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IDEALISMO1

I. Sentido filosófico
Denominam-se idealistas os sistemas filosóficos segundo os quais
o ser é determinado pelas ‘idéias’ – idéias objetivas ou essências
universais, no platonismo; idéias subjetivas (pensamentos ou simples
representações), nos autores modernos como Berkeley, Kant,
Schopenhauer; idéias ao mesmo tempo objetivas e subjetivas em
Leibniz e Hegel. De início polêmico, posteriormente empregado de forma
corrente sem essa nuança a partir de Kant, o termo idealismo data
somente do século XVIII, porém se aplica também às correntes do
pensamento da Antigüidade e da Renascença.
O idealismo fez nascer a estética moderna, pois foram os filósofos
idealistas que deram à estética seu status de disciplina autônoma e a
fizeram iniciar seu crescimento. Entretanto, a estética, por sua vez,
cumpriu um papel determinante para o idealismo, pelo menos na época
do idealismo alemão: a arte é o exemplo indispensável de uma
realidade integralmente estruturada pelo espírito, de uma reconciliação
alcançada entre o espírito e a natureza. Organon e modelo da filosofia
em Schelling, já cumpre uma função de síntese no sistema das críticas
kantianas. A dialética, a relação orgânica entre o todo e as partes na
obra de arte é um dos modelos da dialética hegeliana e de uma cultura
que desenvolve todas as faculdades humanas segundo o ideal de
Goethe e de Humbloldt.
O inicio do idealismo alemão se caracterizou por uma reação
contra o racionalismo (Haman) e a exigência de um desenvolvimento
harmonioso do homem em sua totalidade. Por oposição à afetação do
classicismo e da arte rococó, Herder redescobre a arte popular e o
teatro de Shakespeare, Winckelmann, a arte da Grécia antiga. O
movimento Sturm und Drang (1770-1780), no qual participa o jovem
Goethe, reivindica o direito do ‘gênio’ à sua liberdade de criação,
independentemente de toda a regra. Este início do idealismo es´ta
ligado às tendências revolucionárias da burguesia que, na Alemanha, de
modo diferente da Inglaterra e da França, não pode se exprimir no
plano econômico e político; as perturbações no domínio da estética e da
filosofia ocupam, assim, o lugar desta revolução.
Os anos 1780-1790 vêem Goethe e Schiller se voltarem contra o
classicismo, o idealismo retomar, com a crítica kantiana, um
racionalismo da Vernunft, da razão prática. Inspirada em Mendelssohn,
Moritz e Lessing, a estética kantiana, a Crítica do Juízo, aparece em

1
Traduzido de: SOURIAU, Étienne. Vocabulaire d’esthétique. Paris: PUF, 1999, p. 847-
848.
1790; ela acaba com a estética da recepção e do gosto, que é aquele do
séc. XVIII, e inaugura a estética do gênio, da produção artística e das
‘idéias estéticas’. Ela será
Sentido pejorativo determinante para Fichte, segundo quem a arte
“transforma o ponto de vista transcendental em ponto de vista comum”
e para Schiller que introduz, nas suas Cartas sobre a Educação Estética
do Homem (1795), a arte como modelo da transformação social e, no
ensaio sobre a Poesia Ingênua e a Poesia Sentimental (1795-1796), a
reflexão sobre os fundamentos dos gêneros artísticos, sobre a relação
entre a arte e a história e sobre os problemas da modernidade. Friedrich
Schlegel, um dos criadores da crítica moderna, segue essa reflexão em
seus aforismos que geralmente antecipam a estética de Hegel. Com ele
e Novalis, o idealismo se transforma em romantismo, em oposição
radical entre a realidade e um mundo ideal, irrealizável. Em 1802-1805,
Schelling resume a estética clássica e romântica da era de Goethe, em
seus cursos sobre a Filosofia da Arte (publicados em 1859). Com Solger,
a estética de Schelegel e de Schelling, a teoria da ironia e da mitologia,
se volta par o trágico e para o pessimismo generalizado que anuncia
Schopenhauer. Enfim, Hegel, em seus cursos de 1817-1829, realiza a
grande Idéia do Ideal artístico. Além disso, o movimento idealista
inspira todas as correntes artísticas da época, as obras de Goethe e
Schiller tanto quanto as Hölderlin, de Kleist e de Jean-Paul, a música de
Beethoven e a pintura de Runge, Carus e Friedrich.
Schopenhauer, na mesma época, constrói duplamente sua estética
sobre o idealismo: idealismo da Idéia platônica de um lado (a arte não
copia a realidade exterior fenomenal, ela liberta e resgata a Idéia);
idealismo de representações subjetivas, de outro lado, (o sofrimento da
consciência individualizada frente a um mundo de aparências ilusórias
encontra sua consolação na arte; ela se liberta o tempo, do querer-
viver; o prazer estético reside em que, para um sujeito de puro
conhecimento, “um mundo considerado como representação permanece
só, o mundo como vontade desaparece”).
A partir de 1848, o idealismo sofreu a crítica do materialismo
dialético e das ciências [positivas]. Não pára, contudo, de reaparecer,
no neokantismo e na ‘filosofia da vida’ de Dilthey, em Husserl,
Heidegger e seus discípulos. Os primeiros escritos de aklguns grandes
estetas do século XX são ainda de estrutura idealista (Croce, a Teoria do
Romance de Lukács, A Origem do Drama Barroco Alemão de Benjamin,
Do Espiritual na Arte de Kandinsky). A estética, a crítica literária e
artística não cessa de se inspirar nos textos fundamentais escritos entre
1770 e 1830.
Em um sentido pejorativo, se emprega o termo ‘idealista’ para
designar toda a estética que considera a obra de arte unicamente ou em
primeiro lugar do ponto de vista das idéias expressas, fazendo a
abstração daquilo que na arte não se reduz ao espírito, tanto quanto das
condições materiais da produção artística. Este sentido do termo
idealismo, menos empregado que o anterior, não tem a mesma
profundidade filosófica e se presta a confusões.
Quanto ao emprego do termo idealista para designar um sonhador
utópico, não é nem um uso estético, nem filosófico, não se trata,
portanto, de boa linguagem.

Idealismo2. É bastante comum empregar este termo para referir-


se ao platonismo, ao neoplatonismo e a doutrinas filosóficas análogas.
Sem dúvida, como do ponto de vista da doutrina dos universais, os
filósofos de tendência platônica são qualificados de ‘realistas’ – por
afirmar que as idéias são ‘reais’ – o termo idealismo no sentido antes
apontado pode prestar-se a equívocos. (...)
(...) Chama-se então ‘idealismo’ a toda a doutrina – e a toda
atitude – segundo a qual o mais fundamental, e aquilo pelo que se
supõe que devem ser regidas as ações humanas, são os ideais –
realizáveis ou não, porém quase sempre imaginados como realizáveis.
Com isso, o idealismo se contrapõe ao realismo, entendido este último
como a doutrina – ou simplesmente a atitude – segundo a qual o mais
fundamental, e aquilo pelo que se supõe que devem ser regidas as
ações humanas, são ‘realidades’, ‘os fatos que se contam e se ouvem’.
Este sentido de idealismo pode ser ético ou político, ou ambos
simultaneamente. (...)
A característica mais fundamental do idealismo é tomar como
ponto de partida para a reflexão filosófica não ‘o mundo ao redor’ ou as
chamadas ‘coisas exteriores’ (o ’mundo exterior’), mas o que
chamaremos de ‘eu’, ‘sujeito’ ou ‘consciência’. Justamente porque o ‘eu’
é ‘idealizador’, isto é, ‘representativo’, o vocábulo ‘idealismo’ resulta
particularmente justificado. (...)
Para o idealismo ‘ser’ significa antes de tudo ‘ser dado na
consciência’, ‘ser contido na consciência’. O idealismo é, assim, um
modo de entender o ser. Isso não significa que todo o idealismo consiste
em reduzir o ser – ou a realidade – à consciência ou ao sujeito. Uma
coisa é dizer que o ser ou a realidade se determinam pela consciência, o
sujeito, etc. e outra coisa é manifestar que não há outra realidade além
da realidade do sujeito ou da consciência. Esta última posição é somente
uma das posições idealistas.

2
Traduzido de: MORA, J. Ferrater. Diccionario de filosofia abreviado. Buenos Aires:
Sudamericana, 1993, p. 173-175.
São pensadores idealistas: Descartes, Malebranche, Leibiniz, Kant,
Fichte, Schelling, Hegel. Em geral, o idealismo moderno coincide com o
racionalismo (...).
Descartes – chamado às vezes ‘o primeiro idealista’ e, em todo
caso, ‘o primeiro idealista moderno’ – o idealismo consiste em enraizar
toda a evidência no cogito (‘cogito ergo sum’ [‘penso, logo existo’]). Não
nega a existência do mundo exterior, porém o mundo exterior não é
simplesmente um ‘dado’ do qual se parte. O mundo exterior é colocado
entre parêntesis para ser posteriormente justificado. (...) O idealismo
cartesiano é somente relativo.

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