Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
sociocomunitária
Social technologies and educaƟon for the
communitarian praxis
Renato Kraide Soffner*
* Doutor em Educação pela UNICAMP. Pesquisador
permanente do PPGE do UNISAL (Centro Universitário
Salesiano de São Paulo). E-mail: rksoffner@uol.com.br
Resumo
O presente trabalho trata de revisão e atualização do tema tecnologias sociais do ponto de vista
educa vo, sendo uma abordagem teórica que propõe futuras a vidades prá cas de implementação
das ideias aqui discu das, do ponto de vista de educação para a práxis sociocomunitária, suportada
pela tecnologia. Pretendemos que este trabalho gere informação significa va para agentes educa-
vos e pesquisadores que queiram dar sequência à inves gação do tema, e mesmo sua aplicação.
Apresentamos aqui referências avalia vas para ações educacionais que possam ser desenvolvidas
por agentes e centros comunitários, ONG’s (organizações não governamentais), sindicatos, par dos
polí cos, igrejas e educadores sociais, ações estas entendidas como práxis, onde a teoria afeta a
prá ca, num processo de crescimento da pessoa e da comunidade.
Palavras-chave
Tecnologias sociais. Educação. Práxis.
Abstract
The present work deals with the revision and update of the theme social technologies from the
point of view of educa on, being a theore cal approach that proposes future prac cal ac vi es for
the implementa on of the ideas discussed here, from the point of view of the educa onal commu-
nitarian praxis, supported by technology. We want this work to generate meaningful informa on
for educa onal agents and researchers who want to give sequence to research on this subject, and
even its applica on. We present here references to the evalua on of educa onal ac ons that may
be conducted by community centers, NGOs (nongovernmental organiza ons), trade unions, poli cal
par es, churches and social educators, these ac ons understood as praxis, where the theory affects
the prac ce, in a process of growth of the person and the community.
Key words
Social technologies. Educa on. Praxis.
310 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
Tecnologias sociais e práxis por Lênin em sua proposta de teoria
pedagógica, e fazem do aprendente
Este trabalho trata do tema tecno- alguém que par cipa da prá ca e gera
logias sociais do ponto de vista educa- os resultados desejados a par r do pro-
vo, propondo possibilidades de ações cesso educa vo (GADOTTI, 1998).
futuras embasadas num levantamento Além da escola, podemos citar
de conceitos e definições, e dentro dos como loci alterna vos de práxis o sindi-
limites do que Gado (1998) chamou de cato, o par do polí co, as associações
pedagogia da práxis, da ação transforma- comunitárias, as igrejas, e os movimen-
dora. Práxis, em grego, quer dizer ação, tos sociais e populares. Assim,
mas não queremos reduzir sua proposta
Os sistemas educacionais ainda não
àquela apresentada pela pedagogia
conseguiram avaliar o poder da
pragmá ca, representada no Brasil pela
comunicação audiovisual e da infor-
Escola Nova de Anísio Teixeira, por sua má ca, seja para informar, seja para
vez baseada no pragma smo de John bitolar as mentes. Trabalhamos
Dewey. Práxis não quer dizer apenas uma ainda com recursos tradicionais
ação u litária, que reduz o verdadeiro ao que não têm apelo para as crianças
ú l. Propõe, na verdade, uma pedagogia e jovens [...] É preciso mudar pro-
da educação transformadora, acima até fundamente os métodos de ensino
da tradição marxista. para reservar ao cérebro humano
Toda pedagogia se pretende prá - o que lhe é peculiar – a capacidade
ca, pois é ciência da educação (Gado , de pensar – em vez de desenvolver
1998, p. 3). Mas é prá ca teórica, pois a memória. A função da escola
descobre e elabora instrumentos de consiste em ensinar a pensar cri ca-
mente. Para isso é preciso dominar
ação social, aqui chamados de tecnolo-
a linguagem, inclusive a linguagem
gias sociais. É a unidade entre a teoria
eletrônica. (GADOTTI, 1998, p. 304).
e a prá ca.
Em pedagogia a prá ca é o hori- Gadotti acredita que a difusão
zonte, a finalidade da teoria. O educador de conhecimento por meios de massa,
vive a dialé ca entre o seu co diano da como proposto por McLuhan, não ocor-
escola vivida, e a escola projetada. O reu da forma imaginada; no entanto,
homem educado é o ponto de chegada, acredita que as novas tecnologias pos-
a promessa. A educação que copia e re- sam ser u lizadas para se a ngir este ob-
produz modelos não deixa de ser práxis, je vo. A educação formal aliada a novas
mas se limita a uma práxis reitera va, tecnologias, formando sujeitos crí cos.
imita va, burocra zada. Aquela trans- Para o autor, o professor moderno deve
formadora é criadora, ousada, crí ca e ser consciente de seu tempo e dos recur-
reflexiva, parte da auto-organização e do sos à sua disposição, com visão eman-
trabalho cole vo, tradições defendidas cipadora, em busca de mudança, de
312 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
até sua avaliação final. O autor defende a no foco de transformação social, e não
educação emancipadora, de Adorno e da apenas de provimento de tecnologia
Escola de Frankfurt, e a corresponden- (defendemos, portanto, que se evite a
te educação transformadora de Paulo confusão entre meios e fins). Por isso
Freire, que não usou o termo anterior, u lizamos o termo tecnologias sociais,
mas o u lizou como base. Também a e não apenas tecnologias educaƟvas.
solidariedade tem que ser alimentada Diferenciamos, portanto, a ques-
por uma técnica, ou tecnologia social. tão do simples acesso às tecnologias,
As tecnologias sociais buscam o foco dado nos úl mos anos pelos defen-
desenvolvimento autônomo das comuni- sores do conceito de ‘segregação digital’,
dades em suas diferentes demandas - ali- da necessária contextualização do tema
mentação, habitação, renda, educação, em relação à inclusão social. Inclusão
energia, saúde, meio ambiente - fazendo social, para este trabalho, traz a tônica
dialogar o saber técnico-cien fico como do acesso, adaptação e criação de novos
saber popular. Como todo conceito, está conhecimentos, por meio das novas tec-
em evolução, modificando-se e sendo nologias de informação e comunicação,
reinventado nas prá cas concretas. Po- dando assim seu caráter complementar
dem se valer do conceito de inteligência de inclusão digital.
cole va, que é a capacidade de comu- Para Bijker et al. (1989), o termo
nidades humanas evoluir na direção tecnologia tem sido sobrecarregado em
de uma harmonia e complexidade de termos de “mudança tecnológica” e “de-
ordem superior, através de mecanismos senvolvimento tecnológico”; os autores
de inovação (LÉVY, 1999). Quando as tec- apresentam um enfoque socioconstru -
nologias sociais de cunho educa vo são vista para o estudo da tecnologia, num
u lizadas em redes, suportam e encora- confronto entre as Ciências Sociais e as
jam a aprendizagem presencial e online, Tecnologias Sociais. Os autores compa-
ao mesmo tempo em que respeitam o ram o termo tecnologia com técnica da
controle individual sobre o tempo, es- mesma forma que empregamos episte-
paço, presença, a vidade e iden dade, mologia e conhecimento, ou seja, o logos
sendo, portanto, ferramentas de práxis como discurso.
tecnológica. Para Law (1986), a tecnologia é
A hipótese de trabalho que aqui cons tuída de elementos heterogêneos:
defendemos é a de que não devemos pessoas, competências, artefatos, fenô-
sobrepor o conceito de segregação ou menos naturais. Seu emprego educa vo
divisão digital (digital divide) com o real deve considerar, portanto, todas estas
suporte a ser dado pela tecnologia (e dimensões.
em especial as tecnologias sociais) ao Mackenzie e Wajcman (1985) en-
processo de inclusão social – que, para xergam a tecnologia em três camadas,
nós, é práxis educa va e comunitária – quais sejam: a) objetos e artefatos sicos;
314 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
existem hoje amplas possibilidades de fundamental seu suporte aos processos
acesso a computadores e à Internet, educa vos (e-learning ou aprendizagem
mesmo por camadas da população que por meios eletrônicos, e outros), que
não possuem condições de propriedade aqui trataremos do ponto de vista de
de tais meios; citem-se, como exemplo, práxis educativa, fator primordial de
os cybercafés, as LAN Houses, os Centros inclusão social.
de Inclusão Digital comunitários, os As bases desta visão dual das
sindicatos, os Correios, e tantos outros novas tecnologias de informação e co-
pontos de acesso à informação e aos municação, ainda de acordo com Wars-
recursos computacionais. Cita exemplos chauer (2004), são: a) o surgimento de
de inicia vas de amplo acesso na Índia, uma economia baseada em informação e
Irlanda e Egito, onde a simples dispo- conectada em rede; b) o papel das novas
nibilidade dos meios não foi suficiente tecnologias da informação e comunica-
para trazer reais mudanças práxicas nas ção neste novo cenário mundial; e c) a
comunidades onde foram implantados. visão de que o acesso a estas tecnologias
E propõe a seguinte questão: exis- pode determinar a diferença entre a
ria uma relação de causa e efeito, do marginalização e a inclusão nesta nova
po: “a falta de acesso causa danos às era socioeconômica (WARSCHAUER,
oportunidades de vida”; ou, o contrário: 2004, p. 12).
“quem tem poucos recursos tem pouco O informacionalismo (por alguns
acesso aos computadores e à Internet”? chamado de pós-industrialismo) foi
O assunto parece polêmico e passível de definido por Castells (2000) como o
amplas e discordantes opiniões. surgimento de um novo estágio do
Não queremos, no entanto, des- capitalismo global, após a invenção do
prezar a importância das novas tecno- transistor, do computador pessoal e das
logias em seu papel gerador de oportu- telecomunicações. Algo maior, portanto,
nidades numa sociedade informacional: que a simples ocorrência da Internet,
que fiquem bem claros, desde já, nosso que seria parte de um processo maior,
entendimento e diferenciação entre o e não seu habilitador4.
papel de simples acesso às tecnologias,
que criticamos, com aquele do uso
práxico, que aqui denominaremos de 4
Castells enxerga quatro características no
práxis tecnológica. Reconhecemos que Informacionalismo: a) o papel da ciência e da
a tecnologia digital moderna mudou, tecnologia para o crescimento econômico; b)
em certos aspectos, o mundo; e além desvio do foco da produção material para o
da influência econômica e polí ca que processamento de informação; c) a emergência
e expansão de novas formas de organizações in-
a Internet e os computadores digitais dustriais conectadas em rede; e d) o surgimento
permitiram (comércio eletrônico, go- da globalização socioeconômica (CASTELLS, 1993
verno eletrônico), reconhecemos como apud WARSCHAUER, 2004, p. 13).
316 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
trabalhada é, portanto, aquela associada as da comunidade. Pelos princípios da
à melhoria da vida das pessoas por meio Pedagogia Crí ca, os aprendentes em
do emprego de tecnologias de informa- rede definiriam seus problemas base-
ção e comunicação. Baseia-se nas defini- ados em necessidades sociais (família,
ções de capital humano (conhecimentos, comunidade), o que deveria gerar ação,
habilidades e a tudes), de capital İsico dentro da visão de Paulo Freire. Os mo-
(financeiro) e de capital social, que se- vimentos populares e a educação comu-
riam as relações sociais e a confiança nitária são as saídas para a melhoria das
advinda destas (ou seja, a capacidade condições de vida das pessoas menos
de indivíduos gerarem bene cios a par r favorecidas em sociedades capitalistas,
de relacionamentos pessoais e da par - e sua conquista por direitos, ficando
cipação em redes e estruturas sociais, visível o papel das tecnologias sociais
buscando apoio, suporte, oportunidades educa vas neste processo.
[WARSCHAUER, 2004]). Para Caliman (2012)6 , tecnologias
Uma comunidade gera capital educacionais são aquelas que geral re-
social cole vo, dado o potencial associa- sultado em termos de projetos na área
vo que toda rede de pessoas fornece. É da pedagogia social, sendo esta definida
nossa missão, aqui, pensar tal potencial como uma ciência que produz tecnolo-
gerado em rede do ponto de vista de gia educacional, por meio de métodos,
conexões tecnológicas, ou seja, as redes técnicas, soluções para problemas
sociais de fundo eletrônico e digital, e encontrados pelas pessoas, sobretudo
sua relação com as caracterís cas prá- crianças e jovens; e que se dirige em
xicas de uma comunidade. direção à melhoria da qualidade de vida
Para uma rede social, ou de ele- dos indivíduos e grupos, e do desenvol-
mentos sociais, quanto maior o grau de vimento educa vo integral das pessoas
conexão, maior seu poder. Os envolvidas na transformação social do
Telecentros (Centros de Inclusão Digital), ambiente ao qual se aplica.
ou Centros de Tecnologia Comunitários,
deveriam ser u lizados, então, para o Considerações finais
desenvolvimento da comunidade, e não
apenas para acesso (como visto ante- As tecnologias sociais educa vas
riormente): conteúdo online, cidades e podem se cons tuir em meio privilegia-
serviços públicos digitais, oportunidades do de construção da autonomia social
de trabalho, par cipação social e econô- entendida como o processo em que se
mica das pessoas, educação não formal relacionam os âmbitos econômico, social
e formal (EJA – Educação de Jovens e e cultural, e por meio das quais sujeitos
Adultos), a vismo virtual, empodera-
mento de pessoas de baixa renda; mas, 6
CALIMAN, Geraldo. Comunicação pessoal em
sobretudo, a conexão massiva de pesso- novembro de 2011.
Referências
BARLOW, J. P. DeclaraƟon of independence of cyberspace. 1996. Disponível em <h ps://
projects.eff.org/~barlow/Declara on-Final.html>
BIJKER, Wiebe E.; HUGHES, Thomas P.; PINCH, Trevor (Org.). The social construcƟon of tech-
nological systems: new direc ons in the sociology and history of technology. Cambridge:
MIT Press, 1989.
CASTELLS, M. The rise of the network society. 2. ed. Malden: Blackwell, 2000.
DAVIDSON , C. N.; GOLDBERG, D. T. The future of learning insƟtuƟons in a digital age.
Cambridge: MIT Press, 2009.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sen do. Novo Hamburgo,
RS: Feavale, 2003.
______. Economia solidária como práxis pedagógica. São Paulo: Ins tuto Paulo Freire, 2009.
______. Pedagogia da práxis. 2. ed. São Paulo: Cortez/Ins tuto Paulo Freire, 1998.
GATTI, Bernadete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá (Coord.). Professores do Brasil:
impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.
HEIDEGGER, Mar n. The quesƟon concerning technology and other essays. New York:
Harper & Row, 1977.
LAW, J. Power, acƟon and belief: a new sociology of knowledge? Sociological Review Mono-
graph #32. London: Routledge and Kegan Paul, 1986.
318 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
LÉVY, Pierre. A inteligência coleƟva. São Paulo: Loyola, 1999.
MACKENZIE, D.; WAJCMAN, J. (Ed.). The social shaping of technology. Milton Keynes: Open
University Press, 1985.
MEHRA, B.; MERKEL, C.; BISHOP, A. P. The Internet for empowerment of minority and mar-
ginalized users. New Media and Society, 6, p. 781-802, 2004.
WARSCHAUER, M. Technology and social inclusion: rethinking the digital divide. Cambridge:
MIT Press, 2004.