Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“Meu filho foi feito para viver no mundo; não viverá com sábios, mas com loucos;
assim é preciso que conheça suas loucuras, já que é por elas que quer ser
conduzido. O conhecimento real das coisas pode ser bom, mas o dos homens e de
suas opiniões vale ainda mais, pois na sociedade humana o maior instrumento do
homem é o homem”.
Quando o Emílio enfrenta pela primeira vez a sociedade, até ali ele apenas tinha
olhos para si mesmo, tudo à sua volta era harmoniosamente dirigido pela vida
natural, agora ele enfrenta outros olhares. É o momento da comparação onde
começa a brotar sentimentos até então desconhecidos do jovem. É aqui que, diz o
nosso autor, que “se dá a medida da desigualdade natural e civil, assim como o
quadro de toda a ordem social” (p. 325). Enquanto o homem vive no estado de
natureza em plena igualdade agora em sociedade ele não mais gozará dessa
igualdade natural; a igualdade de direito no estado civil é “quimérica e vã” (p. 325).
Chega o momento em que o preceptor, fazendo um caminho oposto, inicia o seu
aluno na educação social, a educação positiva. Como agora ele já pode com muito
mais propriedade fazer uso da sua razão, a sua instrução observará mais a
experiência alheia do que a própria (p. 326). Esse homem que, até então, o amor
de si mantinha íntegro, “naturalmente bom”, agora vai se ver cara-a-cara como
uma sociedade que, sob o domínio das paixões odientas, a tudo deprava, perverte,
corrompe, vive alimentando preconceitos, vícios de todas as ordens, onde o amor-
próprio é o juiz e senhor de todas as desigualdades, e é esse sentimento que
agora perigosamente começa a se excitar e ameaça todo o trabalho de educação
até ali construído..
Um ensino moralmente poderoso e necessário, embora antes não fosse produtivo
a sua prática, que se torna agora um elemento auxiliar na preparação social do
jovem a partir dessa idade, é o que trata das religiões. Até então não houve esse
cuidado e o Emílio “aos quinze anos nem sabia se tinha uma alma” (p. 360).
O que se compreende dessa teoria de Rousseau é que, se o homem não tivesse
abandonado a sua inocência natural, se não tivesse inventado a sociedade com
suas leis, dificilmente ele se corromperia, pois o seu viver estaria em conformidade
com a natureza que tem as suas “leis” e onde não é possível a desigualdade.
Como o homem traz a sua vontade e é perfectível por natureza, o desvio da sua
pureza natural de viver uniformemente em compasso com a natureza, produz a
sociedade com todas as suas formas de seus preconceitos e males, males esses
que não saem das mãos do Criador e tem um único autor: o próprio homem (p.
398). As paixões em si, portanto, não são um mal. Elas são necessárias para o
progresso do homem, entretanto suas afecções precisam de um freio, de um
limite, pois caso o homem irrefletidamente não sinta esses limites, o seu amor
próprio fará dele o seu próprio carrasco, pois em vez de dominar as paixões será
por elas dominado.
As paixões falam sempre ao corpo, são a sua voz, mas o seu contraponto deve ser
a consciência que, por sua vez, representa a voz da alma, – o amor de si - a ação
da natureza, inata, como guia seguro para, vivendo e agindo de acordo com a
harmonia do Criador, possa buscar a harmonização, a felicidade. É necessário
amar o que é bom, o que é belo. Esse é o caminho da felicidade, as paixões
desenfreadas, nocivas, só podem prejudicar o espírito e trazem ao seu lado o
sofrimento, a desigualdade, a vaidade, o ciúme, o orgulho, o egoísmo, todos esses
“filhotes” do amor-próprio, caminhos para desequilíbrio, a servidão e o
autoritarismo. O homem tem em si, por natureza, todos os sentimentos que lhe
permitem viver em sociedade com justiça e fraternidade. Esses sentimentos
nobres estão em nós, isto é indubitável, entretanto, o abuso dos nossos
sentimentos, o exagero do amor-próprio, desviam os homens da sua natureza
sublime e os impelem a serem senhores ou escravos. Somos assim os nossos
algozes ou promotores do mal.
Referências bibliográficas: