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Rosa Assis
Universidade da Amazônia
Belém-Pará
Este artigo é parte de um estudo mais amplo e aprofundado, cujo objetivo maior é
registrar, como se um glossário fosse, os vocábulos quinhentistas ainda hoje presentes, vivos
e ativos na fala popular de muitas regiões brasileiras. Como se sabe, as relações culturais
Portugal-Brasil sempre foram muito fortes, e permaneceram, em especial na sua manifestação
lingüística, mesmo depois de nossa independência política, conforme adiante comentaremos.
A partir do final do século XIX, sobretudo após a abolição da escravatura, a emigração
para o Brasil foi intensa e muitos povos chegaram aos nossos portos, comos os italianos, os
alemães, os espanhóis, os japoneses, e outros em menor escala. Entretanto, são os portugueses
e os italianos os que maiores marcas deixaram, ou melhor, os que mais amplamente se
estabeleceram em nosso país. Sendo nativa e habitante do norte do Brasil, região que melhor
conhecemos, ressaltamos que a cidade de Belém do Pará, depois da época colonial, tornou-se
um dos maiores pólos de concentração de imigrantes portugueses no Brasil, ficando aquém
talvez somente do Rio de Janeiro, onde a agora chamada colônia portuguesa também se
tornou predominante. Em Belém, como no Rio, esses imigrantes se instalaram a bem dizer
em cada canto, a cada esquina, com estabelecimentos comerciais variados; ainda mais, muitos
deles tiveram de trabalhar nos serviços braçais, no meio do povo, durante décadas, e, por
certo, imprimiram aqui suas marcas fonéticas, que influenciaram no registro falado da
população não escolarizada ou com baixo grau de escolaridade.
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todo um bairro o bairro da Cidade Velha , cheio de casarios portugueses, alguns ainda com
os seus antigos e famosos azulejos, e cujas ruas, à exceção de poucas, também são
tradicionalmente denominadas (e na boca do povo nenhuma mudou de nome) com topônimos
bem conhecidos, transplantados de Portugal, tais quais: Alenquer, Bragança, Breves, Cintra,
Monte Alegre, Óbidos, Santarém.
Esses processos podem ser observados no Brasil como um todo. O fato de,
historicamente, o Brasil inteiro falar a língua portuguesa evidencia a força da hegemonia
cultural lusitana na formação da identidade cultural brasileira. Regionalismos, variáveis
lingüísticas observadas pontualmente no Brasil contemporâneo, não comprometem a solidez
do patrimônio comum representado por uma mesma língua. E se lembrarmos que Fernando
Pessoa proclamava ser a pátria a nossa língua, podemos dizer que a pátria brasileira é a língua
portuguesa falada nacionalmente por todos nós.
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1) uso da metátese ou interversão – neste caso tomemos dois exemplos para ilustrar,
uma vez que o primeiro deles não é tão freqüente, embora igualmente usado. É o emprego do
vocábulo contrairo, em vez de contrário. Fato curioso, porquanto a ocorrência do fenômeno
da metátese é mais comum quando se trata de palavras que envolvem simples-complexos
prefixos per, pre, pro, uma vez que o povo, de um modo geral, se “atrapalha” todas as vezes
que os utiliza: assim, preguntá e proguntá são pares perfeitos.
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A transcrição fonética foi feita pela Dr. Socorro Cardoso, professora de lingüística na Universidade
da Amazônia, e da Universidade do estado do Pará.
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2) uso da epêntese:
3) uso da aférese:
4) uso da síncope:
É importante lembrar que apenas colhemos um exemplo de cada um dos casos acima,
e que esta colheita foi aleatória, no meio de um corpus de 517 versos. Os casos de aférese, por
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CARVALHO, Carlota Almeida de. Glossário das poesias de Sá de Miranda. Lisboa, Centro de Estudos
Filológicos, 1953, p. 84.
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exemplo, em algumas formas verbais, hoje estão registrados no dicionário do Aurélio, como
uma variante. Assim, coexistem formas com os mesmos significados, sendo que esses casos
de aférese parecem refletir uma tendência do povo com baixo grau de escolaridade. É como se
“uma voz mais alta se alevantasse” para transmitir com mais força, com mais reforço da
expressão, aquilo que se quer dizer. Talvez uma forma inconsciente, automatizada, de o
falante comum enfatizar na fala o que deseja exprimir É justamente o caso de
alevantar/levantar, assosegar/sossegar; arrecear/recear; alembrar/lembrar. Todos esses
exemplos estão em Bernardim Ribeiro, sendo que o primeiro, em relação ao português do
Brasil, não mais aparece no dicionário de Aurélio como variante, mas sim como duas palavras
dicionarizadas individualmente; e quanto ao último par, diz o dicionarista que a forma
aferética é um vocábulo antigo e popular.
Com relação ao estudo específico da realização fonética das vogais, quer em posição
átona ou tônica, este trabalho se limita apenas e exclusivamente a registrar as variações
devidamente abonadas.
1) [ e] por [ i ]
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SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1970.
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2) [ i ] por [ e ]
3) [ o ] por [ u ]
4) [ u ] por [ o ]
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OLIVEIRA, Fernão d’. Grammatica de linguagem portuguesa. . Porto, Imprensa Portuguesa, 1871. p . 41
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popular, como, por exemplo, o vocábulo milhor. E é justamente a forma popular que
procuramos registrar nestes poucos exemplos citados.
Dos exemplos acima citados, a palavra milhor, hoje, já se tornou voz corrente em
quase todas as regiões, independentemente da classe social, econômica ou cultural. Está aí se
impondo e competindo, coexistentemente, com a sua atualizada forma: melhor.
Ora, como esses, há inúmeros outros casos dos mesmos fenômenos, tidos como
formas populares, mas que circulam livremente nas diversas classes sociais. Ranca isso, por
exemplo, é tão comum aos mineiros de todos os estratos, como a expressão nordestina e bem
brasileira: jogar no mato, significando, ingênua e genericamente, jogar fora.
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Bibliografia
CARVALHO, Carlota Almeida de. Glossário das poesias de Sá de Miranda. Lisboa, Centro
de Estudos Filológicos, 1953.
HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio eletrônico. Dez.1994
RIBEIRO, Bernardim. Églogas. In:... Hystoria de menina e moça, per Bernaldim Rybeiro
agora de nova estampada e com svmma diligencia emendada. 1554.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Livros de
Portugal, 1970.
VITERBO, F. R. Joaquim de Santa Rosa D. Elucidário das palavras termos e frases. Porto,
Lisboa, Civilização, Edição crítica.