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Tecnologias sociais e a educação para a práxis

sociocomunitária
Social technologies and educaƟon for the
communitarian praxis
Renato Kraide Soffner*
* Doutor em Educação pela UNICAMP. Pesquisador
permanente do PPGE do UNISAL (Centro Universitário
Salesiano de São Paulo). E-mail: rksoffner@uol.com.br

Resumo
O presente trabalho trata de revisão e atualização do tema tecnologias sociais do ponto de vista
educa vo, sendo uma abordagem teórica que propõe futuras a vidades prá cas de implementação
das ideias aqui discu das, do ponto de vista de educação para a práxis sociocomunitária, suportada
pela tecnologia. Pretendemos que este trabalho gere informação significa va para agentes educa-
vos e pesquisadores que queiram dar sequência à inves gação do tema, e mesmo sua aplicação.
Apresentamos aqui referências avalia vas para ações educacionais que possam ser desenvolvidas
por agentes e centros comunitários, ONG’s (organizações não governamentais), sindicatos, par dos
polí cos, igrejas e educadores sociais, ações estas entendidas como práxis, onde a teoria afeta a
prá ca, num processo de crescimento da pessoa e da comunidade.
Palavras-chave
Tecnologias sociais. Educação. Práxis.

Abstract
The present work deals with the revision and update of the theme social technologies from the
point of view of educa on, being a theore cal approach that proposes future prac cal ac vi es for
the implementa on of the ideas discussed here, from the point of view of the educa onal commu-
nitarian praxis, supported by technology. We want this work to generate meaningful informa on
for educa onal agents and researchers who want to give sequence to research on this subject, and
even its applica on. We present here references to the evalua on of educa onal ac ons that may
be conducted by community centers, NGOs (nongovernmental organiza ons), trade unions, poli cal
par es, churches and social educators, these ac ons understood as praxis, where the theory affects
the prac ce, in a process of growth of the person and the community.
Key words
Social technologies. Educa on. Praxis.

Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB


Campo Grande, MS, n. 37, p. 309-319, jan./jun. 2014
Introdução É natural, portanto, que pensemos
na contribuição que os processos não
Never doubt that a small group of formais de educação possam dar a tão
thoughƞul, commiƩed ciƟzens can preocupante situação.
change the world; indeed, it’s the
Queremos, aqui, defender a visão
only thing that ever has.
sociocomunitária da educação, e mais,
-- Margaret Mead1
do papel de suporte que as modernas
tecnologias de informação e comuni-
A educação oficial brasileira pas-
cação possam oferecer aos processos
sa por um momento de desconforto
não formais de educação de cunho
quando ques onada em reação a reais
comunitário.
resultados advindos de todas as polí cas
Educação sociocomunitária, nes-
públicas de educação e inves mentos
te trabalho, trata da comunidade, da
realizados pelos governos recentes. A
sociedade brasileira se preocupa com o transformação social, da emancipação
des no dado aos recursos de educação, e da autonomia. Inves ga a ar culação
não apenas quantitativamente, mas comunitária de caráter emancipatório ou
qualita vamente. instrumentalizado, que se expressa por
Do ponto de vista do professor, meio de intervenções educa vas para a
Ga e Barreto (2009) mostram que as consecução de transformações sociais.
diversas tenta vas de valorização dos Não busca resolver todos os pro-
professores brasileiros, empreendidas blemas sociais e educa vos, mas pro-
nos úl mos anos pelo governo federal, blema zar as possibilidades de eman-
estados e municípios, contando inclusive cipação de comunidades e pessoas
com o apoio financeiro da CAPES para a (transformação social intencional).
formação específica de profissionais do O conteúdo e as ideias aqui apre-
magistério da Educação Básica, infeliz- sentados são fruto do trabalho inves ga-
mente não tem gerado os resultados que vo que o Programa de Pós-Graduação
seriam de se esperar. As avaliações con- em Educação do Centro Universitário
nuas revelam um baixo desempenho Salesiano de São Paulo (UNISAL), que
educacional e um grande problema a ser tem por área de concentração a Educa-
enfrentado, se o país quiser se juntar às ção Sociocomunitária, já apresenta em
nações que inves ram pesadamente em seu projeto de pesquisa em Tecnologias
educação, mas com retorno visível em Sociais Educa vas, subordinado à Linha
termos de resultados tangíveis. de Pesquisa “A Intervenção Educa va
Sociocomunitária: Linguagem, Intersub-
1
“Nunca duvide que um pequeno grupo de je vidade e Práxis”.
cidadãos preocupados e comprome dos pode
mudar o mundo; na verdade, é a única coisa que
já se tem” (tradução do autor).

310 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
Tecnologias sociais e práxis por Lênin em sua proposta de teoria
pedagógica, e fazem do aprendente
Este trabalho trata do tema tecno- alguém que par cipa da prá ca e gera
logias sociais do ponto de vista educa- os resultados desejados a par r do pro-
vo, propondo possibilidades de ações cesso educa vo (GADOTTI, 1998).
futuras embasadas num levantamento Além da escola, podemos citar
de conceitos e definições, e dentro dos como loci alterna vos de práxis o sindi-
limites do que Gado (1998) chamou de cato, o par do polí co, as associações
pedagogia da práxis, da ação transforma- comunitárias, as igrejas, e os movimen-
dora. Práxis, em grego, quer dizer ação, tos sociais e populares. Assim,
mas não queremos reduzir sua proposta
Os sistemas educacionais ainda não
àquela apresentada pela pedagogia
conseguiram avaliar o poder da
pragmá ca, representada no Brasil pela
comunicação audiovisual e da infor-
Escola Nova de Anísio Teixeira, por sua má ca, seja para informar, seja para
vez baseada no pragma smo de John bitolar as mentes. Trabalhamos
Dewey. Práxis não quer dizer apenas uma ainda com recursos tradicionais
ação u litária, que reduz o verdadeiro ao que não têm apelo para as crianças
ú l. Propõe, na verdade, uma pedagogia e jovens [...] É preciso mudar pro-
da educação transformadora, acima até fundamente os métodos de ensino
da tradição marxista. para reservar ao cérebro humano
Toda pedagogia se pretende prá - o que lhe é peculiar – a capacidade
ca, pois é ciência da educação (Gado , de pensar – em vez de desenvolver
1998, p. 3). Mas é prá ca teórica, pois a memória. A função da escola
descobre e elabora instrumentos de consiste em ensinar a pensar cri ca-
mente. Para isso é preciso dominar
ação social, aqui chamados de tecnolo-
a linguagem, inclusive a linguagem
gias sociais. É a unidade entre a teoria
eletrônica. (GADOTTI, 1998, p. 304).
e a prá ca.
Em pedagogia a prá ca é o hori- Gadotti acredita que a difusão
zonte, a finalidade da teoria. O educador de conhecimento por meios de massa,
vive a dialé ca entre o seu co diano da como proposto por McLuhan, não ocor-
escola vivida, e a escola projetada. O reu da forma imaginada; no entanto,
homem educado é o ponto de chegada, acredita que as novas tecnologias pos-
a promessa. A educação que copia e re- sam ser u lizadas para se a ngir este ob-
produz modelos não deixa de ser práxis, je vo. A educação formal aliada a novas
mas se limita a uma práxis reitera va, tecnologias, formando sujeitos crí cos.
imita va, burocra zada. Aquela trans- Para o autor, o professor moderno deve
formadora é criadora, ousada, crí ca e ser consciente de seu tempo e dos recur-
reflexiva, parte da auto-organização e do sos à sua disposição, com visão eman-
trabalho cole vo, tradições defendidas cipadora, em busca de mudança, de

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práxis, de cidadania, de sustentabilidade. mediador do conhecimento. Gestor é
Deve estar apto a u lizar as ferramentas organizador, mediador, coordenador, e
que reforçam o poder multiplicador não “gerente”. Por que aprender, para
das tecnologias sociais. Deve, também, quê, contra quê, contra quem – eis as
conhecer as possibilidades da educação questões a serem respondidas. A educa-
fora da escola e da sala de aula, como ção nunca é neutra. Deve-se, portanto,
potenciais complementos e aliados da aprender a pensar, não a reproduzir.
educação formal. Deve entender que Transformar. Qual é o sen do do que
as tecnologias sociais vêm da base da ensino, ou do que aprendo? O novo
sociedade, como inversão polí ca em professor aprende em rede (ciberespaço
relação ao domínio vindo de fora. da formação), sem hierarquias, coopera-
Gado também nos lembra que vamente, colabora vamente, de forma
Paulo Freire desenvolveu como tecno- auto-organizada. É aprendiz permanen-
logia social a questão do protagonismo te, organizador do trabalho discente.
da comunidade, respeitando-se o saber Assim, as novas tecnologias cria-
do beneficiado e o beneficiado se apro- ram novos espaços do conhecimento.
priando da tecnologia. Consumidor que Agora, além da escola, também a em-
se torna produtor de tecnologia. Aquele presa, o espaço domiciliar e o espaço
que não é apenas reprodutor e receptor, social tornaram-se educativos. Cada
mas produtor em termos de publicação. dia mais pessoas estudam em casa pois
Outra inicia va da educação po- podem, de lá, acessar o ciberespaço da
pular é a educação comunitária. Trata-se formação e da aprendizagem a distância,
de educação dos movimentos sociais e buscar “fora” – a informação disponível
populares, na luta pelos direitos civis nas redes de computadores interligados
e contra toda sorte de discriminação [...] a sociedade civil (ONGs, associações,
(GADOTTI, 1998, p. 307). Levando em sindicatos, igrejas...) [...] como espaço
consideração a aprendizagem em estado de difusão e de reconstrução de conhe-
de produção, das comunidades excluídas cimentos (GADOTTI, 2003).
do modo de produção dominante; aqui Os movimentos sociais e populares
a importância das tecnologias sociais, na têm lutado por novos modelos de vida
educação formal, não formal, e até em sustentáveis, produ vos e justos (GA-
microempresas de cunho comunitário, DOTTI, 2009, p. 57). Novos métodos, na
sem grandes vínculos oficiais. forma de tecnologias sociais, que seriam
Já do ponto de vista docente, Ga- produtos e técnicas com metodologias
do (2003, p. 53) indica que o professor reaplicáveis, desenvolvidas em interação
deixa de ser um lecionador para ser um com a comunidade e que representam
gestor do conhecimento social, aquele propostas efetivas de transformação
que seleciona a informação e dá/cons- social – a par cipação da comunidade
trói sen do para o conhecimento, um desde sua organização e implementação

312 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
até sua avaliação final. O autor defende a no foco de transformação social, e não
educação emancipadora, de Adorno e da apenas de provimento de tecnologia
Escola de Frankfurt, e a corresponden- (defendemos, portanto, que se evite a
te educação transformadora de Paulo confusão entre meios e fins). Por isso
Freire, que não usou o termo anterior, u lizamos o termo tecnologias sociais,
mas o u lizou como base. Também a e não apenas tecnologias educaƟvas.
solidariedade tem que ser alimentada Diferenciamos, portanto, a ques-
por uma técnica, ou tecnologia social. tão do simples acesso às tecnologias,
As tecnologias sociais buscam o foco dado nos úl mos anos pelos defen-
desenvolvimento autônomo das comuni- sores do conceito de ‘segregação digital’,
dades em suas diferentes demandas - ali- da necessária contextualização do tema
mentação, habitação, renda, educação, em relação à inclusão social. Inclusão
energia, saúde, meio ambiente - fazendo social, para este trabalho, traz a tônica
dialogar o saber técnico-cien fico como do acesso, adaptação e criação de novos
saber popular. Como todo conceito, está conhecimentos, por meio das novas tec-
em evolução, modificando-se e sendo nologias de informação e comunicação,
reinventado nas prá cas concretas. Po- dando assim seu caráter complementar
dem se valer do conceito de inteligência de inclusão digital.
cole va, que é a capacidade de comu- Para Bijker et al. (1989), o termo
nidades humanas evoluir na direção tecnologia tem sido sobrecarregado em
de uma harmonia e complexidade de termos de “mudança tecnológica” e “de-
ordem superior, através de mecanismos senvolvimento tecnológico”; os autores
de inovação (LÉVY, 1999). Quando as tec- apresentam um enfoque socioconstru -
nologias sociais de cunho educa vo são vista para o estudo da tecnologia, num
u lizadas em redes, suportam e encora- confronto entre as Ciências Sociais e as
jam a aprendizagem presencial e online, Tecnologias Sociais. Os autores compa-
ao mesmo tempo em que respeitam o ram o termo tecnologia com técnica da
controle individual sobre o tempo, es- mesma forma que empregamos episte-
paço, presença, a vidade e iden dade, mologia e conhecimento, ou seja, o logos
sendo, portanto, ferramentas de práxis como discurso.
tecnológica. Para Law (1986), a tecnologia é
A hipótese de trabalho que aqui cons tuída de elementos heterogêneos:
defendemos é a de que não devemos pessoas, competências, artefatos, fenô-
sobrepor o conceito de segregação ou menos naturais. Seu emprego educa vo
divisão digital (digital divide) com o real deve considerar, portanto, todas estas
suporte a ser dado pela tecnologia (e dimensões.
em especial as tecnologias sociais) ao Mackenzie e Wajcman (1985) en-
processo de inclusão social – que, para xergam a tecnologia em três camadas,
nós, é práxis educa va e comunitária – quais sejam: a) objetos e artefatos sicos;

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b) a vidades ou processos; e c) o que as de polí cas públicas, que o acesso devia
pessoas sabem e fazem (“know-how”). ser amplo e de custo aceitável, embora
Para Warschauer (2004) , as a vi- pouco se compreendesse em relação
dades humanas são mediadas pela tec- ao papel de mudança, da Internet, nas
nologia, no papel de ferramentas, e são questões econômicas e sociais. Aqui
alteradas por ela. Não apenas melhoram pudemos atestar a inviabilidade das
as a tudes, mas afetam o fluxo e a es- empresas ‘dot-com’ (ponto-com), em
trutura das funções mentais (VYGOTSKY, grande parte ilusões irresponsáveis – que
1991 apud WARSCHAUER, 2004). Assim, acabaram gerando o assustador ‘estou-
comunidades de prá ca seriam redes de ro da bolha’, como chamado na época,
pessoas engajadas em aprendizagem – quando a maioria de tal nicho de orga-
não formal em geral – pois muita coisa se nizações simplesmente foi à bancarrota.
aprende fora da formalidade de um curso. Do ponto de vista societário, o conceito
Heidegger (1977) definiu tecnolo- de ciberespaço, aclamado como uma
gia com uma ordenação do mundo com dimensão de vida diferente da habitual,
obje vos de reserva para soluções de deixou muito a desejar, a não ser pelo
problemas, e, assim, como meios para prefixo cyber u lizado na caracterização
fins. de qualquer coisa que se relacionasse às
E Warschauer (2004), ao tratar da tecnologias digitais, o que foi certamente
relação entre as tecnologias de informa- um grande desvio de real significado.2 A
ção e comunicação e a inclusão social, visão o mista do tema pode ser encon-
defende a visão de que não existe mais trada em Barlow (1996)3.
uma ‘divisão digital’ (digital divide), ou Warschauer não acredita que o
seja, uma distância entre quem tem e tema ‘inclusão digital’ seja binário, ou
quem não tem acesso a computadores e seja, “ter ou não-ter” como única possi-
à Internet, que geraria exclusão social do bilidade de explicação da questão social;
ponto de vista de oportunidades de aces-
so; o que existe, na verdade, é uma in-
2
compreensão em relação ao fato de que O termo e o conceito de cyberspace foram
cunhados por William Gibson, na obra Neu-
apenas fornecer hardware e soŌware, e
romancer. Aqui se cria a perspec va de uma
não trabalhar sistemas humanos e sociais realidade paralela, que mo vou os defensores
(que precisam mudar), não gera efeitos da larga utilização das novas tecnologias de
expressivos na aplicação de tecnologia às informação e comunicação de rede, surgidas na
comunidades, como já discu do acima. década de 1990, a ampliar de forma excessiva o
conceito e sua aplicabilidade.
O conceito de ‘digital divide’ surgiu em
3
meados da década de 1990, nos Estados Barlow é o autor da famosa Declaração de
Independência do Ciberespaço, onde conclama
Unidos, fruto do momento de plena os governos do mundo industrial a abrir mão da
expansão da Internet; defendia-se de hegemonia clássica que de veram até o advento
forma ampla, inclusive por intermédio da Internet.

314 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
existem hoje amplas possibilidades de fundamental seu suporte aos processos
acesso a computadores e à Internet, educa vos (e-learning ou aprendizagem
mesmo por camadas da população que por meios eletrônicos, e outros), que
não possuem condições de propriedade aqui trataremos do ponto de vista de
de tais meios; citem-se, como exemplo, práxis educativa, fator primordial de
os cybercafés, as LAN Houses, os Centros inclusão social.
de Inclusão Digital comunitários, os As bases desta visão dual das
sindicatos, os Correios, e tantos outros novas tecnologias de informação e co-
pontos de acesso à informação e aos municação, ainda de acordo com Wars-
recursos computacionais. Cita exemplos chauer (2004), são: a) o surgimento de
de inicia vas de amplo acesso na Índia, uma economia baseada em informação e
Irlanda e Egito, onde a simples dispo- conectada em rede; b) o papel das novas
nibilidade dos meios não foi suficiente tecnologias da informação e comunica-
para trazer reais mudanças práxicas nas ção neste novo cenário mundial; e c) a
comunidades onde foram implantados. visão de que o acesso a estas tecnologias
E propõe a seguinte questão: exis- pode determinar a diferença entre a
ria uma relação de causa e efeito, do marginalização e a inclusão nesta nova
po: “a falta de acesso causa danos às era socioeconômica (WARSCHAUER,
oportunidades de vida”; ou, o contrário: 2004, p. 12).
“quem tem poucos recursos tem pouco O informacionalismo (por alguns
acesso aos computadores e à Internet”? chamado de pós-industrialismo) foi
O assunto parece polêmico e passível de definido por Castells (2000) como o
amplas e discordantes opiniões. surgimento de um novo estágio do
Não queremos, no entanto, des- capitalismo global, após a invenção do
prezar a importância das novas tecno- transistor, do computador pessoal e das
logias em seu papel gerador de oportu- telecomunicações. Algo maior, portanto,
nidades numa sociedade informacional: que a simples ocorrência da Internet,
que fiquem bem claros, desde já, nosso que seria parte de um processo maior,
entendimento e diferenciação entre o e não seu habilitador4.
papel de simples acesso às tecnologias,
que criticamos, com aquele do uso
práxico, que aqui denominaremos de 4
Castells enxerga quatro características no
práxis tecnológica. Reconhecemos que Informacionalismo: a) o papel da ciência e da
a tecnologia digital moderna mudou, tecnologia para o crescimento econômico; b)
em certos aspectos, o mundo; e além desvio do foco da produção material para o
da influência econômica e polí ca que processamento de informação; c) a emergência
e expansão de novas formas de organizações in-
a Internet e os computadores digitais dustriais conectadas em rede; e d) o surgimento
permitiram (comércio eletrônico, go- da globalização socioeconômica (CASTELLS, 1993
verno eletrônico), reconhecemos como apud WARSCHAUER, 2004, p. 13).

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Falar de inclusão social do ponto dizagem compartilhada e interativa/
de vista do enfoque digital envolve re- colabora va.
cursos sociais, humanos, sicos e digi- Os autores propõem,
tais, num contexto econômico, social e 1) Uso cria vo e desenvolvimento
tecnológico - modelo de acesso, e, em
de novas tecnologias para a aprendiza-
especial para os fins deste trabalho, as
gem e pesquisa;
estruturas sociais e ins tucionais edu-
2) Entendimento crí co do papel
ca vas (WARSCHAUER, 2004). Inclusão
das novas mídias na vida, aprendizagem
social é, portanto, a proporção na qual
e sociedade/comunidades;
indivíduos, famílias e comunidades es-
3) Avanços pedagógicos dos obje-
tão aptos a par cipar plenamente da
vos de aprendizagem par cipatórios.
sociedade e controlar seus destinos:
finanças, emprego, saúde, educação, Os autores defendem a visão de
abrigo, recreação, cultura, cidadania ‘digital divide’, citando seu autor, Bharat
(WARSCHAUER, 2004). E pode, certa- Mehra: “digital divide is the troubling gap
mente, ter o apoio da inclusão digital. between those who use the computers
Como previsto por Maslow, as ne- and the Internet and those who do not”5
cessidades humanas categorizadas são: (MEHRA et al, 2004). As novas tecnolo-
gias de Informação e comunicação te-
- fisiológicas: comida, abrigo (so-
riam, portanto, par cipação em comuni-
brevivência);
dades virtuais, para compar lhar ideias,
- Segurança: distância do perigo
comentar projetos, planejar, projetar,
sico;
implementar, discu r prá cas, metas e
- Pertencimento: amigos e afeição;
ideias. Os ambientes de aprendizagem
- Es ma: autorrespeito e a es ma
estariam à disposição de pares, famílias,
de outros;
ins tuições sociais (escolas, centros co-
- Autorrealização: ser tudo o que
munitários, bibliotecas, museus).
se pode ser, em termos de talentos e
Podemos, desta forma, pensar
potencialidades.
a interface entre as novas tecnologias
Podemos pensar estas propostas da informação e da comunicação e o
do ponto de vista de uma comunidade. desenvolvimento de uma comunidade,
Para Davidson e Goldberg (2009), exatamente o que pretendemos quando
a era da informação em que vivemos falamos de práxis comunitária com o
pode ser pensada dos níveis concei- suporte da tecnologia (práxis tecnoló-
tual e metodológico; a aprendizagem gica e sociocomunitária). A práxis aqui
num momento epistêmico em que ela
em si mesma é o meio mais dramá co 5
“A divisão digital é o espaço entre aqueles que
daquela mudança. Tecnologia não é re- usam computadores e a Internet, e aquele que
volução, mas o potencial para a apren- não os u lizam” (tradução do autor).

316 Renato Kraide SOFFNER. Tecnologias sociais e a educação para a práxis sociocomunitária
trabalhada é, portanto, aquela associada as da comunidade. Pelos princípios da
à melhoria da vida das pessoas por meio Pedagogia Crí ca, os aprendentes em
do emprego de tecnologias de informa- rede definiriam seus problemas base-
ção e comunicação. Baseia-se nas defini- ados em necessidades sociais (família,
ções de capital humano (conhecimentos, comunidade), o que deveria gerar ação,
habilidades e a tudes), de capital İsico dentro da visão de Paulo Freire. Os mo-
(financeiro) e de capital social, que se- vimentos populares e a educação comu-
riam as relações sociais e a confiança nitária são as saídas para a melhoria das
advinda destas (ou seja, a capacidade condições de vida das pessoas menos
de indivíduos gerarem bene cios a par r favorecidas em sociedades capitalistas,
de relacionamentos pessoais e da par - e sua conquista por direitos, ficando
cipação em redes e estruturas sociais, visível o papel das tecnologias sociais
buscando apoio, suporte, oportunidades educa vas neste processo.
[WARSCHAUER, 2004]). Para Caliman (2012)6 , tecnologias
Uma comunidade gera capital educacionais são aquelas que geral re-
social cole vo, dado o potencial associa- sultado em termos de projetos na área
vo que toda rede de pessoas fornece. É da pedagogia social, sendo esta definida
nossa missão, aqui, pensar tal potencial como uma ciência que produz tecnolo-
gerado em rede do ponto de vista de gia educacional, por meio de métodos,
conexões tecnológicas, ou seja, as redes técnicas, soluções para problemas
sociais de fundo eletrônico e digital, e encontrados pelas pessoas, sobretudo
sua relação com as caracterís cas prá- crianças e jovens; e que se dirige em
xicas de uma comunidade. direção à melhoria da qualidade de vida
Para uma rede social, ou de ele- dos indivíduos e grupos, e do desenvol-
mentos sociais, quanto maior o grau de vimento educa vo integral das pessoas
conexão, maior seu poder. Os envolvidas na transformação social do
Telecentros (Centros de Inclusão Digital), ambiente ao qual se aplica.
ou Centros de Tecnologia Comunitários,
deveriam ser u lizados, então, para o Considerações finais
desenvolvimento da comunidade, e não
apenas para acesso (como visto ante- As tecnologias sociais educa vas
riormente): conteúdo online, cidades e podem se cons tuir em meio privilegia-
serviços públicos digitais, oportunidades do de construção da autonomia social
de trabalho, par cipação social e econô- entendida como o processo em que se
mica das pessoas, educação não formal relacionam os âmbitos econômico, social
e formal (EJA – Educação de Jovens e e cultural, e por meio das quais sujeitos
Adultos), a vismo virtual, empodera-
mento de pessoas de baixa renda; mas, 6
CALIMAN, Geraldo. Comunicação pessoal em
sobretudo, a conexão massiva de pesso- novembro de 2011.

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históricos se associam e vão produzin- racionalidade burocrá ca e os direitos
do sua identidade como agentes das conquistados pela cidadania.
prá cas que lhes dizem respeito na vida Este trabalho se jus ficou quan-
cotidiana, tendo como característica do inves gou as condições da práxis
principal a capacidade de administrar educativa apoiadas por tecnologias
suas vidas com independência e cri ci- sociais que podem intensificar esses
dade. Entendido o comunitário como o processos de autonomia e cidadania.
predomínio das relações de interesses É, portanto, a par r da concepção de
comuns, com caracterís cas de intersub- práxis e derivando dela o conceito de
je vidade propiciadoras de modalidades autonomia social e da educação como
organizacionais que podem construir apropriação-construção de conheci-
a autonomia, e entendido o societário mentos socialmente significa vos que
contemporâneo como a expressão da se busca a formulação das questões e
convivência caracterizada pelo conflito do modo de respondê-las no âmbito de
entre a norma zação instaurada pela futuros trabalhos no tema.

Referências
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Recebido em agosto de 2013


Aprovado para publicação em dezembro de 2013

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