no bairro de Santa Ifigênia.

Ainda nos primeiros anos de 1860, conta-nos Maria Pais de Barros (1851-1852) em suas memórias,
quando sua grande família seguia em comitiva para o interior na ronda anual pelas fazendas do
pai, o rico comendador Luís Antônio de Sousa Barros (1809-1887), parava às margens do Rio
Jundiaí e pousava na estalagem da Ponte, cujo afável proprietário tinha o nome de Pinto e o
apelido de Barão da Ponte. Pela descrição que Maria faz da hospedaria, pouco se diferenciava da
velha hospedaria do Bexiga em São Paulo. “Uma fila de pequenos aposentos que davam para o
terreiro, compostos de uma saleta nua e uma alcova escura com duas camas”.

Os primeiros hotéis à européia

Foi somente na década de 1850, parece, que começaram a surgir os primeiros hotéis paulistanos
que dispensavam os hóspedes da apresentação de cartas de recomendação. O historiador Ernani
Silva Bruno (1913-1986) em seu História e tradições da cidade de São Paulo (1954), um dos
historiadores pioneiros sem dúvida nesse tipo de estudo, conseguiu resgatar alguns nomes de
Figura 3 - Anúncio do Hôtel des Voyageurs, em que se vê a
estabelecimentos do gênero a partir do almanaque paulistano publicado em 1857: o HOTEL
aparência original da Casa de Sotea.
PAULISTANO, de Adolfo Dusser, na Rua de São Bento, esquina da Ladeira do Acu; o HOTEL DO Correio Paulistano, de 15 de agosto de 1857
Arquivo Públicodo Estado de São Paulo.
COMÉRCIO, de Hilário Magro, na Rua da Fundição (hoje Floriano Peixoto), esquina do Pátio do
Colégio, pegado ao Teatro da Ópera; o HOTEL DA PROVIDÊNCIA, de Madame Lagarde, com  
 
bilhares, jogo então muito em moda, na Rua do Comércio, que já não estaria consignado no
almanaque do ano seguinte; e o melhor deles todos, o HOTEL UNIVERSAL, de propriedade do
francês Lefèbre, também no Pátio do Colégio, onde se faziam lautas ceias para pessoas abonadas,
segundo o memorialista da Academia de Direito do Largo de São Francisco Spencer Vampré (1888-
1964). Quase contemporâneo desses estabelecimentos era o HOTEL DAS QUATRO NAÇÕES, que
alguns anos depois, sob a direção de José Marigliano, passaria a se chamar Hotel da Itália e ainda
mais tarde Hotel de França. Em 1857 fundou-se também o chamado RECREIO PAULISTANO na Rua
da Imperatriz (Quinze de Novembro), que no ano seguinte estava funcionando na Rua Direita.

Nessa relação de endereços de hotéis existentes nos últimos anos de 1850, não podemos deixar
de incluir o pequeno HOTEL PALM (fig.2), que se vê numa foto bastante conhecida de autoria de
Militão Augusto de Azevedo (1837-1905). Tratava-se de um sobradinho situado no Largo do Capim
(hoje do Ouvidor), espaço público que era continuação do Largo de São Francisco. Conforme
descobrimos na época em que elaborávamos nossa tese de doutorado (1997), a edificação havia
sido erguida em 1851 por seu proprietário Carlos Abraão Bresser (1804-1856), um agrimensor ou
engenheiro prático alemão, diplomado e considerado engenheiro civil no Brasil. A construção nos
chamou a atenção porque há indícios de que poderia constituir um dos primeiros exemplares Figura 4 - Fachada do Hotel da Paz.
Anúncio publicado em jornal da época
edilícios na cidade em que se empregaram tijolos, ao menos na execução de suas paredes
 
externas. Bresser com esse prédio parece ter querido demonstrar que era possível, e desejável,  
introduzir na arquitetura da cidade uma nova técnica construtiva, tida como mais aperfeiçoada e
resistente, sobretudo à vista do desastre causado pela enchente de 1850, e assim procedendo
contribuiu de forma significativa para a modernização da cultura arquitetônica local.

Que Bresser conhecia muito bem a técnica tijoleira em seu país de origem isto é fato
comprovado, pois fora contratado na Europa em 1838 para liderar uma equipe de operários que,
no Brasil, entre outros trabalhos, fabricariam tijolos e os empregariam na construção da estrada
que teriam de abrir entre Santos e São Paulo (futura Estrada da Maioridade). Seu desempenho na
abertura da estrada foi considerado insuficiente e por isso acabou afastado da obra pelo governo
da Província, mas permaneceu como engenheiro provincial, executando a contento muitas outras
tarefas, nas quais soube até recorrer à costumeira taipa de pilão, sempre que necessário.
Hotel Itália e Brazil, na Ladeira do Açu, hoje começo da Av. São
Ergueu seu predinho no largo do Capim para nele instalar, no térreo, uma quitanda, em que João, 1887. Fonte: São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a
vendia produtos cultivados na horta de sua chácara estabelecida no Brás, enquanto residia na metrópole. O Estado de S. Paulo / Terceiro Nome, 2004, p. 56

parte superior do imóvel. Em 1856, decidiu abrir um restaurante para os alunos da Academia de  
Direito com cardápios ao gosto francês, inglês, alemão e brasileiro, mas faleceu pouco depois,
repentinamente. O prédio, conhecido pelo nome de Casa de Sotea, abrigou a seguir, ainda em
1856, o HOTEL DO LION D’OR, que pouco durou, depois no ano seguinte aí funcionou o HÔTEL DES
VOYAGEURS (fig.3), de propriedade do francês Pedro Imbert, e do terraço de cobertura – que é
justamente o significado da palavra sotea, hoje em dessuetude (desuso) –, construído certamente
com abóbadas de tijolos, os hóspedes, conforme anúncios publicados na imprensa, podiam gozar
da bela paisagem densamente arborizada que se estendia até os altos do Caaguaçú (região da
atual Avenida Paulista). Em 1860, o hotel passou para as mãos do alemão Carlos Palm, que se
desfez do terraço original, sem dúvida devido à presença de alguma infiltração, mandando cobri-
lo com um telhado comum. Essa atitude teve como resultado ocultar da posteridade a
importância arquitetônica da pequena construção, característica que só conseguimos recuperar
 Figura 5 - Hotel d’Oeste, 1887
após certo esforço de pesquisa.

Os historiadores da vida paulistana oitocentista fazem questão de ressaltar que apenas os


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forasteiros podiam freqüentar esses primeiros hotéis da cidade, sem correr muito risco de
desmoralização, a não ser talvez em discretas refeições noturnas. O hotel em que o francês
Frédéric Houssay se hospedou em 1862, por exemplo, estava povoado de negociantes
estrangeiros. O fato é que a vida coletiva transcorrida nesses estabelecimentos, conforme
observou Afonso de Freitas (1868-1930), feria a suscetibilidade da população paulistana por
transmitir uma sensação de promiscuidade intolerável. Nesse tempo, mulheres que
freqüentassem hotéis estavam fadadas a perder infalivelmente a respeitabilidade...

A partir do funcionamento da estrada de ferro de Santos a Jundiaí (1867), as coisas começam,


afinal, a mudar de figura na capital paulista. O principal produto da economia agroexportadora
desenvolvida na Província de São Paulo terá a partir de então condições de se expandir com
Figura 6 - Hotel d’Oeste, 1890
rapidez pela região oeste e a Capital irá, com o tempo, com o enriquecimento da Província,
absorver pouco a pouco a complexidade do modo de vida urbano capitalista. Os forasteiros,
comerciantes e empreendedores, tornar-se-ão predominantes na cidade, tanto divulgando modas
estrangeiras, quanto inoculando novos comportamentos sociais e hábitos mentais na população
local. Como resultado de tudo isso, aparecerão hotéis maiores e mais bem montados, como o
Hotel da Europa e o do Globo, além de várias pensões, de acordo com Spencer Vampré.

Em 1865, passava por São Paulo, em decorrência do início das hostilidades da Guerra do Paraguai,
o futuro Visconde de Taunay (1843-1899). Jovem e rico, o engenheiro militar Taunay hospedou-se
no HOTEL DA EUROPA, localizado na antiga Rua do Rosário, então dirigido por Planel (Pedro Luis
Pereira de Sousa, certa ocasião, pediu ao filho do visconde, o historiador Afonso d’Escragnolle
Taunay, 1876-1958, para confirmar se seu pai esteve hospedado no HOTEL DE FRANÇA, como
Figura 7 - Hotel d’Oeste, 1900
afirmara Silva Bruno em seu livro História e tradições..., Taunay chegou à conclusão que seu pai
cometera um lapso ao redigir suas memórias, pois o hotel onde se hospedara em 1865 era
realmente o HOTEL DA EUROPA). Achou ótimas as refeições, o serviço excelente e a limpeza
perfeita. Era na época um centro freqüentado por tudo quanto São Paulo tinha de melhor no que
se refere ao elemento masculino da sociedade local. Ao mesmo HOTEL DA EUROPA, fez menção,
ainda no ano de 1865, o capitão norte-americano John Codman (1814-1900), dizendo que o
estabelecimento não era inferior a qualquer outro que conhecera no Brasil, sendo mesmo
superior aos da capital do Império. A mesa era boa e farta e o vinho estava sempre presente,
como era hábito nos hotéis franceses.
Figura 8 - Hotel d’Oeste, 1905

O HOTEL DE FRANÇA, por sua vez, localizava-se na esquina da Rua Direita com São Bento, no Figuras 05 a 08
Evolução formal do Hotel d’Oeste entre 1887 e 1900.
chamado Quatro Cantos. Ocupava o antigo e vasto solar do Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão Reconstituição gráfica aproximada executada com técnica digital.
(c.1778-1827), edifício de taipa de pilão provavelmente erguido nos recuados anos de 1820. Era Autoria: arq. Eudes Campos, 2009.
uma característica de todos os hotéis paulistanos da segunda metade do século 19 estarem  
alojados em sobrados previamente existentes, sem dúvida pouco, e mal, adaptados, o que já  
configurava um tipo específico de capacidade de investimento e de mentalidade empresarial.
Atitude que se manteria durante muito tempo em São Paulo, só sendo desafiada pela construção
do GRANDE HOTEL.

Nova fase da hotelaria paulistana iniciada com o GRANDE HOTEL

Este estabelecimento inauguraria uma etapa totalmente nova no ramo da hotelaria paulistana,
em razão de ter sido sua sede projetada especialmente para o uso a que se destinava, segundo os
padrões internacionais de então, por um engenheiro e por um arquiteto estrangeiros. As
atividades do estabelecimento se iniciaram em 1.º de julho de 1878. Com aspecto suntuoso, e
excelente serviço, atraiu grande número de hóspedes do HOTEL DA PAZ (fig.4), instalado na Rua Figura 9 - Hotel Albion, então ocupando a antiga residência
de Antônio Álvares Leite Penteado, futuro Conde Álvares
São Bento, e de deputados provinciais, que, quando provenientes do interior, permaneciam na
Penteado, na Rua Brigadeiro Tobias, c. 1929.
Capital durante toda a temporada das sessões legislativas. Segundo descrição de Junius,
 
pseudônimo do carioca Firmo de Albuquerque Dinis (1828-?), o GRANDE HOTEL impressionava por
sua decoração interna. Tinha um salão enorme, iluminado por inúmeros bicos de gás e
candelabros, e decorado por jarras de flores e espelhos, responsáveis pela sedutora duplicação de
espaços, luzes e objetos. Era um hotel que não tinha rival nem na Corte nem em outras cidades
do País. “Senti uns ares dos bons hotéis da Europa: recordei-me do confortável e do bom gosto
que neles se encontram”, garantiu Junius. Até o jovem irmão do imperador da Alemanha, o
príncipe Henrique da Prússia (1862-1929) esteve hospedado nesse estabelecimento, tal como a
famosa atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923), entre nós em 1886. E a própria Princesa
Isabel (1846-1921), curiosa, não resistiu à tentação de visitá-lo em 1884. Por sua vez, o jornalista
alemão radicado no Rio Grande do Sul Karl von Koseritz (1830-1890), quando nele esteve
hospedado em 1883, qualificou o vestíbulo do GRANDE HOTEL de soberbo, enquanto o general
Christopher C. Andrews (1829-1922), na mesma época, observou que como edificação era o maior
e o melhor de todo o Pais, com aposentos e móveis de primeira ordem. Como aspectos negativos,
apontou, porém, a mesa, que não lhe pareceu grande coisa, e o fato de a porta principal se
fechar provincianamente às dez horas da noite (embora uma postura municipal, referente ao art. Figura 10 - Hotel de França, c. 1912.
156 da recodificação de 1886, permitisse o funcionamento dos hotéis em todos os dias até a Embora a imagem esteja datada de 1906 no álbum de onde
meia-noite). provém, isso é desmentido pela figura feminina vista de costas 
em primeiro plano (canto inferior direito), portando um tailleur no
rigor da moda do início das anos 10.
Já em 1877, esse dublê de litógrafo e empresário que era Jules Martin (1832-1905) e o engenheiro
santista Fernando de Albuquerque haviam lançado um mapa turístico da Capital para uso dos
forasteiros que vinham tratar sobretudo de negócios, em geral, fazendeiros interessados em
defender os preços de suas sacas de café e em fazer lobby sobre os políticos e os poderes
públicos. Dobrável e acondicionado em carteira de papelão, em formato de bolso, estava
fartamente ilustrado, com as fachadas dos mais notáveis edifícios da cidade: igrejas, conventos,
edifícios públicos, sedes de jornais, fábricas e oficinas a vapor, estações de trem e de bonde,
acompanhadas do traçado das respectivas linhas. Havia escolas, colégios, lojas maçônicas,
escritórios das principais companhias férreas, dois palacetes particulares e quatro hotéis, então
considerados os melhores: o DA PAZ, na Rua São Bento, o DE FRANÇA, no Quatro Cantos, o DA
EUROPA, na Rua da Imperatriz, e o ALBION, na Rua Alegre. Esse mapa seria logo a seguir
reimpresso para conter uma importantíssima atualização: a inclusão do GRANDE HOTEL,
inaugurado em meados do ano seguinte.
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Além do GRANDE HOTEL, o historiador Silva Bruno elencou em seu estudo os seguintes
estabelecimentos de hospedagem existentes em 1885: o HOTEL BRASIL E ITÁLIA (na Rua da Boa
Vista; mas em 1887 na esquina da Rua São Bento com Ladeira de São João), o HOTEL FASOLI (na
Senador Feijó), o HOTEL BOA VISTA (na rua de mesmo nome), o HOTEL PROVENCEAU (que cedeu
seu posto na São Bento com Ladeira São João para o citado HOTEL BRASIL E ITÁLIA), e o HOTEL
DO OESTE (no Largo São Bento).

Este último começara em 1878 numa casinha térrea de tradicional aspecto luso-brasileiro, com
um combustor de gás na esquina, como bem reparou o citado historiador Silva Bruno (fig.5).
Depois foi aumentado, chegando a ocupar três casas pegadas, das quais dois sobrados das
extremidades adquiriram em algum momento a forma de chalé (fig.6) – entre 1885, talvez, e
1892. Em seguida, foi outra vez ampliado, ganhando mais um andar, o que lhe conferiu a Figura 11 - Anúncio do Grande Hotel.
aparência de um grande bloco formado de três corpos e com três pisos (fig.7). As platibandas Ilustração de almanaque paulistano de 1896.

eram retas e estavam decoradas com compoteiras de cimento, no típico estilo arquitetônico
praticado pelos mestres de obras portugueses; essa aparência perdurou até pegar fogo em 1900,
quando então foi reconstruído com apenas dois pavimentos, mas de acordo com uma linguagem
mais moderna, da qual resquícios sobrevivem até hoje no local (fig.8). Não deixa de ser curioso
notar que por volta de 1900 foi publicado na imprensa um anúncio do então chamado Grande
Hotel d’Oeste em que há um desenho, de autoria do litógrafo Jules Martin, no qual o
estabelecimento aparece sob a forma de quatro corpos, compostos de três pisos, perfazendo
dezesseis aberturas de frente em cada andar. Essa aparência na verdade nunca existiu e deve ser
atribuída a um projeto de reconstrução do edifício incendiado, mais tarde abandonado em prol
daquele de que ainda hoje se vêem vestígios.

Além do HOTEL DE FRANÇA e do HOTEL MARIGLIANO, já referidos, cita Silva Bruno a presença
ainda de modestos hotéis para imigrantes, sem denominação, os chamados alloggi, aludidos por
Junius em seu livrinho "Alguns dias na Paulicéia" (1882).

Grande Hotel, Rua São Bento, 1911.


Referindo-se aos últimos anos do século 19, Everardo Valim Pereira de Sousa menciona o HOTEL Fonte: A cidade da Light, 1899-1930, São Paulo,
ALBION (na atual Brigadeiro Tobias), perto da estação ferroviária da Luz, lugar preferido para o Eletropaulo, vol. 1, 1990, p. 121
funcionamento de hotéis módicos e populares. Estabelecido nessa rua desde os anos de 1870, o  
Albion anunciava na imprensa possuir três jogos de bilhar e de bola (fig.9). E o HOTEL DAS
FAMÍLIAS. Este ocupando um sobradão em frente ao mercado municipal, num lugar bem pouco
prestigiado da cidade. Cobrava preços especiais e era muito procurado pelos calouros da
Academia de Direito.

Segundo depoimentos de contemporâneos, os únicos realmente bons durante os últimos tempos


imperiais eram o GRANDE HOTEL e o HOTEL DE FRANÇA. Este último, segundo Valim, muito
procurado pelos artistas de teatro de mais recursos quando estavam em São Paulo, tais como,
Pepa Ruiz, Rosa Villiot e Cristina Massart. De acordo com Júlio Henrique Raffard (1851-1906), o
HOTEL DE FRANÇA sofreu uma expansão em 1890, vindo a ocupar vários sobrados adjacentes, na
Rua Direita. Depois de passar pelas mãos de vários donos, foi demolido por volta de 1912 (fig.10).

Na última década do século 19, o GRANDE HOTEL já tinha um rival no GRANDE HOTEL PAULISTA,
erguido na Rua São Bento, esquina da Rua Boa Vista. Conforme descobrimos em pesquisa para
nossa tese, o prédio foi edificado a partir de 1888 por José Fernandes Pinto, provável empreiteiro
de origem portuguesa, para José Estanislau do Amaral, pai da pintora Tarsila do Amaral (1886-
1973), rico fazendeiro que aplicava parte de seus grandes haveres no mercado imobiliário da
Capital. A aparência da construção era muito agradável, distinguindo-se pelo fato de já não
seguir rigorosamente o estilo neo-renascentista inaugurado pelo GRANDE HOTEL, mas por se
Figura 12 - Plantas aprovadas em 1892 para a construção de
aproximar mais do pleno Ecletismo, muito embora o fizesse de forma ainda bastante discreta um edifício que depois seria adaptado para abrigar o Hotel
(fig.11). Rebecchino. - Acervo AHMWL (veja ampliado, clique aqui).
 
Das pensões daquela época, a melhor e mais cara era a da Viúva Reis, que surgiu entre 1872 e  
1876, segundo o memorialista José Luís de Almeida Nogueira (1851-1914). Em 1886, quando nela
se hospedou Valim, ocupava um velho sobrado da Rua São Bento, esquina da Travessa, hoje Rua
do Comércio.
 

Primeiros momentos da República

Nos derradeiros dias do oitocentismo, alguns empreendimentos hoteleiros passaram a ocupar


edifícios imponentes. Já vimos o caso do GRANDE HOTEL e do GRANDE HOTEL PAULISTA,
empreendimentos que remontavam aos últimos dias imperiais. Agora, sob a República, pretendia-
se erguer no Morro do Chá a bela sede do GRANDE HOTEL METROPOLITANO, em construção a
partir de 1895. Na Rua São João, inaugurou-se em 1898 o JOACHIM’S HOTEL, de propriedade de
Frederico Joachim, ocupando um atraente edifício erguido anteriormente de acordo com o
Figura 13 - Imagem parcial do Largo de São Bento, em fins do
projeto do arquiteto alemão Guilherme Von Eÿe, datado de 1895. Aí se instalaria em 1908 o
século 19 (c. 1895). À direita, ao fundo, futuro HOTEL
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, cuja sede é ainda hoje existente. Mais ou menos REBECCHINO. À esquerda, ao fundo, o GRANDE HOTEL PAULISTA.
por essa época, o HOTEL REBECCHINO estabeleceu-se no Largo de São Bento, num vistoso prédio À extrema esquerda, vê-se parte da sede do HOTEL D’OESTE,
antes de pegar fogo em 1900.
de três pisos, com torreão de esquina, cuja planta, hoje conservada no AHMWL, havia sido
 
aprovada em 1892. Construída originalmente para servir de prédio de escritórios, essa última
edificação foi ocupada de início pelo Departamento de Polícia, sendo só a seguir adaptada para
hotel (fig.12). Por volta de 1910, estava ocupada pelo HOTEL MAGNANI.

Tanto o REBECCHINO quanto o MAGNANI não passavam, na verdade, de hotéis de segunda linha, o
mesmo valendo para o GRANDE HOTEL D’OESTE. De grande presença no local, a sede do
REBECCHINO compunha, no entanto, muito bem com o belo prédio do GRANDE HOTEL PAULISTA,
postado do outro lado da esquina e mais tarde ocupado pelo HOTEL D’OESTE (fig.13).
Infelizmente, ambas as edificações foram demolidas por ocasião da realização das obras de
construção da Estação São Bento do Metrô, no início da década de 1970.

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Na passagem para o século 19, a Rua Boa Vista estava de fato tomada por hotéis. Nela se viam
estabelecimentos de qualidade regular misturados a hotéis baratos.

Durante a última década do século 19, seria fundado outro estabelecimento de renome em São
Paulo: o GRAND HÔTEL DE LA ROTISSERIE SPORTMAN, primitivamente situado na Rua São Bento
n.º 57. Originou-se no salão da Rotisserie Sportman, de propriedade do francês Antoine Daniel
Souquières (?-1914). Por volta de 1900, ocupava um belo prédio ao lado, de três pavimentos, de
nºs. 59 e 61, aparentemente construído no início dos anos 1890. No salão nobre do hotel,
sustentado por colunas de ferro, havia um palco para orquestra. Era o local preferido para a
realização de grandes recepções e banquetes, segundo o depoimento de Alfredo Moreira Pinto
(1847-1903) datado de 1899. Dispunha de 40 quartos luxuosamente mobiliados e no subsolo havia
uma afamada adega. Tal como ocorria com o lote do GRANDE HOTEL, o terreno do SPORTMAN
alcançava a Rua Líbero Badaró, onde a construção dispunha de quatro pisos, em razão do forte
desnível descendente apresentado pela encosta do Vale do Anhangabaú.

Nessa época o SPORTMAN já havia ultrapassado em muito o GRANDE HOTEL, tanto em luxo como Largo e Rua de São Bento - 1920
Vista do largo de São Bento, em direção à rua São Bento e
em categoria de atendimento. Depois, em 1911, transferiu-se o estabelecimento para a à Igreja de São Francisco, cujo frontão pode-se vislumbrar ao
construção chamada Casa Barão de Iguape (Rua São Bento, entre Ruas Direita e da Quitanda), fundo. O casario que se vê à esquerda mantém-se até os dias de
hoje com as mesmas características, da mesma forma ocupado
erguida a partir de 1909 no lugar do velho casarão de taipa pertencente a esse destacado por estabelecimentos comerciais. No centro, à esquerda, na
personagem do tempo do Império, com projeto vindo da Europa e construído pelo escritório de esquina com a rua Boa Vista, vê-se o prédio do famoso HOTEL
D'OESTE, reconstruído após incêndio de 1901 e, à direita, área
Ramos de Azevedo (1851-1928). Dispunha de 110 quartos, decorados à sóbria maneira inglesa que fora do jardim, agora tomada pelos automóveis.
(fig.14). Em 1918, o SPORTMAN mais uma vez mudou-se, indo desta feita para uma construção
erguida numa das cabeceiras do Viaduto do Chá. Tratava-se do palacete construído por volta de
1912 para servir de residência ao Conde Prates (1860-1928), com projeto do engenheiro baiano
Samuel das Neves (1863-1937) (fig.15).

Segundo o geógrafo francês Paul Walle (1872-?), que conheceu o SPORTMAN em torno de 1920, o
estabelecimento, dirigido à francesa, tinha categoria internacional e dispunha de boa mesa. O
hotel, que sobrevivera à morte de seu fundador, ocorrida em 1914, fechou as portas depois da
inauguração do hotel que o superou em qualidade, o famoso HOTEL ESPLANADA aberto em março
de 1923. No prédio até então ocupado pelo SPORTMAN, junto do Viaduto do Chá, instalou-se a
partir daí o jornal Diário da Noite; nos anos 30 em seu lugar foi levantada a sede das Indústrias
Matarazzo. Esta construção passou a seguir a ser propriedade do Banco Banespa, depois
Santander, e hoje no edifício de mármore travertino funciona a sede da Prefeitura de São Paulo.

Programas e disposição interna dos hotéis oitocentistas

Por esse breve histórico, constatamos que os primeiros hotéis paulistanos funcionaram quase
todos eles em velhas e desatualizadas construções de taipa, que sem duvida deviam mostrar-se
pouco adequadas às funções a que haviam sido convertidas. Infelizmente a maioria dos hotéis
citados neste texto se resume a simples endereços ou a poucas e velhas ilustrações desbotadas.
Como as descrições feitas pelos memorialistas nunca deixam de ser superficiais, não há como  
descobrirmos algo de objetivo e consistente em termos dos programas de necessidades que Fonte: Italianadas em Sampa
atendiam, ou acerca das disposições internas que adotavam, ou quanto aos níveis de aeração e  
iluminação em que eram mantidas as acomodações, ou em relação aos níveis de adequação
atingidos entre as condições físicas das construções onde se achavam instalados e os fluxos
operacionais, por exemplo. Nem temos tampouco informações sobre o aspecto técnico de suas
instalações higiênicas, que deviam ser necessariamente precárias, sobretudo quando nos
referimos aos exemplares mais antigos.

Tampouco temos notícias minuciosas acerca da qualidade do serviço oferecido aos fregueses,
sobretudo com relação aos primeiros hotéis, que para o seu funcionamento ainda dependiam de
mão de obra escrava. O Visconde de Taunay nos conta em suas memórias que havia um hotel
paulistano onde de 20 a 30 escravos muito asseados trabalhavam, e que um engenheiro nele
hospedado se envolveu sexualmente com uma escrava, que servia de camareira. União passageira
de que resultou uma filha, depois adotada pelo dono do estabelecimento. A criança adotada
imediatamente alcançou a liberdade, mas a mãe tornou-se escrava e ama de sua própria filha.
Isso nos dá uma pequena amostra de como funcionavam as instituições do mundo capitalista
quando imersas no ambiente paradoxal da sociedade escravocrata ... O dono do hotel era francês
e quando se retirou de São Paulo, enriquecido, em sinal de consideração libertou todos os seus
cativos. Atitude que foi entendida por muitos paulistanos como mero espalhafato, se não como Figura 14 -  Casa Barão de Iguape, então ocupada pela loja de
puro desperdício. departamentos Mappin Stores, década de 1920.

Quanto às plantas dessas antigas construções de hospedagem, nenhuma sobreviveu. Como foram,
em sua maioria, erguidos numa época em que ainda não existia água corrente nem rede de
esgotos na cidade (o sistema de saneamento só foi inaugurado em 1883), ficamos a imaginar
como era solucionado esse importante aspecto nas edificações hoteleiras oitocentistas. Podemos
supor que nos quartos desses hotéis houvesse, sempre à disposição dos hóspedes, lavatórios
(móveis de apoio com bacia e jarro de água) em que poderiam ser efetuadas ligeiras abluções
cotidianas e fossem oferecidos também urinóis para evitar que os hospedes tivessem de se
deslocar à noite até as geladas e fétidas latrinas externas. Mas desconhecemos como funcionava o
sistema de esgoto desses estabelecimentos (existiriam fossas negras ou uma canalização
particular encaminharia os dejetos para algum curso d’água das proximidades? Ou seriam as
matérias fecais e as águas servidas produzidas nos hotéis removidas por meio das carroças
especiais, aludidas nas posturas municipais?). É sabido que, em São Paulo, alguns moradores de
1937
recursos construíam à sua custa canos de despejo (cloacas) que desembocavam no Ribeirão
Anhangabaú, por exemplo, mas isso começou a ser coibido pela Câmara Municipal a partir da  
década de 1870. Por outro lado, disporiam esses estabelecimentos de fonte própria para
abastecimento de água, ou traziam o líquido da caixa d’água municipal, situada na atual Rua
Barão de Paranapiacaba, ou de um dos reservatórios públicos situados nas cercanias da cidade por
meio de canalização de uso privado? Seriam oferecidos aos hóspedes banhos de imersão em
instalações próprias ou tinham os clientes de se dirigir a estabelecimentos especializados como a
Sereia Paulista, depois conhecido como Banho da Sereia, inaugurado no Largo São Bento em 1865?
correiogourmand.com.br/turismo_03_turismo_05_historia_primeiros_hoteis_sao_paulo.htm 5/7
28/07/2019 CADERNO DE TURISMO - Os primeiros hotéis da cidade de São Paulo - Século 19: Império e República
São pontos sobre os quais nada temos a dizer.

Ao que parece, muitos dos hotéis paulistanos do século 19 tinham suas roupas lavadas à beira dos
rios que banhavam a cidade. Se isso era permitido, sob determinadas condições, aos próprios
hospitais, segundo as posturas em vigor em 1886 (art. n. 93), com muito maior razão seria esse
ato visto como normal quando levados a efeito pelos estabelecimentos de hospedagem.

Durante o Império, ausência de normas municipais específicas

Outra questão relevante que merece ser levantada é a relativa ao conjunto de posturas
eventualmente incidente sobre as construções dedicadas a esse tipo de atividade econômica.

Nesse particular, sabemos que, em se tratando do período do Império, as posturas municipais


Figura 15 -  Palacete Conde Prates,
eram então muito sumárias, nada exigindo da parte interna das edificações. As posturas
então HOTEL DE LA ROTISSERIE SPORTSMAN
incidentes sobre os edifícios hoteleiros eram as mesmas que recaiam sobre as edificações em  
geral. Como a Constituição de 1824 defendia o direito de propriedade de modo pleno, só podiam
ser objeto de normalização municipal as partes externas das construções.

O objetivo dos sucessivos padrões municipais paulistanos postos em vigor ao longo da época
imperial (datados de 1850, 1852, 1853, 1874, 1886 e 1889), como todos os outros padrões
vigentes nas demais cidades brasileiras do período, era assegurar “o aceio, segurança, elegância
e regularidade externa dos edifícios e ruas das povoações” [grifo nosso], conforme rezava o artigo
66 do Regulamento das Câmaras Municipais de 1828. Esse propósito deveria ser alcançado
mediante o estabelecimento de medidas mínimas a serem obedecidas pelas ditas construções
comuns (isto é, as que não englobavam nem os palacetes privados, nem as construções públicas
pertencentes à esfera do governo provincial e do governo central, das quais se esperava que, por
uma questão de decoro arquitetônico, sempre adotassem medidas muito acima das exigidas pelos
padrões municipais). As medidas determinadas por esses padrões estipulavam basicamente
alturas de pés-direitos mínimos para pavimento térreo, primeiro andar, andares superiores e Viaduto do Chá, 1918, visto a partir do prédio localizado na
esquina da Rua Libero Badaró, em direção à Rua Barão de
porões, e dimensões mínimas dos vãos – portas e janelas –, que viessem a ser abertos nas Itapetininga. No primeiro plano, à esquerda, o bloco do Conde
fachadas das construções. Conforme o Informativo AHM n.19, em texto relativo à Seção Técnica Prates ocupado pelo HOTEL DE LA ROTISSERIE SPORTSMAN; no
centro, o cruzamento com a Rua Líbero Badaró; à direita, o
de Estudos e Pesquisas, a única exceção a essa regra por parte das posturas paulistanas era a casa bloco do Conde Prates ocupado pelo Automóvel Clube e pela
operária, cuja parte interna foi objeto de regulamentação desde 1881. Exceção que se dava ao Sociedade Hípica. No plano médio, à direita, o viaduto e, no
centro, o Parque do Anhangabaú. No fundo, à direita, o Teatro
arrepio da lei, mas tolerada pela sociedade, por uma questão de segurança da saúde pública. São José e a Rua Barão de Itapetininga; no centro, o Teatro
Municipal; à direita, a torre da Igreja do Rosário no Largo do
Paissandu.
No que tange às questões ligadas à parte interna dos estabelecimentos hoteleiros, portanto, cada (Foto de Aurélio Becherini). Fonte: Jornal Brasileiro de Cultura
 
proprietário ou administrador resolvia os problemas a seu talante, sem nenhuma interferência do
poder público. Só o Código Sanitário de 1894, redigido já sob a República, iria introduzir uma
incipiente consciência sanitária, superando o liberalismo ingênuo e irresponsável que predominou
durante o Império, ao estabelecer as primeiras normas relativas a esse assunto.

As especificações sobre hotéis no entanto eram raras e pouco exigentes e até o Código Artur
Saboia (aprovado pela Lei Municipal n.º 3.427, de 19 de novembro de 1929, e consolidado pelo
Ato n.º 663, de 10 de agosto de 1934) as imposições no que se referiam à atividade hoteleira não
se haviam desenvolvido a contento.
 
 
 
Fonte: Arquivo Histórico Municipal
 
 

LEIA TAMBÉM:

As raízes do Turismo e da Hotelaria  

Primórdios do Turismo e da Hotelaria no Brasil  

Turismo e Desenvolvimento no Brasil dos séculos 19 e 20  

Evolução e história dos hotéis na cidade de São Paulo  

O que é Turismo  

     

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HOTEL ESPLANADA à direita. À esquerda o Teatro Municipal.

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