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motivos de seu amor; porquanto nenhum Logo, como cada uma destas
deles amava o outro por si mesmo, mas características pertence ao homem bom em
apenas as suas qualidades, e estas não relação a si mesmo, e ele se relaciona para
eram duradouras. Eis aí por que essas com o seu amigo como para consigo mesmo
amizades também são passageiras. Mas o (pois o amigo é um outro “eu”), pensa-se
amor dos caracteres, como dissemos, que a amizade é também um destes
perdura porque só depende de si mesmo. atributos, e que aqueles que possuem estes
atributos são amigos. (...)
Surgem desentendimentos quando o
que as pessoas obtêm é algo diferente Entretanto, os atributos
daquilo que desejam. mencionados parecem pertencer à maioria
dos homens, por deploráveis criaturas que
Mas quando não há contrato de
eles sejam. Devemos então dizer que, na
serviço, aqueles que renunciam a alguma
medida em que estão satisfeitos consigo e
coisa no interesse da outra parte não
se consideram bons, eles participam destes
podem, como dissemos, ser acusados,
atributos? O certo é que nenhum homem
porquanto essa é a natureza da amizade
radicalmente mau e ímpio os possui ou
baseada na virtude; e a retribuição lhes
sequer parece possuí-los. Não se pode
deve ser feita de acordo com o seu
dizer, tampouco, que as pessoas inferiores
propósito (pois o propósito é o que
os possuam, pois tais pessoas não se
caracteriza tanto um amigo como a
harmonizam consigo mesmas, e apetecem
virtude). (...)
certas coisas, mas racionalmente desejam
Como acentuamos muitas vezes, as outras.
discussões a respeito de sentimentos e
Isto é verdadeiro, por exemplo, dos
ações são tão definidas ou indefinidas
incontinentes, que escolhem, em lugar das
quanto os seus objetos.
coisas que eles mesmos julgam boas, outras
A todas as pessoas mais velhas, que são agradáveis mas perniciosas;
igualmente, devem ser prestadas as honras enquanto outras pessoas ainda, por
que convêm à sua idade, erguendo-nos para covardia e indolência, se esquivam de fazer
recebê-las, procurando lugares para elas, o que consideram melhor para elas
etc.; ao passo que aos camaradas e amigos próprias. (...) E os maus buscam outras
devemos dar liberdade de expressar-se e o pessoas com quem passar os seus dias e
uso de todas as coisas em comum. fugir de si mesmos; (...) E, não possuindo
em si nada de louvável, não sentem
Se são passíveis de reforma,
nenhum amor por si mesmos. Por isso, tais
deveríamos antes procurar ajudá-los no que
homens tampouco se alegram ou sofrem
toca ao seu caráter ou aos seus bens
consigo próprios; (...)
materiais, tanto mais que isso é melhor e
mais característico da amizade. Por estes motivos o homem mau
não parece amigavelmente disposto sequer
(...) como podem continuar amigos
para consigo mesmo, uma vez que nele não
se não aprovam as mesmas coisas, nem se
existe nada digno de amor. De modo que,
deleitam ou contristam com as mesmas
se ter semelhante índole é ser a mais
coisas?
desgraçada das criaturas, devemos envidar
As relações amigáveis com seu todos os esforços para evitar a maldade e
semelhante e as marcas pelas quais são procurar ser bons, porque só assim
definidas as amizades parecem proceder poderemos ser amigos de nós mesmos e dos
das relações de um homem para consigo outros.
mesmo.
A benevolência é uma espécie de
(...) a virtude e o homem bom relação amigável, mas não se identifica
parecem, como dissemos, ser a medida de com a amizade, pois que tanto podemos
todas as classes de coisas. senti-la para com pessoas a quem não
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conhecemos como sem que elas próprias o (...) nós existimos em virtude da
saibam (...). Mas a benevolência não é atividade (isto é, vivendo e agindo)
sequer um sentimento amistoso, já que não
(...) se discute a questão de se um
envolve intensidade ou desejo, enquanto o
homem deveria amar acima de tudo a si
sentimento de amizade é acompanhado
mesmo ou a alguma outra pessoa. (...)
desses elementos. Além disso, amizade
implica intimidade, enquanto a Do homem bom também é
benevolência pode surgir repentinamente, verdadeiro dizer que pratica muitos atos no
como acontece para com os adversários interesse de seus amigos e de sua pátria, e,
numa competição (...). se necessário, dá a vida por eles. Com
efeito, um tal homem de bom grado
A benevolência parece, pois, ser
renuncia à riqueza, às honras e em geral
um começo de amizade, como o prazer dos
aos bens que são objetos de competição,
olhos é o começo do amor. Porque ninguém
ganhando para si a nobreza, visto que
ama se não se deleitou de início com a
prefere um breve período de intenso prazer
forma do ser amado; mas nem por isso o
a uma longa temporada de plácido
que se deleita com a forma de um outro o
contentamento, doze meses de vida nobre
ama: é também preciso que sinta a sua
a longos anos de existência prosaica, e uma
falta quando está ausente e que anseie
só ação grande e nobre a muitas ações
pela sua presença. Do mesmo modo, não é
triviais. (...)
possível que duas pessoas sejam amigas se
antes não sentiram benevolência uma para Com razão, pois, é um homem
com a outra, mas pelo simples fato de assim considerado bom, visto que escolhe a
sentirem benevolência não se pode dizer nobreza acima de tudo. (...)
que sejam amigas, porquanto apenas
Também se discute sobre se o
desejam bem ao outro, mas não
homem feliz necessita ou não de amigos.
cooperariam em nada com ele nem se
(...) amigos, que são considerados os
dariam ao trabalho de ajudá-lo.
maiores bens exteriores.
(...) uma cidade é unânime quando
(...) o homem é um ser político e
os homens têm a mesma opinião sobre o
está em sua natureza o viver em sociedade.
que é de seu interesse, escolhem as
mesmas ações e fazem em comum o que (...) o homem feliz necessita de
resolveram. amigos.
(...) há unanimidade (...) apenas (...) a vida é definida, quanto aos
quando pensam na mesma coisa nas animais, pelo poder de percepção, e
mesmas mãos, por exemplo, quando tanto quanto ao homem, pelo poder de
o povo como os da classe superior desejam percepção ou de pensamento; e um poder é
que os melhores homens governem; porque definido com referência à correspondente
assim, e só assim, todos alcançarão o que atividade, que é a coisa essencial.
pretendem.
(...) se perceber que percebemos
Com efeito, os credores não têm ou pensamos é perceber que existimos
nenhum sentimento amistoso para com os (pois que a existência foi definida como
seus devedores, mas apenas desejam vê-los percepção ou pensamento).
em segurança por causa do que têm a
(...) conviver (...) é considerada
receber deles; enquanto os que prestaram
como a própria característica da amizade.
um serviço a outrem sentem amizade e
amor por aqueles a quem serviram, mesmo Parece, pois, que convém não
que estes não lhes sejam de nenhuma procurar ter o maior número possível de
utilidade nem jamais possam vir a sê-lo. amigos, mas apenas tantos quantos forem
suficientes para os fins do convívio, pois ser
um grande amigo de muitas pessoas é coisa
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que se afigura impossível. Por essa mesma compartilhar a nossa ventura (pois as
razão, não podemos amar várias pessoas ao pessoas de caráter benfazejo são nobres),
mesmo tempo. O ideal do amor é ser como mas hesitar em chamá-los nos dias de
que um excesso de amizade, e isso só se infortúnio, pois que de nossos males
pode sentir por uma pessoa, donde se devemos dar-lhes uma parte tão pequena
segue que também só podemos sentir uma quanto possível - donde a frase: “já basta o
grande amizade por poucas pessoas. meu infortúnio”. Acima de tudo, devemos
chamar nossos amigos quando eles podem,
Isto parece encontrar confirmação
sem grande trabalho, prestar-nos um
na prática, pois são muito raros os casos de
grande serviço.
um grande número de pessoas que sejam
amigas umas das outras no sentido da Inversamente, é decoroso acorrer
amizade-camaradagem, e as amizades sem ser convidado em auxílio dos que
famosas dessa espécie são sempre entre foram colhidos pela adversidade (pois é
duas pessoas. Os que têm muitos amigos e característico de um amigo prestar
mantêm intimidade com eles passam por serviços...) (...); mas quando nossos amigos
não ser amigos de ninguém, salvo dentro são prósperos não devemos hesitar em
dos limites apropriados a concidadãos (...) compartilhar de suas atividades (...), nem
Por outro lado, não se pode manter com nos apressurarmos quando se trata de ser
muitas pessoas a espécie de amizade que beneficiados por eles: porque não é nobre
se baseia na virtude e no caráter de nossos mostrar-se ávido de receber benefícios.
amigos, e devemos dar-nos por felizes se
(...) a amizade dos homens bons é
encontrarmos uns poucos dessa espécie.
boa porque cresce com o companheirismo.
Necessitamos mais de amigos na E pensa-se que eles se tornam também
prosperidade ou na adversidade? (...) melhores graças às suas atividades e à boa
influência que uns têm sobre os outros; pois
Com efeito, a própria presença dos
cada um recebe dos demais o modelo das
amigos é aprazível tanto na boa como na
características que aprova - e daí a frase:
má fortuna, já que nossa dor é menor
“(aprender) ações nobres de homens
quando eles a compartilham conosco.
nobres”.
(...) a presença dos amigos parece
encerrar uma mistura de vários fatores. O
simples fato de vê-los é agradável, __________
especialmente se nos encontramos numa
* Fonte: Coleção Os Pensadores, 1972.
quadra adversa, e torna-se um salvaguarda
contra o pesar (pois um amigo tende a
confortar-nos tanto pela sua presença como
pelas suas palavras, se é uma pessoa de
tato, visto conhecer o nosso caráter e as
coisas que nos agradam ou nos contristam).
Mas vê-los sofrer com nossos infortúnios é
doloroso, pois todos evitam causar dor a
seus amigos. Por esse motivo os homens de
natureza varonil abstêm-se de fazer seus
amigos sofrer com eles (...). Mas as
mulheres e os homens mulheris gostam de
ter pessoas condoídas ao seu redor e
amam-nas como amigos e companheiros de
pesar.
Segundo parece, pois, deveríamos
convocar sem demora os nossos amigos a