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Universidade Politécnica

A POLITÉCNICA

Escola Superior Aberta

GUIA DE ESTUDO
GOVERNAÇÃO NACIONAL, REGIONAL E
CONTINENTAL
Curso de Administração Pública
(7º Semestre)

Moçambique
FICHA TÉCNICA

Maputo, Maio de 2016

© Série de Guias de Estudo para o Curso de Administração Pública (Educação à Distância).

Todos os direitos reservados à Universidade Politécnica

Título: Guia de Estudo de Governação Nacional, Regional e Continental


Edição: 1ª

Organização e Edição
Escola Superior Aberta (ESA)

Elaboração
Teodósio Júlio Bule (Conteúdo)
Teodósio Júlio Bule (Revisão Textual)
UNIDADES TEMÁTICAS

TEMA PÁGINA
GOVERNAÇÃO – Conceitos e Práticas ..................................................... 2

A LEGITIMIDADE DA GOVERNAÇÃO E SEU ENRAIZAMENTO ............ 12

MERCADO, TRADIÇÃO E ESTADO ........................................................ 36

PERTINÊNCIA E EFICÁCIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ...................... 43

CHAVE DE CORRECÇÃO DAS ACTIVIDADES ...................................... 56


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7

APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante

Está nas suas mãos o Guia de Estudo da disciplina de Governação


Nacional, Regional e Continental, que integra a grelha curricular do Curso
de Licenciatura em Administração Pública, curso este oferecido pela
Universidade Politécnica, na modalidade de Educação à Distância.

Este Guia tem por finalidade orientar os seus estudos individuais neste
semestre do curso. Ao estudar a disciplina de Governação Nacional,
Regional e Continental, você irá obter um conjunto de noções e conceitos
básicos sobre os principais aspectos técnicos e teóricos da governação
tanto a nível nacional como a níveis regional e continental.

Este seu Guia de Estudo contempla textos introdutórios para situar o


assunto que será estudado; os objectivos específicos a serem alcançados
no fim de cada unidade temática, a indicação de textos de leitura
obrigatória, que você deve realizar; as diversas actividades que favorecem
a compreensão dos textos lidos e a chave de correcção das actividades
que lhe permite verificar se você está a compreender o que está a estudar.

Vai, também, encontrar no Guia a indicação de leituras complementares,


isto é, indicação de outros textos, livros e materiais relacionados com o
tema em estudo, para ampliar o seu campo de reflexão, investigação e
diálogo sobre aspectos do seu interesse.

Esta é a nossa proposta para o estudo de cada disciplina deste curso. Ao


recebê-la, sinta-se como um actor que se apropria de um texto para
expressar a sua inteligência, sensibilidade e emoção, pois você é também
o(a) autor(a) neste processo de formação em Administração Pública. Os
seus estudos individuais, orientados por este guia, conduzir-nos-ão a
muitos diálogos e a novos encontros.

A equipa de professores que se dedicou à elaboração, adaptação e


organização deste guia sente-se honrada em tê-lo(a) como interlocutor(a)
nos constantes diálogos, motivados por um interesse comum pela
educação de pessoas e pela melhoria contínua do atendimento das
necessidades dos utentes das instituições públicas, ou seja dos cidadãos,
base para o desenvolvimento social do nosso país.

Seja muito bemvindo(a) ao nosso convívio!

A Equipa da ESA

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UNIDADE TEMÁTICA 1

GOVERNAÇÃO – CONCEITOS E PRÁTICAS

Elaborado por Teodósio Júlio Bule

Objectivos

No fim desta unidade temática, você deverá ser capaz de:

 Enunciar os conceitos de governação nacional;

 Elaborar sobre as práticas de governação nacional.

Caro(a) estudante, antes de mais, gostaríamos de lhe felicitar pelo facto de


estar a iniciar os seus estudos nesta importante e interessante disciplina
de Governação Nacional, Regional e Continental, adiante designada pela
sigla GNRC, e em particular nesta unidade temática 1, dedicada aos
conceitos e práticas de governação .

Nesta unidade temática 1, iremos utilizar sobretudo o material


disponibilizado pelo Instutute on Governance (IOG, em http://iog.ca), do
Canadá, e você tomará contacto com várias definições introdutórias, que
lhe acompanharão ao longo do Guia, até à última unidade temática. Assim,
é importante assimilá-las adequadamente aqui, e isso só será possível se
estudar os textos obrigatórios e complementares que recomendamos.

Vamos começar com os conceitos de governação, seguindo com os cinco


princípios de boa governação, e terminando com as práticas de
governação.

Vamos a isso!

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1.1 Conceitos de Governação

Como sabe, caro(a) estudante, não é propriamente fácil apreender o


conceito de governação numa simples definição. O conceito é complexo,
pelo que existem muitas definições para o mesmo. No entanto, de acordo
com o IOG, a maioria das definições propostas na vasta literatura sobre o
assunto baseiam-se em três dimensões de governação: autoridade,
tomada de decisão e responsabilização (accountability).

Na verdade, no contexto das três dimensões acima, a governação


determina quem detém o poder, quem toma as decisões, como os
intervenientes fazem ouvir a sua voz, e como é assegurada a
responsabilização das partes; isto porque a necessidade de governação
surge sempre que um grupo de pessoas se junta para concretizar um
determinado fim.

Numa situação em que o grupo é demasiado grande para tomar, de forma


eficiente, todas as suas decisões, como sejam os casos das nações,
regiões e continentes, então cria-se uma entidade para facilitar o processo.
Os membros do grupo delegam uma porção grande das responsabilidades
de tomada de decisão a tal entidade.

1.2 O que é Governação?

De acordo com o IOG, uma definição simples de governação é que ela é


“a arte de dirigir sociedades e organizações”. A governação envolve os
aspectos mais estratégicos de dirigir uma sociedade ou organização,
tomando as decisões mais amplas tanto sobre o sentido quanto sobre os
papéis a serem desempenhados pelos membros da sociedade ou
organização.

Repare que, ainda de acordo com o IOG, alguns observadores não


concordam com a definição acima, pois acham-na demasiado simplista.
Para eles, “dirigir” pressupõe que governação é um processo linear,
comparável até a um homem ao leme de um barco. Ora para os tais
críticos, governação não é um processo simples nem linear – a
governação pode ser, por natureza, um processo desordenado, por

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tentativas, imprevisível e fluido. Governação é um processo complicado
pelo facto de envolver múltiplos actores, e não um singular homem do
leme.

Os múltiplos actores referidos anteriormente poderão ser os cidadãos, a


nível da nação, ou os governos nacionais a nível regional e continental.
Estes múltiplos actores articulam os seus interesses, influenciam a forma
como as decisões são tomadas, assim como quem são os decisores e que
decisões são tomadas.

Os decisores devem, por isso, absorver estes inputs nos processos de


tomada de decisão. Os decisores são, portanto, responsabilizáveis perante
os cidadãos pelo output da entidade e pelo processo de produção do
mesmo.

O IOG chama ainda a nossa atenção para o facto de a governação ser


também um conceito altamente contextual. O processo e as práticas que
irão ser postos em marcha irão variar significativamente, dependendo do
ambiente no qual são aplicados.

A governação no sector público tem que ter em conta a prestação de


contas e responsabilidades legais e constitucionais. No sector não
governamental, representar os interesses das partes (stakeholders) poderá
ser um factor determinante na escolha da governação a ser aplicada.

Mesmo dentro destes sectores, o tamanho, o formato, a forma e


funcionamento irá variar grandemente de uma organização para outra. O
campo da governação é uma área onde uma medida não serve para tudo,
tudo tem que ser pensado de acordo com cada realidade específica.

1.3 Os Cinco Princípios de Boa Governação:


(IOG, em http://iog.ca)

1. Legitimidade e Participação – todos os homens e mulheres


deverão ter uma palavra a dizer no processo de tomada de decisão,
tanto de forma directa como através de instituições intermediárias
que representem as suas intenções. Tal participação ampla funda-
se na liberdade de associação e expressão, assim como nas

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capacidades de participar de forma construtiva. A boa governação
orienta-se para o consenso, ou seja ela medeia interesses
diferentes para alcançar um consenso amplo naquilo que é do
melhor interesse do grupo e, onde for possível, nas políticas e
procedimentos.

2. Visão estratégica – os líderes e o povo têm uma perspectiva


ampla e de longo prazo sobre a boa governação e o
desenvolvimento humano, ao mesmo tempo que têm noção
daquilo que é necessário para alcançar tal desenvolvimento. Há
igualmente uma percepção das complexidades histórica, cultural e
social sobre as quais a perspectiva assenta.

3. Desempenho – as instituições e processos procuram servir a todas


as partes envolvidas (capacidade de resposta). Os processos e as
instituições produzem resultados que vão ao encontro das
necessidades dos interessados, ao mesmo tempo fazendo melhor
uso dos recursos disponíveis.

4. Responsabilização – os decisores do governo, do sector privado e


das organizações da sociedade civil são responsabilizáveis perante
o povo, assim como perante as partes interessadas das instituições
que representam. Neste contexto, um aspecto importante a ter em
conta é a transparência, que se constrói no livre fluxo de
informação. Os processos, instituições e informação são
directamente acessíveis aos interessados, e informação suficiente
é fornecida para compreendê-los e monitorá-los.

5. Equidade e Primado da Lei – todos os homens e mulheres têm a


oportunidade de melhorar ou manter o seu bem-estar; e os
enquadramentos legais são justos e fazem-se cumprir de uma
forma imparcial, com particular destaque para as leis relativas aos
direitos humanos.

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1.4 Práticas de Governação

Caro(a) estudante, vimos anteriormente que o processo e as práticas de


governação poderão variar significativamente, dependendo do ambiente
no qual são aplicados. A governação no sector público tem, nos últimos
tempos, em atenção a questão da prestação de contas e
responsabilidades legais e constitucionais. Vamos, portanto, nesta secção,
ver como evoluiram as práticas de governação ao longo do tempo, tendo
como base as propostas apresentadas pelo IOG, relativas sobretudo às
práticas britânica, americana e, naturalmente, a canadiana.

As práticas de governação vão das mais simples às mais complexas. Num


extremo temos a chamada governação simples, no contexto da qual
existe apenas um soberano que, de forma unidireccional, toma todas as
decisões da nação e o povo cumpre a sua obrigação de pagar os tributos.
Mais ninguém tem voz sobre os destinos do país, senão o próprio
soberano. Neste contexto, o rei ou rainha não tem que prestar contas a
ninguém. (IOG, em http://iog.ca).

No extremo oposto encontramos a chamada governação distribuida, que


é a mais complexa das práticas de governação, e que caracteriza as
práticas modernas de governação. (IOG, em http://iog.ca). Esta prática
resulta de uma série de factores que determinam o ambiente de
governação, nomeadamente, e entre outros, o aumento do nível de
rendimento das famílias, elevação do nível de escolaridade, aumento das
expectativas pessoais, revolução das tecnologias da informação e
comunicação, e a globalização. (idem).

No contexto da governação distribuida, o poder vai cada vez mais sendo


transferido do parlamento para o braço executivo da governação,
envolvendo cada vez mais o braço judicial, com um papel cada vez mais
directo dos tribunais, ao mesmo tempo que os cidadãos se envolvem cada
vez mais com o governo e exigem cada vez mais deste. (ibidem).

Cidadãos com mais conhecimentos, educação e riqueza querem dos seus


governos prestações de contas mais céleres e mais transparentes, e
mostram-se cada vez menos deferentes diante de governos com o hábito
de falar e decidir pelos cidadãos. (IOG, em http://iog.ca).

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A complexidade social e económica das sociedades actuais exige novos
arranjos institucionais para assessorar, regular, adjudicar e prestar
serviços, o que faz com que as relações dessas novas instituições com o
governo e com os cidadãos sejam multifacetadas e complexas. (idem).

Uma vez retratados os extremos das práticas da governação, vamos agora


ver o que acontece no espaço intermédio, ou seja como as sociedades
evoluiram da governação simples até à distribuida.

Com o adevento da Magna Carta em 1215, a governação passou a ser


partilhada entre o soberano e um grupo restrito da população,
nomeadamente a nobreza. Os nobres passaram a ter uma palavra a dizer
nos processos de decisão, e o soberano não mais podia tomar decisões
sobre os tributos sem o consentimento dos nobres. O rei ou rainha passou
a ter que prestar contas aos nobres. Isto no caso concreto do Reino Unido.
(IOG, em http://iog.ca).

No século XIII começa a ganhar espaço o sistema parlamentar, incluindo


na governação representantes eleitos, compostos por grandes
latifundiários e homens ricos dos meios urbanos. Surgia assim a Câmara
dos Comuns no Reino Unido. (idem).

O poder do parlamento foi crescendo, até chegar ao ponto de determinar


quem poderia ser rei no Reino Unido e, assim, em 1688 James II foi
derrotado pelo parlamento, perdendo o seu trono para William. Os reis
passaram a ser monarcas constitucionais, que prestam contas à
aristocracia e a uma pequena classe da alta burguesia. (ibidem).

Nos duzentos anos seguintes, a voz do povo foi ganhando uma sonoridade
audível, e foi se elevando, fazendo surgir a figura do Primeiro-Ministro
como o verdadeiro chefe do governo do Reino Unido, e os conselheiros do
rei começaram cada vez mais a assemelhar-se aos modernos conselhos
de ministros. (IOG, em http://iog.ca).

Com o surgimento do Novo Mundo, novas ideias de governação ganham


expressão. Surge, assim, em 1776, a ideia de que não deverá haver
tributação sem uma devida representação, ideias que tinham nos Estados

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Unidos da América o principal percursor. Aquele país tinha uma forma
democrática de governação baseada na representação directa. (idem).

A Revolução Industrial acelerou a expansão da população urbana e uma


crescente classe média educada. À medida que a economia crescia e a
sociedade evoluía, exigia-se que os governos fizessem cada vez mais
pelos cidadãos. (ibidem).

Na Alemanha, Bismarque introduziu um moderno estado de bem-estar


social (Welfare State) nos anos 1880, o que poderá ter contribuído para
estancar a onda de emigração dos trabalhadores alemães, que passaram
a ter uma palavra a dizer sobre a vida laboral do país. (IOG, em
http://iog.ca).

Uma vez que a natureza da governação se transformava, também se


transformava a natureza do governo. Surgia assim a burocracia
profissional. O nepotismo e outros sistemas arcaicos de governação
foram substituidos por um serviço público imparcial e baseado no mérito.
(idem).

Nos finais do século XIX, a ideia de uma pessoa um voto já estava bem
enraizada, e exigências no sentido do sufrágio universal iam crescendo um
pouco por todo o lado. Estas tendências para processos de tomada de
decisão mais inclusivos; uma voz mais audível do cidadão; sufrágio
universal; e uma crescente prestação de contas ao governado (cidadãos)
continuou pela metade do século XX adentro. O governo prestava contas
ao parlamento e este era supremo. Estas foram as últimas práticas de
governação imediatamente antes da implementação das actuais práticas
modernas que, conforme referimos anteriormente, se consubstanciam nas
chamadas práticas de governação distribuida. (ibidem).

Em jeito de conclusão, importa relembrar que, na realidade, os governos


nacionais são das mais complexas organizações sociais que a
humanidade inventou, que lidam com assuntos do mais complexo que as
sociedades enfrentam. Por isso, uma boa governação conduz a uma boa
liderança, boas decisões e bons resultados. (IOG, em http://iog.ca).

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Os desafios de governação nos tempos modernos são enormes. No caso
de Moçambique, mas também noutras latitudes, os desafios da
governação incluem a representação efectiva da diversidade populacional,
cultural, e política; num contexto em que a população é maioritariamente
jovem, semi-alfabetizada, assim como uma população idosa exposta ao
drama da pobreza extrema, entre outros, que se resumem à nossa
condição de país de rendimento baixo. (idem).

Acresce que hoje é tudo mais acelerado: novas tecnologias fracturantes


estão a provocar e potenciar mudanças em tudo, desde a formulação de
políticas até à prestação de serviços, passando pelo activismo dos
cidadãos. (IOG, em http://iog.ca).

À medida que as expectativas dos cidadãos aumentam, o relacionamento


entre os governos e os governados também se vai alterando. Os desafios
da governação incluem a renovação das noções de privacidade, abertura e
controlo dos dados do governo, e como incorporar o envolvimento directo
dos cidadãos na vida do país no período que decorre entre as eleições,
enquanto se responde ao agora empoderado cidadão activista. (idem).

Mesmo para terminar esta sua unidade temática 1, caro(a) estudante,


gostaríamos apenas de acrescentar alguns aspectos adicionais para
complementar a sua formação nesta área de conhecimento. Contudo, não
poderemos tratar esses pontos igualmente importantes neste seu Guia de
Estudo.

São eles, nomeadamente, a questão das relações económicas globais (a


parceria, a cooperação); algumas considerações sobre as diversidades e
desigualdades nacionais e transnacionais no contexto da regionalização;
os efeitos da transnacionalização na governação regional e continental;
análise comparada de políticas sociais nacionais, regionais e continentais;
assim como a contextualização das políticas públicas no desenvolvimento
regional.

Na verdade, são temas que só por si dariam para compor um guia de


estudo completo e autónomo. De qualquer modo, alguns destes aspectos
foram aflorados na unidade temática 2.

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Nesse contexto, referimos, por exemplo, que o espaço de manobra
disponível para o exercício efectivo da soberania dos estados nacionais
(nomeadamente os mais pequenos) tem vindo a ser crescentemente
reduzido, ou condicionado, pelos desenvolvimentos característicos da
ordem contemporânea, e que têm tornado o mundo cada vez mais inter-
dependente. (Bento, 2004).

O progresso tecnológico e do conhecimento em geral, a emergência de


novas formas de poder, a chamada globalização económica e as
tentativas de fazer aplicar um “direito universal” e de instituir uma
governação mundial são, entre vários outros, alguns dos factores que
têm vindo a condicionar o espaço de manobra das soberanias nacionais.
(idem).

O que leva Robert Cooper a afirmar que “para o Estado pós-moderno,


soberania é um lugar à mesa [das estruturas de cooperação
internacionais ou supranacionais, tais como a Nova Parceria para o
Desenvolvimento de África (NEPAD); a própria União Africana; a SADC;
a União Europeia; a Organização das Nações Unidas (ONU), entre tantas
outras]. (ibidem).

Assim, é importante lembrar que, mesmo conseguindo esse tal “lugar à


mesa”, por exemplo nas negociações com a União Europeia, só a sua
Comissão em Bruxelas tinha em 2003 mais de 7 (sete) centenas de
quadros superiores como auxiliares da instituição. Ora quantos quadros
superiores terá, por exemplo, o nosso Ministério dos Negócios
Estrangeiros, ou mesmo a União Africana, para negociar com a Europa?

Dá que pensar, de facto.

E com esta advertência, caro(a) estudante, terminamos a nossa unidade


temática 1. Esperamos, sinceramente, que tenha sido do seu agrado, e
que lhe tenha criado mais vontade de prosseguir nesta interessante
aventura académica, que é a disciplina de GNRC.

Bom estudo!

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Leituras Complementares

A leitura do texto indicado a seguir é de fundamental importância para a


compreensão da matéria que estudamos nesta unidade temática 1, assim
como para realizar as actividades propostas a seguir. Portanto, não deixe
de ler os materiais recomendados. Na verdade, boa parte do material está
em formato de vídeo. Lembre-se: o que fizemos atrás é somente uma
orientação do estudo que deverá efectuar, utilizando os manuais
recomendados.

Texto 1
Instutute on Governance (IOG), do Canadá.

Disponível em: http://iog.ca/defining-governance/; última visita em 31/12/2015; 14:00 horas

Actividades

Caro(a) estudante, a seguir estão ao seu dispor as actividades


correspondentes a esta unidade temática 1. Resolva os exercícios
propostos em cada uma, e verifique se acertou, confrontando as suas
respostas com as apresentadas na Chave de Correcção no final do
presente Guia de Estudo. Bom trabalho!

Actividade 1

1.1. Quando é que surge a necessidade de governação?

1.2. Dois dos princípios básicos de boa governação são a


Responsabilização (accountability) e a Equidade e o Primado da Lei.
Neste sentido, como enquadra o forte efectivo policial que caracterizou
os últimos dias de Abril e princípios de Maio de 2016, na cidade de
Maputo, como resposta às mensagens anónimas que convocavam

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manifestações populares por causa do endividamento secreto do
Estado? Justifique a sua resposta.

1.3. Quais são os dois extremos possíveis de governação?

1.4. Com base naquilo que aprendeu até esta fase do seu Guia de Estudo
de GNRC, como enquadraria politicamente uma possível manifestação
popular organizada nos termos da lei, com o objectivo de repudiar o
consumado endividamento secreto do país?

UNIDADE TEMÁTICA 2

A LEGITIMIDADE DA GOVERNAÇÃO E SEU


ENRAIZAMENTO

Elaborado por Teodósio Júlio Bule

Objectivos

No fim desta unidade temática 2, você deverá ser capaz de:

 Identificar a fonte originária da soberania e a legitimidade do seu


exercício;

 Identificar os elementos essenciais para gerar uma sociedade


política;

 Identificar a característica básica das nações modernas.

Caro(a) estudante, é chegado o momento de estudarmos a questão da


legitimidade da governação e seu enraizamento. Para o efeito, vamo-nos
socorrer, de forma abusiva, da obra do filósofo e economista português
Vítor Bento – Os Estados Nacionais e a Economia Global, Almedina, 2004.

Tirando um ou outro exemplo, ou ainda alguns esclarecimentos adicionais


que claramente se compreenderá que são da autoria do autor deste seu

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Guia de Estudo, o texto que se segue é um fiel conjunto de excertos do
capítulo II da obra citada.

2.1 O contexto histórico da emergência e consolidação dos


estados nacionais

No percurso histórico da Humanidade e com o advento do que se


convencionou chamar de Modernidade, as sociedades políticas tenderam
a consolidar-se na forma de estados nacionais e soberanos, dando origem
a uma ordem mundial baseada na coexistência e interacção de uma
multiplicidade desses estados, assentes em diferenciadoras identidades
nacionais. (Bento, 2004). Iremos falar, mais adiante, e oportunamente,
destas questões de soberania assim como da identidade nacional.

Repare, caro(a) estudante, que os estados nacionais não são a primeira e,


provavelmente, não serão a última forma de concretização das sociedades
políticas, tanto mais que a ordem política assim constituída representa uma
realidade muito recente em termos de história da Humanidade. (idem).

Mas, assentes numa identidade unificadora de uma multiplicidade de


indivíduos desconhecidos entre si, continuam a ser as entidades,
especialmente capacitadas para a acção política, que melhor asseguram
os mecanismos de uma justa representação da sociedade, as condições
para o solidário e coesivo exercício da responsabilidade social, e que
podem oferecer as melhores condições para a busca do equilíbrio
existencial do Homem. (ibidem).

Por isso, e até que uma nova forma de organização política se possa
revelar mais eficaz na garantia desses desideratos, os estados nacionais
continuarão a ser a referência dominante da ordem internacional e da
existência humana. (Bento, 2004).

As identidades comunitárias em que assentou a consolidação dos estados


nacionais tornaram-se num factor fundamental de agregação das
sociedades políticas, garantindo e legitimando a existência dos respectivos
estados, enquanto instrumentos, por excelência, da sua acção política.
(idem).

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De facto, só através de um imaginário identificador foi possível estabelecer
um forte sentido de pertença comum, as entretecidas ligações sociais e o
compromisso de solidária entreajuda, entre agregados humanos que, por
força das circunstâncias históricas e sociais em que se desenvolveram, e
por razões de crescimento orgânico ou necessidade de associação com
outros agregados, ultrapassaram a dimensão que lhe permitisse depender
apenas de laços pessoais, familiares ou de vizinhaça. (ibidem).

Na verdade, a comunidade nacional gerou um novo tipo de vínculo entre


pessoas que, até então, tinham sido estranhas umas às outras. (Habermas,
1996, citado em Bento, 2004).

Conforme sabe, caro(a) estudante, a maioria dos estados actuais, e


Moçambique não fugirá certamente à regra, albergam uma pluralidade de
pertenças comunitárias, de base étnica, religiosa ou cultural, sem que isso
impeça a associação, geralmente reconhecida, entre um estado e “um
povo”, que aquele (o estado) representa, reconhecidamente, na ordem
internacional. (Bento, 2004).

É assim que é comum falar, com significação facilmente reconhecida


(associada à ideia de comunidade reconhecida), do povo moçambicano,
ou do povo belga, por exemplo, sem prejuízo das diversidades sociais que
cada um desses povos contém. (idem).

Além disso, a existência de um estado pode funcionar, ela própria e com o


decorrer das gerações, como um elemento aglutinador de outras pertenças,
polarizando a emergência de uma identidade associada e fomentando, por
conseguinte, a consolidação de uma correspondente comunidade nacional.
(ibidem).

Na verdade, a primeira tarefa de um poder governante é a criação de uma


nação politicamente unificada, pela transformação da pré-existente e
desorganizada multitude num corpo organizado para a acção. (Voegelin,
1952, citado em Bento, 2004, por sua vez citando Maurice Hauriou).

Contextualizando historicamente, podemos dizer que os estados nacionais


são um produto claramente moderno e politicamente relevante apenas a
partir do século XVIII. (Bento, 2004).

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Citando Hobsbawn (1990), Bento sublinha que “Nações não são tão
antigas como a história. O moderno sentido da palavra não é mais antigo
que o século XVIII. A característica básica da nação moderna e tudo o que
com ela se liga é a sua modernidade”. (Bento, 2004).

A Revolução Francesa liquidou definitivamente o Antigo Regime (Ancien


Régime) feudal e representou um novo e importante estímulo dos
nacionalismos, ao promover a “transferência” do pólo de lealdade devida
pelos membros de uma comunidade, do rei para a pátria, e ao proclamar
pela primeira vez “O direito absoluto das nacionalidades a constituírem-se
como estados independentes”. (idem).

Embora haja normalmente uma perspectiva eurocêntrica no estudo das


origens dos estados nacionais e dos nacionalismos, que pode resultar num
enviesamento analítico, é um facto que foi na Europa que mais se
evidenciou o contexto – ideológico e político – favorável à emergência
desta realidade que domina o quadro político do universo actual. (ibidem).

Por outro lado, e não obstante os estados-nação que se formaram a partir


de realidades imperiais ou dinásticas, de que a China e o Japão são os
exemplos mais evidentes, e a emergência dos Estados Unidos da América
com base num contrato social em que pretendeu fundar a sua existência
política subsequente à sua secessão do Império Britânico, a formação
destas entidades políticas, fora da Europa, resultou normalmente do
processo de descolonização. (Bento, 2004).

Daí que, em muitos casos, tenha sido assente em bases artificiais, com
fronteiras definidas a partir da “identidade colonial”, mas sem que esta
tenha conseguido apagar outras poderosas fontes identitárias, de cuja
fricção têm resultado diversos conflitos bélicos. (idem).

No entanto, importa reconhecer que, nalguns casos, como Timór Lorosa’e


(Timor-Leste), a ocupação colonial conseguiu criar laços identitários entre
a comunidade colonizada, muito mais fortes do que os que originalmente a
integravam nas comunidades circundantes, de tal forma que essa
identidade se constituiu na base de uma independência posteriormente
conquistada. (ibidem).

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Exercício 2.1: Resolva os exercícios 1.1 a 1.3 da actividade 1.

2.2 O contexto cultural da emergência e consolidação dos


estados nacionais: autonomização da esfera política

Com o advento da chamada “Idade Axial”, que é a idade do


recentramento antropológico, o Homem adquiriu a consciência de que o
seu destino também depende da sua acção, pelo que a realidade deixa
de ser vista como pré-determinada pelas leis cósmicas. (Bento, 2004).

A ordem humana diferencia-se existencialmente da ordem cósmica e a


política assume um novo e importante carácter, adquirindo autonomia.
(idem). Surge o impulso de inquietação, a partir do qual o Homem deseja
alcançar e procura conhecer o fundamento da ordem da sua existência.
(ibidem).

O Homem descobre em si, na sua consciência, o poder de se elevar


acima de si próprio e do mundo: descobre os seus limites e anseia pela
libertação. Assume-se como um ser autónomo, capaz de cooperar
livremente com os seus semelhantes na ordenação consciente da
sociedade, por forma a atingir o bem comum, determinando ele próprio
os meios adequados. (Bento, 2004).

É neste contexto da Época Axial que emerge a “polis” grega.


Desenvolvem-se as cidades-estado da Grécia Antiga, apresentando uma
nova ordem, na qual passa a funcionar a liberdade humana: a cidade já
não representa apenas a ordem cósmica, representa também a ordem
humana. (idem).

As cidades organizam um novo modo de estar, no qual a vida cívica


ganha predominância sobre a vida privada e onde só o cidadão conta
politicamente. Cada cidade apresenta a sua ordem política própria,
traduzida num regime, com a sua forma própria de representação. Os

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deuses, contudo, continuam a fazer parte integrante da ordem política da
existência humana. (ibidem).

A diferenciação, iniciada por Santo Agostinho, entre as esferas espiritual


e temporal do compacto primitivo em que assentava a ordem da
existência, dá assim origem, com a dupla fractura da Modernidade, à sua
completa separação: “o que é de César” ficará definitivamente separado
de “o que é de Deus”. (Bento, 2004).

Esta separação e a consequente autonomia da política relativamente a


fundamentos de ordem moral, religiosamente inspirados, abre o caminho
à secularização definitiva do poder político e à enunciação de duas
felicidades autónomas como objectivos da vida humana: a espiritual,
associada à sua realização transcendente, pertence ao campo de acção
da Igreja e é remetida para o âmbito privado da existência do Homem; e
a mundana, traduzida na segurança e no bem-estar material da vida
terrena, reconhecida como o fim da acção política. (idem).

Esta concepção moderna, por sua vez, abriu também uma distinção
fundamental entre as esferas pública e privada, dando uma importância
até aí inusitada a esta última. À esfera pública corresponde o espaço do
que é relevante para a constituição e preservação da sociedade,
enquanto ente “público”, e, como tal, do que é deixado ao Estado, cuja
unidade deve ser preservada. (ibidem).

Na esfera privada, cabe o que pode ser objecto da tolerância, como os


assuntos religiosos e outras crenças, os afectos e tudo o que pode caber
no âmbito da satisfação pessoal do indivíduo, e que deverá ser deixado
ao seu arbítrio. (Bento, 2004).

Desta forma, e ao nível político, a modernidade vai desenvolver-se pela


desintegração da ordem medieval, numa multiplicidade de estruturas e
unidades temporais, que se materializarão na forma dos estados
nacionais e soberanos que constituem a ordem actual. (idem).
Voltaremos a esta questão da soberania mais adiante.

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Exercício 2.2: Resolva os exercícios 1.4 e 1.5 da actividade 1.

2.2 Uma nova legitimidade: o Contrato Social

Abalada a fundamentação religiosa da ordem política e,


consequentemente, a legitimação divina do poder, haveria que procurar
quer uma nova fundamentação da ordem quer uma nova fonte de
legitimação do poder. (Bento, 2004).

Desenvolvem-se então, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, as teses


contratualistas fundadoras da sociedade e constitutivas do poder, ainda
que alicerçadas no direito natural. (idem).

No entanto, autores há que consideram que o pressuposto da nova


doutrina “é a ideia de que o fundamento da sociedade e do Estado deve
procurar-se não numa exigência natural dos homens mas antes numa
condição convencional”. (Bento, 2004, citando Mattei, R., 2001).

A argumentação que sustenta o contrato social baseia-se no


entendimento de que os indivíduos, vivendo num estado natural, são
conduzidos por instintos egoístas que os empenham num estado de
guerra permanente, de todos contra todos, arriscando a sua
sobrevivência. (Bento, 2004).

Para se subtrair ao curso selvagem e auto-destrutivo a que a situação


conduziria, a razão induz os homens a estabelecerem um pacto,
mutuamente benéfico, pelo qual acordam constituir uma sociedade
política sujeita a regras e delegar os seus direitos numa entidade que
assegure a protecção das suas vidas e dos seus bens. (Bento, 2004).

Através do contrato social assim estabelecido, os homens aceitam


restringir parte da sua liberdade natural e assumir alguns certos deveres
para com a sociedade, bem como submeter-se a um poder instituído e
reconhecido por todos, em troca da sua própria segurança. (idem).

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Em troca da segurança que a comunidade lhes oferece, os indivíduos
sobrepõem o interesse comunitário aos seus interesses individuais,
transformando mesmo o direito individual à auto-defesa na obrigação de
defesa da comunidade, sacrificando-lhe, se necessário, a vida, a
liberdade e a propriedade. (ibidem).

A fonte originária do poder político passa, deste modo, a ser o povo


(mesmo que só nominalmente). (Bento, 2004).

A tese contratualista, no entanto, dará lugar a dois ramos distintos de


concepção da sociedade e do poder político: a concepção liberal,
originada por Locke, e a concepção autoritária e potencialmente
totalitária, segundo o pensamento elaborado por Hobbes e sobretudo por
Rousseau. (idem).

Hobbes eleva um dos objectivos básicos da existência humana – a auto-


conservação – à principal finalidade da sua concepção da vida política. A
teoria contratual de Hobbes é fundada numa visão pessimista do Homem,
o que leva a propor que os homens, constituídos em sociedade, alienem
totalmente os seus direitos naturais a favor de um poder absoluto.
(ibidem).

Partindo embora, contrariamente a Hobbes, da ideia de que o Homem é


bom por natureza (o “bom selvagem”), Rousseau irá, mais tarde, reforçar
a delegação dos direitos de cada um no poder absoluto do soberano.
(Bento, 2004).

Mas Rousseau irá ainda mais longe na absolutização da sociedade sobre


o indivíduo, visando mesmo a transformação da própria natureza humana.
É elucidativa, a este propósito, a sua afirmação de que “...para que o
pacto social não se transforme num formulário vão, é necessário que,
tacitamente, encerre este compromisso: que quem quer que se recuse a
obedecer à vontade geral, por todos seja obrigado a cumprí-la; o que
significa que o forçam a ser livre”. (idem).

Rousseau acaba assim por abrir a porta ao substracto teórico de


movimentos totalitários que se concretizaram no século XX. (ibidem).

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John Locke, que tal como Rousseau também partilha uma visão optimista
da natureza humana, aperfeiçoou a doutrina hobbesiana do contrato
social num sentido mais favorável ao respeito pela individualidade de
cada um dos contratantes, reconhecendo-lhes, nomeadamente, o desejo
de propriedade e o direito à sua aquisição ilmitada como o suporte em
que assenta o desejo e o direito à auto-conservação. (Bento, 2004).

Diferentemente de Hobbes, Locke não considera que o estado natural do


Homem seja necessariamente um estado de guerra, mas que “é um
estado de perfeita liberdade de dirigir as suas acções, e de dispor dos
seus bens e pessoas segundo lhe aprouver, observando simplesmente
os limites da lei natural, sem pedir licença, ou depender da vontade de
pessoa alguma”. (idem).

O que leva o Homem a aderir ao contrato social que institui uma


sociedade política, é o reconhecimento de que o gozo do direito de
liberdade que usufrui no estado natural “é muito incerto, e está exposto
constantemente à invasão de outros”. (ibidem).

Não é, pois, “sem razão que ele procura, e quer unir-se em sociedade
com outros que já estão unidos, ou que tencionam unir-se, a fim de
conservarem mutuamente as suas vidas, liberdades e bens, a que dou o
nome genérico de propriedade”. (Locke, 1690, citado em Bento, 2004).

Para Locke, um governo é sobretudo um árbitro e a actividade de


governar é uma actividade que exige “autoridade” e que introduz na
situação existente um elemento de “subordinação” à autoridade de um
árbitro, fundada esta unicamente no consentimento de cada um dos
sujeitos, e cujas decisões são definitivas. (Bento, 2004).

Locke considera também que os homens são naturalmente livres, não


podendo, por isso, o poder político assumir-se como absoluto. (idem).

Deste modo, e não obstante a partilha necessária à constituição da


sociedade e à preservação do seu bem comum, Locke salvaguarda os
seus membros da acção potencialmente opressiva ou totalitária da
sociedade, reconhecendo-lhes alguns direitos naturais inalienáveis, como
o de resistência e o de rebelião. (ibidem).

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Contrariamente a Hobbes e Rousseau, Locke é um intrépido defensor da
individualidade, enquanto característica essencial de cada homem [ou
mulher], pois que “a individualidade é o carácter que cada homem [ou
mulher] possui, na medida em que todos eles são igualmente e
independentemente filhos de Deus” e justificada pela responsabilidade
com que cada homem [ou mulher] deve considerar a sua própria
salvação. (Bento, 2004).

Locke surge, portanto, como o articulador da ideia dos Direitos do


Homem, extraída por ele no direito natural e com fundamento último na
vontade de Deus. (idem).

Serão assim inspiradas em Locke as declarações dos Direitos do Homem


que, no século XVIII surgem, quer associadas à Revolução Americana
quer associadas à Revolução Francesa. (ibidem).

Exercício 2.3: Resolva os exercícios 1.6 a 1.8 da actividade 1.

Segundo Oakeshott, na sequência da desintegração da ordem político-


social da Idade Média, os homens libertaram-se das subordinações
feudais, ou comunitárias, características da ordem medieval e foram
confrontados com os desafios da sua individualidade. (Oakeshott, 1993,
citado em Bento, 2004).

Da resposta a esses desafios emergiram duas moralidades em confronto:


a “moralidade da individualidade” e a “moralidade do colectivismo”.
(Bento, 2004).

A “moralidade da individualidade” é sustentada pelos homens que se


procuram afirmar como indivíduos, reclamando soberania moral sobre si
mesmos e comprometendo-se a viver uma vida governada pelas suas
próprias escolhas, assumindo os correspondentes riscos. (idem).

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Do outro lado, a “moralidade do colectivismo” é sustentada pelos
homens que não conseguiram tornar-se indivíduos, ou seja homens que
continuam sem vontade ou capacidade de realizar escolhas, e de
assumir os riscos da individualidade, e que reagiram a essa incapacidade
com inveja, ciúmes e ressentimento, procurando no “colectivo” protector
a imposição a todos da sua própria incapacidade. (ibidem).

Na verdade, “o homem frustrado pelo falhanço em viver de acordo com


os apelos do seu tempo tornou-se um homem determinado a fazer o
mundo à sua imagem... Tornou-se o ‘anti-indivíduo’ militante” (Oakeshott,
1993, citado em Bento, 2004).

A “moralidade da individualidade”, contemplando uma íntima conexão


entre o usufruto da individualidade e a instituição da propriedade
privada, permitiu encarar politicamente as sociedades humanas, não
como comunidades dominadoras, mas antes como associações de
indivíduos que escolhem, eles próprios, o que fazer e em que acreditar.
Os governos devem, nesta acepção, limitar-se essencialmente a
assegurar as condições necessárias à prossecução dos
empreendimentos individuiais e a prevenir a ocorrência de choques,
sempre possíveis, entre os membros da sociedade. (Bento, 2004).

Por sua vez, o defensor da moralidade do colectivismo procurou que o


governo o protegesse da necessidade de ser um indivíduo, instituindo
uma moralidade apropriada ao seu estado e condição. (idem).

Esta moralidade anti-individualista tendeu sempre a considerar a


propriedade privada como um mal, pois que, sendo radicalmente
igualitária, vê com desconfiança qualquer tipo de privacidade. A
privacidade deverá, como tal, ser abolida, permitindo que, dentro de uma
“colectividade”, todos sejam unidades iguais e anónimas. (ibidem).

Nesta moralidade anti-individualista, os governos deverão proporcionar,


pois, assistência, protecção e liderança a estes homens que, por
incpacidade ou falta de disposição, esperam que lhes digam o que fazer
e em que acreditar. (Bento, 2004).

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A realização destes desejos associados à moralidade do colectivismo,
requer governos que sejam não só soberanos mas também poderosos.
(idem).

“Algumas das mais notáveis criações políticas da Europoa moderna


foram concebidas para fazer escolhas em vez daqueles que eram
incapazes ou não estavam dispostos de as fazer eles próprios: o
‘príncipe perfeito’ do século XVI, o déspota ‘iluminado’ do século XVIII, o
‘ditador’ do nosso tempo, para mencionar apenas três exemplos entre
muitos”. (Oakeshott, 1993, citado em Bento, 2004).

Para terminar esta secção 2.2 da sua unidade temática 2, caro(a)


estudante, note que, em complemento da análise das duas vertentes
teóricas do contrato social, desenvolvidos nos séculos XVI e XVII, num
contexto de completa secularização da política, a interpretação proposta
por Oakeshott ajuda, sem dúvida, a perceber melhor a emergência dos
dois pólos cuja tensão marcou a evolução, não só das modernas ideias,
mas da própria acção política, ao longo dos últimos três séculos: o pólo
libertário e o pólo colectivista. (Bento, 2004).

O pólo libertário privilegia a liberdade e baseia-se no reconhecimento


da individualidade, da propriedade privada e da livre iniciativa. (idem).

O pólo colectivista privilegia a igualdade e baseia-se no papel


dominador do Estado e na submissão dos interesses e actividades
individuais ao interesse “colectivo” representado pelo Estado. (ibidem).

Exercício 2.4: Resolva o exercício 1.9 da actividade 1.

2.3 A Soberania

Entendida como o direito e o poder de efectuar as escolhas essenciais e


últimas sobre os termos da respectiva existência, a soberania constitui
um elemento fundamental na articulação das sociedades políticas na sua

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capacitação para agir, sem o qual a sociedade não dispõe de autonomia
existencial. (Bento, 2004).

Consequentemente, esse poder não só define a existência de uma


sociedade política, enquanto tal, como a estrutura por que se articula e
se exerce constitui um elemento crucial para a caracterização dessa
mesma sociedade. (idem).

Por sua vez, e para a ideia de soberania, convergem duas importantes


concepções: a de um poder superior a qualquer outro dentro da própria
sociedade e a da independência dessa sociedade perante a comunidade
internacional. Ou seja a ideia de soberania assenta numa dupla
autonomia. Uma autonomia interna e uma autonomia externa. (ibidem).

A autonomia interna emerge da sua própria articulação e pela qual se


assegura da existência de um único centro de poder, a que todos os
outros poderes internos se subordinam e que, actuando em nome e
representação da sociedade, comanda o serviço das suas necessidades
essenciais, encontrando para o efeito obediência habitual aos seus
comandos. (Bento, 2004).

A autonomia externa é aquela que lhe assegura independência perante


a comunidade internacional, e que lhe permite conduzir o seu destino
sem subordinação a qualquer outra fonte de poder exterior à própria
sociedade. (idem).

“Soberania significa que a autoridade política mantém a lei e a ordem


dentro das fronteiras de seu território, bem como a integridade dessas
fronteiras em confronto com o meio internacional, onde os estados rivais
se reconhecem mutuamente nos termos do direito internacional”.
(Habermas, 1996, citado em Bento, 2004).

Para caracterizar o serviço da função de soberania numa sociedade,


elemento definidor da respectiva ordem, é fundamental identificar três
factores-chave: quem exerce a função, qual a fonte da legitimidade para
o seu exercício, e qual o modo por que exerce (o regime de
representação). (Bento, 2004).

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É claro que se se tomar a soberania como um valor absoluto, da
autonomia (que ou se tem ou se não tem), o modo é irrelevante, pois que
tal poder, por definição, terá que ser potencialmente ilimitado e estar para
além da própria ordem jurídica positiva, a que pertence a definição de “o
modo”. (idem).

A importância da ordem jurídica para resolver este caso extremo – e, por


“é soberano quem decide
conseguinte, para definir “o modo” da soberania – é justificada por da situação excepcional”
e que nesse monopólio do
Schmitt porque o caso excepcional – uma ameaça à existência do Estado, poder de decisão
por exemplo – não está previsto na ordem jurídica, sobretudo por extremo, fora da própria
ordem jurídica positivada,
incapacidade de circunscrever a sua realidade empírica, e porque “não que reside a essência da
soberania. (Schmitt, 1922,
existe norma jurídica que se possa aplicar a um caos”. (ibidem).
citado em Bento, 2004).

Em tal circunstância excepcional, e para que a ordem jurídica possa


funcionar, é necessário assegurar, primeiro, a ordem da sociedade. E
essa é precisamente uma função, definidora, do soberano. (Schmitt,
1922, citado em Bento, 2004).

Embora numa formulação diferente, Habermas reconhece, praticamente


o mesmo ao referir que “na vida real, fica a critério das contigências
históricas, do curso acidental dos acontecimentos, normalmente das
consequências arbitrárias de guerras ou de guerras civis, quem
finalmente toma o poder e, através disso, adquire a capacidade de definir
as fronteiras territoriais e sociais de uma comunidade política”.
(Habermas, in Balakrishnan, 1996, citado em Bento, 2004).

Aliás, o problema do funamento último da ordem jurídica positiva, ou da


origem do poder ordenador, tem preocupado os mais diversos autores.
Mas, por mais voltas argumentativas que cada um percorra, acabam
todos por chegar à inevitável conclusão de que aquela ordem emana de
um poder que lhe é “anterior”, seja ele proveniente de uma ordem divina,
seja proveniente da representação da vontade existencial de uma
sociedade política. (Bento, 2004).

Em qualquer caso, e mesmo que se revele apenas um patamar


transitório na análise da soberania, o modo do seu exercício é importante
para compreender a ordem da sociedade, tanto mais que, no caso de

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complexas estruturas de representação, se torna num elemento
necessário para a percepção de “o quem”. (idem).

O exercício do poder soberano nas sociedades cosmológicas era


percebido como uma intermediação do Céu, que constituía a sua fonte
de legitimação. Já depois de recentrada antropologicamente a
interpretação da existência humana, o prevalecente compacto religioso-
político continuou a divinizar a origem da soberania, tanto mais que a
esfera da existência política permanecia indistinta da esfera da existência
espiritual. (ibidem).

E, mesmo mais tarde, a diferenciação das duas esferas da existência


humana não eliminou a emanação divina do poder soberano, visto ainda
como uma participação na suprema autoridade divina, pois que o Homem
continuou a perceber a existência terrena como parte de um todo mais
vasto, comandado por Deus. (Bento, 2004).

Todavia, o poder do monarca, sendo absoluto, na medida em que não


dependia de nenhum outro poder terreno, mas apenas de Deus, não era
discricionário. O seu poder era vinculado, nos termos da legitimação
conferida, pelos princípios da justiça e da lei – natural, divina, e comum.
(idem).

E de tal modo era assim que a violação do implícito “compromisso de


legitimação” fundava, por sua vez, o direito de resistência dos súbditos.
Este regime de concepção e exercício da soberania prevaleceu até ao
fim do Antigo Regime (Ancien Régime) e, como se referiu a propósito do
contexto ideológico, uma concepção semelhante funcionou também na
China Imperial, com o correspondente “Mandato do Céu”. (ibidem).

Com a completa autonomização da esfera política, a legitimidade do


poder soberano na sociedade deixou de poder buscar-se na
transcendência, sendo “transferida” para o interior da própria sociedade,
mais propriamente para o consentimento dos governados. (Bento, 2004).

Hobbes, embora reconhecendo o novo fundamento da legitimidade


soberana, procura manter inalterada a estrutura do poder. Defende, para
isso, que o povo, originário detentor da soberania, a delegue

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integralmente no monarca, através do contrato social que constitui para
garantir a segurança. (idem).

Rousseau, no entanto, assume integralmente as consequências da


“transferência” da legitimidade originária do poder e sustenta, pelo
contrário, que o povo deverá conservar a plena posse da soberania,
expressa através de uma, mal definida, “vontade geral”. (ibidem).

Rousseau abre assim caminho à Revolução Francesa, que converterá a


sua tese no conceito de “nação soberana”, ainda hoje presente na
essência definidora dos modernos estados nacionais. (Bento, 2004).

A nação, pelo menos como ideia política definida (e não mero conceito
antropológico), emerge assim como uma entidade ontologicamente
soberana, princípio consagrado no artigo III da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789. (idem).

Mas já antes da francesa, a Revolução Americana havia reconhecido


explicitamente quer o novo fundamento legitimador da soberania,
baseado no consentimento dos governados quer a natureza contratual do
governo da sociedade. (ibidem).

Tanto assim é que foram precisamente estes os dois grandes


argumentos utilizados pela Declaração de Independência, subscrita pelos
representantes dos treze estados fundadores reunidos em Congresso,
em 1776, para justificarem, com a “quebra de contrato” por parte do rei
da Grã-Bretanha, a legitimidade da secessão das colónias americanas,
dando origem a uma nova sociedade política, fundada nos conceitos
políticos da modernidade, e dispondo de uma soberania “auto-atribuída”.
(Bento, 2004).

Mas, se a fonte originária da soberania é a Nação, o exercício do


correspondente poder continua a ser reservado aos representantes da
sociedade. (idem).

A própria Constituição Francesa de 1791 o reconhece, pois que,


reafirmando no primeiro artigo do seu título terceiro que a soberania
pertence à Nação, clarifica logo a seguir que esta, de quem todos os
poderes emanam, apenas os pode exercer por delegação. (ibidem).

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Surgem, no entanto, duas inovações importantes, destinadas a preservar
a sociedade dos possíveis abusos dos seus representantes no poder ou
a degeneração das formas boas e desejadas de governo. (Bento, 2004).

A primeira dessas inovações é a repartição das funções soberanas – Os três poderes


reconhecidas como sendo a de criar leis, a de administrar o Estado e os da soberania

negócios da Nação e a de julgar – por três autoridades distintas e


separadas – o poder legislativo, o poder executivo e, por fim, o poder
judicial. (idem).

O poder legislativo deve ser exercido por uma assembleia de


representantes directos da Nação. O poder executivo deve ser exercido
por um representante supremo, auxiliado por ministros e demais agentes
necessários às tarefas da Administração. Por fim, mas não menos
importante, o poder judicial deve ser exercido, de forma autónoma, por
juizes independentes dos outros dois poderes referidos. (ibidem).

A segunda inovação é a noção de poder temporário, exercido por


mandatos relativamente curtos. (Bento, 2004). No caso de Moçambique,
os mandatos são de cincos anos, tanto para o poder legislativo quanto
para o executivo, não ficando claro, pelo menos para o autor deste Guia,
o mandato do poder judicial.

No essencial, e por um lado, a função de soberania nos estados


nacionais que compõem a presente ordem política universal apresenta, A fonte originária da
soberania é atribuída aos
pelo menos, duas características comuns resultantes do referido acquis cidadãos que integram a
revolucionário: a fonte originária é atribuída aos cidadãos que integram a sociedade política, mas as
funções de soberania são
sociedade política (ao povo ou à nação, consoante os diferentes exercidas por delegação.
enunciados), mas as funções correspondentes, repartidas por três
poderes distintos, são exercidos por delegação. (Bento, 2004).

Por outro lado, podem distinguir-se também por duas características


fundamentais: a forma da representação e o seu alcance interno. (idem).

Nas sociedades democráticas, a representação é concedida


voluntariamente, por escolha dos cidadãos, que a renovam
periodicamente, enquanto que nas sociedades autoritárias, a

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representação é auto-atribuída e imposta coercivamente aos demais
cidadãos, que apenas a podem recusar através de rebelião. (ibidem).

Quanto ao alcance interno da soberania, este tem a ver com o grau com
que o poder soberano se impõe na vida dos próprios cidadãos. Nuns
casos deixa espaço livre à afirmação da individualidade de cada um e ao
exercício das suas escolhas individuais (sujeitas a uma definição
equilibrada do bem comum). Noutros casos, tende a sujeitar os cidadãos
(a cada um deles, na sua individualidade) à opressiva protecção da
“colectividade” e da sua “vontade geral”. (Bento, 2004).

Por fim, e no que respeita à soberania na ordem internacional, esta


assenta sobretudo no seu reconhecimento por parte dos outros estados.
(idem).

E embora continue a constituir o elemento difernciador e definidor


essencial de uma sociedade política, o seu âmbito, pelo menos na
maioria dos casos, não tem um carácter absoluto, mas é, de certa forma,
condicionado. (ibidem).

É certo que, pelo menos em teoria, cada sociedade política pode exercer
o jus belli – que Schmitt considera condição essencial de soberania –
“i.e., a possibilidade real de decidir numa situação concreta sobre quem é
o seu inimigo [existencial] e a capacidade de lutar com ele com o poder
de que dispõe” (ou que pode mobilizar através de apropriadas alianças).
(Bento, 2004).

Mas também é certo que a muito desigual distribuição da capacidade


militar reduz seriamente o campo de escolhas e as possibilidades de
sucesso para uma tal opção. (idem).

Além disso, “as relações geopolíticas restringem a soberania dos Estado


(que firmam acordos) e solapam mais persistentemente, é claro, a
soberania dos mais fracos”. (Mann, Michael, in Balakrishnan, 1996,
citado em Bento, 2004).

Entretanto, o espaço de manobra disponível para o exercício efectivo da


soberania dos estados nacionais (nomeadamente os mais pequenos)
tem vindo a ser crescentemente reduzido, ou condicionado, pelos

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desenvolvimentos característicos da ordem contemporânea, e que têm
tornado o mundo cada vez mais inter-dependente. (Bento, 2004).

O progresso tecnológico e do conhecimento em geral, a emergência de


novas formas de poder, a chamada globalização económica e as
tentativas de fazer aplicar um “direito universal” e de instituir uma
governação mundial são, entre vários outros, alguns dos factores que
têm vindo a condicionar o espaço de manobra das soberanias nacionais.
(idem).

O que leva Robert Cooper a afirmar que “para o Estado pós-moderno,


soberania é um lugar à mesa [das estruturas de cooperação
internacionais ou supranacionais, tais como a Nova Parceria para o
Desenvolvimento de África (NEPAD); a própria União Africana; a SADC;
a União Europeia; a Organização das Nações Unidas (ONU), entre tantas
outras]. (ibidem).

Exercício 2.5: Resolva os exercícios 1.10 e 1.11 da actividade 1.

2.4 A Identidade Nacional

Caro(a) estudante, já sabemos que a existência de uma sociedade


depende, por um lado, do ânimo vivificante assegurado pela vontade
concretizadora dos seus membros, por um conjunto de crenças
unificadoras e pelas condições de viabilidade e, por outro, da capacidade
de acção, obtida através da sua eficaz articulação. (Bento, 2004).

É, pois, chegado o momento de ver com algum detalhe as tais crenças


unificadoras que dão à nação (i.e., à comunidade nacional) a consciência
de si e, mobilizando a vontade dos homens que dela fazem parte, lhe dão
a coesão necessária para se articular e gerar a sua própria soberania.
(idem).

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De acordo com Ernest Renan (1882), uma nação é sobretudo um
princípio espiritual construído pela história e não um agrupamento de
homens determinado por factores físicos, como a configuração do solo
ou a etnicidade. (ibidem).

Um século mais tarde, Benedict Anderson (1983) veio reforçar o


entendimento de Renan, ao considerar que as nações são comunidades
políticas imaginadas, pois que, não tendo os seus membros qualquer
possibilidade de se conhecerem, todos, uns aos outros, não deixam de
possuir, nas suas mentes, a imagem de uma comunhão que os une.
(Bento, 2004).

Será precisamente essa imagem agregadora, esse conjunto de crenças


unificadoras, que confere a uma nação a sua identidade própria e que,
entre outras coisas, oferece aos seus membros um elemento de
segurança e sentido existenciais, apoiado num sentido prático de
solidariedade e de confiada dependência. (idem).

Como bem acentua Renan, o princípio unificador da nação depende, por


“A existência de uma
um lado, de um passado comum, com a sua memória de glórias e de nação é um plebiscito
diário” (Renan, 1882,
desgostos partilhados e, por outro, da vontade, continuamente renovada, citado em Bento, 2004).
de prosseguir a vida comum. (ibidem).

Mas, uma nação tem associadas, por um lado, uma ideia de


ancestralidade e de prolongada sucessão geracional e, por outro, uma
ideia de património cultural comum, acumulado historicamente e assente
em feitos e sofrimentos, afectos e solidariedades, costumes e tradições,
interesses e crenças. (Bento, 2004).

Essas duas ideias combinadas tornam-se, por sua vez, geradoras de


laços, lealdades, obrigações e responsabilidades intemporais, inter-
temporais e inter-geracionais. (idem).

Por isso, o passado comum, ou mais propriamente a sua memória, é um


elemento constitutivo fundamental da identidade nacional. (ibidem).

Mas esta memória identitária é uma memória selectiva e, quanto mais


selectiva mais unificadora, engrandecendo o que une e fortalece a
identidade e “esquecendo” ou “embrandecendo” os acontecimentos

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 31


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
“...a essência de uma
divisores. Pois que, como diz Renan, “a essência de uma nação é que
nação é que todos os
todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, e também que indivíduos tenham muitas
coisas em comum, e
todos tenham esquecido muitas coisas”. (Bento, 2004). também que todos tenham
esquecido muitas coisas”
Mas, para além da História, a imaginação criadora das identidades (Renan, 1882, citado em
Bento, 2004).
nacionais foi também alimentada, de uma maneira ou de outra, pela
emergência de mitos nacionais, tais como a criação de um mito
fundador, de preferência próximo da origem da História, a mitificação de
feitos notáveis ou de acontecimentos relevantes, a glorificação de heróis
e a criação de lendas populares. (idem).

Além disso, o processo selectivo da “convergência histórica” e da


mitificação da nacionalidade acaba por funcionar também como um
elemento integrador e desvalorizador de eventuais diferenciações étnicas,
evitando assim que estas se possam constituir em fissuras
desagregadoras. (ibidem).

Um outro factor geralmente reconhecido como fundamental na


construção das identidades nacionais é a língua, não só porque uma
comunidade, para o ser, precisa de comunicar entre si e precisa, por isso,
de uma língua comum, mas porque a diferenciação das línguas utilizadas
por distintas comunidades as foi difernciando também umas das outras.
(Bento, 2004).

Os vernáculos foram, assim, e através do processo de comunicação que


facilitavam ou dificultavam, favorecendo a identidade intra-comunitária e
a diferenciação inter-comunitária. Neste sentido, Hastings considera que
a invenção da imprensa, e a generalizada impressão de obras nas
línguas vernaculares, ajudou a consolidar essas línguas através de uma
literatura com impacto popular e foi o factor fundamental na afirmação
das bases de consolidação das nações. (idem).

Não é, pois, de surpreender que a defesa da língua – quando não a sua


forçada imposição – se constitua normalmente num importante elemento,
não só do processo de construção nacional, mas da própria preservação
da identidade nacional. (ibidem).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 32


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Temos ainda que considerar vários outros factores, para além dos dois
referidos como fundamentais – memória de um passado e uma língua
comuns – que contribuiram concorrentemente para a criação das nações
modernas: o factor religioso; “o ressentimento partilhado” face a um
determinado inimigo, em consequência de algum trauma histórico
violento; a economia comum, quer como factor de viabilidade quer como
potenciador de um poder nacional forte; a geografia e as suas fronteiras
naturais; por fim, os sistemas de educação pública. Entre outros mais
circunstanciais ou específicos de cada nação. (Bento, 2004).

Construída uma identidade nacional – a imagem de Anderson, a alma de


Renan, ou a crença unificadora que referimos no início – esta não é, no
entanto, suficiente para gerar uma sociedade política e criar um estado
nacional, mesmo que a vontade dos seus membros aponte nesse sentido.
(idem).

Serão necessárias condições de viabilidade, tais como a disponibilidade


de um território onde a comunidade nacional se possa estabelecer
soberanamente, o reconhecimento da sua soberana autonomia pelos
outros estados, ou condições de sustentabilidade económica. (ibidem).

Por outro lado, a existência de uma identidade nacional caracterizadora


de um estado não significa que este não seja habitado por elementos
populacionais oriundos de outras nacionalidades. (Bento, 2004).

No fundo, a necessidade de congregar numa abrangente identidade


unificadora uma realidade social dinamicamente diversa e plural, faz com
que “a existência de uma nação seja um plebiscito de todos os dias,
como a existência do indivíduo é uma afirmação perpétua de vida”.
(Renan, 1882, citado em Bento, 2004).

Exercício 2.6: Resolva o exercício 1.12 da actividade 1.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 33


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
E, deste modo, estimado(a) estudante, terminamos esta unidade
temática 2, do seu Guia de Estudo. Esperamos que tenha sido do seu
inteiro agrado, e que lhe tenha igualmente ampliado os horizontes, para o
sucesso do seu futuro académico e profissional. Convidamo-lo, então, a
proceder à resolução dos exercícios propostos, para consolidar a matéria.
Bom estudo!

Leituras Complementares

A leitura do texto indicado a seguir é de fundamental importância para a


compreensão da matéria que estudamos nesta unidade temática 2, assim
como para realizarmos as actividades propostas a seguir. Portanto, não
deixe de ler o material recomendado. Lembre-se: o que fizemos atrás é
somente uma orientação do estudo que deverá fazer, usando os manuais
recomendados.

Texto 1
Bento, Vítor. Os Estados Nacionais e a Economia Global, Almedina, 2004, capítulo
2. (páginas 33-72).

Actividades

Caro(a) estudante, a seguir estão algumas actividades correspondentes a


esta segunda unidade temática. Resolva os exercícios propostos em cada
uma e verifique se acertou, confrontando as suas respostas com as
apresentadas na Chave de Correcção no final do presente Guia de Estudo.
Bom trabalho!

Actividade 1

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 34


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
1.1 Qual é a tarefa primeira de um poder governante?

1.2 Qual é a característica básica da nação moderna?

1.3 Qual foi a principal característica da formação dos estados-nação


fora do continente europeu?

1.4 Quando é que a vida cívica ganha, pela primeira vez,


predominância sobre a vida privada? Justifique.

1.5 Como é que se desenvolveu a modernidade ao nível político?

1.6 Quais são os dois ramos distintos de concepção da sociedade e do


poder político resultantes da tese contratualista? Qual desses
ramos lhe parece caracterizar melhor a sociedade moçambicana?
Justifique.

1.7 De acordo com John Locke, o que leva o Homem a aderir ao


contrato social que institui uma sociedade política?

1.8 O que é, para Locke, um governo?

1.9 Na sequência da desintegração da ordem político-social da Idade


Média, os homens libertaram-se das subordinações feudais e foram
confrontados com os desafios da sua individualidade. Quais foram
as duas moralidades em confronto que emergiram da resposta a
esses desafios? Que ligação se pode estabelecer entre a resposta
a esta questão e a resposta dada à questão 1.6 anterior? Justifique.

1.10 O que é a soberania?

1.11 A fonte originária da soberania, com a completa autonomização


da esfera política, deixou de ser divina e passou a ser a Nação,
o povo, o cidadão. Como é que o povo exerce, então, a
soberania?

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1.12 É a identidade nacional suficiente para gerar uma sociedade


política e criar um estado nacional? Justifique.

UNIDADE TEMÁTICA 3

MERCADO, TRADIÇÃO E ESTADO

Elaborado por Teodósio Júlio Bule

Objectivos

No fim desta unidade, você deverá ser capaz de:

 Utilizar em seu favor o conceito de problema económico e


identificar caminhos adequados para resolvê-lo;

 Utilizar os princípios da tradição, da autoridade e do mercado para


resolver o problema económico;

 Posicionar adequadamente o papel do Estado (autoridade) na


resolução do problema económico.

Caro(a) estudante, nesta unidade temática 3, vamos proceder ao estudo


das questões do mercado, tradição e Estado (que é, na verdade, a
autoridade), como princípios básicos de resolução do chamado problema
económico.

Para os economistas, e citando o Prof. João Luís César das Neves, o


mercado é uma forma possível que as sociedades utilizam para solucionar
o chamado problema económico, do mesmo modo que o são a tradição e
a autoridade.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 36


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
O mercado é um mecanismo que ocupa hoje um lugar de relevo na
resolução do problema económico, sobretudo nas economias mais
desenvolvidas de orientação capitalista, e tem sido igualmente motivo de
grande controvérsia, pois como é um mecanismo central nos países mais
desenvolvidos, os analistas menos atentos acreditam que é a razão
primeira do desenvolvimento daquelas nações, pelo que tudo deve ser
feito para que seja o mesmo mecanismo a resolver o problema económico
também nos países menos desenvolvidos, como é o nosso.

Enquanto falávamos do mercado, atravessou o nosso caminho o problema


económico, conforme pode ler-se nas linhas anteriores. Não faz sentido,
portanto, avançarmos sem antes saber qual é o seu significado, pois por
alguma razão o conceito se meteu no nosso caminho.

De uma forma muito simples, e citando mais uma vez o Prof. das Neves,
podemos dizer que, no essencial, “o problema económico resume-se a Coneito de problema
económico.
uma escolha ou decisão num ambiente de escassez, pois as necessidades
humanas são ilimitadas, e não há recursos suficientes para satisfazê-las”.

Conforme veremos mais adiante, quando abordarmos com detalhe a


questão dos princípios gerais da Economia, o problema económico renova-
se a cada decisão que os agentes e a sociedade tomam. (Neves, 2007)

Assim, o Homem tem, permanentemente, que fazer escolhas, pelo que o


problema económico pode-se resumir a três perguntas muito simples,
nomeadamente: o quê?, como?, e para quem?

Na perspectiva do consumidor ou utilizador final de um bem económico, as


três perguntas acima apresentadas podem ser traduzidas para o seguinte:
que consumir?, como consumir?, e de quem obter o bem a consumir?

Do mesmo modo, para o produtor, as mesmas três perguntas podem ser


interpretadas da seguinte maneira: que produzir?, como produzir?, e para
quem produzir?

Ora, na perspectiva do produtor, a ordem das perguntas acima cria


normalmente problemas de interpretação dos fenómenos sociais, e
consequentemente conduz a erros de estratégia a vários níveis de decisão.

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Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Só com uma interpretação correcta das perguntas acima é que estaremos
a potenciar o mecanismo dos mercados, sobre o qual nos debruçaremos
mais adiante, e com maior profundidade, quando abordarmos
pormenorizadamente os princípios gerais de resolução do problema
económico.

Posto isto, voltemos então ao nosso tema principal nesta unidade temática
3, que é a explicação dos três princípios gerais que regem a resolução do
problema económico. Vamo-nos apoiar, mais uma vez, no trabalho do Prof.
João César das Neves, para descrever, nomeadamente, o princípio da
tradição, que vai ser o primeiro, seguindo-se o da autoridade, e por fim o
princípio dos mercados. Iremos fechar a unidade temática com uma
sistematização dos três princípios.

As sociedades e os agentes económicos confrontam-se permanentemente


com o problema económico, que se renova em cada decisão tomada. Para
o resolver, eles recorrem a três princípios básicos, nomeadamente o
princípio da tradição, da autoridade, e dos mercados.

3.1 Princípio da tradição na resolução do problema económico

Vamos começar por descrever o princípio da tradição, seguindo-se depois


o da autoridade, e por fim o terceiro e último, que é o princípio dos
mercados. Uma sistematização dos três princípios será efectuada, para
permitir uma comparação entre eles, assim como compreender a sua
relevância para cada situação em particular.

Comecemos então pelo primeiro princípio de resolução do problema


económico, o da tradição. Sobre a tradição, não há muito que dizer para
além daquilo que todos nós sabemos. Ela é aquele conjunto de regras e
costumes tradicionais em vigor numa sociedade.

Falar da tradição é, portanto, falar da cultura. A cultura determina a acção


das pessoas, e envolve aspectos como a maneira como saudamos os
outros, a forma como comemos, a maneira como mostramos ou não
mostramos os nossos sentimentos, a maneira como mantemos a higiene
pessoal, e até a maneira como fazemos amor. Em suma, enfatiza Geert

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 38


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Hofstede, a cultura lida com os aspectos mais sensíveis da vida. (Bule,
2013).

A cultura regula a maior parte das actividades económicas desenvolvidas


numa sociedade, desde a escolha da profissão até ao preço e acesso à
boa parte dos bens necessários para a vida. (Neves, 2007).

Todas as sociedades têm uma cultura que as distingue das outras


sociedades e, portanto, resolvem os seus problemas guiados por esses
princípios culturais que as caracterizam. É, portanto, o princípio geral da
tradição em acção, que não é, evidentemente, exclusivo dos países menos
desenvolvidos, pois todas as sociedades têm cultura. A diferença é que
algumas sociedades, nomeadamente as mais desenvolvidas
economicamente, aparentam recorrer a este princípio geral menos do que
o fazem as sociedades menos desenvovidas. (Bule, 2013).

Um dado curioso e infeliz é que o tradicional é, quase sempre, contraposto


ao moderno. Quando tal acontece, o moderno é invariavelmente associado
exclusivamente ao estágio mais avançado do desenvolvimento humano,
aquele estágio que proporciona níveis superiores de bem-estar individual e
social. (idem).

Na verdade, o moderno está, de facto, associado a níveis superiores de


bem-estar individual e social. O que não é verdadeiro é que o tradicional
seja incompatível com os mesmos níveis superiores de bem-estar social
referidos. Aliás, conforme nos lembra o Prof. João César das Neves, o que
distingue as sociedades mais desenvolvidas das menos desenvolvidas é
apenas a capacidade que as sociedades desenvolvidas têm de combinar
os três princípios gerais em análise, apesar de essas mesmas sociedades
darem primazia ao princípio dos mercados. (ibidem).

Repare, caro(a) estudante, que em nenhum momento se afirma que uma


sociedade mais desenvolvida não é tradicional, no sentido de se socorrer
do princípio geral da tradição para resolver os seus problemas. Todas as
sociedades humanas socorrem-se deste importante princípio geral para
resolver os seus problemas.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 39


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Não será, por isso, exagero afirmar que as sociedades mais desenvolvidas,
as chamadas modernas, são aquelas que mais benefício retiram do
princípio geral da tradição para resolver os seus problemas. Basta, por
exemplo, lembrar a importante contribuição do turismo cultural no Produto
Interno Bruto (PIB) dos países mais desenvolvidos! (Bule, 2013).

3.2 Princípio da autoridade na resolução do problema


económico

O segundo princípio geral de resolução do problema económico é o da


autoridade, que se consubstancia no poder do Estado. No caso concreto
do nosso país, a autoridade é exercida sobretudo pelos principais partidos
políticos, com maior destaque naturalmente para o partido no poder desde
a proclamação da independência nacional, em 1975. (idem).

No nosso país, os agentes do Estado, sob orientação do partido no poder,


têm uma grande influência sobre aquilo que cada um de nós produz, o que
podemos vender e, em certa medida, sobre o preço dessa venda. É o
princípio geral da autoridade em acção. (ibidem).

3.3 Princípio do mercado na resolução do problema económico

O terceiro e último princípio geral de resolução do problema económico é o


princípio dos mercados. Para falar deste princípio, é importante esclarecer,
antes de mais, o conceito de mercado.

É intuitivo que, por causa da obsessão dos economistas com o equilíbrio e


com a determinação do preço dos bens, uma vez que para eles o centro
do mercado é o preço, eles acabam por apresentar um conceito de
mercado que não satisfaz, pois com tal conceito é quase impossível tomar
uma decisão económica correcta. (Bule, 2013).

Ao definirem o mercado como sendo “uma instituição formada pelo


encontro entre a aprocura e a oferta, duas forças de intenção de troca de
um determinado bem ou serviço”, os economistas não só condicionam, a

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 40


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
definição de mercado à existência efectiva de duas partes com intenção de
troca, como também a pré-existência do bem ou serviço em causa. (idem).

É por este motivo que quase sempre pensamos nos mercados como
sendo aquelas infraestruturas físicas onde se realizam as transacções
comerciais, ou seja aquele lugar de encontro físico entre a procura e a
oferta de bens e serviços, embora os economistas façam questão de dizer
que o termo “encontro” não significa necessariamente um encontro físico
entre a procura e a oferta, mas sim “um encontro no sentido de
comunicação” entre as partes interessadas. (ibidem).

Naturalmente que ao pensarmos nos mercados como sendo o lugar onde


ocorrem as transacções de bens e serviços, cometemos a imprudência de
confundir o conceito de mercado com infraestruturas de, digamos, apoio às
transacções.

Mais, ao aceitar que tais infraestruturas físicas sejam consideradas


infraestruturas de apoio aos mercados, estamos evidentemente como que
a forçar o conceito de mercado, pois deveríamos partir do princípio de que
a oferta é que vai normalmente ao encontro do mercado.

Assim, devemos definir o conceito de mercado como sendo o conjunto


constituído pelos chamados agentes da procura, aqueles que consomem
ou compram, ou que futuramente venham a consumir ou a comprar um
determinado bem ou serviço, seja esse bem ou serviço destinado à
utilização final ou à utilização intermédia nos processos produtivos. Neste
sentido, distinguimos claramente o mercado da indústria, e mostramos que,
de facto, mercado é algo que pode existir independentemente da oferta e,
por isso, é mais sensato pensar na oferta como resposta à procura e não o
contrário. (Bule, 2013).

Qualquer que seja o mercado, ele é uma entidade muito complexa,


dinâmica, e distinta, visto que as necessidades humanas são ilimitadas,
complexas e dinâmicas também. É por isso que, no contexto do princípio
geral dos mercados, antes de produzir, é preciso analisar primeiro a
procura, ou seja o que o mercado quer. (idem).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 41


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Daqui decorre que quando um produto é produzido para responder à
procura, ele é naturalmente absorvido pelo mercado sem grande esforço.
Mas quando um bem é produzido para consumo próprio, muito dificilmente
conseguimos vender os excedentes, uma vez que aí já nos colocamos
numa situação de procurar algum comprador que tenha preferências
similares às do camponês que tem sobras de produção. Definitivamente,
excedente não rima com mercado! (ibidem).

Mercado é outra coisa, é algo muito requintado, poderoso, altamente


sensível e sem pátria. Mercado é a procura efectiva ou potencial. Mercado
só aceita sobras por mero acaso. Mercado não pede opinião, ordena.
Exige que o produto esteja disponível sempre que dele precisar, e quando
tal não acontece, dificilmente volta a comprar do mesmo fornecedor. (Bule,
2013).

E assim, prezado(a) estudante, terminamos esta sua unidade temática 3,


relacionada com as três formas distintas de resolver o problema
económico.

Conforme fomos descrevendo até chegarmos a este ponto, e de acordo


com o Prof. João César das Neves, a Ciência Económica diz que a
tradição, a autoridade, e o mercado são as três principais formas de
organização do sistema económico. Todas as sociedades utilizam
simultaneamente os três métodos, por isso são sociedades mistas.

Assume-se, em regra, que o segredo das sociedades modernas e


desenvolvidas é o uso extensivo do mercado como meio de afectação de
recursos e bens, uso esse que é feito em equilíbrio saudável com a
autoridade e a tradição.

Posto isto, terminamos mesmo por aqui, e acreditamos que foi do seu
inteiro agrado, e que você está, agora, preparado para resolver os
exercícios a seguir propostos.

Bom estudo!

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Leituras Complementares

A leitura do texto indicado a seguir é de fundamental importância para a


compreensão da matéria que estudamos nesta unidade temática, assim
como para realizarmos as actividades propostas a seguir. Portanto, não
deixe de ler o material recomendado. Lembre-se: o que fizemos atrás é
somente uma orientação do estudo que deverá fazer usando os manuais
recomendados.

Texto 1
NEVES, João Luís César das. Introdução à Economia, Verbo, 2007,
capítulos 2 e 3 (páginas 29 – 71).

UNIDADE TEMÁTICA 4

PERTINÊNCIA E EFICÁCIA DOS SERVIÇOS


PÚBLICOS

Elaborado por Teodósio Júlio Bule

Objectivos

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

 Explorar os conceitos de bens públicos e externalidades, ou seja as


falhas do mercado para argumentar a favor da pertinência e
eficácia dos serviços públicos na economia;

 Explicar o raciocínio por detrás das chamadas parcerias público-


privadas (PPP);

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Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7

 Explicar como os privados internalizam as externalidades, assim


como o sector público actua para que os produtores internalizem as
externalidades.

Caro(a) estudante, nesta unidade temática 4, dedicada ao estudo da


pertinência e eficácia dos serviços públicos, vamo-nos socorrer
abusivamente do capítulo sobre os bens públicos e externalidades, da
autoria da Professora Marta da Conceição Sampaio de Sousa, da
Universidade de Brasília.

Salvo alguns exemplos e exercícios, assim como alguns reforços de


alguns aspectos conceptuais pelo autor do presente Guia de Estudo, o
texto que se segue é um conjunto de excertos do trabalho da retro-
mencionada Professora Marta de Sousa, pelo que nos iremos abster de a
citar continuamente.

Esta unidade temática é composta por cinco secções, nomeadamente o


enquadramento daquilo que vamos estudar, o conceito de externalidades,
as soluções das externalidades, o conceito de bens públicos e, por fim, a
conclusão. Todas estas secções concorrem para reforçar o argumento a
favor da pertinência e eficácia dos serviços públicos na economia.

4.0 Enquadramento

Como sabe, prezado(a) estudante, sob determinadas condições, o sistema


de mercado não assegura uma alocação eficiente de recursos, no sentido
de Pareto.

Note com atenção que, ao contrário da confusão conceptual apresentada


no texto de suporte desta unidade temática 4 do seu guia de estudo, o
conceito de eficiência no sentido de Parefo (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923),
refere-se à situação de melhoria na situação de um agente económico sem
prejudicar a situação de nehum outro agente económico.

Quando se atinge a eficiência de Pareto, então para além desse ponto de


alocação de recursos, qualquer alocação implicará que a melhoria na
situação de um agente significará que a situação de algum outro agente

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 44


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
piore. Para além do ponto de eficiência, não se registam melhorias de
Pareto.

Assim, nesta unidade temática, vamos discutir a pertinência dos serviços


públicos, por via da definição do papel do Estado, naturalmente através do
governo, na produção e/ou provisão de bens e serviços. Para o efeito,
começaremos com o fenómeno das externalidades em termos genéricos, e
depois fecharemos com as suas particularidades, relacionadas com os
bens públicos e quase-públicos.

4.1 Externalidades

Tal como os bens públicos e quase-públicos, as externalidades


comprometem a validade do Teorema Fundamental da Economia do Bem-
estar, cujo primeiro Teorema Geral afirma que, na ausência de falhas de
mercado, a alocação de recursos produzida pelo equilíbrio competitivo é
eficiente no sentido de Pareto.

Na verdade, as externalidades são uma importante categoria de falha de


mercado. A sua presença contribui para explicar por que os mercados
privados são ineficientes na alocação de recursos.

Conforme sabe, coro(a) estudante, as externalidades ocorrem quando o


consumo e/ou produção de um determinado bem ou serviço afecta os
consumidores e/ou produtores noutros mercados, e esses impactos não
são considerados no preço do bem em questão.

Sabe, também, caro(a) estudante, que as externalidades podem ser


positivas ou negativas. Elas são positivas quando dão lugar a benefícios
externos. São negativas quando dão lugar a custos externos.

A poluição do meio ambiente, por exemplo, é uma externalidade


negativa, pois constitui um dano causado ao meio ambiente. Ao poluir, o
produtor normalmente não considera esse dano no cálculo dos custos da
empresa. Portanto, os custos privaos são, como facilmente podemos
deduzir, inferiores aos custos impostos à colectividade e, por consequência,
o nível de produção da unidade produtiva é maior do que aquele que seria
socialmente desejável.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 45


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Já a educação, por exemplo, gera externalidades positivas, porque os
membros de uma sociedade, e não somente os estudantes, tiram
vantagem dos diversos benefícios gerados pela existência de uma
população mais educada. No entanto, tais benefícios não são
contabilizados pelos privados, ou seja os próprios estudantes. Repare que,
neste caso, os benefícios sociais são superiores aos benefícios privados.

Note, ainda, que os produtores podem causar externalidades sobre os


membros das comunidades de origem dos seus trabalhadores, assim
como alguns consumidores podem causar externalidades sobre outros
consumidores ou sobre produtores de outros bens de consumo diferentes
daqueles que eles consomem directamente.

Exercício 4.1: Dê alguns exemplos de externalidades causadas pelos


produtores aos membros das comunidades de origem
dos seus trabalhadores, assim como de consumidores de
um bem sobre outras pessoas não consumidoras desse
mesmo bem.

As externalidades levam, por um lado, os agentes económicos – os não


directamente envolvidos na actividade geradora da externalidade – a
usarem recursos adicionais para corrigir os efeitos dos custos externos ou,
por outro lado, a usufruirem de recursos resultantes dos benefícios
externos. Ora isso provoca distorções na alocação de recursos, como é
evidente.

Neste contexto, como o mercado não é capaz de levar em conta todos os


impactos das externalidades, então quando ocorrem externalidades
estamos em presença das chamadas falhas do mercado.

O facto de os agentes económicos ignorarem os custos ou benefícios


externos decorrentes das suas actividades ou decisões de produção e/ou
consumo, e somente computarem os custos directos e os benefícios

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 46


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também directos, faz com que a alocação privada e individual de recursos,
resultante do equilíbrio do mercado, seja ineficiente, conforme referimos
anteriormente.

No caso das externalidades negativas, os custos privados subestimam os


custos sociais. Tal conduz a uma produção maior do que aquela que seria
socialmente desejável, conforme ilustra o gráfico 4.1 seguinte.

Gráfico 4.1 - Externalidades Negativas (Custos Externos) nos Mercados Competitivos.

Preço Custo marginal social = custo marginal privado + CE


C

Oferta (Custo marginal privado)


E*
P*
EM
PM E

Procura (benefício marginal privado)

Quantidade
Q* QM

Fonte: Sousa, Marta da Conceição Sampaio, Universidade de Brasília, UnB, 2011.

No caso das externalidades positivas, como os benefícios privados são


inferiores aos benefícios sociais, o nível de produção correspondente à
alocação dos mercados privados ficará aquém daquele que seria óptimo,
do ponto de vista da sociedade, conforme ilustra o gráfico 4.2 seguinte.

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Gráfico 4.2 – Externalidades Positivas (Benefícios Externos) nos Mercados Competitivos

Preço B
Oferta (custo marginal privado)

E*
P*
E EM
PM
Benefício marginal social = Benefício
marginal privado + Benefício de
Externalidade (BE)

Procura (benefício marginal privado)

QM Q*
Quantidade

Fonte: Sousa, Marta da Conceição Sampaio, Universidade de Brasília, UnB, 2011.

4.2 Soluções das Externalidades

A solução das externalidades é a sua “internalização”. Ou seja, fazer com


que o agente causador das externalidades internalize essas mesmas
externalidades. Esse acto de internalizar as externalidades tanto pode ser
levado a cabo pelo sector privado, que é regularmente o principal causador
das externalidades, ou pelo sector público. (Sousa, 2011).

4.2.1 Internalização das externalidades por via do sector privado

Os mecanismos privados de internalização vão desde fusões de empresas


até à chamada negociação de Coase, passando pelas sanções sociais.
(Sousa, 2011).

No entanto, por várias razões, as soluções privadas têm as suas limitações,


sobretudo quando a externalidade envolve bens públicos puros, para os
quais o princípio da exclusão não se aplica no seu consumo ou utilização,
e nem é desejável. Em tais circunstâncias, exige-se a presença de uma
força coercitiva que possa assegurar a provisão do bem ou serviço em
questão. (idem).

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Exercício 4.2

Na verdade, caro(a) estudante, vamos fazer juntos, este exercício. O que


pretendemos aqui é levar até si um caso particular e real em que as
soluções privadas podem contribuir para atenuar as externalidades
negativas.

Numa das principais estradas que ligam as cidades da Matola e Maputo,


há uma portagem. Ora depois de atravessar a portagem, em direcção à
cidade de Maputo, verifica-se um grande congestionamento de tráfego nas
manhãs. A solução inicialmente encontrada pelo Município de Maputo, fou
inutilizar a segunda faixa de rodagem no sentido Maputo-Matola, para
passar a ser utilizada pelas viaturas do sentido Matola-Maputo, das 6h00
às 8H00.

Mas o problema voltava a piorar no intervalo das 8h00 às 10h00,


sobretudo no ponto imediato à travessia da portagem, como resultado do
grande fluxo de viaturas que atravessam a portagem em poucos segundos,
mas que depois têm que disputar as duas faixas de rodagem disponíveis
para continuarem a sua viagem para Maputo.

É aqui que o privado parece ter encontrado mais uma solução: à montante
da portagem, instalou uma lomba, para retardar a chegada das viaturas à
portagem, e assim garantir que aquelas viaturas que atravessam a
portagem, ganham tempo para ocupar o seu lugar nas insuficientes duas
faixas, antes que outras cheguem ao ponto de convergência.

Trata-se, na verdade, de uma solução eficaz e barata, pois a outra seria,


naturalmente, o prolongamento da área de portagem à jusante, para que o
ponto de convergência fosse mais distante dos pontos de libertação das
viaturas.

Exercício 4.3: Será que uma estrada como a que consideramos no


exercício anterior é um bem público? Justifique.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 49


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Caro(a) estudante, para responder à pergunta do exercício 4.3, convém
primeiro familiarizar-se com os conceitos constantes da secção seguinte,
sobre a natureza dos bens públicos. Bom trabalho!

Voltando ao nosso tema sobre a solução das externalidades, é importante


referir que, por outro lado, a ausência de direitos de propriedade bem
definidos e estabelecidos faz com que a solução privada não seja eficiente
no sentido de Pareto. (Sousa, 2011). Este facto justifica, também, a
intervenção do Estado, a exemplo do que vimos no exercício 4.2 anterior.

Por fim, a existência de informação imperfeita e de custos de transacção


elevados pode, igualmente, inviabilizar a correcção das externalidades
sem intervenção do Estado. (idem).

4.2.2 Internalização das externalidades por via do sector público

As soluções do sector público, que nos ajudam a argumentar a favor da


pertinência e eficácia dos serviços públicos, vão desde a chamada
tributação correctiva, por via de impostos e subsídios, até à
regulamentação e concomitantes multas. (Sousa, 2011).

Por um lado, o Estado pode penalizar os agentes económicos causadores


das externalidades negativas, por meio da cobrança de impostos. Este
acto irá causar o aumento dos seus custos, fazendo com que eles passem
a considerar os efeitos externos das suas acções. (idem).

Em termos gráficos, isto equivale a deslocar a curva do custo marginal


para cima e para esquerda, alterando o ponto de equilíbrio para um preço
mais elevado e uma quantidade correspondente menor do qua a inicial.
(ibidem).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 50


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Gráfico 4.3 – Correção de Externalidades Negativas (Custos Externos), nos Mercados
Competitivos, com recurso ao Imposto.

Preço Custo marginal social (incluindo o custo marginal


de poluição)
Custo Marginal Privado

E*
C
Imposto por unidade sobre a poluição (custo
EM
marginal da poluição)

B Procura (benefício marginal social)

Q* QM Quantidade

Fonte: Sousa, Marta da Conceição Sampaio, Universidade de Brasília, UnB, 2011.

Por outro lado, o Estado pode incentivar os agentes económicos


causadores das externalidades positivas, por meio da atribuição de
subsídios. Este acto irá causar um aumento das quantidades oferecidas
e procuradas do bem, sem que tal signifique custos adicionais para o
produtor, ao mesmo tempo que aumenta o benefício social. (Sousa, 2011).

Em termos gráficos, isto equivale a deslocar a curva do benefício marginal


para cima e para a direita, alterando o ponto de equilíbrio para um preço
recebido pelo produtor agora mais elevado, e um preço pago pelo
consumidor agora mais baixo do que o inicial (o que era correspondente ao
equilíbrio privado). A diferença entre estes preços é o subsídio. (idem).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 51


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Gráfico 4.4 – Correção de Externalidades Positivas (Benefícios Externos), nos Mercados
Competitivos, com recurso a Subsídios.

Preço Oferta

E*
C
Subsídio por
unidade
produzida B Benefício marginal social

Procura

Q* Quantidade

Fonte: Sousa, Marta da Conceição Sampaio, Universidade de Brasília, UnB, 2011.

Uma outra solução pública das externalidades negativas é regulação e


aplicação de multas, para garantir que os produtores produzam apenas
aquelas quantidades que sejam socialmente eficientes. Caso o produtor
não cumpra com a regulamentação ambiental, então sujeita-se a multas
avultadas e outras sanções legais que poderão culminar na proibição de
continuar a actividade de produção. (ibidem).

4.3 Bens Públicos

Os bens públicos puros ou, simplesmente, bens públicos, constituem um


exemplo extremo de externalidades. A propriedade ou apropriação dos
bens públicos não pode ser individualizada, pois esses bens não são
divisíveis. Além disso, o acto de consumir um bem público não reduz a
quantidade disponível para os outros consumidores. (Sousa, 2011).

O consumo de bens públicos não é nem excludente nem rival. Exemplos


de bens públicos puros são, como sabe, estimado(a) estudante, o sistema
de defesa nacional, o conhecimento científico, o meio ambiente saudável,

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 52


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
e governos capazes e eficientes. Em comum, esses bens têm o facto de o
seu consumo não ser excludente e não ser rival. (idem).

4.3.1 Bens Quase-Públicos

A definição de bem público varia com as condições de utilização do bem


em causa, de mercado e com o estágio da tecnologia. (Sousa, 2011).

Por exemplo, o serviço de energia eléctrica, quando usado nos domicílios


privados, é um bem eminentemente privado, não público, pois é possível
excluir os utentes caso não paguem a conta. Por outro lado, é um bem
cujo consumo é rival. (idem).

Mas, quando essa energia é utilizada para iluminar os espaços públicos,


ela torna-se um bem público puro. Além de ser desnecessário excluir
alguém do benefício da iluminação pública, o custo de prover esse serviço
para transeutes adicionais é nulo. (ibidem).

Neste sentido, podemos concluir que grande parte dos bens satisfaz,
apenas parcialmente, as condições de impossibilidade de exclusão e não
rivalidade no consumo. (Sousa, 2011).

Os bens que observam parcial ou totalmente a pelo menos uma das


características anteriores são chamados de bens públicos impuros ou
bens quase-públicos. O gráfico 4.5 seguinte reflecte o posicionamento
das diferentes categorias de bens. (idem).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 53


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
Gráfico 4.5 – Bens públicos e privados

Fonte: Sousa, Marta da Conceição Sampaio, Universidade de Brasília, UnB, 2011.

Conforme constata, caro(a) estudante, no gráfico 4.5, torna-se claro que,


ao invés de uma separação bem marcada, existe um continuum entre as
duas grandes categorias de bens – públicos e privados. (Sousa, 2011).

No canto inferior esquerdo do gráfico, estão os bens públicos puros, para


os quais os custos de exclusão são infinitos e não existe rivalidade no
consumo. (idem).

Já no canto superior direito, encontram-se os bens privados, para os quais


a exclusão é possível a baixos custos e o custo marginal de provisão é
elevado. (ibidem).

Os bens públicos impuros (bens quase-públicos) situam-se esses dois


extremos.

Podemos concluir, portanto, que alguns bens quase-públicos devem ser,


prioritariamente, oferecidos pelo Estado. Quais desses bens se enquadram
nessa categoria continua a ser uma questão aberta, já que a fronteira entre
eles está longe de ser consensual. (Sousa, 2011).

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 54


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7

Exercício 4.4: Resolva o exercício 4.3.

4.4 Conclusão

Em jeito de conclusão, gostaríamos de terminar esta sua unidade temática


4 reiterando que utilizamos os conceitos de externalidades e bens públicos
para argumentar a favor da pertinência da intervenção do estado na
economia, através da provisão de bens e serviços públicos. Procuramos
deixar a ideia de que o Estado só deverá intervir na economia naquilo que
o sector privado não for capaz de fazer por si, ou que ao fazê-lo não
garanta a alocação de recursos no sentido de Pareto.

É importante notar, porém, que a própria acção do governo pode gerar


ineficiências – conhecidas como “falhas de governo” – e, nesse sentido, é
importante levar em conta, na medida do possível, esses “custos” da
intervenção governamental quando da correcção do funcionamento dos
mercados privados. (Sousa, 2011).

Desta forma, prezado(a) estudante, fechamos esta sua unidade temática 4,


que esperamos tenha sido do seu inteiro agrado.

Bom estudo!

Leituras Complementares

A leitura do texto indicado a seguir é de fundamental importância para a


compreensão da matéria que estudamos nesta unidade temática 4, assim
como para você realizar as actividades propostas a seguir. Portanto, não
deixe de ler o material recomendado. Lembre-se: o que fizemos atrás é

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 55


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
somente uma orientação do estudo que deverá fazer, usando o manual
recomendado.

Texto 1
Sousa, Marta da Conceição Sampaio de. Bens Públicos e Externalidade –
Introdução à Economia, Universidade de Brasília - UnB, 2011.

Disponível em:
https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=https%3A%2F%2Fintroducaoaeconomia.f
iles.wordpress.com%2F2012%2F03%2Ftexto-externalidades-conceicao-2011.doc

Sítio visitado pela última vez a 29/04/2016, 18h54.

REFERÊNCIAS

BENTO, Vítor. Os Estados Nacionais e a Economia Global, Almedina,


2004, capítulo 2. (páginas 33-72).

Instutute on Governance (IOG), Canadá.


Disponível em: http://iog.ca/defining-governance/; última visita em 31/12/2015; 14:00 horas.

NEVES, João Luís César das. Introdução à Economia, Verbo, 2007,


capítulos 2 e 3 (páginas 29 – 71).

SOUSA, Marta da Conceição Sampaio de. Bens Públicos e


Externalidade – Introdução à Economia, Universidade de Brasília - UnB,
2011.

Disponível em:
https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=https%3A%2F%2Fintroducaoaeconomia.f
iles.wordpress.com%2F2012%2F03%2Ftexto-externalidades-conceicao-2011.doc

CHAVE DE CORRECÇÃO DAS ACTIVIDADES

UNIDADE TEMÁTICA 1

Actividade 1

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Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
As questões apresentadas são puramente teóricas, e as respostas
encontram-se todas no texto que acabou de estudar. Ao respondê-las,
você estará a consolidar aquilo que acaba de aprender. Assim,
aconselhamo-lo a confrontar as suas respostas não só com o texto, mas
também em interacção com o seu tutor, que está sempre ao seu inteiro
dispor, neste seu processo de aprendizagem. De qualquer modo,
considere as seguintes propostas:

1.1 A necessidade de governação surge sempre que um grupo de pessoas


se junta para concretizar um determinado fim.

Numa situação em que o tal grupo de pessoas é demasiado grande


para tomar, de forma eficiente, todas as suas decisões, como sejam os
casos das nações, regiões e continentes, então cria-se uma entidade
para facilitar o processo de governação, à qual os membros delegam
uma porção grande das responsabilidades de tomada de decisão. Essa
entidade pode ser o governo nacional, ou ainda uma assembleia de
chefes de Estado e de Governo, no caso da governação regional,
continental ou supra-continental (mundial), como é o caso da
Organização das Nações Unidas (ONU).

1.2 Salvo melhor entendimento, e não obstante o direito à manifestação


consagrado na Constituição da República de Moçambique, e reflectido
no princípio básico da Equidade e Primado da Lei, é no entanto
responsabilidade da polícia zelar pela segurança e tranquilidade
públicas, uma vez que aqueles que convocaram tais manifestações
populares não tinham rosto, pelo que eram simples agitadores e,
portanto, não foram transparentes.

1.3 Os dois extremos são a governação simples e a governação distribuida.


A governação simples caracteriza-se ou caracterizou-se por ter apenas
um soberano que, de forma unidireccional, toma ou tomava todas as
decisões da nação sem prestar contas a ninguém.

A governação distribuida caracteriza-se, por sua vez, por ser a mais


complexa das práticas de governação, e é aquela que mais caracteriza
as práticas modernas de governação.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 57


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
No contexto da governação distribuida, o poder vai cada vez mais
sendo transferido do parlamento para o braço executivo da governação,
envolvendo cada vez mais o braço judicial, com um papel cada vez
mais directo dos tribunais, ao mesmo tempo que os cidadãos se
envolvem cada vez mais com o governo e exigem cada vez mais deste.

1.4 Os cidadãos vivem hoje num mundo em que tudo é acelerado: existem
novas tecnologias fracturantes que estão a provocar e potenciar
mudanças em tudo, desde a formulação de políticas até à prestação de
serviços, passando pelo activismo dos cidadãos.

As expectativas dos cidadãos aumentam a cada dia e, portanto, a sua


relação com os governos se vai alterando continuamente. Os desafios
da governação incluem agora a abertura e controlo dos dados do
governo e a resposta permanente e sempre renovada ao agora
empoderado cidadão activista.

UNIDADE TEMÁTICA 2

Actividade 1

As questões apresentadas são puramente teóricas, e as respostas


encontram-se todas no texto que acabou de estudar. Ao respondê-las,
você estará a consolidar aquilo que acaba de aprender. Assim,
aconselhamo-lo a confrontar as suas respostas não só com o texto, mas
também em interacção com o seu tutor, que está sempre ao seu inteiro
dispor, neste seu processo de aprendizagem. De qualquer modo,
considere as respostas seguintes:

1.1 A tarefa primeira de um poder governante é a criação de uma nação


politicamente unificada, através da transformação da pré-existente e
desorganizada multitude num corpo organizado para a acção.

Conforme sabe, caro(a) estudante, a maioria dos estados actuais


albergam uma pluralidade de pertenças comunitárias, de base étnica,
religiosa ou cultural e, portanto, coube aos governos respectivos
garantir que essas diferenças não impedissem a associação dessas
multitudes num estado nacional.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 58


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
1.2 A característica básica da nação moderna, e tudo o que com ela se liga,
é a sua modernidade. Os estados nacionais são um produto moderno e
politicamente relevante apenas a partir do século XVIII.

1.3 A formação dos estados-nação fora da Europa resultou normalmente


do processo de descolonização. Daí que em muitos casos, o processo
de formação de estados-nação fora da Europa tenha sido assente em
bases artificiais, com fronteiras definidas a partir da “identidade
colonial”, mas sem que esta tenha conseguido apagar outras
poderosas fontes identitárias, de cuja fricção têm resultado diversos
conflitos bélicos.

1.4 A vida cívica ganha predominância sobre a vida privada, pela primeira
vez, com a emergência da “polis” na Grécia Antiga, com o
desenvolvimento das cidades-estado, nas quais passou a funcionar a
liberdade humana, e onde só o cidadão contava politicamente.

1.5 A modernidade ao nível político desenvolveu-se por via da


desintegração da ordem medieval, numa multiplicidade de estruturas e
unidades temporais, que se materializaram na forma de estados
nacionais e soberanos que constituem a ordem actual.

1.6 São a concepção liberal, originada por Locke, e a concepção autoritária


e potencialmente totalitária, segundo o pensamento elaborado por
Hobbes e sobretudo por Rousseau.

Por maioria de razões, e não obstante as tentativas em curso de


estabelecer um regime democrático no país, com a introdução do
multipartidarismo, a realidade concreta de Moçambique continua a
reflectir mais a concepção autoritária e potencialmente totalitária
advogada por Rousseau.

1.7 É simplesmente o reconhecimento de que o gozo do direito de


liberdade que usufrui noestado natural é muito incero, e está exposto
constantemente à invasão dos outros.

1.8 Para Locke, um governo é sobretudo um árbitro. E a actividade de


governar é uma actividade que exige “autoridade” e que introduz na
situação existente um elemento de “subordinação” à autoridade de um

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 59


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7
árbitro, fundada esta unicamente no consentimento de cada um dos
sujeitos, e cujas decisões são definitivas.

1.9 São as chamadas “moralidade da individualidade”e a “moralidade do


colectivismo”, que por sua vez deram origem aos pólos libertário e
colectivista.

Podemos associar a “moralidade colectivista” e ao pólo colectivista à


resposta dada à questão 1.6, no que concerne à realidade
moçambicana, uma vez que o defensor da moralidade do colectivismo
procura que o governo o proteja da necessidade de ser um indivíduo,
instituíndo uma moralidade apropriada ao seu estado e condição.

Vimos oportunamente que a moralidade do colectivismo é sustentada


pelos homens que não conseguiram tornar-se indivíduos, ou seja
homens que continuam sem vontade ou capacidade de realizar
escolhas, e de assumir riscos da individualidade, e que reagem a essa
incapacidade com inveja, ciúmes e ressentimento, procurando no
“colectivo” protector a imposição a todos da sua própria incapacidade.

1.10 A soberania é o direito e o poder de efectuar as escolhas


essenciais e últimas sobre os termos da sua existência, e constitui o
elemento fundamental na articulação das sociedades políticas na sua
capacidade para agir, elemento esse sem o qual a sociedade não
dispõe de autonomia existencial.

Importa referir também que a ideia de soberania assenta numa dupla


autonomia: uma autonomia interna e uma autonomia externa.

1.11 Exerce por delegação a seus representantes, por via da repartição


das funções soberanas por três autoridades distintas e separadas,
nomeadamente o poder legislativo, o poder executivo, e o poder judicial.

1.12 Não. Não é suficiente. Serão necessárias condições de viabilidade,


tais como a disponibilidade de um território onde a comunidade
nacional se possa estabelecer soberanamente, o reconhecimento da
sua soberana autonomia pelos outros estados, ou condições de
sustentabilidade económica.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 60


Administração Pública – Governação Nacional, Regional e Continental – Semestre 7

UNIDADE TEMÁTICA 4

Exercício 4.1

São exemplos a mineração em profundidade, na África do Sul, que


provoca o aumento da incidência da tuberculose nas comunidades de
origem dos trabalhadores moçambicanos.

Temos também o exemplo dos fumadores, que causam doenças


pulmonares aos chamdos fumadores passivos.

Outro exemplo ainda seriam os jovens que bebem cerveja na praia da


Costa do Sol que, ao espalhar ireesponsavelmente garrafas de cerveja no
chão, causam ferimentos graves aos veraneantes que procuram brincar
nas areias da praia.

Repare, caro(a) estudante, que em cada um dos exemplos apresentados,


o Estado tem espaço para actuar com sucesso.

Exercício 4.3:

Claramente, parece que, pelo menos durante as horas de ponta, estamos


em presença de um bem não público, ou seja um bem privado, uma vez
que o custo de exclusão é compensatório e a rivalidade no consumo
expressa-se por meio do congestionamento do tráfego.

Escola Superior Aberta/A Politécnica – Educação à Distância 61

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