Você está na página 1de 3

Relacionamento: a arte de compartilhar

Walter S. Barbosa1
“Segurança” é a palavra de ordem na vida do ego. Qual a razão disso, marcando tudo que
fazemos? É nossa identificação com o corpo físico, cercado de insegurança por todos os
lados. Além de requerer atenção constante – alimento, higiene, exercício, descanso – a
morte é ameaça em cada esquina, ou mesmo no conforto de uma cama.

Entretanto, o ego sobrevive ao físico, desaparecendo como “forma” apenas quando o


corpo mental também se dissolve. A partir do último suspiro, um atrás do outro os corpos
físico, astral e mental se extinguem, devolvendo aos planos da matéria seus elementos
constituintes, na medida em que deixamos de animá-los como espírito (a não forma).

O que sobra de tudo isso? Guardada no corpo causal (a entidade reencarnante), fica
apenas a memória energética – vibracional – obtida em cada corpo, determinando as
condições potenciais da próxima encarnação. Esta é inevitável enquanto houver carma a
ser resolvido e também a ânsia de reviver as sensações físicas. Isso durará até o dia em
que os desejos terminarem, daí vindo a ênfase do budismo quanto a esse aspecto.

Gostamos das sensações e desfrutá-las, além de um ato de relacionamento, de certa forma


gera compensação para os reveses da vida. Com nitidez, desde o reino vegetal as
sensações estão presentes, havendo plantas que respondem ao contato humano, como a
“sensitiva” ou “dormideira”, e até as “carnívoras” que se fecham no contato com o inseto
que se aproxima. O problema com as sensações é se tornarem sensualidade e memória,
gerando demandas no campo emocional-mental.

A criança tem os primeiros vislumbres da consciência física no contato com a mãe e


objetos próximos, inclusive chupando o dedão do pé. Enquanto isso, não é raro ela
contatar outras dimensões, tendo por amiguinhos as fadas e gnomos. Essa consciência se
perde na medida em que a criança desenvolve a percepção física, obedecendo a uma lei
na relação entre as dimensões: a vibração grosseira elimina a sutil, e vice-versa. Pela
mesma razão, não há termos de convivência entre a pureza e a impureza.

Na essência, os relacionamentos seguem a mesma lei, daí ter dito o Cristo “Dize-me com
quem andas e te direi quem és”. No ato de nos relacionarmos, a busca de segurança é
minimizada na convivência com nossos pares, ou seja, somos mais ou menos abertos
com pessoas de vibração semelhante à nossa, pensando e sentindo de maneira mais ou
menos igual. Por essa razão, elas nos causam menos medo.

Dificilmente compartilhamos algo com uma pessoa temida e, pela mesma razão,
evitamos os desconhecidos. Porém, mesmo com nossos conhecidos a confiança tem
limite, pois no íntimo sabemos que esse conhecimento é superficial e também que tais
pessoas possuem a “senha” de nossas fraquezas, especialmente nos relacionamentos
íntimos.

Esse é o fato. Deduzimos que o outro se esconde de nosso olhar, pois também fazemos
isso o tempo todo. Nessas condições como ficam os relacionamentos, inclusive os mais
íntimos? Transformam-se num jogo de gato e rato, onde nossos papéis (ou máscaras) se
alternam, misturando-se com atração e repulsão. Como estar em harmonia, como
experimentar a paz nesse permanente estado de desejo, tensão e luta?

Olhando em torno, vemos que esse quadro está em toda parte. Podemos fazer algo para
mudar? Sem dúvida, se de fato admitirmos que isso é nosso reflexo. “Quando você muda,
o mundo muda”. E o caminho só pode ser abrir mão dessa tão grande necessidade de
segurança cultivada ao longo de muitas vidas – como herança do reino anterior em nosso
cérebro reptiliano – sempre aguardando um predador.

Como chegar a isso? Aplicando a receita oferecida pelo Cristo no “Orai e vigiai”. Orar é
buscar refazer (inclusive pela meditação) as conexões com o mundo interno, onde o
anseio de segurança vai perdendo espaço porque a imortalidade é a natureza desse
mundo. Vigiar é observar nossa natureza inferior – depurando as sensações, pondo
consciência nas emoções e pensamentos, eliminando as máscaras que aí se alimentam.

Levando esse esforço à prática, podemos então colocar uma luz em nossas vidas – e nas
dos outros – pelo ato de compartilhar do fundo da alma, dando algo de nós para os
relacionamentos. Essa é uma chave para a consciência. Por sua vez, a consciência é a
chave para o amor, eliminando simultaneamente as raízes da ignorância e do medo.
1
Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

Você também pode gostar