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Instituto de Economia da UFRJ

Edson Peterli Guimarães curso externo: Fundamentos da macroeconomia tradicional

 FUNDAMENTOS    DA    MACROECONOMIA  TRADICIONAL  


Edson  Peterli  Guimarães**  
PARTE  1  em  elaboração  09/2015  

Sumário  
1.INTRODUÇÃO  ...............................................................................................................................................................................................................................  3  
1.1  A  Economia  clássica  .................................................................................................................................................................................................................................  3  
1.1.  A  teoria  MACROECONOMICA  ................................................................................................................................................................................................................  4  
1.2.Ramificações  da  Macroeconomia  ........................................................................................................................................................................................................  6  
1.2.1.  síntese  neoclássica  ............................................................................................................................................................................................................................................................  6  
1.2.2  A  curva  de  Phillips  ..............................................................................................................................................................................................................................................................  7  
1.2.3  Monetaristas  .........................................................................................................................................................................................................................................................................  7  
1.2.4.    Teoria  novo-­‐classica  ........................................................................................................................................................................................................................................................  9  
1.2.5  Os  novos  Keynesianos  ......................................................................................................................................................................................................................................................  9  
1.2.6  Estruturalistas  ..................................................................................................................................................................................................................................................................  10  
1.3  Um  pouco  de  Historia  ............................................................................................................................................................................................................................  11  
1.4.  antecedentes  ...........................................................................................................................................................................................................................................  14  
2.  O  PRODUTO  ..............................................................................................................................................................................................................................  16  
2.1.  A  Mensuração  do  Produto  e  da  renda  .............................................................................................................................................................................................  19  
2.1.1  Distinção  entre  Produto  Bruto  e  Produto  Líquido  ............................................................................................................................................................................................  20  
2.1.3.  Produto  Real  e  Nominal  ...............................................................................................................................................................................................................................................  22  
2.2.  Índices  de  Preços  ...................................................................................................................................................................................................................................  22  
2.3.  O  Excedente  Econômico  .......................................................................................................................................................................................................................  27  
2.3.1  A  Macroeconomia  e  o  Excedente  Econômico  ......................................................................................................................................................................................................  30  
3.  IDENTIDADES  BÁSICAS  .........................................................................................................................................................................................................  36  
3.1  Uma  Economia  Simples  .........................................................................................................................................................................................................................  37  
3.2  Introduzindo  o  Governo  e  o  Mercado  Externo.  .............................................................................................................................................................................  38  
3.3  Renda  e  o  Balanço  de  Pagamentos  ....................................................................................................................................................................................................  40  
3.3.1  Aspectos  monetários  do  Balanço  de  Pagamentos  .............................................................................................................................................................................................  42  
4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  ................................................................................................................................................................  45  
4.1.  Multiplicador  dos  Investimentos  .....................................................................................................................................................................................................  46  
4.2.1.  Acelerador  dos  investimentos  ..................................................................................................................................................................................................................................  47  

**Professor  Associado  do  Instituto  de  Economia  e  coordenador  da  Pós-­‐Graduação  em  Comércio  Exterior  (ECEX)  da  UFRJ.  

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4.2.  Demais  multiplicadores  ......................................................................................................................................................................................................................  47  


5.  Moeda  e  bancos  .......................................................................................................................................................................................................................  49  
5.1  moeda  na  macroeconomia  ...................................................................................................................................................................................................................  52  
5.2.  Bancos  ........................................................................................................................................................................................................................................................  55  
5.2.1  Politica  Monetária  Brasileira  ......................................................................................................................................................................................................................................  57  
5.3  Taxa  de  Câmbio  .......................................................................................................................................................................................................................................  58  
 
 

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um   mundo   econômico   bem   diferente   do   postulado   pelos   economistas   da  


1.INTRODUÇÃO   época,   denominados   (neo)clássicos.   Michael   Kalecki,   de   origem   polonesa,  
versado   nos   estudos   da   economia   política   de   cunho   marxista,   publicou   em  
1.1  A  ECONOMIA  CLÁSSICA    
1933,   “Esboço   de   uma   Teoria   de   Ciclo   Econômico”.   Nesta   publicação,   com  
As   empresas,   os   consumidores,   o   governo   e   demais   instituições   fazem  
roupagem   diversa   da   utilizada   por   Keynes,   Kalecki   contemplou   aspectos  
escolhas  e  tomam  decisões  econômicas  baseados  em  uma  multiplicidade  de  
seminais   da   dinâmica   da   economia   capitalista   que   se   aproximam   da  
fatores.   Os   bens   e   serviços   escolhidos   somados   por   categorias   de   uso   dão  
interpretação  keynesiana  sobre  a  mundo  econômico.    Nesta  época,  eles  não  
origem   aos   agregados   econômicos   cujos   principais   são:   consumo   das  
se  conheciam  e  muito  menos  os  trabalhos  um  do  outro.  
famílias   e   das   empresas   (investimento),   vendas   externas   (exportação),  
compras   dos   residentes   de   mercadorias   fabricadas   em   outros   países  
A   visão   dos   economistas   das   escolas   clássica   (séculos   XVII   e   XVIII)   e  
(importação),   receitas,   gastos   e   dívidas   do   governo,   poupança   (ativos  
neoclássica   (segunda   metade   do   século   XIX)   era   de   um   mundo   econômico  
monetários   e   financeiros)   e   contas   do   balanço   de   pagamentos.   A  
perfeito,   harmônico   e   equilibrado.   Esse   mundo   maravilhoso   era   construído  
macroeconomia   é   uma   disciplina   funcional   que   procura   desvendar  
com   preços   totalmente   flexíveis   que   subjugados   pelas     forças   de   mercado  
justamente   a   influência   que   os   agregados   possuem   na   determinação   da    
harmonizavam-­‐se   para   garantir   o   máximo   bem-­‐estar   social.   O  
renda  nacional  e  do  emprego.    
comportamento   interesseiro   dos   vendedores   e   dos   compradores  
determinava   o   alcance   do   bem-­‐estar   social:   “o   leiloeiro”   –mercado–   somente  
Seu  estudo  se  divide  em  dois  ramos:  o  mercado  real  e  o  mercado  monetário  
finaliza   a   contenda,   batendo   o   martelo,   quando   o   preço   fechado   oferece   o  
e   de   títulos  financeiros.   Como   tudo   em   economia   gira   em   torno   de   processos  
mesmo  grau  de  satisfação  obtido  pelo   comprador  e  pelo  vendedor.  Qualquer  
de  escolha,  as  variações  na  liquidez  do  sistema  econômico  alteram  os  preços,  
perturbação   dessa   ordem   era   inimaginável   pela   visão   econômica  
pelo  menos  no  curto  prazo,  e  influenciam,  portanto,  as  escolhas  individuais  
convencional   da   época   e   se,   por   ventura,   ocorresse   seria   ocasional,    
que   formam   os   agregados   econômicos   constituídos   por   bens   e   serviços.  
passageira  e  sem  importância.      
Devemos  tratar  o  mercado  real    e  o  mercado  monetário  e  de  títulos  de  modo  
compartilhado.  A  investigação  macroeconômica  de  como  um  mercado  afeta  
A  depressão  no  início  do  século  XX,  nos  Estados  Unidos,  mostrou  que  não  era  
o   outro   procura   revelar   a)   as   causas   do   crescimento   econômico,   b)   o   alcance  
bem  assim  que  funcionava  o  sistema  econômico.  Essa  evidência,  sem  dúvida  
dos  aspectos  monetários  para  a  estabilidade  de  preços,  c)  as  implicações  que  
contribuiu   para   que     Keynes   e   Kalecki   construíssem   os   fundamentos   da  
possam   ter   para   a   distribuição   de   renda   e   d)   as   relações   econômicos   do   país  
macroeconomia  atual.  
com  o  resto  do  mundo  representadas  no  balanço  de  pagamentos.    
Essa   construção   teórica   do   mundo   econômico   feita   nos   idos   anteriores   ao  
Os   fundamentos   da   macroeconomia   foram   construídos   por   John   Maynard  
século  XX  por  um  conjunto  de  economistas  clássicos  (antigos)  e  neoclássicos  
Keynes   e   Michael   Kalecki   no   início   do   século   XX   causando   impactos  
(novos)   tem   apelos   fortes.   Além   de   propagar   as   forças   de   mercado   como  
significativos   na   compreensão   do   mundo   econômico.     John   Maynard   Keynes,  
elemento  central  para  o  alcance  do  bem-­‐estar  social,  consideram  a  produção  
de   origem   inglesa,   sintetizou   seu   pensamento   no   livro   “A   Teoria   Geral   do  
Emprego,   do   Juro   e   da   Moeda”,   publicado   em   1936.   Suas   ideias   mostraram  

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representada   eminentemente   por   fatores   técnicos   cuja   essência   desaloja   mercados  respectivos  com  as  rendas  auferidas  por  cederem  seus  fatores    de  
qualquer   conflito   social   do   mundo   econômico1.     A   flexibilidade   de   preços   produção   (força   de   trabalho,   capital,   recursos   naturais)   a   máquina  
permitindo   que   o   exercício   das   forças   de   mercado   fosse   pleno   levaria   a   processadora   (empresas).   Os   empresários   recebem   rendimentos   (lucros)  
economia  para  uma  alocação  ótima  de  recursos.   também  por  organizarem  a  produção.    

  Nesta  linha  de  pensamento,  a  combinação  mais  rentável  entre  os  fatores  de  
produção  vai  sendo  estabelecida  até  a  sua  plena  capacidade  e  a  distribuição  
Mercado   Bens  finais  e  
  dos   produtos   são   reveladas   pela   forças   de   mercados   que   ajustam   preços  
das   serviços
Família MAO  DE   levando   a   economia   para   um   único   e   imutável   equilíbrio   (entre   oferta   e  
  OBRA   demanda)  econômico.    
 
CAPITAL      
    Para   esta   escola   a   variação   da   oferta   monetária   é   irrelevante.   A   moeda   é  
Bens  de  Capital     RECUSOS   simplesmente   um   meio   de   troca   precificando   os   bens   e   serviços  
Mercado  
Bens   NATURAIS   imediatamente,   quando   por   qualquer   razão,   sua   quantidade   varia.   Os   preços  
das    
Intermediários,    
Empresas  
Matérias  primas,     nominais   dos   bens   e   serviços   (cotados   pela   quantidade   de   moeda)   podem  
Insumos     variar,   mas   as   relações   entre   eles   não   se   modificam   com   a   variação  
elaborados  e   monetária,  pois  os  compradores  e  vendedores  -­‐  produtores  -­‐    sabem  quanto  
Serviços    
INSUMOS uma   mercadoria   ou   um   serviço   custa   em   termos   reais.   A   moeda   na   visão  
desses   economistas,   é   exógena   ao   sistema   e,   nesse   mundo   de   economia  
  clássica,   ela   não   tem   o   poder   de   influenciar   o   processo   de   escolha   do   quanto  
consumir   de   um   bem   ou   serviço   ou   do   quanto   produzi-­‐los.   Ela   é  
  simplesmente  um  veiculo  de  trocas.  

A   figura   acima   ilustra   esse   esquema.   A   produção   pode   1.1.  A  TEORIA  MACROECONOMICA  
ser   representada   como   uma   máquina   processadora   que   ao   final   do   ciclo   A   literatura   corrente   aponta,   pelo   menos,   quatro   abordagens   originais   de  
produtivo   resulta   nos   a)   bens   de   capital,   bens   intermediários   e   outros   Keynes   e   Kalecki   que   descontroem   o   mundo   econômico   harmônico   e  
insumos  que  se  destinam  as  empresas  e  b)  bens  e  serviços  finais  dedicados   equilibrado  conforme  pensado  pelos  economistas  (neo)clássicos.  A  primeira  
as   famílias.   Todos   adquirem   os   bens   e   serviços   mediante   compras   nos   e   mais   importante   delas   consistiu   na   consideração   de   que   o   sistema  
econômico  não  é  comandado  exclusivamente  pela  oferta  de  bens  e  serviços  
no   sentido   da   produção   gerar   renda   destinada   ao   consumo   (presente   ou  
1 futuro),   como   sugerido   na   figura   acima,   levando   a   produção   a   se   estabelecer  
Excetua-se dessa concepção a linha econômica clássica marxista cujo no   pleno   emprego.     Os   indivíduos   (as   empresas)   podem   desejar   consumir  
enfoque central consiste justamente no conflito social originado nas relações sociais que
se estabelecem para a produção de bens e serviços no sistema capitalista.
(investir   em)   produtos   não   necessariamente   em   linha   com   a   oferta  
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(demanda),   decorrendo   desse   fato   desajustamentos   econômicos.   Esse   Com   deflação,   o   acréscimo   de   mais   uma   unidade   de   trabalho   fica  
comportamento  das  empresas  e  consumidores  foi  explorado  por  Keynes  de   condicionada   a   redução   do   salário   para   manter   a   mesma   margem   de   lucro  
maneira   exemplar,   constituindo   basicamente   o   arcabouço   teórico   da   empresarial.    
macroeconomia.   O   livre   arbítrio   que   os   indivíduos   têm   com   respeito   a   renda  
propiciam   movimentos   econômicos   erráticos   que   podem   convergir   a   um   Keynes,  alertou  que  essa  situação  causa  dois  efeitos,  pelo  menos.  O  primeiro,    
equilíbrio  econômico  com  desemprego  de  fatores  de  produção.  Essa  situação   com   preços   dos   produtos   em   queda,   os   empresários   não   são   estimulados   a  
era   inimaginável   pelos   economistas   (neo)clássicos.     As   ações   dos   investir.     O   segundo,   contempla   a   resistência   dos   trabalhadores   a   menores  
consumidores   e   dos   investidores   formam   o   que   Keynes   denominou   de   o   salários   e   mesmo   o   aceitando,   o   salário   deveria   cair   mais   do   que   os   preços  
princípio   da   demanda   efetiva   que   não   necessariamente   garantem   o   pleno   dos  bens  e  serviços  para  propiciar  uma  rentabilidade  empresarial  atraente.  
emprego  dos  fatores.       Esses   dois   efeitos   são   suficientes   par   reduzir   a   demanda   agregada   com   os  
quais   se   evidencia   a   dificuldade   da   saída   da   crise   por   mecanismos  
A   segunda   abordagem   original   invalida   a   premissa   dos   economistas   automáticos   de   preços.   Keynes   advogou   que   os   indivíduos,   diferente   da    
(neo)clássicos   de   que   os   preços   são   totalmente   flexíveis   e   não   exercem   suposição   clássica,   não   ajustam   imediatamente   preços   relativos   as   variações  
influência   no   meio   econômico.   Keynes   constatou   que   os   preços   da   mão   de   nominais,   principalmente   o   valor   da   mão   de   obra:   existiria,   portanto,   certa  
obra  e  de  muitos  serviços  públicos  tendem  a  certa  rigidez,  pelos  menos,  no   “ilusão  monetária”  com  qual  os  governos  poderiam  contar  para    estabilizar  a  
curto  prazo.  Isso  ficou  evidenciado  nos  anos  de  1920,  na  grande  depressão   economia   em   direção   ao   pleno   emprego,   por   meio   de   políticas   de   rendas:  
dos  Estados  Unidos  da  América.  Dificilmente  os  empresários  iriam  entabular   maior   oferta   monetária   eleva   os   preços   nominais   dos   bens   e   serviços,  
novas   produções   aumentando   o   emprego   e   a   renda   da   economia   com   base   conquanto   salários   e   preços   fixados   contratualmente   sobem   menos  
somente   em   um   livre   jogo   das   forças   de   mercado   cuja   essência   levava   a   uma   estimulando,  portanto,    a  produção.  
queda   generalizada   de   preços.   Assim,   a   relação   Preço/Custo   desestimulava  
os   investimentos   dos   empresários,   pois   que   seus   preços   de   venda   caem   A   terceira   abordagem   significou   também   um   avanço   teórico   considerável  
(deflação)   e   os   custos   da   mão   de   obra   e   de   muitos   insumos   permanecem,   no   que  até  hoje  é  objeto  de  uma  intensa  discussão.  Perdas  e  ganhos  (risco)  nos  
mínimo,  constante.  Nos  cálculos  empresariais  os  pagamentos  aos  fatores  de   processos   de   escolha   foram   explicitamente   considerados   na   teoria   de  
produção  são  considerados  custos  e,  por  isso,  a  lógica  empresarial  não  adota   Keynes:   as   pessoas   mantêm   saldos   em   dinheiro   aguardando   o   momento  
isoladamente  estratégias  que  incorporem  o  reconhecimento  de  que  salários   mais   adequado   de   especular   (arriscar)   com   os   ativos   financeiros   que   eles  
são   poder   de   compra:   demanda   agregada   que   estimula   a   expansão   dos   entendam   de   maior   rentabilidade.   Na   visão   neoclássica,   no   entanto,   é  
velhos  empreendimentos  e  a  criação  de  novos2.     inconcebível  alguém  guardar  dinheiro  em  vez  de  buscar  imediatamente  um  
retorno   para   ele:   a   taxa   de   juros,   neste   caso,   é   um   fenômeno   real   definida  

2 conjuntamente,   mas   dificilmente   se   acertam   com   os   concorrentes   definindo   conjuntamente  


Se  esse  reconhecimento  fosse  explicitado  e  houvesse  um  acordo  tácito  entre  os  empresário,  
suas  estratégias  de  expansão,  o  que  inviabiliza  a  prática  anticíclica  comentada.  
as  crises  econômicas  clássicas  poderiam  ser  postergadas:  bastaria  queimar  capital  (por  meio  
de   fusões   e   incorporações   empresariais)   ou   aumentar   o   preços   dos   fatores   de   produção  
elevando   a   renda   para   estimular   o   consumo.     Os   empresários   fazem   muitas   coisas  
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pelo  volume  de  poupança  disponível  ao  investimento  pretendido.  Já  para  os   John   Maynard   Keynes   e   Michael   Kalecki   foi   os   estímulos   aplicados   pelo  
seguidores   de     Keynes,   a   taxa   de   juros   é   um   fenômeno   monetário   e   a   governo  norte-­‐americano  para  fortalecer  a  demanda  agregada,  como  solução  
formação   da   poupança   é   função   da   renda   e   dos   saldos   especulativos.   De   para   a   crise   instaurada   no   ano   de   2008.   Guardadas   as   proporções,   esta  
acordo   com   a   teoria   de   Keynes,   a   poupança   é   um   resíduo   que   dependente   mesma   política   havia   sido   adotada   pelo   governo   Franklin   D.   Roosevelt   na  
somente   da   renda,   e   as   decisões   de   investimento   seriam   dominadas   pelo   década   de   30   para   reativar   a   economia   estadunidense   com   base   nas  
"espírito  animal"  do  empresariado.   proposições  desses  dois  pensadores3.    
1.2.RAMIFICAÇÕES  DA  MACROECONOMIA    
Kalecki,  por  outro  lado,  mostrou  que  na  dinâmica  capitalista  o  investimento  
é  autofinanciado,  ou  seja  ele  cria  poupança,  com  independência  da    taxa  de  
1.2.1.  SÍNTESE  NEOCLÁSSICA  
juros,  no  mesmo  montante  em  que  se  realiza.  Essa  é  uma  questão,  portanto,  
Vários   economistas   imediatamente     se   debruçaram   sobre   a   livro   A   Teoria  
que  ainda  não  está  de  todo  resolvida  empiricamente.  
Geral   do   Emprego,   dos   Juros   e   da   Moeda   de   J.   M.   Keynes,   após   a   sua  
publicação   em   1936,   procurando   dar   um   acabamento   formal   aos   nexos  
A   quarta   abordagem   apoia-­‐se   integralmente   no   principio   da   demanda   existentes  entre  os  agregados  econômicos  para  se  alcançar  o  pleno  emprego.    
efetiva,   mencionado   anteriormente.   Advoga   a   ideia   de   um   Estado   Hicks   foi   o   economista   que   mais   se   destacou   nesta   tarefa.4   A   elegância  
interventor   na   economia   com   potencialidades   para   manipular   a   demanda   matemática  e  as  proposições  teóricas  resumidas  por  esse  autor  fez  com  que  
efetiva  em  um  ambiente  econômico  com  superprodução  e  elevados  estoques   a   macroeconomia   fosse   absorvida   pelo   meio   acadêmico   e   politico   com  
nas  empresas.    Dentre  as  quatro  abordagens,  a  que  causou  maior  impacto  no   sucesso.  Ele  modelou  a  Teoria  Geral  estabelecendo  níveis  de  equilíbrio  entre  
meio  político  e  econômico  parece  ter  sido  essa:  a  ideia  do  governo  expandir   o   mercado   real   [investimento   (I)   e   Poupança   (S)]   e   o   mercado   monetário  
déficits  públicos  para  ampliar  o  emprego  e  a  renda.  O  estranhamento  desta   [demanda  (L)  e  oferta  (M)  de  moeda].  Toda  a  modelagem  esta  ancorada  na  
proposta   deveu-­‐se   por   um   lado   ao   reconhecimento,   no   início   do   século   XX,   ideia   neoclássica   de   que   as   variações   na   quantidade   de   moeda   são  
que  a  intervenção  do  Estado  na  economia  era    coisa  de  regimes  totalitários,   instantaneamente  recolhidas  pelos  preços,  justamente  por  que  os  indivíduos  
portanto   de   difícil   aceitação   em   ambientes   democráticos   e   por   outro,   ao   nos  seus  processos  de  escolha  não  se  deixam  atrapalhar  pelas  variações  da  
abalo   que   causava   no   pensamento   da   economia   clássica   cuja   concórdia   e  
harmonia   oriunda   das   forças   de   mercado   dispensava   qualquer   intervenção  
externa   (como   o   governo)   na   economia.     Kalecki,   com   outra   palavras,  
3  
Na   grande   depressão,   a   relação   entre   preços   e   nível   de   emprego   foi   interpretada  
insinuou  a  contribuição  do  Estado   como  essencial  a  dinâmica   capitalista  por  
explicitamente   por   Keynes   como   sendo   a   deflação   a   principal   causa   do   desemprego:   os  
conta   dos   gastos   de   diversas   ordens   (em   infraestrutura,   guerras,   obras   empresários   não   investem   quando   o   preço   do   produto   está   caindo.   Assim,   um   conjunto   de  
públicas   e   demais   empreendimentos   demandados   ao   setor   privado)   incentivos   foi   criado,   denominado   de   New   Deal,   perpetuados   nos   anos   de   1933   a   1937  
acionados   com   efeitos   anticíclicos,   por   elevar   a   demanda   agregada   em   um   justamente   para   dar   maior   liquidez   ao   sistema   econômico,   ao   mesmo   tempo   que   se  
ambiente   de   elevada   capacidade   ociosa   em   diversos   segmentos   produtivos   e   aumentava  o  gasto  público.      
com  elevados  estoques  (invendáveis).     4   A   maioria   das   publicações   macroeconômicos   convencionais   apresentam   o   modelo   IS-­‐LM  

desenvolvido   por   John   Richard   Hicks.   Ver,   contudo,   capítulos   3   e   5   de   Blanchard,   O.,  
Macroeconomia,   Ed.   Campus,   2001,   que   desenvolve   de   maneira   bem   acessível   a   síntese  
Uma   das   evidências   recentes   da   validade   dos   ensinamentos   oferecidos   por   neoclássica.  .  
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oferta   monetária   mantendo   a   relação   entre   os   preços   dos   bens   constante.   pelo   crivo   da   curva   de   Phillips5.     A   evidência   de   que   havia   uma   relação  
Somente   a   taxa   de   juros   varia   nominalmente,   ou   seja,   é   influenciada   pela   contrária  entre  a  taxa  de  desemprego  e  a  taxa  de  inflação  elevou  o  status  da  
demanda  e  oferta  de  moeda  mas  não  é  influenciada  pelo  nível  de  preços.  Seu   política   fiscal   e   monetária   não   somente   para   controlar   a   liquidez,   mas  
exercício   associa-­‐se   as   variações   da   oferta   monetária   em   relação   a   sua   fundamentalmente  para  avaliar  o  custo  inflacionário  das  políticas  fiscais  de  
procura  determinando  o  equilíbrio  /  desequilíbrio  entre  os  mercados.     promoção   da   atividade   econômica   centradas   nos   déficits   públicos.   A  
importância   desses   resultados   foram   naturalmente   pavimentando   a  
A   síntese   neoclássica   ganhou   forte   aderência   no   ensino   da   macroeconomia   aceitação   da   curva   de   Phillips   pelos   acadêmicos   e   pelos   formuladores   da  
nas   universidades   por   conta   das   representações   geométricas   de   casualidade   politica   econômica.   No   início   dos   anos   de   1970,   ela   passou   a   ser,   contudo,  
entre   Produto   e   Renda   causadas   pelos   nexos   existentes   entre   os   mercado   bastante   criticada,   justamente   pela   relação,   experimentada   em   diversos  
real  e  monetário  (IS-­‐LM),  onde  o  equilíbrio  (desequilíbrio)  em  um  mercado,   países,   contrária   a   evidência   exibida   pela   curva   de   Philips   para   os   anos  
por  tautologia,  significa  equilíbrio  (desequilíbrio)  no  outro.    Ate  meados  dos   anteriores.    Taxas  de  inflação  e  desemprego  passaram  a  se  correlacionar  de  
anos  de  1970,  pode-­‐se  dizer  que  o  entendimento  das  variações  entre  IS-­‐LM   modo   contraditório,   caracterizando   o   que   ficou   conhecido   como   estagflação:  
resumiam  todo  o  estudo  da  macroeconomia,  pelo  menos  nas  universidades   uma  mistura  de  inflação  com  estagnação  econômica.    
brasileiras.    
Essa   situação   atraiu   o   interesse   dos   economistas   para   investigar   a  
1.2.2  A  CURVA  DE  PHILLIPS   fragilidade  da  teoria  de  Keynes  e  da  curva  de  Phillips  que  tivera  outrora  uma  
Em  1958  o  economista  William  Phillips  usando  dados  da  Inglaterra  de  1861   aceitação   inconteste.   Lembre   que   a   preocupação   primeira   de   Keynes   era  
a   1957,   evidenciou   relação   negativa   entre   a   taxa   nominal   dos   salários   com   respeito   ao   desemprego   e   de   como   politicas   fiscais   e   monetárias  
(inflação)   e   a   taxa   de   desemprego.   Essa   relação   ganhou   status   de   “modelo   poderiam  diminui-­‐lo.  Essa  questão  ainda  é  presente  em  toda  a  envergadura  
teórico”   passando   a   ser   denominada   de   curva   de   Phillips,   quando   macroeconômica,   mas   o   fenômeno   da   estagflação   estabeleceu   uma   brecha  
economistas   norte   americanos   (Paul   Samuelson   e   Robert   Solow)   teórica  propiciando  o  surgimento  de  novos  enfoques  explicativos  dos  efeitos  
encontraram   efeito   semelhante   para   a   economia   dos   Estados   Unidos   da   monetários   e   fiscais   sobre   o   nível   de   emprego.   Quatro   escolas   de  
América.   Se   a   inflação   aumentava,   diminuía   o   desemprego   e   quando   ela   pensamento   macroeconômico   foram   se   fortalecendo,   cada   qual   com   sua  
diminuía   o     desemprego   aumentava,   pelo   menos   no   curto   prazo.   Os   matriz  teórica  para  explicar  o  fenômeno  da  estagflação  e  posteriormente  se  
resultados   empíricos   entre   inflação   e   desemprego   contribuíram   para   os   consolidar   como   um   ramo   particular   de   estudos   macroeconômicos:  
formuladores   de   politica   econômica   introduzirem   os   efeitos   desse   nexo   Monetaristas,  Novos  Clássicos,  Novos  Keynesianos  e  Estruturalistas.    
causal  no  exercício  da  politica  monetária  
1.2.3  MONETARISTAS  
As  propostas  keynesianas  para  estimular  a  demanda  efetiva  passavam  agora   Essa   linha   de   pensamento   ficou   conhecida   como   a   macroeconomia   oriunda  

5.  Ver  Blanchard,  O.  op.cit.  e  para  contextualização  histórica  Humprey,  T.M  (1985);  The  early  

history  of  the  Phillips  Curve.  Disponível  em  <http://ideas.repec.org/a/fip/fedrer/y1985isep-­‐


octp17-­‐24nv.71no.5.html  .  
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da   “Escola   de   Chicago”.   Milton   Friedman   foi   o   principal   mentor   dos   ocorrência   de   algum   desajustamento   entre   a   taxa   efetiva   de   emprego   e   a  
ensinamentos   monetaristas.   Os   que   seguem   essa   linha   de   pensamento   taxa  natural  de  emprego  da  economia.    
advogam  que  a  variação  na  quantidade  de  moeda  não  exerce  feitos  reais  no  
longo   prazo,   embora   possa   exerce-­‐lo   no   curto-­‐prazo   mas,   que   Os   monetaristas,   embora,   aceitem   que   a   moeda   possa   exercer   efeitos   para  
inexoravelmente   irão   se   ajustar   no   longo   prazo,   invalidando   os   efeitos   aumentar   o   emprego   no   curto   prazo,   quando   a   taxa   natural   de   emprego  
causados  pelas  variações  da  moeda  no  curto  prazo6.         ainda   não   foi   alcançada,   sugerem   que   a   sua   adoção   é   prejudicial   no   longo  
prazo,   pois   a   oferta   de   produtos   está   limitada   no   longo   prazo:   o   crescimento  
Seus   argumentos   apoiavam-­‐se   no   pouco   sucesso   da   política   fiscal   do   produto   depende   exclusivamente   de   variáveis   estruturais   que   aumentem  
expandindo   a   demanda   efetiva   com   a   economia   perto   do   pleno   emprego   a   produtividade   do   trabalho.   Os   aspectos   monetários,   nessa   linha   de  
(taxa  natural  de  desemprego  no  longo  prazo).    O  resultado  esperado  seria  a   pensamento,   não   são   tão   importantes   como   educação   e   avanços  
elevação   de   preços   e   da   taxa   de   juros   nominal   desestimulando   o   tecnológicos,  por  exemplo,  para  o  crescimento  do  produto.    
investimento,   que   é   o   principal   elemento   propiciador   de   demanda   agregada.  
Apesar   dos   escritos   de   Friedman   mais   comentados,   anteriores   ao   anos   de    De  resto,  no  debate  com  os  keynesianos,  a  linha  de  pensamento  monetarista  
1070,   não   colocarem   a   questão   da   estagflação   (inflação   com   estagnação   advoga   que   o   não   reconhecimento   pelas   autoridades   monetárias   das  
econômica)   como   decorrentes   de   politicas   fiscais   e   monetárias   pressões  de  demanda,  no  período  que  antecedeu  a  crise  de  1929  nos  Estados  
expansionistas,   seus   resultados   analíticos   parecem     antever   processos   de   Unidos,   foi   justamente   a   principal   causa   da     deflação   e   não   uma   suposta  
estagflação     que   foram   se   instaurando   em   diversos   países   que   adotaram   as   insuficiência   de   demanda   efetiva,   como   pensou   Keynes.   Se   as   autoridades  
politicas  keynesianas,  no  final  dos  anos  de  19790.   tivessem   reconhecido   este   fato   certamente   teriam   providenciado   uma   maior  
oferta   monetária   impedindo   que   o   processo     deflacionário   se   alojasse   no  
Friedman  reviveu  a  Teoria  Quantitativa  da  Moeda,  construída  por  Fischer  no   sistema   econômico.   Esse   reforço   argumentativo   fortalece   a   utilização   da  
início  do  século  XIX,  mantendo  sua  essência:  uma  oferta  monetária  servindo   política   monetária   ativa   alinhada   com   a   oferta   agregada   em   detrimento   a  
exclusivamente   ao   mecanismo   de   troca7.   Qualquer   variação   da   quantidade   política  fiscal  recomendada  pelos  seguidores  de  Keynes  nos  ajustamentos  da  
de  moeda  no  sistema  rebateria  exclusivamente  nos  preços.    Milton  Friedman   economia  em  direção  ao  pleno  emprego8.  
revelou  a  existência  de  uma  demanda    por  moeda  correlacionada  aos  preços,  
juros   e   produto.   O   equilíbrio   no   mercado   monetário   passava   a   ser   No  anos  de  1970,  Friedman  ampliou  a  macroeconomia  para  incluir  a  noção  
meramente   uma   questão   de   calibragem   da   oferta   uma   vez   definidos   metas   a   de   expectativas   adaptativas.   Seu   enredo   era   que   as   funções   de   preferência  
serem   alcançadas.   Com   estas   condições,   o   exercício   da   política   monetária   nos   processos   de   escolha   são   otimizadas   pelas   expectativas   que   os  
sobre   rendas   e   preços   poderia   ser   coroado   de   sucesso   no   curto   prazo,   na   indivíduos   formam   da   dinâmica   do   nível   de   preços   com   base   no   passado  
recente.   Apadrinhou,   também,   a   ideia   de   que   economias   caminham   em  

6   Ver   Lopreato,   F.   L.   (2013);   Milton   Friedman   e   a   efetividade   da   política   fiscal,   Revista   de  

Economia  Contemporânea,  vol.  17,  no  2,  maio-­‐agosto.     8  Essa  observação  foi  extraída  de  conversa  de  botequim  com  Luís  Carlos  Delorme  Prado  que,  
7  Essa  questão  será  abordada  com  mais  detalhes  no  capitulo  5  adiante.   dentre  vários  aspectos,  procurava  retratar  a  astúcia  argumentativa  de  Friedman.    
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direção   a   um   desemprego   natural   e   que,   portanto,   as   variações   observadas   poderia  gerar  efeitos  reais  imediatos  pois  os  agentes  reagem,  se  adaptando,  
no   desemprego   seriam   friccionais.   Desse   modo,   sendo   o   processo   de   escolha   a  política  em  vigor.    
alicerçado   pelo   passado   e   a   taxa   de   desemprego   natural,   o   processo   de  
estagflação   seria,   no   limite,   decorrente   de   políticas   expansionistas   que   os   A   ideia   de   expectativas   racionais   invalida   essa   proposição:   a   política  
indivíduos  reconhecem  e  se  adaptam  com  a  restrição  da  plena  utilização  de   monetária    somente  teria  efeitos  reais  se  eles  não  fossem  antecipados  pelos  
recursos.     agentes   econômicos.   Quando   os   agentes   antecipam   “racionalmente”  
determinada   politica   econômica,   eles   anulam   os   efeitos   pretendidos  
Assim,   os   monetaristas   argumentam,   de   modo   geral,   que   os   estímulos   politicamente.   Assim,   essa   linha   de   pensamento   anula   totalmente   o  
econômicos  oriundos  do  livre  jogo  das  forças  de  mercado  são    mais  eficazes   pragmatismo   da   teoria   keynesiana   centrada   na   politica   fiscal   e   monetária.  
do  que  os  estímulos  decorrentes  de  as  políticas  fiscal  e  monetária9.  Para  eles,   Claro   que   os   enfoques   das   expectativas   adaptativas   e   racionais   contem  
a   oferta   monetária  ao   longo   de   tempo   deveria   seguir   padrões   definidos   em   questões   de   temporalidade   bastante   sensíveis.   No   limite,   podemos   dizer   que  
função   da   variação     do   produto   e   qualquer   politica   monetária   e   fiscal   além   essa  escola  ao  ampliar  o  conceito  de  expectativas  adaptativas  construindo  o  
desse   ponto   teria   a   propriedade   de   gerar   inflação   cujo   efeito   seria   inócuo   conceito  de  expectativas  racionais  nega  a  existência  do  tempo,  uma  vez  que  
para  a  oferta  agregada,  anulando  possíveis  efeitos  sobre  a  demanda  efetiva,   o   presente   é   algo   a   ser   definido   “racionalmente”,   o   futuro   ainda   não   é   real  
uma   vez   que   os   indivíduos   reconhecem   o   maior   volume   de   moeda   se   senão   como   esperança   de   hoje   e   o   passado   não   existe   senão   como  
transbordando  sobre  os  preços  dos  bens  e  serviços.  Em  resumo,  muitos  dos   recordação  presente.  
ensinamentos   dos   monetaristas   se   aproximam   do   mundo   como   pensado  
pelos  economistas  clássicos,  onde  a  moeda  é  exógena  ao  sistema  econômico    Os   Novos   Clássicos   se   apoiam   também   nos   preceitos   dos   economistas  
e  é  somente  um  veículo  das  trocas  entre  bens  e  serviços.   clássicos  da  busca  interesseira  pelos  indivíduos  na  maximização  de  seu  bem-­‐
estar  como  o  principal  estimulo  para  a  eficiência  e  equilíbrio  econômico.    
1.2.4.    TEORIA  NOVO-­‐CLASSICA      
Ainda   nesta   linha   de   argumentação,   Robert   Lucas   e   Thomas   Sargent,   no   1.2.5  OS  NOVOS  KEYNESIANOS  
inicio   dos   anos   de   1970,     desenvolveram   o   conceito   de   expectativas   A   terceira   linha   de   pensamento   macroeconômico   é   mais   recente.   Surgiu   na  
racionais.   O   significado   difere   das   expectativas   adaptativas   justamente   última   década   dos   século   passado   sob   a   denominação   de   “Os   Novos  
devido   a   possibilidade   dos   indivíduos   anteciparem   o   comportamento   da   Keynesianos”,   com   economistas   oriundos   principalmente   da   Universidade  
política   econômica   com   base   em   todas   as   informações   disponíveis   no   de   Harvard   em   oposição   aos   Monetaristas   e   a   Teoria   Novo   Clássica:   na   sua  
presente10.  Com  expectativas  adaptativas  a  política  monetária  no  curto  prazo   grande   maioria   seguidores   da   tradição   da   Universidade   de   Chicago.   Eles  
renovam   os   ensinamentos   de   Keynes   elevando   o   status   da   política   fiscal   e  

9  Ver,  Milton  Friedman  (1968);  The  Role  of  Monetry  Policy  in  American  Economic  Review,  vol.  

58,   no   1,   1968,NY   e   Friedman,   M   (1970);   A   theoretical   framework   for   monetary   analysis.  


Journal  of  Poiitical  Economy,  v.78,  no.2,  p.193-­‐238,  mar./apr.   macroeconomics  in  Rational  expectations  and  econometric  practice.  Minneapolis:  University  
10  Lucas,  Robert  (1973);  Some  International  evidence  on  output-­‐inflation  trade-­‐offs.  American   of   Minnesota   e   Robert   Lucas   (1972);   Expectations   and   the   Neutrlity   of   Monetary   in   Journal   of  
Economic  Review,  v.63,  n.3,  p.326-­‐334,  jun.;  Lucas,  Robert  &  Sargent  (1981);  After  keynesian   Economic  Theory,  v.  4,  no  2,  1972.  
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monetária   para   conserto   das   falhas   no   sistema   econômico11.     Economistas   na   margem,   de   modo   a   impedir   rebaixamento   pelas   firmas   menores  
como   Sachs,   Krugman,   Mankiw,   David   Romer   e   Blanchar   representam   os   seguidoras  no  mercado  particular.    
expoentes  dessa  nova  vertente  econômica.  Atualmente  seus  manuais  são  os  
mais   utilizados   no   ensino   da   macroeconomia.   O   argumento   central   dos   1.2.6  ESTRUTURALISTAS  
Novos   Keynesianos   reside   na   consideração   que   variações   na   liquidez   do   Outros  economistas,  sensíveis  ao  aspectos  estruturais,  explicam  as  variações  
sistema  econômico  ajustam  preços  e  salários  com  certa  lentidão  e  enquanto   de  renda  e  preços  nominais  como  decorrência  da  insuficiência  de  oferta  em  
o   ajustamento   não   é   pleno   a   política   econômica   é   eficiente   para   modificar   determinados   segmentos.   Esses   preços   seriam   majorados   e   seus   aumento  
rendas   e   preços.   Uma   política   fiscal   expansionista,   por   seu   lado,   expande   o   seria   repassado   para   os   demais   preços   dos   produtos,   generalizando   a  
emprego  ampliando  a  demanda  agregada.     elevação  de  preços  por  todos  os  produtos  da  economia.  Uma  vez  instaurado  
a   elevação   generalizada   de   preços,   fica   difícil   reconhecer   qual   o   setor  
A   hipótese   central   é   que   os   agentes   formam   os   preços   e   tentam   sustenta-­‐los.   produtivo   que   desencadeou   a   elevação   generalizada   de   preços.   Nesta  
Modificações  seriam  decorrentes  de  alterações  nos  seus  custos  particulares.   situação,   os   salários   rígidos   e   os   recursos   produtivos   acomodados  
Ou   seja,   está   suposto   aqui   que   há   rigidez   de   preços   na   economia   em   um   estruturalmente   estabelecem   espirais   inflacionárias   de   difícil   contenção,  
conjunto  de  bens  o  que  torna  atraente  o  exercício  da  politica  monetária,  tal   pois   a   inflação   é   explicada   pela   inflação:   motivada   pelo   lado   real   da  
como  havia  advogado  Keynes.     economia  e  não  por  decorrência  de  aspectos  monetários.    

Os  Novos    Keynesianos  partem  da  ideia  bem  original,  por  exemplo,  de  que  os   O   ambiente   de   estudo   dessa   linha   de   pensamento   macroeconômico   são   as  
salários   pagos   pelas   firmas   são   fixados   com   base   na   produtividade   do   economias   em   desenvolvimento   ou   denominadas   de   “periféricas”.   Essas  
trabalho.   As   empresas   não   seriam,   portanto,   motivadas   a   reduzir   salários,   economias   estão   longe   do   pleno   emprego   e   por   isso   os   processos  
uma   vez   que   a   eficiência   dos   trabalhadores   é   condicionada   aos   salários   inflacionários   não   podem   ser   atribuídos   a   políticas   governamentais  
recebidos.   Redução   salarial   para   conter   custos   desestimula   o   trabalhador   expansionistas,   como   resulta   ser   nas   economias   desenvolvidas   onde   o   taxa  
modificando   para   menos     a   produtividade   e,   portanto,   reduz   o   lucro12.   A   de   desemprego   encontra-­‐se   em   seu   nível   natural.   A   hipótese   central   dessa  
impessoalidade  do  mercado   também   contribuí  para  certa   rigidez   dos   preços   escola   de   pensamento  é   que   existem   lógicas   de   organização   produtiva   bem  
dos   bens   e   serviços   finais.   Mercados   imperfeitos   também   teriam   preços   diferentes   nestes   países   em   relação   aos   países   desenvolvidos   ou   chamados  
rígidos  face  o  comportamento  das  empresas  líderes    que    cotam  seus  preços   de  “países  centrais”.    

Nas   economias   periféricas   ou   em   desenvolvimento,   a   industrialização   teve  


seu   curso   forçado   pela   hospedagem   após   a   Segunda   Guerra   Mundial   de  
11   Ver   sobre   os   Novos   Keynesianos   o   artigo   de   Sicsú,   J.   (1999);   Keynes   e   os   Novos   grandes   empresas   constituídas   nos   países   centrais.   Esse   tipo   de  
Keynesianos,  Revista  de  Economia  Política,  vol  19,  no  2,  abril-­‐junho,  RJ  
12  Gordon,  R.  (1990).  What  is  new-­‐keynesian  economics?  Journal  of  Economic  Literature,  v.28,  
industrialização   criou   oligopólios   cujas   características   notáveis   são   os  
p.1115-­‐1171,   sept.   e   Greenwald,   B.   &   Stiglitz,   (1987).   New   keynesian   and   new   classical   preços   rígidos   em   ambientes   com   capacidade   ociosa   estrutural.     Assim,   as  
economics.  Oxford  Economic  Papers,  v.39,  no.1,  p.119-­‐132,  mar.     economias   que   forçaram   uma   industrialização   em   curto   espaço   de   tempo,  
 
sofrem  com  a  existência  inevitável  de  “pontos  de  estrangulamento”,  com  os  
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quais   os   preços   são   detonados   quando   a   demanda   agregada   é   estimulada.   trabalhadores   resistem   a   redução   salarial   e   com   os   preços   dos   bens   finais  
Para   essa   escola,   os   desajustes   da   economia   são   causados   por   desarranjos   caindo,  desde  o  ano  de  1926,  os  empresários  eram  estimulados  a  demitir  e  
estruturais   cujo   acerto   deve   ser   orientado   por   reformas   institucionais,   como   não   a   investir.   De   fato,   com   salários   rígidos,   o   custo   do   trabalho   aumenta   em  
a  agrária,  cambial,  de  (tabelamento  de)  preços  e  outras  com  características   época  de  deflação,  não  justificando  acréscimos  `a  produção.  Assim,  somente  
setoriais.   é   ofertado   o   volume   de   emprego   que   proporciona   o   máximo   de   renda   que  
será   obtida   em   relação   ao   custo   dos   fatores.   Resultado:   é   necessário   a  
1.3  UM  POUCO  DE  HISTORIA     adoção   de   políticas   que   ampliem   a   demanda   agregada   para   estimular   os  
John  Maynard  Keynes  e  Michael  Kalecki  argumentaram  que  a  estabilidade  e   empresários  a  ampliar  a  oferta  agregada  em  direção  ao  pleno  emprego.    
o   crescimento   econômico   resultam   de   os   empresários     responderem   com  
prontidão  aos  estímulos  propiciados  pela  demanda  dos  consumidores  e  das   De   modo   estilizado,   reproduzindo   Keynes,   sendo   N   o   nível   de   emprego,  
empresas.  Esse  processo  de  recepção  dos  estímulos  ficou  conhecido  como  O   temos13:  
Princípio  da  Demanda  Efetiva.    
    [ΔDemanda   Efetiva     (D   )   ⇒   Δ   Oferta   (Z)]   determinando   o   nível   de  
No   ano   de   1933   a   economia   norte-­‐americana   havia   alcançado   14   milhões   de   emprego  da  economia  (θ  N)      
desempregados:   um   perda   de   40%   de   postos   de   trabalho   em   relação   aos  
níveis   anteriores   a   grande   depressão   de   1929.   Para   os   neoclássicos   o   Assim,  se  D  >  Z,  com  recursos  ociosos  na  economia,  haverá  um  estimulo  para  
desemprego   não   prosperaria   por   conta   de   mecanismos   corretivos   os   empresários   aumentarem   o   emprego   (N),   que   ao   concorrerem   entre   si  
proporcionados   pelo   livre   jogo   das   forças   de   mercado.   Aqueles   que   optam   pressionam   os   custos   dos   fatores,   até   o   ponto   em   que   o   valor   de   N   seja   tal  
por  não  trabalhar  o  fazem,  justificavam  eles,  por  motivos  voluntários.  Apesar   que  iguale  Z  e  D.  O  volume  de  emprego  (N)  é  plenamente  determinado  pelo  
da   forte   evidência   contrária,   a   teoria   neoclássica   propalava   que   a   oferta   ponto  de  interseção  entre  a  oferta  agregada  (Z)  e  demanda  agregada  (D)  que  
excedente   de   mão-­‐de-­‐obra   retornaria   as   fábricas   mediante   a   aceitação   de   corresponde   a   maximização   das   expectativas   de   lucros   dos   empresários,  
menores   salários.   A   lógica   do   pensamento   neoclássico   era   assim   sintetizada:   mas  não  há  razão    para  supor  que  isso  ocorra  no  pleno  emprego.  Este  é  um  
menores   salários   propiciam   ganhos   marginais   de   produção   por   unidade   princípio   (da   demanda   efetiva)   poderoso,   pois   evoca   a   ideia   de   que   a  
produzida.   Esse   ajustamento   portanto,   reproduz   ciclos   produção   –   renda   demanda  pode  ser  construída  e  o  emprego  aumentado.    
suficientes  para  alcançar  o  pleno  emprego.    
Em   um   modelo   ampliado,   a   demanda   efetiva   compreende   os   gastos   das  
Tudo   se   passa   sob   a   existência   de   um   ciclo   virtuoso,   onde   a   produção   famílias  em  consumo    (C),  das  empresas  em  investimento  (I),  do  governo  em  
engendra   pagamentos   de   salários,   juros,   alugueis   e   lucro   pela   utilização   de   infraestrutura  e  outra  despesas  (G)  e  das  aquisições  pelos  outros  países  de  
fatores   de   produção   (mão-­‐de-­‐obra,   capital,     recursos   naturais   e   capacidade   nossos  bens  e  serviços,  representando  as  exportações    (X).    Assim:  
gerencial,  para  citar  os  mais  simples)  que  se  transformam  em  gastos,  pondo  
em  marcha  a  produção.    

O   Principio   da   Demanda   Efetiva   adverte   justamente   o   contrário:   os   13  J.  M.  Keynes,  (  1972)  Teoria  geral,  do  emprego,  do  juro  e  da  moeda,  Capítulo  3,  Ed.  Saraiva.  

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  investimentos   e   gastos   do   governo   quando   estimulados   geram   emprego   e  


uma   vez   iniciado   seu   ciclo   na   economia   aumentam   a   renda.   Já   com   as  
Exportação
  Investimento exportações  os  incentivos  a  demanda  agregada  são  determinados  pela  renda  
mundial   e   pelo   desejo   dos   parceiros   comerciais   em   ter   produtos  
    D  =  C  +  I  +  G  +  X   estrangeiros,   coisa   que   os   residentes   do   pais   tem   sobre   isso   muito   pouco  
controle.  
  Demanda
agregada Consumo Gastos do Para   que   o   princípio   da   demanda   efetiva   cause   efeitos   benéficos   a   economia,  
  governo ele   deve   propiciar   expectativas   de   lucro   suficientemente   vantajosas  
estimulando  os  empresários  a  empregarem  os  recursos  ociosos  na  produção.  
Os   gastos   em   consumo,   investimento,   do   governo   e   demais   gastos   são   O   lucro   do   empresário   é   resultado   do   valor   de   sua   venda   menos   os   gastos  
autônomos  e  a  existência  de  renda  não  é  condição  suficiente  para  que  ela  se   com   os   trabalhadores   (salários),   com   o   pagamento   aos   outros   empresários  
transforme   em   despesa14.     O   princípio   da   demanda   efetiva   fica   assim   pela  utilização  de  serviços  habituais  e  bens  intermediários  mais  os  insumos  
condicionado  a  autonomia  que  os  consumidores,  governo  e  empresários  tem   e   matérias   primas   requeridas   ao   processo   produtivo.   Esses   lucros  
em  relação  ao  quanto  gastar  na  aquisição  em  bens  e  serviços  (Z).  A  rigor,  os   individuais   somados   representam   o   lucro   total   da   economia   incluindo  
gastos  em  consumo  das  famílias  tendem  a  certa  constância  proporcional  as   portanto,  as  parcelas  destinadas  aos  pagamentos  aos  outros  empresários.    
suas   rendas   ao   longo   do   tempo.   Podem   ser   ampliados   ou   diminuídos   por  
uma   série   de   incentivos   e   penalidades,   como   crédito,   tributos,   aversão   a   Assim,   o   princípio   da   demanda   efetiva   é   operado   pela   própria   constituição  
parcimônia   ou   a   gastança,   busca   de   status,   planejamento   dos   gastos   em   dos   lucros   que   aumentam   o   emprego   em   razão   direta   ao   consumo   de   bens  
função   da   expectativa   de   renda   futura   e   outros   motivos,   mas   geralmente   de   investimentos   e   de   consumo   de   “luxo”   exercido   pelos   empresários.   Na  
permanecem   proporcionalmente   constantes   em   relação   ao   nível   de   renda,   literatura   marxista,   na   qual   Kalecki   se   apoiou,   essa   parcela   da   renda   é  
pelos   menos   durante   alguns   anos,   se   nenhum   evento   forte   se   pronunciar,   denominada    de  excedente  econômico  ou  mais-­‐valia.    
como   guerras,   abalos   na   natureza   e   demais   eventos   que   possam   criar  
expectativas   mudando   os   rumos   da   economia   e   da   organização   social.   Os   O   excedente   econômico   historicamente   vem   sendo   constituído   pela  
conjugação   das   habilidades   dos   trabalhadores   com   técnicas   cada   vez   mais  
eficientes   propiciando   aumentos   de   produtividade   (produção   de   maior  
quantidade  de  bens  no  mesmo  espaço  de  tempo),  que  elevam  tecnicamente  a  
14   Para  o  estudo  da  macroeconomia  é  importante  observar  que  a  renda  nacional   resulta  da   produção   a   níveis   inimagináveis.   Ele   constitui   a   riqueza   material   ou  
demanda  efetiva,  ou  seja  das  decisões  de  consumo,  de  investimentos  e  dos  gastos  do  governo.   patrimonial   da   sociedade,   concentrada   nas   mãos   dos   mais   “afortunados”.  
Contudo,  a  queda  de  qualquer  destes  componentes  não  leva  automaticamente  a  um  aumento   Sua   grandeza   é   a   produção   excedente     ao   curso   dos   negócios   produtivos  
do   outro.   A   experiência   das   empresas,   dos   indivíduos   e   do   governo   não   corresponde   ao   curso   dedicados  a  fabricação  dos  bens  e  serviços  destinados  a  reprodução  de  toda  
da   economia   como   um   todo,   pois   os   efeitos   na   renda   nacional   são   amplificados   quando   os   a   sociedade:   o   que   excede   transforma-­‐se   em   excedente   econômico.   Como   a  
componentes   da   demanda   efetiva   se   modificam,   diferentemente   da   renda   de   um   individuo  
que  é  fixa.  
produtividade   aumenta   com   o   avanço   das   técnicas,   o   tempo   de   trabalho  
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dedicado   a   constituição   dos   bens   e   serviços     é   cada   vez   menor,   sobrando,   ser   estimado   também,   por   baixo,     pela   soma   dos   títulos   públicos   dos  
portanto,   mais   tempo   para   se   dedicar   as   atividades   indiretas,   como   governos   de   todos   os   países   cujo   valor   alcança   aproximadamente   65%   da  
educação,  artes,  desenvolvimento  científico  tecnológico,  aprimoramento  das   produção   mundial   que   girou   ao   redor   de   75   trilhões   de   dólares,   no   ano   de  
funções   do   Estado   e   outras     que   no   curso   normal   do   desenvolvimento   da   2011,   pelas   contas   do   FMI.     Quando   empregamos   a   expressão     “por   baixo”,  
humanidade   são   aplicadas   nos   melhoramentos   produtivos   engendrando   ou   seja   valores   subestimados,   é   porque   o   excedente   é   toda   a   riqueza  
cada  vez  mais  excedente  econômico.         acumulada,   reservada   em   estoque,   e   parcela   dela   não   necessariamente  
encontra-­‐se  monetizada.    
Quando   maior   o   excedente   extraído,   melhores   condições   existem   para  
encurtar   o   tempo   dedicado   a   constituição   dos   bens   materiais   e   serviços   Ele   é   também   bastante   concentrado.   Apenas   85   pessoas   detêm   os   recursos  
essenciais   a   reprodução   das   sociedades.   Maior   será,   portanto,   a   riqueza   patrimoniais   equivalente   a   3,5   bilhões   de   pessoas17.   No   sistema   em   que  
patrimonial.  Este  é  um  resultado  lógico  do  sistema  capitalista.  Mas,  também   vivemos   uma   das   questões   centrais   é   a   valorização   real   desse   excedente:  
é   lógico   que   os   indivíduos   que   operam   as   forças   para   a   constituição   do   fazer   crescer   (um   estoque   de)   riqueza   através   da   criação   de   novos   bens   e  
excedente   econômico   o   disputem   de   modo   exemplarmente   vigoroso.     Os   serviços   (fluxo)   operados   pela   demanda   efetiva.   A   tendência   secular   de  
empresários   procuram   aumentar   sua   parcela   aumentando   os   preços   de   seus   maiores  salários  e  maiores  lucros    causados  pelo  aumento  de  produtividade  
produtos   e   serviços,   os   trabalhadores   reivindicando   melhores   salários   e   o   e   a   amplificação   dos   serviços   com   o   avanço   técnico   são   fenômenos   inerentes  
Estado   cobrando   impostos   para   o   exercício   de   atividades   básicas:   a   evolução   do   sistema   capitalista   e   constituem   sua   própria   autoflagelação,  
sobrevivência  política,  poderio  militar  e  garantia  de  paz  interna,  na  visão  de   pois   o   estoque   de   excedente   econômico,   retratado   pelo   poder   de   compra  
Hobbes15,   para   citar   as   mais   tradicionais.   O   percurso   dessa   disputa   não   é   acumulado,     requer   cada   vez   mais   engenhosidades   para   se   valorizar,   ou   pelo  
empiricamente   determinado,   pois   depende   dos   embates   que   se   exercem   menos  não  ver  diminuído  o  seu  valor.  
para   operar   a   distribuição   e   utilização   do   excedente   entre   as   classes   e  
grupos    sociais16.     A   maior   liquidez   proporcionada   ao   sistema   econômico   pelas   instituições  
financeiras   amplia   o   excedente   econômico   por   meio   da   maior   oferta   de  
A   evidência   mostra   que   o   excedente   econômico   tem   crescido   de   maneira   crédito,   do   aprimoramento   dos   mecanismos   de   alavancagem   patrimonial   e  
exemplar   e   atualmente   é   enorme.   Ele   representa,   por   baixo,     a   soma   das   criação   talentosa   de   derivativos.     O   poder   de   compra   acumulado   (poupança)  
poupanças  disponíveis  no  mundo,  cujo  giro  diário  no  mercado  financeiro  nas   alimenta   o   princípio   da   demanda   efetiva   quando   transformado   em  
principais   praças   do   mundo   se   aproxima   a   30   bilhões   de   dólares.   Ele   pode   investimento   (Keynes)   adicionado   ao   gasto   em   consumo   de   alta   renda  
(Kalecki).  Neste  processo  a  expansão  ou  contração    da  produção  e  circulação  
de  mercadorias  encontra  a  passagem  entre  o  lado  real  da  economia  e  o  lado  
15     Thomas   Hobbes   na   publicação   de   Leviatã   (1651),   ponderou   a   existência   dos   Estados   e   dos  
nominal   envolvendo   juro,   moeda   e   crédito   com   suas   instituições   bancárias   e  
poderes   inerentes   constituídos   a   partir   da   ideia   seminal   de   que   os   membros   de   uma   financeiras  
sociedade  abrem  mão  de  sua  liberdade  natural,  formando  uma    autoridade  para  assegurar  a  
paz   interna   e   a   defesa   comum   da   sociedade.   Ver   Vasconcelos,   V.   V.   As   Leis   da   Natureza   e   a  
Moral  em  Hobbes.  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais.  2004.    
16  Uma  investigação  acerca  essa  questão  pode  ser  encontrada  em  Piqueti  (2012)   17  Pesquisa  da  Oxfam,  extraída  do  Jornal  O  Globo,  Caderno  de  Economia,  pag.  21,  24/01/2014.    

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De   fato,     a   macroeconomia   lida   com   uma   variável   bastante   árdua   que   é   o   isso   certamente   seria   uma   situação   temporária,   no   entendimento   dos  
livre-­‐arbítrio   que   os   indivíduos   possuem.   Por   mais   que   a   macroeconomia   adeptos  da  lei  de  Say.  
procure   manter   um   caráter   impessoal   do   processo   decisório,   o   livre-­‐arbítrio  
se   aloja   nos   negócios,   nas   decisões   e   nas   vontades   causando   distintas   A   investigação   acerca   a   validade   da   Lei   de   Say   resultou   em   um     debate  
interpretações  de  riscos  financeiro.    Assim,  o  princípio  da  demanda  efetiva,   caloroso  até  meados  do  primeiro  quartel  do  século  XX,  quando  essa  questão  
sob   certas   circunstâncias   e   condições,   pode   ter   um   alcance   limitado   para   o   foi   encerrada   com   os   estudos   de   Keynes   e   Kalecki,   como   mencionado  
equilíbrio   entre   oferta   e   demanda   agregadas,   tornando   o   sistema   econômico   anteriormente.   Até   lá,   a   moeda   era   um   fenômeno   externo   ao   mundo  
recorrentemente  instável.  É  nesse  palco  de  instabilidade  e  flutuações  cíclicas   econômico.   O   núcleo   do   debate   manifestava-­‐se   na   avaliação   dos   méritos   que  
macroeconômicas   que   a   política   governamental   atua   para   induzir     certa   a   produção   tinha   como   responsável   pela   criação   de   renda   destinada  
distribuição  de  renda,  condizente  com  o  crescimento  econômico  desejado  e   totalmente   a   despesa.   De   fato,   bastaria   somente   a   criação   de   renda   com   os  
onde   a   manifestação   das   variações   de   preços   seja   estável   sem   causar   pagamento   aos   fatores   de   produção   para   por   em   movimento   o   processo  
constrangimentos  ao  seu  balanço  de  pagamentos,  já  que  todos  os  países,  em   produtivo,  ou  isso  seria  insuficiente,  uma  vez  que  depende  da  vontade  do  ser  
menor  ou  maior  grau,  são  interdependentes.   humano  a  transformação  de    renda  em  despesa?    

1.4.  ANTECEDENTES   Com   base   nos   escritos   de   Marx,   economistas   como   Rosa   Luxemburgo,   Tugan  
No  século  XIX,  o  economista  francês  Jean-­‐Baptiste  Say  (1803)  em  seu  Traité   Baranosvisk   e   o   próprio   Michael   Kalecki   procuraram   responder   a   essa  
d'Economique   Politique   estabeleceu   uma   máxima   para   explicar   o   questão   advogando     que   o   processo   capitalista   de   reprodução   ampliada   gera  
funcionamento  do  sistema  econômico.  Ela  era  bastante  simples  e  com  forte   uma   renda   maior   que   o   gasto   e,   portanto,   leva   o   sistema   a   crises   de  
poder  de  convencimento  recebendo,  por  isso,  o  status  de  lei:  a  Lei  de  Say:  “a   realização,   ou   em   outras   palavras,   a   constituir   uma   “sobra   de   demanda  
oferta  cria  sua  própria  demanda”.   efetiva/poder  de  compra  acumulados  não  efetivado”  que  pode  não  se  ajustar  
para    estimular  a  produção  corrente18.    
Ela   anuncia   que   a   fonte   da   demanda   é   o   fluxo   de   pagamentos   aos   fatores  
gerado   a   partir   do   processo   de   produção.     Assim   entendido,   o   emprego   de   A   ideia   central   é   que   o   mundo   econômico   se   expande   na   busca   pelos  
recursos   ociosos   aumenta   rendas   destinados   a   aquisição   de   um   volume   indivíduos  de  mais  e  maiores  lucros.  Esse  comportamento  organiza  sinergias  
maior   de   produtos   em   relação   a   situação   anterior.   As   novas   rendas  
constituídas   retomam,   através   de   atos   de   compra   e   venda,   ao   seio   produtivo  
criando  mais  empregos  e  novos  produtos,  e  assim  sucessivamente.    Renda  é  
18   Ao   vender   sua   mercadoria,   o   capitalista   obtém   um   montante   de   dinheiro   igual   ao   que   é  
igual   ao   Produto,   nesta   visão,   de   modo   inconteste.   Existiria   um   perfeito  
necessário   para   compra-­‐la:   toda   venda   corresponde   a   uma   compra   de   igual   valor.   Mas   o  
equilíbrio   macroeconômico   entre   oferta   e   demanda   e   situações   fora   desta   capitalista   não   compra   sua   própria   mercadoria.   Como   parte   de   sua   receita   ele   adquire   de  
norma   seriam   decorrentes   de   problemas   comerciais   e   financeiros   outros  capitalistas  os  meios  de  produção  necessária  para  manter  em  movimento  sua  própria  
impedindo   que   as   compras   e   vendas   se   ajustassem   espontaneamente.   Sob   atividade.   Com   outra   parte,   de   seu   lucro,   ele   compra   um   volume   adicional   de   meios   de  
certas   circunstâncias,   a   moeda,   a   taxa   de   juros   e   o   crédito   podem   levar   produção  para  ampliar  sua  atividades.  A  terceira  parte  ele  compra  bens  de  consumo  próprio.  
Assim,  a  receita  total  de  um  capitalista  se  distribui  de  diferentes  modos,  podendo  ser  o  total  
temporariamente  a  economia  para  uma  situação  distante  do  equilíbrio,  mas  
ou  partes  dele  não  efetivada  o  que  resulta  em  crises  de  realização.  
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cujo   valor   do   produto   resulta   maior   do   que   o   valor   de   seu   custo   prévio   produtivo,   foi   justamente   propiciar   a   criação   de   industrias   produtoras   de  
cotado  pelo    pagamento  da  mão-­‐de-­‐obra  e  encargos  com  o  capital  e  matérias   bens  de  capital  que  produzindo  máquinas  fazem  novas  máquinas  que  criam  
primas.   A   oferta   de   bens   e   serviços,   ao   por   em   marcha   pagamentos   aos   outras   máquinas,   e   assim   sucessivamente   -­‐   cada   uma   mais   eficiente   que   a  
fatores   de   produção,   adiciona   “lucros”   ao   valor   de   venda   dos   produtos,   anterior.    Assim,  a  produção  foi  se  estruturando  em  três  categorias  de  bens.  
originando   a   renda   economicamente   excedente:   um   sobre-­‐produto,   um   Bens   de   investimento   que   requerem   transformações   tecnológicas   inter  
produto  excedente.    Para  esses  autores,  diferentemente  dos  adeptos  da  Ley   setoriais   devido   a   natureza   de   sua   produção   voltada   para   aumentar   a  
de   Say,   a   natureza   da   produção   capitalista   forja   recorrentemente   produtividade   do   trabalho   na   economia.   Bens   de   luxo   dedicados   as   classes  
instabilidades,   flutuações   e   crises   no   mundo   econômico,   pois   os   de  maior  renda  e  diretamente  vinculada  ao  excedente  econômico  ou  lucro  da  
investimentos   que   compõem   a   demanda   efetiva   são   lançados     de   modo   economia.  Bens  de  consumo  popular  que  são  caracteristicamente  intensivos  
desorganizado  exacerbando  a  competição  entre  eles  cujo  resultado  é  elevar   em   mão-­‐de-­‐obra.   A   relação   entre   a   utilização   de   mão   de   obra   e   capital   é  
a   produção   acima   do   socialmente   desejado.   Assim,   ,   sob   condições   geralmente   favorável   a   utilização   da   primeira   na   produção   de   bens  
sobejamente   triviais,   o   mundo   econômico   aloja   em   sua   historia   capitalista   populares  e  inversa  na  produção  de  bens  de  capital  e  de  luxo.      
uma   insuficiente   demanda   efetiva   que   precisa   ser   continuamente  
recomposta.         Com   a   revolução   industrial   no   século   XIX   constituindo   um   vigoroso   setor  
produtor  de  bens  de  capital  (que  antes  não  existia),    a  indústria  não  encontra  
Com  base  nos  esquemas  de  reprodução  ampliada  de  Marx,  destacaram  que   os   limites   técnicos   a   sua   expansão   determinados   pela   finitude   da   mão   de  
qualquer   expansão   da   produção   de   bens   destinados   aos   trabalhadores   não   obra   e   do   fato   do   dia   só   ter   24   horas.   No   caso   da   manufatura,   estágio  
gera  maior  renda  para  a  classe  dos  capitalistas,  pois  é  com  os  salários  pagos   anterior  a  revolução  industrial  inglesa,  o  alcance  da  produção  ficava  limitado  
pelos   capitalistas   que   os   trabalhadores   adquirem   seus   produtos   retornando,   pelas  ferramentas  que  funcionavam  como  extensão  dos  braços,  das  perna  e  
assim,  para  o  bolso  do  capitalista,  na  mesma  medida,  a  renda  gasta  por  eles.   demais   membros   do   corpo   humano.   O   sentido   econômico   da   revolução  
O   lucro   macroeconômico   advém   da   recomposição   de   uma   demanda   efetiva   industrial   foi   justamente   o   de   criar   maquinas   em   substituição   as  
centrada   nas   vendas   de   bens   de   investimento   (Tugan   Baranovisk),   mais   os   ferramentas,   permitindo   em   escala   exponencial   a     repetição   das   operações  
bens   de   luxo   (Michael   Kalecki)   ou   daqueles   bens   dedicados   ao   mercados   humanas   antes   limitadas   pelas   ferramentas.   Desse   modo,   a   produção   pode  
externos   ao   sistema   capitalista   (Rosa   Luxemburgo).     Desse   discernimento,   confeccionar   quantidades   de   bens   e   serviço   não   mais   limitados   pelo   tempo  
deriva  a  organização  de  competências  no  sistema  capitalista  para  ampliar  a   (24  horas  por  dia)  e  muito  menos  pela  escassez  de  mão  de  obra,  uma  vez  que  
demanda  efetiva,  como  as  guerras,  a  obsolescência  planejada  de  produtos,  a   a  maquina  substitui  o  trabalho  humano.  
busca  de  mercados  externos  e  os  gastos  improdutivos  do  Estado,  para  citar  
os  mais  visíveis.      É   na   possibilidade   de   uma   produção   ilimitada   tecnicamente,   em  
contraposição   ao   constrangimentos   na   demanda   por   bens   e   serviços  
De   fato,   desde   a   revolução   industrial   do   século   XIX,   a   produção   conta   com   originados  pela  distribuição  de  renda,  pelas  forças  da    natureza  e  pelo  livre  
uma   oferta   de   bens   tecnológicos   que   proporcionam   aumentos   cada   vez   mais   arbítrio   do   ser   humano,   que   se   encontra   justamente   a   instabilidade,  
amplificados  da  produtividade  do  trabalho.  Em  termos  econômicos,  um  dos   flutuações  e  crises  econômicas.    
principais   efeitos   da   revolução   industrial,   associado   ao   avanço   técnico  

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***   2. O PRODUTO  
O   estudo   da   macroeconomia   requer   o   conhecimento   prévio   da   construção  
A   macroeconomia   vem   sendo   palco   de   aperfeiçoamentos   e   discussões   que   dos   agregados   econômicos.     Mensuramos   o   produto   de   uma   economia   e   as  
sugerem   certo   distanciamento   de   uma   estrutura   teórica   única.   Procuramos   partes  que  o  compõem  aplicando  princípios  contábeis  e  denominamos  esta  
retratar  um  enfoque  macroeconômico  a  partir  de  elementos  comum  entre  as   parte   do   estudo   da   macroeconomia   de   Contabilidade   Nacional.     As   contas  
escolas,   não   estabelecendo   portanto   posições   conflituosas.   Não   obstante,   nacionais   fornecem   as   medidas   efetivas   dos   agregados   econômicos   que  
algumas  questões  são  abordadas  sob  um  ponto  de  vista  politico  fugindo  da   compõem   a   estrutura   funcional   do   Produto   e   da   Renda   de   um   país.   A  
modelagem  usual  da  macroeconomia,  como  veremos  mais  a  frente.     contabilidade   nacional   não   somente   fornece   medidas   de   desempenho   da  
economia   mensuradas   pela   produção   de   bens   e   serviços,   mas   também  
Por   fim,   apesar   do   estudo   da   macroeconomia   ser   eminentemente   evidencia   as   relações   funcionais   entre   elas   partindo   de   três   variáveis  
pragmático,  vale  distinguir  as  apreciações  de  caráter  valorativo  que  evocam   macroeconômicas   básicas:   Produto,   Renda   e   Despesa.   Os   bens   e   serviços  
a  ideia  de  juízo  de  valor  -­‐  economia  normativa  -­‐  das  apreciações  de  caráter   produzidos   (produto)   significam   dispêndios:   despesa   com   os   fatores   de  
factual   -­‐   economia   positiva.   Esta   última   preocupa-­‐se   com   a   descrição   de   produção   que   serão   consumidos   por   meio   da   renda   paga   aos   proprietários  
fatos,   circunstâncias   e   relações   na   economia.   Qual   a   taxa   de   desemprego   dos  fatores  de  produção.  Assim,  a  Renda,  a  Despesa  e  o  Produto  podem  ser  
atual?  Como  um  nível  mais  elevado  de  inflação  afeta  o  emprego  dos  fatores   decompostos  em  termos  de  os  agregados  econômicos;  tributação  e  gastos  do  
de   produção?   Em   que   medida   um   imposto   sobre   a   gasolina   afeta   o   seu   governo,   rendas   dos   exportadores   e   gastos   com   importação,   poupança   e  
consumo?   Estes   são   exemplos   de   problemas   que   apenas   podem   ser   investimento  e    os  pagamento  aos  fatores  de  produção19.  
resolvidos   com   referência   a   fatos   e   que,   portanto,   são   determinados,  
geralmente,  de  forma  empírica.  Podem  ser  problemas  fáceis  ou  complicados,   O   Produto   Nacional   Bruto   (PNB)   e   o   Produto   Interno   Bruto   (PIB)   são   as  
mas  todos  eles  se  situam  na  esfera  da  economia  positiva.     medidas  mais  divulgadas  pelos  meios  de  comunicação.  O  PNB  e  o  PIB  são  as  
medidas   agregadas   de   tudo   o   que   foi   produzido   em   termos   de   bens   finais  
A   ação   dos   formuladores   da   política   pertence   ao   campo   da   economia   pelos  fatores  de  produção  que  são  à  força  de  trabalho,  os  recursos  naturais  e  
normativa  que  envolve  julgamentos  éticos  e  de  valor.  Qual  o  nível  de  inflação   o   capital   e   suas   contrapartidas   nominais   são   os   salários,   alugueis   e   juros,  
que   deve   ser   tolerado?   Deverão   os   impostos   afetar   mais   os   ricos   para   ajudar   respectivamente.  
os   pobres?   Deverá   a   despesa   com   o   setor   de   saúde   pública   ser   financiada  
pela   Contribuição   Provisória   sobre   Movimentação   Financeira   (CPMF)   ou   O   PNB   contabiliza   os   rendimentos   dos   fatores   nacionais   de   produção  
outra   modalidade   de   imposto   deve   ser   criada?   Estas   são   algumas   questões   localizados   no   país   e   no   exterior.   Ao   mesmo   tempo,   não   considera   o  
que   têm   valores   profundamente   enraizados   ou   julgamentos   de   natureza   rendimento   auferido   pelos   fatores   de   produção   de   propriedade   de   não-­‐
moral.   Podemos   discuti-­‐los,   mas   não   resolvê-­‐los   através   da   ciência   ou   do   residentes   dentro   das   fronteiras   do   país.   As   entradas   e   saídas   desses  
apelo   aos   fatos.   Não   existem   respostas   certas   ou   erradas   acerca   do   nível   que   rendimentos  são  contabilizadas  no  Balanço  de  Pagamentos  e  representam  os  
a  inflação  deva  ter,  do  nível  de  pobreza  que  deva  ser  admitida  ou,  ainda,  do  
nível   de   gastos   com   a   saúde   pública   que   o   país   necessita.   Estes   problemas  
são  resolvidos  com  ações  políticas.   19  Ver  IBGE,  notas  metodológicas,  2008.  

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pagamentos   e   recebimentos   devidos   a   juros,   lucros,   dividendos,   royalties,   ano   de   1980   esse   valor   representava   apenas   54   bilhões   de   dólares.   No  
ordenados  e  salários  ao  pessoal  trabalhando  no  estrangeiro  e  também  pela   período  de  1990  a  2000  o  crescimento  do  comércio  internacional  foi  de  85%  
utilização  de  marcas  e  patentes,  dentre  outros.  A  diferença  (saldo)  entre  as   e   entre   o   ano   2000   e   2008   o   crescimento   foi   de   149%,   totalizando   um  
entradas  e  saídas  desses  pagamentos  registrado  no  Balanço  de  Pagamentos   comércio   neste   último   ano   de   16   trilhões   de   dólares.   Assim,   a   maioria   dos  
do  país  é  denominada  de  renda  líquida  enviada  ao  exterior  (RLEX).       países   passou   a   enfatizar   mais   a   divulgação   do   PIB   do   que   o   PNB  
caracterizando   com   mais   propriedade   as   condições   e   circunstâncias   de  
O   PIB,   por   seu   lado,   evoca   a   ideia   de   território.   Ele   mensura   o   valor   total   dos   geração  de  valor  do  mercado  doméstico,  com  certa  independência  da  origem  
bens   e   serviços   finais   produzidos   dentro   das   fronteiras   do   país   do  capital  que  o  constitui.    
independente  da  propriedade  dos  fatores  de  produção,  sejam  eles  nacionais  
(residentes)  ou  estrangeiros  (não  residente).  Assim,  o  PIB  tende  a  ser  maior   O  PNB  e  o  PIB,  bem  como  a  contrapartida  Renda,  nos  fornecem  informações  
do   que   o   PNB   nos   países   em   desenvolvimento   ou   subdesenvolvidos,   já   que   agregadas.  Suas  quantificações  representam  o  quanto  de  produtos  finais  foi  
contabiliza   as   saídas   de   renda   das   filiais,   subsidiárias   ou   controladas   de   constituído,   em   determinado   período   pelas   habilidades   das   forças   de  
multinacionais   dentro   das   fronteiras   nacionais,   que   geralmente   são   trabalho   intermediadas   pelas   técnicas   de   produção   existentes.   Os   papéis  
superiores   a   renda   recebida   pelos   residentes   dos   seus   investimentos   feitos   desempenhados   pelas   instituições   privadas   e   públicas   na   geração   do  
no  exterior.   produto,   as   capacidades   técnicas   de   produção,   as   habilidades   das   forças   de  
trabalho  e  toda  uma  rede  complexa  de  fatores  intervenientes  na  vida  social  
Na  passagem  dos  anos  80  para  os  anos  90  no  século  XX,  a  maioria  dos  países   de   um   povo   influenciam   a   quantidade   de   produtos   gerados   socialmente.  
passou  a  adotar  políticas  neoliberais  favorecendo  o  livre  jogo  das  forças  de   Isoladamente,   contudo,   essas   medidas   pouco   informam   sobre   vários  
mercado   em   detrimento   `as   ações   governamentais   reguladoras   dos   aspectos   relacionados   à   saúde,   educação,   segurança   e   bem-­‐estar   da  
mercados.   Com   esse   contexto,   os   investidores   sentiram-­‐se   a   vontade   para   sociedade.   Por   hora,   vamos   tratar   tanto   o   PNB   quanto   o   PIB   simplesmente  
transladar   seu   capital   para   os   países   que   ofereciam   maior   rentabilidade.   como  Produto.    
Empresas   passaram   a   adotar   uma   lógica   de   maximização   de   lucros   e  
crescimento   da   firma   fragmentando   os   seus   processos   de   produção   entre   A   medida   do   Produto   representa   o   valor   de   todos   os   bens   e   serviços   finais  
vários   países   de   modo   a   constituir   produtos   mais   baratos   do   que   aqueles   correntemente  produzidos  na  economia  e  avaliados  a  preços  de  mercado.  É,  
produzidos   em   uma   só   localidade.   Esse   processo   ficou   denominado   de   portanto,   uma   medida   básica   do   esforço   da   comunidade   frente   a   suas  
globalização  produtiva.     condições   históricas   e   regionais   na   criação   de   mercadorias,   em   um   dado  
período.   Inclui   o   valor   de   bens   produzidos,   como   automóveis,   aves,   e   ovos,  
Assim,  os  investimentos  diretos  externos  e  os  fluxos  internacionais  de  bens  e   juntamente   com   o   valor   de   serviços,   como   o   corte   de   cabelos   ou   o  
serviços  aumentaram  substancialmente  ao  final  do  século  XX.  Pelos  dados  da   atendimento  médico.    
UNCTAD   entre   1980   e   90   o   crescimento   dos   fluxos   de   investimentos  
externos   diretos   no   mundo   foi   de   283%.   Nos   dez   anos   seguintes   o    
crescimento   alcançou   a   surpreendente   marca   de   567%.   No   ano   de   2008,   o  
fluxo  total  de  investimento  externo  direto  foi  de  1,7  trilhões  de  dólares.  No   Do  conceito  de  Produto  depreendemos:    
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a) A   renda   total   dos   assalariados   e   daqueles   que   recebem   juros,   Estas   perdas   e   ganhos   tendem   a   ser   ignoradas   pelas   estatísticas  
alugueis,  lucros  e  dividendos  origina-­‐se  na  criação  do  Produto.   governamentais   que   mensuram   o   Produto   a   partir   de     cálculos   que  
b) A  despesa  agregada  com  bens  e  serviços  na  economia  é  igual  ao  valor   requerem   somente   os   gastos   efetivos,   não   interessando   se   eles   foram  
do  Produto.     compensatórios   ou   não   em   relação   aos   malefícios   causados   pelo   progresso  
técnico  ou  ineficiência  econômica.    
A   mensuração   do   produto   não   avalia   certas   atividades   econômicas   difíceis  
de   medir,   tais   como;   poluição,   agressão   ao   meio   ambiente,   o   trabalho   de   Sanuelson  &  Nordhaus  (2001)  caracterizam  que  com  a  intenção  de  corrigir  a  
voluntários,  os  serviços  domésticos  realizados  pelos  cônjuges  e  a  perda  em   ênfase  excessiva  dada  pelo  PNB  e  pelo  PIB  à  produção  material,  uma  medida  
eficiência   e   produtividade   devidas   a   fatores   externos   (custo   Brasil,   por   diferente   da   vida   econômica,   chamado   bem-­‐estar   econômico   líquido   (ou  
exemplo).  No  Brasil,  estima-­‐se  que  parcela  razoável  do  produto  é  constituída   BEEL),  foi  proposta  nos  Estados  Unidos.  O  BEEL  tem  crescido  desde  1929,  o  
por  trabalhadores  informais  (vendedores  ambulantes  e  aqueles  que  prestam   que   faz   pensar   que   os   níveis   de   vida   efetivos   têm   aumentado.   Mas   o   BEEL  
serviços     sem   carteira   assinada,   por   exemplo).   Essa   parcela   de   produção   e   tem   crescido   menos   depressa   que   o   PIB   medido   convencionalmente,   o   que  
outras,  como  a  obtida  através  de  trabalhos  voluntários,  não  são  incluídas  no   confirma  que  a  mera  avaliação  monetária  a  preços  de  mercado  deixa  escapar  
PIB,   uma   vez   que   não   geram   contrapartidas   em   pagamentos   nominais   aos   muitos   aspectos   importantes   da   vida   econômica.   Muitos   países   atualmente  
fatores  de  produção.   têm   se   preocupado   em   mensurar   os   efeitos   deletérios   no   meio   ambiente  
causado   pelo   progresso   econômico   e   ineficiência   econômica,   inclusive   o  
De   fato,   a   maioria   dos   países   não   fornece   estatísticas   oficiais   de   algumas   Brasil,   para   propor   medidas   concretas   de   acerto   produtivo   com   preservação  
realidades   da   vida   moderna.   Os   engarrafamentos   de   trânsito   requerem   ambiental  e  maior  bem-­‐estar  social.  
maior  produção  de  combustível,  bem  como  reduz  a  vida  útil  dos  veículos.  O  
tabaco,   além   de   fazer   parte   do   produto,   eleva   os   custos   com   a   saúde   de   No   ano   1993,   o   PNUD   (Programa   das   Nações   Unidas   para   o  
camada   expressiva   da   população   (parcela   dos   fumantes   ativos   e   passivos).   Desenvolvimento)   desenvolveu   e   passou   a   recomendar   a   indicação   do   IDH   –  
Há   evidências   científicas   de   que   substâncias   fabricadas   pelo   homem   estão   Índice   de   Desenvolvimento   Humano   –   como   indicador   do   desenvolvimento  
destruindo   a   camada   de   ozônio   que   protege   animais,   plantas   e   seres   dos   países.   A   sua   metodologia   usa   como   parâmetros   não   somente   a   renda,  
humanos  dos  raios  ultravioletas  emitidos  pelo  Sol.  O  governo  e  as  empresas   mas   também   índices   de   longevidade   e   nível   educacional.   No   rank   de   177  
(gastam)   contratam   instituições   especializadas   no   monitoramento   e   países   que   participam   das   Nações   Unidas,   o   Brasil   alcançou   a   84ª   posição  
descobrimento   de   produtos   e   processos   produtivos   que   atenuam   ou   ficando  atrás  de  países  como  o  Uruguai,  o  Panamá  e  a  Argentina  no  ano  de  
extingam  os  efeitos  maléficos  causados  pelo  avanço  do  progresso  industrial.   2010,  para  citar  somente  aqueles  dentre  os  países  da  América  Latina.      
Novos   medicamentos   são   criados   para   combater   doenças   causadas   pela  
poluição   ambiental   e   de   pele   devido   a   maior   incidência   de   raios   Esta,   inclusive,   tem   sido   uma   tendência   cada   vez   mais   presente   na   economia  
ultravioletas.   Estudos   de   logística   vêm   sendo   demandados   para   reduzir   contemporânea:   a   indicação   e   elaboração   de   pesquisas   que   apontem   não  
custos   causados   pela   ineficiência   dos   transportes.   A   maior   incidência   de   somente   o   alcance   da   produção   com   base   na   disponibilidade   dos   recursos  
criminalidade  requer  novas  armas  e  aparato  policial  mais  abrangente,  etc.     produtivos,  mas  sim  a  adequada  consideração  com  os  processos  produtivos  
de   forma   global   com   vistas   ao   melhoramento   dos   indicadores   sociais.   Para  
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reforçar  essa  argumentação,  vale  frisar  que  algumas  empresas,  sob  o  manto   esse   processo;   o   fio   incorpora   certo   valor   através   do   trabalho,   ou   processo  
universal   da   preservação   ambiental   e   busca   por   um   maior   bem-­‐estar   da   de   transformação,   fazendo   surgir   o   tecido   e   o   tecido,   sofrendo   processo  
população,  têm  dedicado  parcelas  de  seus  investimentos  a  projetos  de  cunho   semelhante,   em   camisa.   A   soma   dos   valores   adicionados   a   cada   etapa   do  
social   e   frequentemente   apresentam   em   seus   balanços   os   investimentos   processo   produtivo   será   igual   ao   valor   da   camisa   vendida.   Em   outras  
sociais  que  fizeram.   palavras,   o   valor   adicionado   em   cada   etapa   produtiva   é   igual   ao   preço   do  
bem   ou   serviço   subsequente   menos   os   preços   dos   insumos   imediatamente  
2.1.  A  MENSURAÇÃO  DO  PRODUTO  E  DA  RENDA   antecedente.   Os   pagamentos   aos   fatores   de   produção   em   cada   etapa  
As   medidas   do   Produto   referem-­‐se   ao   valor   de   todos   os   bens   e   serviços   produtiva   dentro   da   indústria   têxtil,   por   exemplo,   são   entendidos   como  
finais   na   economia   num   dado   período.   Inclui   o   valor   de   bens   como   bicicletas   fluxos   de   renda   e   correspondem   à   sua   soma   ao   valor   dedicado   ao   setor   de  
e  suco  de  laranja  e  o  valor  de  serviços  de  corretagem  de  títulos,  transporte,   confecções.  Este,  por  sua  vez  acrescenta  valor  à  cadeia  produtiva  ao  produzir  
serviços   médicos,   etc.   Cada   item   é   avaliado   ao   preço   de   mercado,   sendo   os  artigos  de  vestuário,  colocando  por  fim  a  disposição  do  comerciante,  que  
todos   os   valores   dos   bens   finais   somados   para   se   obter   o   Produto.   Numa   acrescenta  mais  valor  ao  aproximar  esses  artigos  do  consumidor  final.    
economia  simples  que  produz  vinte  bananas,  cada  avaliada  a  30  centavos,  e  
sessenta   laranjas   avaliadas   a   25   cada,   o   Produto   seria   igual   a   R$   21   (21   =   O   valor   que   se   adiciona   ou   se   agrega   nas   distintas   etapas   compõe   um  
0,30  x  20  +  0,25  x  60).     processo   de   transformação   engendrado   pelo   trabalho   humano.   Ademais,   o  
maquinário,   as   instalações,   os   métodos   de   gestão   (financeira,   produtiva,  
Há   certas   sutilezas   no   cálculo   do   Produto.   Em   primeiro   lugar,   estamos   contábil,  etc.)    e  demais  materiais  que  entram  na  composição  de  um  produto  
falando   de   bens   e   serviços   finais.   A   ênfase   na   palavra   final   é   uma   forma   de   final   foram   criados   também,   no   passado,   pelo   trabalho   humano.   Assim,   o  
termos   a   certeza   de   não   estarmos   incorrendo   em   dupla   contagem.   Por   Produto   representa   a   medição   do   “esforço   humano”   histórica   e  
exemplo,   não   devemos   incluir   o   preço   total   de   um   automóvel   no   Produto   regionalmente  determinado.  Quando  mais  desenvolvido  um  país  menor  será  
depois  incluir  também  o  valor  dos  pneus  que  foram  vendidos  ao  fabricante   o  esforço  humano  dedicado  a  reprodução  social,  ou  alternativamente  maior  
do   automóvel.   Os   componentes   do   carro,   vendidos   pelos   fabricantes,   são   será  o  produto  social,  por  conta  do  desenvolvimento  tecnológico  acumulado.  
chamados   de   bens   intermediários   e   seu   valor   é   incluído   no   Produto   ao   ser   De   fato,   quanto   mais   desenvolvido   um   país   menor   será   o   esforço   humano  
contabilizado  o  custo/preço  do  automóvel.   “presente”   na   elaboração   dos   bens   que   atendam   as   necessidades   materiais  
de   seus   cidadãos,   conquanto   maior   seja   o   estoque   de   maquinário   e  
Na   prática,   evita-­‐se   a   dupla   contagem   trabalhando   com   o   conceito   de   valor   desenvolvimento   tecnológico   acumulado.   Em   2005   estima-­‐se   que   o   PIB  
adicionado   ou   agregado.   A   cada   etapa   da   produção   de   um   bem,   somente   o   brasileiro   foi   superior   a   600   bilhões   de   dólares   enquanto   o   do   EUA   foi  
valor   adicionado   ao   produto   naquela   etapa   da   fabricação   conta   como   parte   superior  a  11  trilhões  de  dólares!    
do   valor   do   produto.   O   valor   do   algodão   retirado   da   terra   improdutiva  
inicialmente   pelo   camponês   tem   valor   porque   o   camponês   transformou   a   O   Produto   é   mensurado   em   termos   nominais,   isto   é,   em   termos   de   preços  
terra   em   algo   de   valor:   plantação   de   algodão.   A   seguir   o   valor   do   fio   dos   produtos   observados   no   mercado.   Contudo,   os   pagamentos   efetuados  
produzido  pelo  tecelão  com  o  algodão  menos  o  valor  deste  (o  algodão),  é  o   aos   fatores   de   produção:   salários   e   lucros   (inclui   rendas   do   capital:  
valor  adicionado  ao  algodão  que  o  transforma  no  fio  do  tecelão.  Continuando   dividendos,   aluguéis,   juros,   tributos   e   subsídios   governamentais),   para   a  

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constituição   daqueles   produtos   formam   a   Renda   da   economia.   Assim,   Renda   2.1.1  DISTINÇÃO  ENTRE  PRODUTO  BRUTO  E  PRODUTO  LÍQUIDO  
é  igual  ao  Produto.     O  Produto  Liquido  (PL)  distingue-­‐se  do  Produto  Bruto  pela  dedução  que  se  
faz   desse   último   da   depreciação   do   estoque   de   capital   que   acontece   no  
O   Produto   e   a   Renda   consistem   no   valor   correntemente   produzido.   Ficam   decorrer   do   período.   Por   exemplo,   uma   dona   de   casa   vê   sua   casa   se  
excluídas   não   só   os   insumos   e   bens   intermediários,   mas   as   transações   de   depreciar   com   o   tempo   e   o   empresário   observa   suas   máquinas   se  
bens  já  existentes,  como  moradias  ou  obras  de  arte  antigas.  Contabilizamos  a   desgastarem   com   o   uso.   Se   não   se   empregassem   recursos   para   manter   ou  
construção   de   novas   casas,   ou   a   reforma   das   já   existentes   como   partes   do   substituir   o   capital   existente   depreciado,   o   produto   não   poderia   ser   mantido  
Produto,   porém   não   adicionamos   as   transações   comerciais   dos   imóveis   já   em   seu   nível   corrente.   Assim   utilizamos   o   conceito   de   PL   como   medida   da  
existentes   e   dos   automóveis   de   segunda   mão.   Contamos,   contudo,   como   taxa   de   atividade   econômica   que   poderia   ser   mantida   por   longos   períodos,  
parte   do   Produto   o   valor   dos   honorários   dos   corretores   de   imóveis   e   de   dados   o   estoque   de   capital   e   força   de   trabalho   existente.   A   depreciação   é  
automóveis.   O   corretor   fornece   um   serviço   ao   aproximar   vendedor   e   aquela   parcela   do   produto   que   deve   ser   assegurada   para   se   manter   a  
comprador   de   coisas   construídas   no   passado   e   isso   é   considerado   um   capacidade   de   produção   da   economia   no   nível   preexistente   e   assim   a  
trabalho  especializado  no  tempo  presente.     deduzimos  do  Produto  Bruto  para  obter  o  PL.  Tendemos  a  trabalhar  com  o  
Produto   Bruto   mais   do   que   com   o   PL   por   serem   as   estimativas   de  
Quando   contabilizamos   todas   as   transações   efetivadas   em   um   período   ¬   depreciação   bastante   imprecisas   e   também   porque   esses   dados   não   são  
incluindo   os   insumos   e   demais   compras   e   venda   ¬   denominamos   esta   rapidamente  encontrados.    
medida  de  Valor  da  Produção.    
Para   o   perfeito   entendimento,   podemos   imaginar   um   trabalhador   que   ganhe  
A  mensuração  do  Produto  é  feita  a  preço  de  mercado  ou  a  custo  de  fatores.  É   dinheiro   suficiente   somente   para   garantir   a   sua   sobrevivência   e   de   sua  
importante   saber   que   os   preços   de   mercado   incluem   impostos   indiretos,   família  i,  e,  repor  energias  para  continuar  trabalhando  e  a  família  continuar  
como  o  imposto  sobre  vendas  e  vários  impostos  de  consumo,  e  assim  o  preço   vivendo.   Qual   o   seu   produto   bruto?   O   quando   ele   ganhou   com   a   sua  
de   mercado   dos   bens   não   é   igual   ao   preço   contabilizado   pelo   vendedor   da   produção.  Qual  o  seu  produto  líquido?  Nenhum,  pois  tudo  que  ele  ganhou  foi  
mercadoria.   O   preço   da   mercadoria   líquido   de   impostos   indiretos   (IPI   e   exatamente  para  repor  sua  energia  gasta  no  processo  produtivo.    
ICMS,   por   exemplo)   constitui   o   custo   de   fábrica   que   vem   a   ser   a   quantia  
recebida   pelos   fatores   de   produção,   deduzida   de   encargos   tributários,   que   2.1.2  Renda  Nacional  e  Renda  Pessoal  
participaram  na  fabricação  do  produto  (  custo  dos  fatores).  O  Produto  pode,  
portanto   ser   avaliado   a   preço   de   mercado   e   a   custo   de   fatores   (exclui   os   A   Renda   Nacional   se   aproxima   do   conceito   de   Produto   Nacional.  
impostos).   Esse   ponto   torna-­‐se   importante   ao   relacionarmos   o   Produto   à   Precisamente  ela  é:  
Renda   recebida   pelos   fatores   de   produção,   pois   parte   desta   ultima   compõe   a  
receita  do  estado.   RN=  PNB  -­‐  (depreciação  +  impostos  indiretos).  

  A   Renda   Pessoal   é   a   Renda   Nacional  a)   menos   as   rendas   ganhas   por   pessoas  
jurídicas,   b)   mais   o   saldo   entre   os   juros   pagos   e   recebidos   e   c)   mais   as  
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transferências   governamentais   e   os   dividendos   pagos   `as   famílias.   O   nível   da   Um  fato  digno  de  nota  é  a  distribuição  de  renda  no  Brasil.  Ela  é  uma  das  mais  
renda   pessoal   é   importante   por   ser   um   determinante   primordial   do   concentradas   dentre   todos   os   países.   O   índice   geralmente   usado   por  
consumo  das  famílias  e  dos  hábitos  de  poupança.     economistas   e   formuladores   de   políticas   públicas   que   procuram   mensurar  
os  níveis  de  desigualdade  é  o  coeficiente  de  Gini20.  Em  2003,  pelos  cálculos  
Depois  de  efetuados  esses  ajustamentos,  o  resultado  representa  uma  medida   desse   coeficiente   o   Brasil   ficou   atrás   apenas   de   Serra   Leoa,   na   África.   Isso  
da   renda   recebida   por   indivíduos   e   pelos   negócios   de   pessoas   físicas.   A   significa   dizer   que   do   montante   produzido,   medido   pelo   PIB,   poucos   no  
Renda  Pessoal   Brasileira  se  contabiliza  mensalmente,  ao  contrário  da  Renda   Brasil   (1%   da   população   )   se   apropriam   da   maior   parcela   dele   (50%   do  
Nacional,  que  é  publicada  trimestralmente.     produto)   ao   passo   que   os   demais,   que   são   muitos   (99%),   apropriam-­‐se   do  
restante  do  produto.  
Embora   tenhamos   chegado   à   Renda   Pessoal,   partindo   da   Renda   Nacional   e  
fazendo   ajustamentos   subsequentes,   reconhecemos   que   também   seria   Para   o   caso   brasileiro   este   coeficiente   tem   girado   ao   redor   de   0,60   para   os  
possível   construir   uma   estimativa   da   Renda   Pessoal   verificando   seus   anos   entre   2000   e   2010,   com   posicionamento   dentre   os   5   países   com  
componentes.   De   modo   particular,   a   Renda   Pessoal   consiste   na   renda   do   distribuição   de   renda   mais   concentrada   do   mundo.   A   divisão   da   renda  
trabalho,   aluguéis,   dividendos   e   a   renda   de   juros   acrescida   de   transferências   nacional   reflete,   portanto,   questões   sensíveis   como   à   participação   da   mão-­‐
governamentais  de  várias  ordens,  menos  os  tributos.     de-­‐obra   na   produção,   as   taxas   de   lucro   praticadas   pelo   setor   privado,  
transferências  de  rendas,  distribuição  patrimonial  na  sociedade  e  outras.  
Note-­‐se  que  os  efeitos  de  altas  taxas  de  juros  e  da  carga  tributária  no  Brasil  
têm   implicações   sensíveis   para   a   Renda   Pessoal.   A   princípio,   o   fato   de   elas    
serem   altas   implicaria   em   uma   transferência   de   renda   do   Governo   aos  
poupadores   líquidos   (geralmente   os   ricos)   que   aplicam   em   títulos   do  
Governo   ou   fundos   de   Renda   Fixa.   Assim,   toda   a   sociedade   através   dos  
aumentos   de   impostos   ou   da   dívida   interna   financia   o   aumento   da   riqueza   20   O   coeficiente   de   Gini   se   calcula   como   uma   razão   das   áreas   no   diagrama   da   curva   de   Lorenz.  
dos  poupadores  líquidos.  Além  disso,  os  devedores  líquidos  (que  geralmente   Se   a   área   entre   a   linha   de   perfeita   igualdade   e   a   curva   de   Lorenz   é   A,   e   a   área   abaixo   da   curva  
são  os  pobres)  são  penalizados  por  altas  taxas  de  juros  cobradas  de  bancos   de   Lorenz   é   B,   então   o   coeficiente   de   Gini   é   igual   a   A/(A+B).   Esta   razão   se   expressa   como  
influenciados   pela   taxa   de   juros   oferecida   pelo   Governo   –   vulgo   SELIC.   A   percentagem   ou   como   equivalente   numérico   dessa   percentagem,   que   é   sempre   um   número  
entre  0  e  1,  onde  0  indica  que  todas  as  riquezas  são  apropriadas  de  forma  igual  pela  sociedade  
preocupação   de   cunho   distributivo   sugere   que   no   agregado   os   efeitos   da   e   1   que   toda   a   riqueza   é   concentrada   em   uma   única   pessoa.O   coeficiente   de   Gini   pode   ser  
taxa   de   juros   sejam   compensados   (o   que   é   pago   pelo   Governo   aos   calculado  com  a  Fórmula  de  Brown,  que  é  mais  prática:  
poupadores  é  igual  ao  que  é  gasto  pelos  devedores).    

No   entanto,   não   há   garantias   de   que   isso   realmente   ocorre.   Esse   aspecto   onde:  
serve   para   ilustrar   como   as   decisões   econômicas   focadas   em   determinados  
G  =  coeficiente  de  Gini    
aspectos   podem   ter   efeitos   secundários   nem   sempre   esperados   ou  
X  =  proporção  acumulada  da  variável  "população"    
desejados.   Y  =  proporção  acumulada  da  variável  "renda"    
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Pagamentos  aos  fatores  de  produção=  PNB   nominal  é  puramente  resultado  do  aumento  de  preços  entre  os  dois  anos  e  
PNB  –  renda  líquida  enviada  ao  exterior=  PIB   não   reflete   aumento   da   produção   física.   Ao   calcularmos   o   produto   real   atual,  
PIB  –  depreciação  =PL   pela   avaliação   da   produção   do   mesmo   ano,   a   preços   do   ano   de   referência,  
PL  –  imposto  indiretos  =  RN   encontraremos  13,80  un  para  o  produto  real,  representando  um  aumento  de  
RN   –   lucros   –   encargos   sociais   +   juros   +   rendas   de   capital+   transferências   23%  ao  invés  de  87%.  O  acréscimo  de  23%  espelha  uma  medida  melhor  do  
governamentais  =  Renda  pessoal   aumento   do   produto   físico   da   economia   do   que   o   acréscimo   de   87%,   por  
Renda  pessoal  –  impostos  pessoais=  Renda  pessoal  disponível.   conta   de   aspectos   monetários.   A   produção   de   bananas   elevou-­‐se   em   33%,  
  enquanto   a   de   laranjas   20%,   do   ano   de   referência   ao   dias   de   hoje.   Nessas  
condições,  deveremos  assim  situar  a  nossa  medida  do  aumento  de  produto  
2.1.3.  PRODUTO  REAL  E  NOMINAL   real:   entre   20   e   33%.   O   aumento   do   produto   real   depende   dos   preços   de  
O   produto   nominal   é   mensurado   aos   preços   do   período   ou,   como   se   diz   às   mercado   observados   no   passado   com   os   as   quantidades   produzidas   no  
vezes,  em  moeda  corrente.  Assim,  o  produto  nominal  do  ano  de  2014  mede  o   presente.  São  denominados    produto  a  preço  corrente.    
valor  dos  bens  produzidos  em  2010  a  preços  de  mercado  do  ano  de  2014.  O  
valor   do   produto,   contudo,   muda   de   ano   para   ano,   por   duas   razões.   A   2.2.  ÍNDICES  DE  PREÇOS  
primeira  é  que  a  quantidade  de  bens  produzidos  varia.  A  segunda  é  que  os  
preços   de   mercado   também   variam.   Imaginemos   uma   economia   que   O   cálculo   do   Produto   Real   nos   fornece   uma   medida   útil   da   inflação,  
produzisse   exatamente   os   mesmos   produtos   em   termos   de   quantidade   e   conhecida  como  deflator  do  Produto  que  é  a  razão  entre  o  Produto  nominal  e  
qualidade   durante   dois   anos,   mas   os   respectivos   preços   aumentem   ao   final   o   real.   Ele   serve   como   medida   da   inflação   a   partir   do   período   em   que   os  
do  segundo  ano  em  100%.  O  produto  nominal  do  segundo  ano  seria  maior  (o   preços  do  ano  referenciado  foram  utilizados  para  o  cálculo  do  Produto  real.  
dobro   em   termos   nominais),   muito   embora   o   produto   físico   real   da  
economia   não   tivesse   se   alterado.   O   produto   real   é   uma   medida   que   tenta   Voltando   a   Tabela   1,   chegamos   a   uma   medida   da   inflação,   entre   os   anos  
considerar   variações   do   produto   físico   da   economia,   entre   diferentes   hipoteticamente   considerados,   pela   comparação   do   valor   do  produto   com   os  
períodos.  O  produto  real  é  medido,  na  contabilidade  nacional,  aos  preços  de   preços   atuais   e   o   valor   do   produto   com   os   preços   do   ano   de   referência.   A  
um   ano   de   referência.   Isso   significa   que   ao   calcularmos   o   produto   real,   as   relação  entre  o  Produto  nominal  e  o  real  é  de  1,52  (21  /  13,80).  Em  outras  
quantidades   de   hoje   são   multiplicadas   pelos   preços   que   prevaleceram   palavras   o   produto   é   52%   mais   elevado   hoje   do   que   quando   avaliado   aos  
naquele   ano   (de   referência),   a   fim   de   se   obter   a   medida   do   que   valeria   a   preços  mais  baixos  do  ano  de  referência.  Atribuímos,  portanto,  o  aumento  de  
produção  de  hoje,  se  vendida  aos  preços  do  ano  de  referência.     52  %  à  variação  de  preços  ou  inflação,  no  período  considerado.  Uma  vez  que  
o  deflator  se  baseia  em  um  cálculo  que  inclui  todos  os  bens  produzidos  pela  
Podemos   exemplificar   supondo   uma   economia   que   produzisse   apenas   economia,   ele   é   um   índice   de   preços   abrangente   utilizado   para   medir  
bananas  e  laranjas.  A  produção  e  os  preços  hipotéticos  de  bananas  e  laranjas   inflação.   No   Brasil   ele   é   denominado   Índice   Geral   de   Preços   (IGP).     As  
em  dois  anos  são  mostrados  na  tabela  abaixo.  O  produto  nominal  no  ano  de   instituições  que  trabalham  com  as  estatísticas  calculam  além  do  IGP,  outros  
referência  era  de  11,25  un  e  o  produto  nominal  atual,  21  un,  representando   índices   ou   “deflatores”   para   produtos   restritos   a   cestas   de   bens   pré-­‐
um   aumento   de   87%.   Contudo,   grande   parte   do   aumento   do   produto   definidas.  Abaixo  listamos  alguns  deles  calculados  para  o  Brasil.  
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! Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA)  Disponibilidade  Interna.   no   varejo.   Ele   difere   do   IPC,   pois   levam   em   conta   as   matérias-­‐primas   e  
! Índice  Nacional  de  Custo  da  Construção  (INCC).   produtos  semiacabados  Difere  também  na  finalidade,  uma  vez  que  se  destina  
! Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC).   a  medir  os  preços  num  estágio  preliminar  do  sistema  de  distribuição.    
! Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC  –  FIPE).  
! Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  Amplo  (IPCA).   Enquanto  o  índice  de  preços  ao  consumidor  mede  os  preços  onde  as  famílias  
! Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  (INPC).   urbanas  efetivamente  gastam  —  quer  dizer,  no  varejo  —,  o  IPA  se  estrutura  
a   partir   da   primeira   transação   comercial   significativa.   Essa   diferença   é  
Os  índices  de  preços  ao  consumidor,  por  exemplo,  se  baseiam  em  cestas  de   importante   porque   transforma   o   IPA   num   índice   flexível   de   preços,   capaz   de  
bens  adquiridos  somente  pelo  consumidor  urbano.  Os  preços  coletados  dos   assimilar   variações   no   nível   geral   de   preços,   ou   no   IPC,   algum   tempo   antes  
produtos  contidos  nesta  cesta  são  ponderados  por  quantidades  previamente   delas  ocorrem  efetivamente.  Por  essa  razão  o  IPA  e  o  índice  de  "construção  
fixadas.   Essas   quantidades   somente   são   alteradas   quando   ocorrem   civil"   são   usados   como   indicadores   dos   ciclos   econômicos   sendo  
mudanças  bruscas  e,  ou,  de  caráter  estrutural  no  padrão  de  consumo  desse   atentamente  observados  pelos  analistas  do  mundo  dos  negócios.    
estrato  da  população.  Assim,  esses  índices  restritos  medem  o  custo  de  dada  
cesta   de   bens   que   é   a   mesma   de   ano   para   ano.     Por   isso,   algumas   famílias   A  mecânica  dos  índices  de  preços  pode  ser  ilustrada  pela  fórmula  do  índice  
estranham   quando   os   seus   orçamentos   não     batem   com   o   crescimento   do   de   preços   demonstrada   abaixo.   Esse   índice   é   denominado   de   Laspeyres.  
índice   construído   a   partir   de   uma   cesta   definida:     simplesmente   essas   Vemos  que  no  denominador  do  primeiro  termo  as  quantidades  Q  e  os  preços  
famílias   tem   gastos   adicionais   em   bens   e   serviços   que   participam   de   modo   P   estão   cotados   no   ano   t-­‐1   de   referência   e   o   numerador   fixa   a   quantidade  
diverso  na  construção  desse  índice.  A  cesta  de  bens  incluída  no  índice  Geral   naquele   ano   considerando   os   preços   atuais   (t).   Observe   que   ele   é   diferente  
de  Preços  (IGP),  contudo,  difere  de  ano  para  ano,  pois  depende  daquilo  que  é   do   aplicado   no   exemplo   anterior   onde   utilizamos   os   mesmos   preços   do  
produzido  pela  economia  a  cada  ano.  Os  produtos  avaliados  no  IGP,  em  dado   período   de   referência   na   produção   atual.   O   índice   de   Laspeyres   considera   as  
ano,   são   os   mesmos   que   a   economia   produziu   naquele   ano.   Quando   a   safra   quantidades  fixas  entre  os  períodos  a  preços  nominais  (de  hoje).  No  exemplo  
de   milho   for   grande,   recebe   peso   correspondente   no   computo   do   IGP.   Ao   anterior   os   preços   variavam,   mas   as   quantidades   não.   Existem   outras  
contrário,   os   demais   índices   de   preço   medem   o   custo   de   um   pacote   fixo   de   medidas   para   se   calcular   índices   de   preços   e   quantidades   e   tantos   outros  
bens   que   não   varia   com   o   correr   do   tempo.     Os   índices   restritos   incluem   podem  ser  criados,  a  depender  do  objetivo  que  se  persegue  e  da  criatividade  
automaticamente   os   preços   dos   importados,   enquanto   o   índice   Geral   de   do  analista  econômico21.  
Preços   inclui   apenas   o   preço   de   bens   produzidos   no   país,   embora   estes  
incorporem,   em   certos  casos,  a  variação  de   preço   dos   insumos   importados.   Índice  de  preços  =  (Σ  Pit  Qit-­‐1  /  Σ  Pit-­‐1  Qit-­‐1)  X  10  
Para   atenuar   essas   distorções   entre   os   índices   os   órgãos   que   cuidam   das  
estatísticas   nacionais   utilizam   uma   média   entre   os   índices   restritos   para  
expressar  o  IGP.  

21  
  Para     se   ter   uma   ideia   de   criatividade   na   elaboração   de   índices   de   preços   no   Brasil,  
Um  índice  de  preços  relevante  é  o  Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA).   Ele  é  
recomendamos   ver:   Banco   Central   (2012),   Série   Perguntas   Frequentes,   Índice   de   Preços   no  
uma  medida  do  custo  de  determinada  cesta  de  bens  que  não  são  adquiridos  
Brasil.  
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UMA  ILUSTRAÇÃO  DO  PRODUTO  REAL  E  Nominal


Produto  nominal  do  ano  de  referência   Produto  nominal  atual   Produto  real  atual    
Produto  nominal  do  ano  de  referência   Produto  nominal  atual   Produto  real  atual  
produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total  
15  bananas   0,15c   $  2,25   20  bananas   0,30c   $  6,00   20  bananas   0,15c   $  3,00  
50  laranjas   0,18c   $9,00   60  laranjas   0,25c   $15,00   60  laranjas   0,18c   $10,80  
Produto  total     $11,25   Produto  total     $21,00   Produto  total     $13,80  
                 

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pode   continuamente   ser   liberada   justamente   daquelas   produções  


2.3.  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO  
relativas   aos     bens   essenciais   a   reprodução   social.   Esse   aspecto  
constitui   a   essência   do   desenvolvimento   econômico.   O   aumento   da  
O   excedente   econômico   é   a   parcela   do   produto   total   não   destinada   a  
produtividade   requer   cada   vez   menos   trabalhadores   para   a  
reprodução   imediata   da   sociedade,   como   dito   anteriormente.   É  
constituição  dos  mesmos  produtos.  Os  trabalhadores  liberados  dessas  
riqueza   que   se   acumula   no   tempo   formando   patrimônio.   Uma   vez  
atividades   vão   exercer   atividades   não   diretamente   ligadas   a   extração  
contabilizado  nas  contas  nacionais  ele  se  torna  em  coisa  passada:  não  
de  bens  e  serviços  destinados  ao  consumo  imediato23.  Esse  trabalho  é  
entra  de  novo  nas  contas  nacionais  constituindo,  por  isso,  em  riqueza  
denominado   de   improdutivo,   mas   não   no   sentido   pejorativo,   de   que  
patrimonial.  Para  a  teoria  econômica  convencional  é  a  renda  menos  o  
nada   produz.   É   um   trabalho   altamente   qualificado   que   tonifica   as  
consumo,  que  pela  contabilidade  nacional  aproxima-­‐se  ao  conceito  de  
organizações   sociais   e   o   aumento   da   produtividade   do   trabalho:  
poupança.   O   excedente   econômico   do   ponto   de   vista   da   economia  
ensino,   contabilidade,   exercício   da   medicina,   engenharias,   segurança  
política   é   mais   do   que   isso:   é   a   parcela   do   produto   que   excede   as  
interna  e  externa,  funcionalismo  público,  desenvolvimento  de  ciências  
necessidades   imediatas   das   famílias   e   por   isso   se   acumula  
e   artes   e   organização   politica   são   exemplos   de   atividades  
historicamente  nas  mãos  de  alguns,  que  buscam  incessantemente  sua  
improdutivas.  A  ideia  de  improdutivo  deriva,  simplesmente,  do  fato  da  
valorização.   A   criação   de   excedente   econômico   decorre   do   fato   de   o  
existência   de   atividades   que   não   produzem   diretamente   bens  
ser   humano,   ao   longo   de   sua   história,   ter   sido   capaz   de   aprimorar   os  
materiais   e   que   vão   ficando   cada   vez   mais   visíveis   conforme   a  
meios   de   produção   com   os   quais   ele   extrai   riquezas   da   natureza.   A  
historicamente  a  humanidade  avança.        
esse  processo  de  extração  denominamos  de  tecnologia.    
O   quadro   sistêmico   abaixo   captura   o   movimento   de   constituição  
Assim,   o   avanço   técnico   na   produção   (tecnologia)   resulta   em   dois  
continuada   dos   excedentes   econômicos.   Assim,   no   início   a   utilização  
efeitos   compartilhados.   O   primeiro   engendra   processos   de   produção  
de   técnicas   na   agricultura   mais   eficientes   possibilitou   a   criação   de  
auspiciosos  de  elevada  produtividade  técnica  que  podem  propiciar  um  
excedentes   alimentares   que   liberaram   mão   de   obra   do   campo   para  
produto   muito   além   das   necessidades   das   famílias22.   O   segundo  
formarem   as   cidades   e   toda   sorte   de   atividades   não   diretamente  
decorre  do  primeiro.  Como  temos  um  produto  maior,  a    mão-­‐de-­‐obra  
ligadas  a  produção  de  alimentos,  fruto  da  terra.    

22   Do   ponto   de   vista   histórico,   nos   primórdios   da   civilização,   a   evolução   e  


descobrimento  de  novos  instrumentos  concernentes  à  sobrevivência  da  humanidade  
exigiram   algum   tempo   de   seus   membros,   ou   de   alguns   deles,   que   trocaram   o   tempo  
dedicado   à   busca   de   alimentos   na   forma   tradicional   pelo   tempo   de   construção   das   23  
Somente   quando   a   humanidade   consegue   através   de   seus   esforços   criar   um  
novas   ferramentas:   esse   processo   chamamos   de   desenvolvimento   das   forças   excedente  econômico  é  que  estão  postas  as  condições  para  o  surgimento  de  atividades  
produtivas.   A   passagem   da   vara   de   pescar   para   o   tarrafo   (rede   de   pesca)   e   o   não   diretamente   ligadas   a   reprodução   imediata   do   homem.         Assim,   surgiram   as  
surgimento  do  arado  puxado  por  animais,  e  mais  tarde  o  mecanizado,  em  substituição   cidades   com   seus   serviços   essenciais,   o   Estado,   com   seus   poderes   constituídos,   o  
ao  manual,  por  exemplo,  requereu  alguma  perda/troca  de  consumo  presente  em  favor   maior  tempo  dedicado  as  artes,  ao  convívio  social  e  aos  estudos  e  a  fabricação  de  todo  
de   melhor   consumo   futuro.   Observe   que   as   quantidades   de   bens   e   serviços   que   sorte   de   produtos   tecnologicamente   avançados   e   dedicados   com   exclusividade   a  
estarão   disponíveis   no   período   seguinte   serão   maiores,   pois   serão   construídas   com   demanda  empresarial,  e  as  outras  atividades  que  a  engenhosidade  do  ser  humano  vai  
novas  ferramentas  mais  eficientes.     criando,  conforme  o  excedente  econômico  vai  aumentando.    

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produção   e   dos   serviços   outorgando   mais   tempo   de   trabalho   dedicado  


a   atividades   destinadas   ao   aumento   da   produtividade.   Esse   processo  
reduz  o  tempo  de  trabalho  dedicado  a  produção  de  bens  de  consumo  
Desenvolvimento+Histórico+ imediato.  
Desenvolvimento das A  geração  de  um  excedente  econômico  tanto  ocorre  em  uma  sociedade  
Agricultura forças produtivas de   produtores   independentes,   quanto   no   capitalismo   –   onde   o  
Acumulação primitiva de capital

trabalhador   esta   formalmente   subordinado   a   relações   de  


assalariamento.   Nas   sociedades   de   produtores   independentes   a  
Excedente Libera mão geração   de   excedentes   geralmente   se   estabeleciam   espontaneamente  
econômico de obra no  seio  da  unidade  familiar.    Ela  é  individual.  No  sistema  capitalista  a  
relação  de  assalariamento  formal  ou  informal  subordina  todo  a  lógica  
de   produção   à   constituição   de   um   excedente   econômico   social,   pelo  
qual   todos   disputam   por   meio   de   associações   de   classes,  
Constituição

produzem
individualmente  ou  de  modo  coletivo.    
Surgimento da dos centros
Moeda-Dinheiro urbanos Nos  sistemas  de  produção  que  antecederam  o  capitalismo  (escravidão,  
feudalismo,  servidão  e  qualquer  modo  de  produção  pré-­‐capitalista)  os  
industriais exercícios  utilizados  por  determinados  grupos  ou  classes  sociais  para  
Artefatos e se   apropriarem   do   excedente   econômico   se   baseavam   na   pilhagem   e  
instrumentos coerção  explicita,  frequentemente  com  o  emprego  da  força.  No  sistema  
de trabalho de   produção   capitalista,   contudo,   a   apropriação   é   mais   sutil.   O  
MERCADO
! trabalhador   fornece   um   valor   adicionado   ao   processo   de   produção  
superior   àquela   parcela   correspondente   a   sua   atividade,   cuja  
Pa<Pi! valoração  significa  um  equivalente  monetário  denominado  salário.  Em  
  outras   palavras,   o   trabalho   excedente   é   a   diferença   entre   o   valor  
+ criado  pelo  trabalho  e  o  que  é  pago  na  forma  de  salário.  Essa  é  a  fonte  
Todas   as   atividades   concernentes   a   produção   de   bens   de   capital   do   excedente   econômico   que   no   capitalismo   constitui   parcela   do  
(instrumentos   e   maquinários),   bem   como   o   aprimoramento   “lucro”  ou  na  economia  marxista:  mais-­‐valia.  
educacional,   a   maior   dedicação   as   ciências   e   tecnológicas,   o  
fortalecimento   de   os   sistemas   nacionais   de   inovação,   para   citar   as   Resumindo,   o   lucro   total   –   poupança,   na   versão   convencional,   ou  
mais   visíveis,   que   qualificam   naturalmente   o   aumento   da   excedente,   na   versão   marxista   -­‐,   é   reinvestido   na   sociedade  
produtividade,   têm   suas   atividades   afiançadas   pelo   excedente   fundamentalmente   no   aprimoramento   das   atividades  
econômico.   Sua   virtude   é   a   de   conservar   melhores   condição   de   consubstanciadas   no   trabalho   indireto   (improdutivo)   que   tonificam   as  

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atividades   industriais   e   de   serviços   debaixo   os   processos   de   No  trajeto  da  histórica  econômica,  a  engenhosidade  dos  financistas  fez  
concorrência  e  inovação  tecnológica.  Essas  novas  atividades  (indústria   a   sua   parte   para   valorizar   o   excedente   econômico.   De   fato,   o   sistema  
e   serviços)   originaram-­‐se   historicamente   a   partir   da   transferência   de   bancário-­‐financeiro   acaba   sendo   o   guardião   do   excedente   que   se  
rendas   oriundas   das   atividades   agrícolas.   Esse   espírito   de   criação   e   transmuda   em   depósitos   a   vista   nos   bancos   comerciais   e   nas  
apropriação  de  excedente  avançou  sobre  os  processos  de  colonização   aplicações   financeiras.   Por   meio   de   empréstimos   as   famílias,   ao  
onde   as   metrópoles   extraem   riquezas   de   suas   colônias   (acumulação   governo,   as   empresas   e   outras   instituições   o   excedente   acaba  
primitiva   de   capital)   fortalecendo   as   atividades   fora   do   eixo   agrícola.   recebendo  ao  final  do  ciclo  prestamista-­‐devedor  um  valor  maior,  pois  
Os   centros   urbanos   industriais   vão   sendo   assim   constituídos   com   nele  são  contabilizados  o  pagamentos  de  juros  e  outros  encargos.  Isso  
certa  dedicação  a  uma  série  de  novas  atividades,  inclusive  as  artísticas   acontece   muito   rápido   com   a   utilização   dos   meios   da   informática   e  
e   de   intelecto   inventivo,   por   exemplo.   Um   das   contribuições   mais   processamentos   eletrônicos.   Assim,   o   processo   de   valorização   do  
espetaculares  propiciados  pelo  excedente  econômico  foi  a  de  frutificar   excedente,   nos   dias   de   hoje,   é   imediato,   mas   a   sua   base   material   que  
a   revolução   industrial   inglesa   que   definitivamente   colocou   a   não  é  constituída  imediatamente,  pois  os  investimentos  requerem  um  
acumulação   de   capital   da   indústria   acima   da   acumulação   originada   prazo   de   maturação   para   realizar-­‐se   em   lucros   com   os   quais   se   pagam  
pela   agricultura,   com   uma   proliferação   de   bens   industriais   nunca   os   juros.   Essa   descolagem   entre   a   realização   dos   investimentos   e   a  
antes   alcançada.   A   figura   acima   é   auto   explicativa   desse   processo   valoração   dos   excedentes   no   futuro   propiciam   o   surgimento   das  
histórico.   “bolhas”   financeiras   e   não   financeiros   (como   recentemente   os  
derivativos   alavancados   em     imóveis,   por   exemplo)   e   flutuações  
No   caso   da   sociedade   de   produtores   independentes   o   excedente   econômicas.  
econômico   é   individualizado:   pertence   a   quem   o   cria.   Já   no  
capitalismo,   o   excedente   econômico   corresponda   à   parcela   de   O   resumo   da   história   é   que   o   avanço   na   área   de   informática,   cujo  
produção   social   que   se   institucionaliza   pelo   fato   do   trabalhador   ser   resultado   principal   têm   sido   a   compressão   do   tempo-­‐espaço   e   as  
“assalariado”   e   produzir   não   apenas   valor   econômico,   mais   valor   transformações   tecnológicas   também   a   ela   associada,   possibilita   a  
excedente.     A   reprodução   das   relações   capitalistas   por   meio   do   geração   de   um   produto   cada   vez   maior,   com   a   menor   utilização   de  
“assalariamento”   sanciona   a   geração   de   um   valor   excedente,   mediante   recursos   produtivos.   Contudo,   dado   a   engenhosidade   financeira,   todos  
a   subordinação   do   trabalhador,   que   no   limite   se   expressam   por   os   bens   e   serviços   são   monetariamente   valorizados   -­‐   por   meio   de  
contratos   de   trabalho   estabelecidos   entre   pessoas   físicas   e   jurídicas.   créditos   ampliados   amparados   por   ativos   derivados   -­‐     a   uma   taxa  
Assim,   “o   mais   produto”   é   apropriado   pela   camada   social   que   não   maior   do   que   aquela   que   acompanha     o   crescimento   do   produto   físico.  
encontra-­‐se   diretamente   ligados   a   esfera   da   produção   material   (chão   O   alcance   desse   processo   se   esgota   na   explosão   das   denominadas  
da  fabrica)24.   “bolhas”  que  se  apoiam  nos  movimentos  especulativos  valorativos  de  
ativos   financeiros   e   não   financeiros.     De   fato,   por   meio   da   tecnologia  
de  informação,  os  bens  e  serviços  servem  imediatamente  a  criação  de  
24  
Ampliando   esse   conceito,   o   empresário   autônomo   (uma   doceira,   por   exemplo)  
lastros   para   constituir   poder   de   compra   –   dinheiro   expandido   –   cujo  
preenche   uma   das   condições   do   modo   de   produção   capitalista   que   é   a   de   produzir  
mercadorias   ¬   ela   está   envolvida   na   esfera   produtiva.   Contudo,   ela   é   uma   produtora  
independente   e,   portanto,   não   reproduz   as   relações   sociais   especificamente  
capitalistas  que  permitem  a  apropriação  do  produto  excedente  por  outrem.    

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maior   valor   depende   dos   bancos   criarem   mecanismos,   cada   vez   mais   A   política   monetária,   por   seu   lado,   tem   força   de   ação   imediata.   Ela  
refinados,   para   a   sua   multiplicação25.   Quando   isso   não   ocorre   de   dimensiona   nominalmente   o   produto   total   por   meio   do   controle   da  
maneira   funcional,   ou   quando   a   sociedade   reconhece   a   fragilidade   dos   oferta   monetária.   Destina-­‐se,   portanto,   a   alterar   o   lado   real   da  
lastros   valorativos   no   qual   se   apoia   o   processo   de   valorização   do   economia   modificando,   com   o   controle   da   oferta   monetária,   os  
excedente  o  sistema  econômico  entra  em  crise.   principais   preços   do   mundo   econômico:   a   moeda   nacional   cujo   valor   é  
quantificado   pela   taxa   de   juro,   o   valor   da   moeda   estrangeira  
2.3.1  A  MACROECONOMIA  E  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO       representada   pela   taxa   de   cambio   e   o   valor   das   mercadorias   e   dos  
fatores  de  produção  que  recebem  suas  cotações  pelos  salários,  lucros,  
Um   dos   objetivos   principais   da   macroeconomia   é   auxiliar   a   alugueis   e   demais   rendas   recebidas.   Assim,   a   grandeza   e   distribuição  
formulação   das   políticas   fiscais   e   monetárias.   Com   o   tempo   e   as   do   produto,   entre   excedente   econômico   e   consumo   necessário   a  
distâncias   encurtadas,   pelo   avanço   da   tecnologia   de   informação,   a   reprodução   da   sociedade,     pode   ser   modificado   pela   política  
política   monetária   se   sobrepõe   `as   ações   da   política   fiscal   relativas   a   monetária.  
constituição   de   receitas   e   gastos   governamentais.   Essas   últimas  
dependem   quase   todas,   em   regimes   democráticos,   de   aprovação   dos   Nas   sociedades   mais   desenvolvidas,   os   indivíduos   já   possuem   quase  
congressistas   e   isso,   via   de   regra,   demanda   um   tempo   maior   do   que   toda   ordem   de   bens   essenciais   para   tocarem   suas   vidas   e   de   suas  
aquele  dedicado  as  ações  dos  bancos  centrais26.     famílias   com   conforto   e   dignidade.   Podem   por   isso   destinar,   com   certa  
folga,   fatores   de   produção   para   a   fabricação   de   bens   de   capital,   bens  
intermediários,   desenvolvimento   tecnológico   e   aprimoramento   dos  
25   Antigamente,   o   dia   e   a   noite,   os   ciclos   climáticos   e   da   colheita   agrícola   e   as     jornadas   seus   próprios   fatores   de   produção   e,   toda   sorte   de   atividades   que   se  
de   trabalho   cronometradas   a   partir   da   invenção   do   relógio   definiam   o   tempo   pela   destinam   a   contribuir   com   as   melhorias   de   bens   e   serviços   (relativas  
percepção   da   prática   de   repetição   e   os   intervalos   a   ela   inerente.   Com   o   avanço   da   as  funções  do  Estado,  transporte,  comércio,  lazer  e  muitas  outras).  No  
informática,  o  tempo  entendido  como  uma  sequência  ordenada  de  fatos  foi  aniquilado   limite,   cada   vez   necessitamos   menos   de   mão-­‐de-­‐obra   para   prover   os  
seja  pela  sua  compressão  –  os  fatos  quase  que  se  sobrepõem  -­‐  ou  pelo  ofuscamento  da  
sequência  entre  diferentes  formas  de  acontecimentos  futuros.  A  aplicação  da  máxima  
bens   essenciais   ao   consumo   justamente   por   conta   do   avanço   cientifico  
do   aqui   e   agora,   exemplifica   com   propriedades   essa   aceleração   onde   o   passado   e   tecnológico.   Tal   não   se   dá   nas   sociedades   menos   desenvolvidas.   Elas  
futuro  se  fundem  no  presente:  “a  prática  social  (atual)  ...  nega  a  sequência  (dos  fatos)   carecem  dos  bens  essenciais  ao  sustento  familiar  e  demandam  por  isso  
para  nos  instalar  na  simultaneidade  perene  e  na  ubiquidade  simultânea  e...as  pessoas   maiores  esforços  para  produzi-­‐los  em  detrimento  dos  bens  e  serviços  
acreditam   vencer   suas   restrições   temporais,   ou   pelo   menos   é   isso   que   elas   intermediários  e  de  capital.  Sobram,  portanto,  uma  quantidade  menor  
acham”.(Castells,  2001).
26   Por   tautologia,   as   formulações   das   políticas   fiscal   e     monetária   somente   podem   de   fatores   para   serem   empregados   em   melhorias   produtivas,  
vigorar   por   conta   da   existência   do   excedente   econômico.   A   política   fiscal   é   exercida   desenvolvimento   tecnológico   e   fortalecimento   do   setor   produtor   de  
quando   a   criação   de   um   excedente   econômico   permite   que   o   Estado   se   aproprie   de   bens   de   capital.   O   modo   como   se   constitui   o   excedente   econômico,   sua  
parcela   dele   por   meio   da   cobrança   de   tributos,   e   seu   montante   seja   distribuído   sob   dimensão   e   sua   distribuição   entre   as   classes   e   estamentos   de   classe  
varias   formas:   investimentos   em   infra   estrutura,   educação,   pagamento   dos   encargos  
sociais   contribuí   para   aprumar   os   graus   de   desenvolvimento  
da   dívida   pública,   saúde   e   transferências   de   renda   de   cunho   social   aos   menos  
favorecidos,   para   citar   os   mais   simples.   Essa   é   a   essência   da   política   fiscal   que   no  
contexto   atual,   de   negação   da   existência   de   uma   sequência   de   fatos   e   de   restrições  
temporais,  requer  desdobramentos  singulares  para  atender  as  demandas  sociais.    

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econômico  dos  países.     trabalho   produtivo   e   improdutivo,   ao   designar   o   trabalho   produtivo  


como   custo   da   mão-­‐de-­‐obra   ou   custo   direto   e   as   atividades  
Vamos   estilizar   esse   fenômeno   de   outra   maneira.   A   utilização   de   consubstanciadas   no   trabalho   improdutivo   como   a   dos   gerentes,  
tecnologias  que  vão  sendo  aprimoradas  ao  longo  do  tempo  estabelece   diretores,   pessoal   de   marketing   e   todas   as   demais   funções   não  
uma   tendência   secular   nas   sociedades   de   utilização   de   mão-­‐de-­‐obra   diretamente  ligadas  a  esfera  da  produção  como  despesas  indiretas  ou  
qualificada   no   manejo   das   novas   tecnologias   em   detrimento   da   mão-­‐ administrativas,   cujos   pagamentos   não   variam   diretamente   com   a  
de-­‐obra  não-­‐qualificada27.  Essa  tendência  vem  favorecendo  a  absorção   quantidade  produzida  de  bens  e  serviços.    
da  mão-­‐de-­‐obra  pela  área  de  serviços  reduzindo  o  tempo  e  o  número  
de   trabalhadores   na   indústria   e   na   agricultura.     De   fato,   o   avanço   do   Atualmente   o   excedente   econômico   mundial   é   absurdamente   grande   e  
progresso  técnico  tem  criado  novas  funções  e  atividades  distantes  do   concentrado  por  país,  indivíduos  e  instituições.  Ele  foi  alcançado  pelos  
trabalho   associado   diretamente   à   esfera   produtiva.   Esse   trabalho   sucessivos  avanços  tecnológicos  ao  longo  da  história,  particularmente  
enxerga   por   “cima   da   produção   material”   o   desenvolvimento   do   os  do  último  século.  Assim,  a  sociedade  foi  liberando  mão-­‐de-­‐obra  da  
sistema   capitalista.   A   economia   marxista   o   denomina   de   trabalho   produção   de   mercadorias   destinadas   a   reprodução   de   suas   famílias  
improdutivo,   que   se   lança   cada   vez   mais   sobre   o   trabalho   produtivo   desenvolvendo,   ao   mesmo   tempo,     atividades     que     autenticam  
que   é   justamente   aquele   exercido   pela   mão-­‐de-­‐obra   assalariada   justamente   a   maior   liberação   da   mão-­‐de-­‐obra   envolvida   na   esfera   da  
diretamente  aplicada  na  base  da  produção  material.     produção.  
2.3.1.1    O  valor  do  excedente  econômico  e  sua  distribuição  
O  trabalho  improdutivo  não  tem  nada  de  pejorativo.  Ele  simplesmente  
contribui   para   as   funções   que   são   essenciais   a   distribuição   dos  
A   teoria   macroeconômica   convencional   trata   a   questão   do   excedente  
produtos   e   criação   de   novos,     e   nas   demais   atividades   que   elevam   a  
econômico   de   modo   diferente.   Ela   desconsidera   a   existência   da   luta  
produtividade   e   dão   forma   ao   espectro   social.   Já   que   não   produzem  
entre   os   donos   dos   fatores   de   produção   ¬   força   de   trabalho  
bens   e   serviços   diretamente   necessários   a   reprodução   da   social,   sua  
(trabalhadores),   capital   (empresários)     e   recursos   naturais  
remuneração  é  retirada  do  excedente  econômico.    
(latifundiários/rentistas)   ¬   pela   posse   de   parcelas   do   excedente  
econômico.   Ela   não   reconhece   que,   apesar   da   distribuição   dos  
Assim,   o   sustento   desta   parcela   da   população   -­‐   trabalhadores   produtos  ocorrer  no  mercado,  são  os  poderes  de  barganha  envolvidos  
improdutivos   -­‐   é   possível   mediante   a   existência   de   uma   produção   nas   negociações   relativas   a   participação   na   renda   que   definem   a   parte  
objetiva   superior   ao   custo   do   trabalho   (produtivo)   despendido   na   que   caberá   a   cada   um.   Desse   modo,   a   distribuição   do   produto   se  
reprodução   dos   bens   e   serviços   essências   a   reprodução   das   famílias.   A   estabelece   no   ato   da   produção   e   não   é   portanto,   um   fenômeno  
contabilidade   empresarial   percebe   com   clareza   essa   distinção   de   exclusivo  da  esfera  da  circulação  de  mercadorias.  Assim,  esta  questão  
não   é   tratada   pela   macroeconomia   tradicional,   pois   o   entendimento  
dessa   linha   de   argumentação   é   que   a     esfera   da   produção   representa  
27   Vale   contextualizar   que   a   mão-­‐de-­‐obra   especializada   não   corresponde   à   mão-­‐de-­‐
uma   função   técnica,   cuja   magnificência   é   produzir   os   produtos   e  
obra  qualificada,  uma  vez  que  o  avanço  técnico,  no  limite,  pode  restringir  a  capacidade   serviços   demandados   sem   considerar   os   destinos   que   histórica   e  
do   trabalhador   a   atividades   mais   simples,   não   estimulando   desempenhos   mais  
qualificados. socialmente  lhes  são  outorgados.    

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Diferentemente,   Kalecki   introduziu   a   distribuição   de   renda   nos   Somando  os  elementos  ponderados  pelas  respectivas  produções:  
estudos   macroeconômicos   compartilhando   o   comportamento   das    𝒫  =  mu  +  n  𝒫  
instituições   como   determinante   de   magnitude   dos   agregados  
macroeconômicos.     A   distribuição   de   renda   pela   interpretação   dos   𝒫  =  (m/1-­‐n)    u  
escritos  de  Kalecki  depende  dos  embates  entre  as  forças  que  formam  
os   custos   diretos   e   indiretos   para   a   fixação   dos   preços   dos   produtos   𝓟/𝒖  =  (m/1-­‐n)  
industriais.     Seu   argumento   é   que   para   fixar   preço   (𝒫)   a   firma   leva   em  
conta   a   média   de   seus   custos   diretos   (u)   e   a   média   dos   preços   das   Kalecki   chamou   a   relação   entre   preços   dos   bens   e   serviços   finais   na  
outras   firmas   concorrentes   (p)   de   um   modo   bastante   peculiar,   pois   indústria  e  seus  custos  diretos  (insumos  e  mão-­‐de-­‐obra  direta)  𝒫 /𝑢  de  
predominam   barganhas   politicas   entre   os   agentes   e   instituições   em   grau  de  monopólio  que  se  estabelece  nas  economias  por  uma  série  de  
detrimento  das  função  técnicas  relacionadas  a  produção.         fatos,  circunstâncias  e  condições  influenciando  a  formação  dos  preços  
finais   dos   produtos   e   dos   fatores   de   produção.   Assim,   se   a   atuação   dos  
Na   indústria   a   formação   de   preços   de   uma   firma   típica   segue   como     sindicatos   é   débil   no   sentido   de   reivindicar   aumentos   salariais   não  
demonstrado  abaixo.       colocando   cláusulas   que   impeçam   o   repasse   do   aumento   para   os  
  preços,   por   exemplo,   o   coeficiente   m   será   maior   do   que   aquele   em  
𝒫  =  mu1  +  np     uma   sociedade   cuja   atuação   sindical   dos   trabalhadores   seja   mais  
esclarecida.  Empresas  poderosas  que  exerçam  pressões  sobre  os  seus  
Os  coeficientes  m  e  n  representam  a  disputa  entre  os  empresários  (n)   fornecedores   com   sucesso   contribuem   também   para   o   aumento   do  
e  os  trabalhadores  (m)  pelo  produto  social  criado.  𝓟  é  o  preço  fixado   parâmetro  m.  Se  os  trabalhadores  se  tornam  mais  produtivos  devido  a  
pela  firma  e  p  é  a  média  de  preços  das  empresas  do  mesmo  ramo  de   melhoramentos   da   técnica   mas,   dado   uma   série   de   característica  
produção.    O  coeficiente  n  contempla  a  formação  dos  custos  indiretos   institucionais,   eles   não   conseguem   uma   maior   participação   no  
(trabalho   improdutivo)   financiado   pelo   excedente   econômico.   O   produto,  a  interpretação  é  de  um    grau  de  monopólio  elevado.  Regimes  
coeficiente  n  é  menor  que  um  (n<1),  pois  aceitamos  que  o  preço  médio   políticos   pouco   democráticos   tendem   a   favorecer   o   aumento   do  
da  firma  𝒫  somente  pode  ser  menor  ou  igual  a  ao  preço  médio  p.     coeficiente  m  em  relação  ao  encontrado  em  países  mais  democráticos.  

.Generalizado   para   todo   o   setor   industrial   com   diferentes   firmas   (1;   k)   No   caso   do   parâmetro   n   que   retrata   a   guerra   intercapitalista,  
e  diferentes  custos  unitários  (u)  temos:   estruturas   industriais   formadas   por   grandes   corporações   geralmente  
𝒫  1=  mu1  +  np     fixam   seus   preços   com   o   conhecimento   de   que   as   empresas   menores  
𝒫  2=  mu2  +  np     concorrentes  seguirão  sua  politica  de  fixação  de  preços.  Elas  exercem  
𝒫  3=  mu3  +  np     certa   liderança.   A   concorrência   entre   as   empresas   do   mesmo   ramo  
*   pode   ser   estabelecida,   também,   pela   diferenciação   de   produtos   onde   o  
*   espírito   concorrencial   se   apoia   nas   estratégias   de   marketing,   na  
*___________________   formação   de   novos   valores   sociais,   conluios   entre   empresários   para  
𝒫  k=  muk  +  np     concorrer   na   obtenção   de   recursos   públicos   e   toda   sorte   de   ações  

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junto   as   instituições   do   Estado   visando   a   perpetuação   do   excedente   A  parcela  (w)  dos  salários  no  valor  adicionado  segue:    
em  suas  mãos.  Esses  fenômenos  expressam  um  coeficiente  n  majorado  
favorecendo  a  constituição  de  um  grau  de  monopólio  elevado.       w  =    W/  VA        

A  sobreposição  dos  custos  indiretos  -­‐  trabalho  improdutivo  -­‐  sobre  os   𝒫
w  =  W/  W  +  (    -­‐1)  (W  +  M)  
custos   diretos   é   uma   tendência   secular.   O   desenvolvimento   !

tecnológico   leva   a   diminuição   da   pressão   dos   custos   diretos   sobre   a  


produção   ao   mesmo   tempo   favorecendo   a   construção   de   novas   se  indicarmos  a  razão  entre  o  montante  dos  custos  de  matérias-­‐primas  
atividades  mantidas  pelo  excedente  econômico.     Resumindo,  o  grau  de   e  o  custo  de  mão  de  obra  por  J  teremos:  
monopólio   em   Kalecki   explica   a   distribuição   de   renda   como   um  
𝒫
fenômeno  mais  político  e  menos  econômico.  É  razoável  supor  que  nas   w  =  1/  1  +  (    -­‐1)  (J  +  1)  
!
economias   onde   o   grau   de   monopólio   de   Kalecki   é   menor   uma  
distribuição   de   renda   mais   equitativa   geralmente   se   estabelece   em   Desse  modo,  conclui-­‐se  que  a  parcela  dos  salários  na  renda  nacional  é  
contraposição  a  concentração  de  renda  observada  em  economias  com   influenciada   pelo   grau   de   monopólio   e   pelos   custos   das   matérias  
elevado   grau   de   monopólio.   Para   essa   linha   de   pensamento,   a   primas  e  da  mão  de  obra.  
distribuição   de   renda   no   sistema   econômico   é   um   fenômeno  
eminentemente  político  e  social  em  detrimento  as  condições  técnicas   O  restante  da  renda  nacional  fica  por  conta  dos  investimentos  e  gastos  
de   produção   conforme   advogado   pela   macroeconomia   de   cunho   com   o   consumo   da   classe   de   alta   renda,   uma   vez   que   no   modelo   de  
neoclássico.         Kalecki   todo   o   salário   dos   trabalhadores   é   gasto   (CW),   pois   as  
condições   de   formar   poupança   para   a   classe   de   trabalhadores   são  
Estilizado   a   distribuição   de   renda   a   partir   do   grau   de   monopólio,   exíguas.  Assim,  a  demanda  D  é  composta  por:  
podemos   considerar   a   repartição   da   Renda   nacional   como   o   valor   da  
Produção   (Vp)   que   se   distribui   formando   lucros   (L),   custos   indiretos    
(CI)   e   salários   diretos   (W)   menos   o   custo   das   matérias-­‐primas   (M).      
Reproduzindo  Kalecki:     Investimento  
 
D  =  CW  +  CL  +  I  =  salários  diretos  +  lucros        
L  +  CI  =  Vp  –  M  -­‐  W      
Consumo   dos  
Consumo   dos  
trabalhadores  
Então:     capitalistas    
𝒫 𝒫
L  +  CI  =   𝑊 +  M  –  (W  +  M)    
! !

𝒫
L  +  CI  =(    -­‐1)  (W  +  M)   Como:  CW  =  salários  diretos,    Logo:  L  =  CL  +  I    
!

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Como   o   CW   é   igual   aos   salários   diretos   pagos   na   economia,   toda   a   sobrepõe   as   reais   condições   de   posse   e   determinação   da   geração   do  
criação  do  excedente  econômico,  i  e,  o  lucro  total  da  economia,  fica  por   excedente   econômico.   Promove-­‐se,   assim   uma   máxima   econômica:   a  
conta  de  quanto  os  capitalistas    gastam  em  bens  de  investimento  (  I  )  e   sociedade  se  abstém  de  parcela  do  consumo  presente  ¬poupança¬  na  
bens  de  luxo  (CL).       expectativa   de   trocá-­‐lo   por   um   consumo   maior   no   futuro.   Essa   ideia  
pois  inicialmente  elaborada  por  Knut  Wicksell  (1903)  em  A  Natureza  e  
Com   o   avanço   das   sociedades,   não   percebemos   com   clareza   as   a  Necessidade  dos  Juros.  
atividades   diretamente   relacionadas   ao   processo   de   produção  
daquelas   que   não   o   são   e   que,   portanto   participam   dos   lucros   Abster-­‐se   do   consumo   presente,   propiciando   a   formação   de   um  
referenciados  na  identidade  acima.  Em  outros  termos,  é  uma  questão   excedente  econômico,  só  faz  sentido  se  realmente  formos  trocá-­‐lo  por  
em   aberto   a   real   dimensão   do   excedente   econômico.   Como   vimos,   um   consumo   futuro   mais   vantajoso.   Por   outro   lado,   requer-­‐se   que  
temos   uma   tendência   a   considerar   o   excedente   como   poupança   (o   que   alguém   queira   trazer   para   hoje   seu   consumo   que   só   seria   efetivado   no  
sobra,   uma   vez   satisfeita   as   necessidades   básicas   histórica   e   futuro.   À   medida   dessa   troca   entre   excedentes   econômicos   no   tempo  
culturalmente   definidas).   Contudo,   como   as   necessidades   do   ser   chamamos   de   juros   e   constitui   um   prêmio   aos   parcimoniosos   e   uma  
humano   são   infinitas,   o   excedente   econômico   passa   a   ser   uma   penalidade  aos  consumidores  ansiosos.  A  taxa  de  juros  mede  assim  o  
categoria  analítica  conceitualmente  igual  ao  investimento,  poupança  e   valor   do   excedente   econômico   amanhã   em   relação   ao   existente   hoje.  
lucro   para   a   teoria   macroeconômica   convencional.   Dissolve-­‐se   Acontece   que   não   conhecemos   o   amanhã   e   trocamos,   portanto,   uma  
aparentemente,  assim,  na  sociedade  atual  a  sobreposição  do  trabalho   coisa  conhecida  por  outra  formada  por  expectativas.    
indireto  sobre  o  trabalho  direto.    
De   fato,   é   irracional   alguém   se   abster   do   consumo   presente   em   troca  
Na   dinâmica   capitalista,   os   salários   dos   trabalhadores   produtivos   vai   de   nada.   Trocar   o   poder   de   compra   não   exercido   hoje,   ou   seja,  
perdendo   espaço   para   a   composição   da   renda   formada   pelo   trabalho   poupado,   por   maior   consumo   no   futuro   faz   parte   da   essência   do  
improdutivo:   a   classe   de   alta   renda.   Essa   última   ganha   mais   do   que   desenvolvimento   econômico   e   isso   requer   que  os   bens   a   disposição   da  
suas   necessidades   correntes   e   portanto   acumula   riqueza.   Assim,   ela   sociedade   no   futuro   represente   um   valor   maior   do   que   aquele  
tem  acesso  ao  crédito  dedicado  pelo  sistema  financeiro  e  não  tem  seus   poupado   ¬   no   período   precedente.   A   questão   da   poupança   versus  
gastos   em   investimento   e   bens   de   luxo   limitados   pelo   lucro   corrente.     investimento   envolve,   portanto,   aspectos   de   temporalidade.   Em  
Desse  modo,  o  investimento  pode  crescer   por  meio  de  financiamentos   termos   macroeconômicos   o   conjunto   de   todas   as   poupanças  
criando   mais   excedente   (poupança).   Este   o   principio   da   demanda   individuais  e  compulsórias  constitui  um  excedente  econômico  que  tem  
efetiva.   É   a   demanda   (por   investimento)   que   comanda   a   oferta   (de   como   destino   o   investimento   disponibilizando   maior   quantidade   de  
poupança).     produtos  a  disposição  da  sociedade  no  tempo28.    

*  *  *  
28   No   plano   individual   uma   pessoa   faz   seu   pé   de   meia   ¬poupa¬   para   consumir   mais   e  
Em   termos   macroeconômicos,   o   excedente   é   teoricamente   à   parcela   melhor   no   futuro.   Em   muitos   casos,   ele   acredita   que   sua   renda   futura   diminuirá   e,  
do   produto   não   consumida:   é,   portanto,   a   produção   poupada   que   se   portanto   seria   mais   vantajoso   se   precaver   poupando   hoje.   Ele   joga   o   seu   poder   de  
compra   “grandioso”   hoje   para   o   futuro   com   distribuição   adequada   no   tempo.   Milton  

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Para   Wicksell   existe   uma   taxa   de   juros   natural   cuja   base   está   no   materiais   constituídos   no   futuro   cuja   realização   de   compra   e   venda  
reconhecimento   social   dos   recursos   disponíveis   para   suprir   as   permita  o  pagamento  dos  juros.    
demandas   atuais   e   futuras.   Assim,     os   empresários   estão   alinhados   em  
seus   planos,   sob   a   taxa   de   juros   natural,   com   o   padrão   de   consumo   A  macroeconomia  com  respeito  a  constituição  do  excedente/poupança  
escolhido   pela   sociedade.   Isto   contribui   para   explicar   a   disparidade   de   obteve,   pelo   menos,     duas   respostas   conflituosas   com   respeito   a   taxa  
taxas   de   juros   entre   países,   em   adição   a   visão   tradicional   que   de   juros.   A   primeira,   é   que   ela   significando   a   troca   de   consumo  
considera   o   risco   como   a   variável   explicativa   principal.   Ainda,   nesta   presente   por   consumo   futuro   favorece   a   constituição   de   excedentes  
visão,  podemos  dizer  que  manipulação  politica  da  taxa  de  juros  pelos   econômicos   (poupança).   Seu   aumento   projeta   um   futuro   mais  
governos,   como   crédito   fácil   em   época   de   campanhas   eleitorais,   auspicioso   que   o   presente,   ocasionando   uma   predisposição   a   poupar   e  
afastam   a   taxa   de   juros   de   seu   padrão   natural,   tendo   efeitos   no   menos   a   consumir   no   presente.   Quando   ela   se   reduz   (aumenta)  
nefastos  para  a  economia.  De  fato,  uma  taxa  de  juros  manipulada  cria   estimula   (desestimula)   o   consumo   presente.   Esta   é   a   versão  
um  desalinhamento  entre  as  escolhas  do  que  se  deseja  consumir  hoje   neoclássica   da   taxa   de   juros.   A   segunda,   é   que   ela   pode   ser   útil   nos  
e  no  futuro  com  os  planos  intertemporais  de  produção.   processos   de   escolha   entre   rentabilidades   estimadas   de   ativos  
financeiros   e   não   financeiros.   Assim,   ela   é   o   principal   componente   dos  
A   Igreja   Católica   nos   idos   do   mercantilismo   se   posicionou   contra   a   movimentos   especulativos   marcados   pelas   competências   individuais  
existência  dos  juros,  sob  a  alegação  que  o  tempo  a  Deus  pertence.  Os   das   escolhas   entre   as   expectativas   de   valorização   dos   ativos  
homens   não   estariam   habilitados   a   cobrar   (taxas   de)   juros   nas   financeiros  e  não  financeiros,  pouco  contribuindo  para  a  formação  de  
relações   que   envolvessem   crédito   e   débito   tendo   o   tempo   como   poupança.  A  taxa  de  juros  resume  a  centralidade  desse  processo,  por  
parâmetro.   Essa   afirmativa,   digamos   divina,   não   resistiu   à   percepção   cotar  o  preço  do  dinheiro.    Essa  é  a    versão  keynesiana.      
pela  sociedade  que  de  fato  a  taxa  de  juros  representa  uma  medida  da  
quantidade   de   produtos   adicionais   obtida   no   futuro   em   relação   ao   No  nexo  entre  a  economia  real  e  a  monetária,  os  ciclos  de  valorização  
período   anterior.   Ela   tem   competência   para   identificar-­‐se   com   o   que   da   produção   demonstram   a   importância   da   taxa   de   juros   para   o  
chamamos   de   retorno   do   capital   ou   simplesmente   retorno   do   mundo   econômico.     Os   investidores   competem   entre   si   e   é   por   isso  
investimento.   A   questão   central   é   que   nada   sabemos   sobre   o   futuro.   natural   que   contraiam   empréstimos   buscando   uma   eficiência   superior  
Não   sabemos   qual   será   o   valor   do   amanhã   e,   portanto   não   podemos   para   assim   obterem   parcelas   de   mercados   dos   concorrentes.   Nesse  
medi-­‐lo   para   estimar   com   precisão   a   taxa   de   juros   (R).   Assim,   só   processo,   contabilizam   suas   necessidades   de   créditos   em   relação   ao  
podemos   estimar   ¬   formar   expectativas   de     ¬   quanto   valerá   o   total   de   seu   passivo   e   em   muitos   casos   contraem   novas   dívidas   para  
excedente   no   futuro   com   base   nas   condições   atuais   (   1/1+R).   De   pagamento   das   anteriores,   sucessivamente.   Assim,   asseveram   as  
qualquer   modo,   a   existência   dos   juros   requer   uma   base   de   bens   expectativas   de   um   futuro   grandioso.   São   esperados   com   este  
processo,  pelo  menos,  dois  resultados.  O  primeiro  é  um  aumento  dos  
Friedman  (1967)  chamou  esse  comportamento  de  renda  permanente.  Na  maioria  dos   juros,   pois   cada   investidor   não   conhece   a   estratégia   de   expansão   das  
países   parte   dessa   poupança   é   coletiva   e   compulsória,   como   no   caso   brasileiro   da   firmas   concorrentes   e   todos   concorrem   para   obter   empréstimos.  
aposentadoria   do   Ministério   da   Previdência   Social.   Algumas   empresas   adotam   o   Assim,   as   operações   financeiras   e   não   financeiras   aumentam   na   fase  
sistema   de   Fundo   de   Pensão   para   seus   funcionários,   geralmente   de   caráter   não   de   prosperidade     pressionando   a   disponibilidade   de   reservas   dos  
compulsório,  em  adição  ao  sistema  previdenciário  governamental.    

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bancos.  O  segundo  efeito  é  a  criação  de  um  excesso  de  oferta  produtiva   3. IDENTIDADES BÁSICAS  
resultante  da  ampliação  dos  investimentos.   Entramos,   aqui,   na   fase   de  
depressão   cíclica.   Como   as   empresas   resistem   inicialmente   a   reduzir   Do   ponto   de   vista   contábil   não   há   discórdia   sobre   a   igualdade   entre  
preços,   mesmo   em   uma   situação   de   oferta   maior   que   a   demanda,   a   demanda   e   oferta   agregada,   já   que   tudo   que   foi   produzido   deve   ser  
taxa   de   juros   irá   diminuir   mas   isso   não   irá   propiciar   maior   consumo   consumido.   De   fato,   o   Produto   Nacional   apurado   em   um   período   é  
presente   ou   novos   investimentos,   pois   a   demanda   agregada   não   foi   igual   a   Despesa   Nacional   daquele   período   que   foi   realizada   por   meio  
estimulada.     No   limite,   na     fase   de   descenso   cíclico,   as   sucessivas   da   Renda   Nacional   auferida   naquele     período.   Assim,   ao   final   do  
operações   de   crédito-­‐produção   irão   contribui   para   a   queda   período   contábil   esses   valores   são   idênticos:   a   Despesa   Nacional   é  
generalizada   da   rentabilidade   do   capital   investido.   Esse   é   um   dos   igual   ao   Produto   Nacional,   uma   vez   que   o   produzido   não   pode   ser  
mecanismos  clássicos  de  crise  do  sistema  capitalista  29.   vendido   sem   ser   comprado.     A   procura   efetiva   da   economia,   no  
entanto,   não   necessariamente   é   igual   ao   Produto   Nacional:   não   há  
Caracteristicamente,   uma   vez   iniciado   o   processo   de   crise,   todos   razão   para   acreditar   que   os   consumidores   estejam   desejosos   de  
contribuem   inicialmente   para   aprofundá-­‐lo   ao   buscarem   maiores   adquirir   a   mesma   quantidade   que   os   vendedores   querem   vender.    
parcelas   de   um   excedente   econômico   cujo   valor   esta   diminuindo.   Os   Para   a   contabilidade   nacional   isso   não   é   problema,   pois   como   vimos,  
rentistas  lutarão  por  maiores  retornos  de  seus  excedentes  econômicos   quando   os   produtores   produzem   em   excesso   as   estatísticas   o  
(rentabilidade   dos   papeis   financeiros),   os   empresários   competirão   consideram   como   investimento   (as   empresas   compram   os   estoques  
com   mais   vigor   em   busca   de   mercados   promissores   para   seus   não  vendidos).  Assim,  o  Produto  Nacional  corresponde  a  tudo  que  foi  
investimentos   (realização   de   lucros)   e   os   trabalhadores   lutarão   por   produzido  e  não  a  totalidade  do  que  tenham  efetivamente  vendido  as  
melhores   condições   (salários)   para   assegurar   a   continuidade   da   famílias  (oferta  efetiva).    
reproduçãosocial.
Oferta   e   demanda   agregadas   nas   economias   modernas   podem   ser  
estilizados  como  segue  abaixo:  

29Para  as  entidades  que  compõem  o  sistema  financeiro  interessa  somente  a  cobrança    
de  seus  serviços  de  intermediação  das  operações  entre  devedores  e  credores.  Assim,   Importação    
quanto   mais   devedores   melhor   é...   para   eles.   Entretanto,   eles   avaliam   os   riscos   dos   Consumo  
  Exportação  
empreendimentos   produtivos   e,   sob   o   manto   da   proteção   dos   depósitos   que  
gerenciam  visando  a  maior  rentabilidade  de  seu  trabalho,  jogam  as  taxas  de  juros  de  
captação   de   recursos   para   baixo   e   elevam   por   conta   dos   riscos   –   ou   perda   de   Y  +  M  +    T  =  C  +  G  +  I  +  X    
credibilidade   dos   investidores   –   a   taxa   de   empréstimo   para   cima.   Quando   o   circuito  
poupança-­‐taxa   de   captação   -­‐   empréstimo-­‐   taxa   de   aplicação   não   se   realiza   recorrem  
aos   bancos   centrais.   Afinal   os   poupadores   abriram   mão   de   seu   consumo   presente   e   os  
    Impostos    
Gastos   investimento  
investidores  calcularam  mal  o  rendimento  de  suas  operações  justamente  porque  com   Produto   do  
taxas  de  juros  maiores  a  sociedade  decidiu  abrir  mão  de  seu  consumo  presente  tendo   Nacional     Governo  
em   vista   um   melhor   consumo   no   futuro.   Quando   o   Banco   Central   intervém,   o   prejuízo  
 
dos   processos   de   escolhas   entre   poupadores   e   investidores,   sob   a   gerência   das  
instituições  privadas  do  sistema  financeiro,  é  socializado.    

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O  lado  esquerdo  da  identidade  é  a  oferta  agregada  e  o  lado  direito  é  a   O   Produto   (Renda)   Y   é   descrito   em   termos   de   bens   e   serviços  
demanda   agregada.   Na   macroeconomia   oferta   e   demanda   reservam   constituídos   pela   despesa   em   consumo   (C)   e   em   investimento   (I).   Vale  
um   aspecto   distintivo:   dizem   respeito   a   decisões   efetivas   dos   dizer,  o  que  é  produzido  em  uma  coletividade  são  bens  destinados  ao  
produtores  e  consumidores  e  envolve  um  aspecto  crucial,  qual  seja:    o   consumo   popular   (bens   e   serviços   finais)   ou   a   composição   dos  
livre  arbítrio  que  os  indivíduos  possuem  com  respeito  ao  destino  que   investimentos   (bens   de   capital).   Do   ponto   de   vista   da   contabilidade  
dão   ao   seu   dinheiro.   Dentre   as   varias   contribuições   de   Keynes   essa   foi   nacional  a  equação  acima  é  uma  identidade.    
uma  das  principais.  Ele  chamou  de  princípio  da  demanda  efetiva  essa  
arbitrariedade   cujo   limite   é   dar   significação   a   vontade   dos   seres   O   próximo   passo   é   encontrar   uma   identidade   correspondente   para  
humanos,  como  discutido  anteriormente.   examinarmos  o  destino  da  Renda.  Uma  parte  será  gasta  em  consumo  e  
parte  será  poupada  (S).  Assim  podemos  escrever.  
Apesar   de   contabilmente   o   produto   ser   igual   a   demanda,   as   decisões    
dos   agentes   econômicos   no   plano   microeconômico   podem   conferir   Y=  S  +  C  
rumos   a   economia   distantes   daqueles   que   seriam   socialmente  
desejados  ou  direcionados  ao  equilíbrio  econômico.   Então:  C  +  I  =  Y  =  C  +  S  
3.1  UMA  ECONOMIA  SIMPLES  
I  =  Y  –  C  =  S  
A  macroeconomia  não  tem  um  modelo  que  represente  a  realidade  em  
termos   de   economia   simples   sem   as   entidades   governo   e   comércio   Esta   última   identidade   constitui   um   resultado   importante.   Mostra  
exterior.   Keynes   a   formulou   inicialmente   considerando   o   gasto   do   primeiramente   que,   nesta   economia   simples,   a   poupança   é   idêntica   à  
governo   de   fundamental   importância,   pois   por   meio   dele   se   poderia   renda   menos   consumo.   O   investimento   é,   portanto,   idêntico   à  
calibrar  a  demanda  e  oferta  agregadas  em  direção  ao  pleno  emprego.30   poupança  após  a  apuração  contábil.    
Apesar  disso,  vale  destacar  um  enfoque  simplificado  da  economia  para  
caracterizar   dois   aspectos   importante:   a)   o   livre   arbítrio   que   o   ser   No  mundo  real,  uma  situação  de  equilíbrio  macroeconômico  é  pensada  
humano  tem  nos  seus  processos  de  escolha  entre  consumo,  poupança   quando   as   expectativas   dos   investidores   e   poupadores   ¬   entre   o  
e   investimento   e   b)   a   função   que   o   consumo   estabelece   para   o   quanto   investir   e   o   quanto   poupar   ¬   se   aproximam   tornando   a  
crescimento  da  renda  (Y).   quantidade   ofertada   próxima   a   quantidade   demandada.     É   obvio   que  
essas   expectativas   estão   longe   de   formarem   um   volume   de   popanças  
Y  =  C  +  I   próximo   ao   desejado   pelos   investidores   e   vice-­‐versa   uma   vez   que   as  
motivações   que   levam   as   famílias   a   pouparem   são   diferentes   daquelas  
que  induzem  as  empresas  a  fazerem  investimento.    

30  Posteriormente,  somente  nos  anos  de  1950  é  que  foi  introduzida  nesta  identidade  
A   totalidade   dos   investimentos   pode   expressar   parcela   de   um  
as     relações   econômicas   com   os   parceiros   comerciais   no   estrangeiro,   provavelmente  
porque   apos   a   Segunda   Guerra   Mundial   as   relações   de   comércio  internacional   ficaram  
aumento   de   estoque   involuntário   como   resultado   de   erros   por   parte  
mais  intensas.
dos   produtores   que   esperavam   vender   mais   do   que   na   realidade   o  

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fizeram.   Dito   de   outra   forma,   a   maior   poupança,   que   pode   ser   direção   ao   equilíbrio   (estabilização)   e   ao   pleno   emprego  
representada   pelo   excesso   de   investimento   em   relação   aos   gastos   de   (crescimento).  
consumo,  resulta  de  os  indivíduos  decidirem  consumir  menos  (mesma  
medida   dos   estoques   involuntários)   e   assim,   poupar   mais   do   que   o   Os  economistas,  nos  seus  esforços  investigativos,  pensam  a  economia  
esperado   pelas   empresas.   A   situação   contrária   pode   ocorrer   levando   como,   primeiramente   estando   em   equilíbrio:   poupança   igual   a  
os   consumidores   a   poupar   menos   e,   portanto,   consumirem   mais   do   investimento,  Tributação  igual  a  Gastos  do  Governo,  Exportação  igual  
que   o   esperado   pelos   produtores   que   planejaram   seus   investimentos   a  Importação:  enfim,  Renda  igual  a  Produto.  Depois,  então,  estimam  o  
subestimando  a  demanda  potencial,  no  caso:  o  nível  de  consumo.     quanto   as   variáveis   estão   distantes   em   relação   as   suas   contrapartes.  
Os   resultados   alcançados   são   apropriados   pelos   formuladores   da  
Essas   situações   são   muito   comuns   e   pertencem   ao   mundo   do   livre   política   econômica   que   procuram   influenciar   os   indivíduos   nas   suas  
arbítrio  que  os  indivíduos  possuem  para  fazerem  o  que  bem  entendem   escolhas   econômicas   usando   instrumentos   das   políticas   fiscal   e  
com   a   sua   renda.  O  exercício  da  vontade  pelos  indivíduos  em  relação  a   monetária.  Procuram  calibrar  as  variáveis  econômicas  para  conduzir  a  
sua   renda   é   a   causa   primária   da   demanda   por   bens,   serviços   e   economia  a  um  nível  de  renda  e  produto  que  se    aproxime.  
investimentos  na  economia.  O  consumidor  ao  decidir  o  que  gastar  em  
3.2  INTRODUZINDO  O  GOVERNO  E  O  MERCADO  EXTERNO.  
consumo   estará,   por   conseguinte,   também   definindo   o   que   será  
poupado.  De  fato,  as  decisões  de  formação  das  poupanças,  dos  gastos  
Podemos  aproximar  a  economia  simples  ao  mundo  atual  considerando  
do   governo,   do   lazer,   dos   investimento   públicos   e   privados,   relativas   a  
a   existência   do   governo   e   das   relações   econômicas   com   os   demais  
educação,  saúde    e  outras  representam  o  contradomínio  do  excedente  
países.  De  modo  singelo,  podemos,  sem  perda  de  conteúdo,  decompor  
econômico.  
o   PNB   pela   ótica   do   destino   da   produção.   Assim,   ele   corresponde   as  
categorias  listadas  a  seguir,  como  vimos  anteriormente.  
Considerando   os   elementos   que   põem   em   movimento   o   mundo  
econômico,   os   empresários   ao   perceberem   que   investiram   mais   do  
PNB  =  C  +  I  +  G  +  (X  –  M)    
que   os   consumidores   desejavam   consumir   se   sentirão   forçados   a  
reduzir  preços  ou  seus  investimentos  no  sentido  de  diminuírem  seus  
estoques.  A  situação  contrária  também  pode  acontecer,  isto  é,  no  curso   Os  gastos  do  governo  são  representados  pela  letra  G  (gastos  correntes,  
da  produção  o  consumo  pode  se  posicionar  além  do  que  as  empresas   de   investimento,   transferências   para   o   setor   privado,   incluindo   o  
investiram.   Como   a   demanda   é   superior   a   quantidade   de   produtos   pagamento   de   juros).   A   inclusão   das   transações   econômicas   com  
disponíveis,   os   preços   serão   majorados   e,   ou,   as   empresas   investirão   demais  países  é  representada  pelas  exportações  líquidas:  exportações  
rapidamente   para   prover   a   quantidade   de   bens   e   serviços   desejados.   (X)   menos   importações   (M)   de   bens,   serviços,   incluindo   os  
Esses   movimentos   de   aproximação   e   afastamento   entre   poupança   e   pagamentos   e   recebimentos   internacionais   de   rendas   devidas   a  
investimento   acontecem   porque   os   consumidores   e   os   investidores   utilização   dos   fatores   de   produção   e   transferências   unilaterais  
criam   expectativas   com   respeito   ao   mundo   econômico   que   são   caracterizadas   por   doações,   de   toda   ordem.   Consumo   (C)   e  
diferentes.   Este   é   o   ambiente   da   macroeconomia:   calibrar   variáveis   de   investimentos  (I)  são  conceitos  já  estabelecidos.  
politica   governamental   para   aprumar   agregados   econômicos   em  
Como  vimos,  a  Renda  Nacional  (Y)  é  igual  ao  PNB  menos  a  depreciação  

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e   os   impostos   (T).   Adicionando   a   Renda   Nacional   as   transferências   daquele  que  seria  possível  somente  com  a  poupança  nacional.  
governamentais   as   famílias   (TR)   encontramos     a   Renda   disponível  
(Yd).  Então:     Resumindo,  investimentos  superiores  a  poupança  doméstica  ou  gastos  
governamentais   maiores   do   que   a   receita   tributária   propiciam   a  
RN  –  T  +  TR  =  Yd;   entrada   de   poupança   externa.   Contrariamente,   interpretamos   a  
poupança   doméstica   acima   dos   investimentos   como   um   saldo   positivo  
Yd  =  C+  S;   líquido  com  o  exterior  e,  portanto  o  país  é  um  exportador  de  poupança  
(de   capital).   Observem   que   o   efeito   vai   do   investimento   para   a  
C  =  Yd  -­‐  S   poupança.   São   as   decisões   de   investimento   no   país   que   indicam   a  
entrada   ou   saída   dele   ou   em   outras   palavras   o   comportamento   das  
Fazendo  as  devidas  substituições  na  identidade  da  Renda  e  incluindo   exportações   líquidas   31.     A   política   fiscal   e   monetária   podem  
as   transferências   governamentais   as   famílias   (TR)   como   parcela   do   influenciar  esse  processo  manipulando  a  taxa  de  juros  e  a  de  câmbio.    
gasto  governamental  (G)  obtemos:  
As   linhas   de   gastos   do   governo   são,   geralmente,   numerosas   em   função  
Yd  +  T  =  Yd  —  S  +  I  +  G  +  X  —  M   das   atividades   demandadas   pela   sociedade.   O   Estado,   de   modo   geral,  
cuida   do   provimento   de   hospitais   públicos,   arca   com   o   saneamento  
Que  segue:   básico,  fornece  educação  e  segurança  pública  aos  seus  cidadãos,  para  
(T  –  G)  -­‐  TR  =  (I  –  S)  +  (X  –  M)   citar   as   funções   mais   usuais.   Cabe   ao   Estado   também   efetuar  
transferências   ao   setor   privado   e   prover   infraestrutura   adequada   a  
ou   sociedade.   Quando   os   gastos   se   apresentam   maiores   do   que   a  
tributação,   o   financiamento   é   obtido   por   meio   do   lançamento   de  
(S  –  I)  =  (G  –  T)  +  (X  –  M)   títulos  de  dívida  pública.  Esses  títulos  são  leiloados  pelo  Banco  Central  
contendo   cláusulas   contratuais   indicativas   de   valor   e   data   de   resgate  
Essa   identidade   manifesta   o   desequilíbrio   entre   poupança   e   no  futuro.    
investimento   do   setor   privado   (S   —   I)   tendo   como   contrapartida   o  
desequilíbrio   no   orçamento   público   (G   —   T)   e,   ou,   nas   exportações   No   caso   brasileiro,   a   política   governamental   prioriza   o  
liquidas  (X  —  M).     estabelecimento   do   superávit   primário   dos   gastos   públicos   construído  
pelas  receitas  tributárias  menos  as  despesas  correntes  e  investimento  
Em  outras  palavras,  quando  o  investimento  privado  é  maior  do  que  a  
poupança   nacional   a   interpretação   é   que   a   economia   contou   com   o  
ingresso   de   poupança   (empréstimos)   externa   complementar.   Esse   31   Raramente   o   saldo   positivo   externo   significa   receita   tributária   acima   dos   gastos  

complemento   é   justamente   os   ingressos   de   recursos   externos   governamentais,   pois   tal   situação   nos   levaria   a   pensar   que   o   governo   estaria   tendo  
“Lucros”  o  que  claramente  em  ambientes  democráticos  é  impensável;  pagar  impostos  
caracterizados   na   identidade   por   M   que   serão   superiores   as   acima  das  necessidades  do  Estado  para  o  cumprimento  de  suas  funções.    
exportações   (X)   na   medida   para   realizar   os   investimentos   além  

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do   governo.   Ele   indica   do   total   arrecadado   pela   tributação   para   essencialmente   das   circunstâncias   e   condições   dos   nossos   parceiros  
cumprir   as   funções   tradicionais   do   Estado,   o   que   restou   para   ser   comerciais   externos.   Já   as   importações   podem   ser   controladas   por  
utilizado   no   resgate   e   pagamento   dos   juros   dos   títulos   públicos   meio   de   políticas   de   contração   da   demanda   agregada.   Por   esse   motivo  
lançados  no  passado  com  vencimento  presente  ou  futuro.     os   ajustamentos   macroeconômicos   exercidos   sobre   o   mercado  
doméstico   visam,   também,   reduzir   importações   reduzindo   a  
No  Brasil,  o  conceito  de  superávit  primário  inicialmente  foi  usado  para   necessidade  de  novos  empréstimos  externos.  
diferenciar   o   que   era   gasto   corrente   do   que   era   mero   pagamento   de    
juros  da  dívida  pública.  A  partir  da  orientação  do  FMI,  nos  anos  90,  o  
superávit   primário   passou   a   ser   instituído   por   metas   definidas   3.3  RENDA  E  O  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  
previamente.   Assim,   os   parâmetros   da   arrecadação   tributária  
passaram   a   ser   calibrados   para   formarem   uma   receita   maior   do   que   Na  seção  anterior  relacionamos  as  transações  econômicas  do  país  com  
aquela   requerida   pelo   Estado   para   os   gastos   imediatos   com   o   os  parceiros  internacionais  introduzindo  na  contabilidade  nacional  um  
provimento  de  suas  funções  básicas.  Por  conta  do  estabelecimento  de   agente  externo  (X-­‐M),  em  adição  as  contas  das  famílias,  do  governo  e  
metas   de   superávit   primário,   os   tributos   arrecadados   foram   das  empresas.    As  relações  econômicas  do  país  com  o  resto  do  mundo  
continuamente   elevados.   A   carga   tributária   brasileira   é   uma   das   foi  olhada  de  forma  compacta  não  fazendo  distinção  entre  as  variações  
maiores  do  mundo  em  proporção  ao  PIB.  Em  2009  foi  cerca  de  40  %,   de  estoques  patrimoniais  dos  residentes  e  não  residentes  decorrentes  
superior   à   dos   Estados   Unidos   (25,77%)   e   do   Japão   (26,28%),   por   das   relações   econômicas   internacionais.   Essa   seção   faz   essa  
exemplo.     É   inferior,   no   entanto,   à   carga   tributária   de   países   como   a   decomposição  por  meio  do  estudo  do  Balanço  de  Pagamentos.    
Suécia   (51,35%),   Dinamarca   (49,85%)   Bélgica   (46,85%)   e   França  
(45,04%),   que   apresentam   economias   com   alto   grau   de   bem-­‐estar   O   Balanço   de   Pagamentos   registra   as   transações   econômicas   entre  
social  causado  justamente  por  políticas  públicas  adequadas.   residentes   e   não   residentes   de   um   país.   As   transações   são   efetuadas  
pelo   setor   público   e   privado.   Incluem   o   comércio   de   bens   e   serviços  
Observe   que   na   identidade   acima,   a   elevação   da   tributação   com   a   (balança   comercial),   pagamentos   pela   utilização   de   fatores   de  
redução   dos   gastos   correntes   governamentais   ou   de   infraestrutura   produção  de  propriedade  dos  residentes  e  dos  não  residentes  (rendas  
rebatem   no   mercado   externo   atenuando   as   importações   (M).     Vale   enviadas   e   recebidas),   transferências   unilaterais   e   as   transações   com  
dizer,  o  alcance  do  equilíbrio  externo  neste  caso,  se  dá  em  detrimento   ativos  financeiros  e  monetários.    
das   possibilidades   de   crescimento   da   economia   doméstica  
impulsionada  pelos  gastos  governamentais.  Pelo  lado  das  exportações,   A  tabela  abaixo  foi  extraída  do  Banco  Central  do  Brasil  e  contempla  o  
elas  são  autônomas  e  dependem  dos  demais  países  desejarem  nossos   Balanço  de  Pagamentos  Brasileiro  no  ano  de  2009.  
produtos  e  terem  dinheiro  para  comprá-­‐los.    
Seu   método   contábil   é   o   de   partidas   dobradas   onde   um   registro  
De   fato,   o   maior   desempenho   exportador   pode   atenuar   os   efeitos   representa   a   natureza   econômica   e   outro   à   contrapartida   monetária  
adversos  na  economia  causados  pelo  estabelecimento  das  metas  para   ou  financeira.  Os  lançamentos  são  feitos  em  dólar  americano.  
o   superávit   primário.   No   entanto,   a   receita   das   exportações   depende  

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Faz-­‐se   distinção   entre   as   transações   por   conta   corrente   –   bens   e   BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  DO  BRASIL  
serviços   e   pagamentos   unilaterais   (doações,   por   exemplo)   –   e   as   Nome  da  conta   2009  
Balança  comercial  (saldo)   25290  
transações  de  ativos  monetários  e  financeiros.  Dentro  desta  última,  se  
Exportação  de  bens  (fob)   152995  
faz  distinção  entre  as  de  curto  prazo  e  longo  prazo,  dependendo  se  o   Importação  de  bens  (fob)   -­‐127705  
vencimento   do   ativo   seja   inferior   ou   não   há   um   ano   e   também   se   os   Serviços  e  rendas  (líquido)   -­‐52930  
ativos  financeiros  são  de  natureza  autônoma  ou  compensatória.     Serviços  (líquido)   -­‐19245  
Serviços  (receita)   27728  
Desde   os   anos   50,   quando   o   padrão   de   acumulação   mundial   se   alterou   Serviços  (despesa)   -­‐46974  
Rendas  (líquido)   -­‐33684  
radicalmente   por   conta   do   espetacular   desenvolvimento   tecnológico,   Rendas  (receita)   8826  
originado   pela   II   Guerra   Mundial,   as   relações   entre   países   se   tornaram   Rendas  (despesa)   -­‐42510  
intensas.   Esse   fenômeno   produziu   um   debate   em   torno   da   definição   Transferências  unilaterais  correntes  (líquido)   3338  
apropriada   de   um   déficit   no   balanço   de   pagamento,   bem   como   da   Transações  correntes  (saldo)   -­‐24302  
apresentação  das  contas  que  o  integram.  Vale  observar  que  o  Balanço   Conta  capital  e  financeira  (líquido)   71301  
de   Pagamentos   tem   saldo   igual   à   zero   pois   pela   definição   de   balanço   o   Conta  de  capital  (líquido)   1129  
Conta  financeira  (líquido)   70172  
ativo  é  sempre  igual  ao  passivo,  pela  aplicação  do  método  de  partidas   Investimento  direto  total  (líquido)   36033  
dobradas.     Investimento  brasileiro  direto  -­‐  IBD  (líquido)   10084  
IBD  -­‐  participação  no  capital  (líquido)   -­‐4545  
Transações  Correntes  (CT)  –  Conta  Capital  e  Financeira  (CKF)  =  0   IBD  -­‐  empréstimos  intercompanhia  (líquido)   14629  
Investimento  estrangeiro  direto  -­‐  IED  (líquido)   25949  
IED  –  part.  no  capital  -­‐  inclui  reinvestimento  -­‐  total  (líquido)   19906  
Se   a   combinação   entre   o   saldo   em   transações   corrente   e   a   conta   de   IED  -­‐  empréstimo  intercompanhia  -­‐  total  (líquido)   6042  
capital   e   financeira   resultar   em   déficit   (superávit)   o   pensamento   Investimento  em  carteira  -­‐  total  (líquido)   50283  
convencional  é  que  as  condições  econômicas  entre  o  país  e  o  resto  do   Investimento  brasileiro  em  carteira  -­‐  IBC  (líquido)   4125  
mundo   criaram   um   excesso   de   demanda   (de   oferta)   de   divisas   IBC  -­‐  ações  de  companhias  estrangeiras  -­‐  total  (líquido)   2582  
internacionais.   No   ano   de   2009,   o   saldo   em     transações   correntes   foi   IBC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  LP  e  CP  (líquido)   1542  
Investimento  estrangeiro  em  carteira  -­‐  IEC  (líquido)   46159  
negativo   em   cerca   de   24   bilhões   de   dólares,   inferior   ao   ingresso   pela  
IEC  -­‐  ações  de  companhias  brasileiras  -­‐  total  (líquido)   37071  
conta   de   movimentos   de   capital   que   girou   ao   redor   de   71   bilhões.   A   IEC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  total  (líquido)   9087  
diferença  é  exatamente  retratada  na  variação  de  haveres  externos  (H)   Derivativos  -­‐  total  (líquido)   156  
¬  resultado  do  balanço¬  com  o  resto  do  mundo.     Derivativos  -­‐  ativos  (líquido)   322  
Derivativos  -­‐  passivos  (líquido)   -­‐166  
Assim:    (CT)  –  (CKF)  –  Δ  H  =  0   Outros  investimentos  -­‐  total  (líquido)   -­‐16300  
Outros  investimentos  brasileiros  -­‐  OIB  -­‐  total  (líquido)   -­‐30376  
Outros  investimentos  estrangeiros  -­‐  OIE  total  (líquido)   14076  
  Erros  e  omissões   -­‐347  
Resultado  do  balanço   46651  
  Fonte;  Banco  Central  do  Brasil.  

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Os   haveres   externos   representam   justamente   a   variação   da   reservas     300   bilhões   de   dólares.   A   divida   externa   compreende   transações   do  
internacionais  ΔRI  (com  o  sinal  trocado).   governo   nas   esferas   federal,   estadual   e   municipal,   do   setor   privado,  
das  instituições  financeiras  e  do    Banco  Central.  Ela  representa  parcela  
(CT)  –  (CK)  =  Δ  H  =  Δ  RI   do  passivo  da  economia  brasileira  e  as  reservas  internacionais  o  ativo.      

Observe   que   o   saldo   em   conta   corrente   negativo,   embora   possa   ser   3.3.1  ASPECTOS  MONETÁRIOS  DO  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  
coberto   pela   conta   capital   e   financeira,   contabilmente   indica,   na  
mesma   medida,   a   necessidade   de   financiamento   externo   que   no   final   Vamos   introduzir,   agora,   alguns   aspectos   monetários   do   Balanço   de  
das   contas   representa   um   endividamento   externo   naquele   montante.   Pagamentos.   Existe   uma   relação   íntima   entre   as   variações   das  
Isto   porque   a   conta   capital   e   financeira   mostra   transferências   reservas   cambiais   e   a   base   monetária,   já   que   a   moeda   nacional   é   de  
patrimoniais   que   a   qualquer   momento   podem   ser   desfeitas.   curso   forçado.   O   ingresso   de   moeda   estrangeira   destinado   aos  
Representa   o   passivo   ou   ativo   de   um   país   em   relação   aos   demais.     O   residentes,   sob   qualquer   modalidade,   deve   ser   convertido   em   moeda  
saldo   em   conta   corrente,   por   seu   lado,   representa   o   que   restou   nacional,   à   taxa   de   câmbio   prevalecente.   De   igual   modo,   os  
monetariamente,   uma   vez   consumido/extinto   produtos   e   serviços   estrangeiros   são   inclinados   a   converterem   seus   pagamentos   em  
entre  residentes  e  não  residentes.     moedas   nacionais,   já   que   comprarão   produtos   no   seus   país  
estrangeiro,  salvo  se  o  país  não  adota  o  curso  forçado  de  sua  moeda  ou  
O   Brasil,   que   vinha   tendo   saldos   negativos   em   conta   corrente   no   mantenha   acordos   de   aceitação   pelo   mercado   doméstico   de  
Balanço   de   Pagamentos   durante   os   anos   1970/80   renegociou   a   sua   determinadas  moedas  estrangeiras32.    
dívida  externa  com  os  bancos  internacionais  em  julho  de  1992,  através  
de   acordos   que   alteraram   o   perfil   da   dívida.   O   elemento   essencial   Quando   os   ingressos   de   moeda   estrangeira   são   maiores   do   que   as  
desse  tipo  de  acordo  foi  à  renovação  da  dívida,  mediante  sua  troca  por   saídas   de   moeda   nacional,   temos   um   saldo   positivo   de   reservas  
bônus   de   emissão   de   títulos   internacionais   brasileiros,   cujos   termos   internacionais   que   recebem   sua   contraparte   em   moeda   nacional.  
envolvem   abatimento   do   encargo   da   dívida,   seja   sob   a   forma   de   Quando   o   contrário   ocorre;   os   importadores   pagam   mais   pelos  
redução  de  seu  principal,  seja  por  alívio  da  carga  de  juros.   produtos   externos   que   os   exportadores   recebem   por   suas   vendas  
externas,  o  efeito  é  de  contração  da  liquidez  doméstica.    
O   governo   brasileiro   desde   aquela   época   está   autorizado   a   realizar  
operações  de  compra  e  venda  de  títulos  da  dívida  mobiliária  externa.  
Eles   são   renegociados   ou   trocados   por   outros   títulos   (de   emissão  
interna  ou  externa),   para   fins   de   redução   do  estoque   (ou   encargos)  da   32  
Existe   um   conjunto   razoável   de   países   que   aceitam   moedas   estrangeiras   pré-­‐
dívida,   com   alongamento   dos   seus   prazos,   ajuste   no   perfil   do   determinadas  em  suas  transações  internas.  Os  países  do  MERCOSUL,  Brasil,  Argentina,  
Uruguai,   e   Paraguai,   por   exemplo,   assinaram   recentemente   um   acordo   de   Crédito  
endividamento   público   e   incentivo   a   projetos   específicos.   No   final   do   Recíproco  que  significa  a  aceitação  nas  transações  de  importação  e  exportação  entre  
ano   de   2009   a   dívida   externa   brasileira   composto   por   títulos   eles   da   moeda   nacional   do   parceiro   comercial.     A   Argentina,   por   exemplo,   há   pouco  
internacionais  correspondia  a  277  bilhões  de  dólares,  pelos  dados  do   tempo   atrás,   adotou   um   sistema   cambial   ancorado   no   dólar.:   Internamente   era  
Banco  Central.  No  ano  passado  (2013)  ela  somou  valores  superiores  a   utilizado   tanto   a   moeda   nacional   quanto   a   moeda   norte-­‐americano   nas   transações  
internas  a  uma  taxa  de  conversibilidade  fixada.  

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Isso  pode  ser  mais  bem  entendido  com  o  auxilio  das  contas  do  Balanço   como   as   exportações   são   autônomas   em   relação   ao   nível   de   renda  
do  Banco  Central,  como  apresentado  de  modo  estilizado  a  seguir.     interna,  o  Balanço  de  Pagamentos  também  se  ajusta  automaticamente  
(no   próximo   capítulo   veremos   com   mais   propriedade   o  
  comportamento  das  importações  e  exportações  em  relação  a  variação  
da   renda).   Assim,   podemos   imaginar   que   o   Balanço   de   pagamentos  
Balanço  Simplificado  do  Banco  Central   pode   ter   movimentos   alternados   entre   déficits   e   superávits   ao   longo  
ATIVO   PASSIVO   do   tempo,   o   que   sugere   que   no   longo   prazo   ele   encontra-­‐se   em  
Reservas  internacionais  (  RI)   Dinheiro  primário  (H)   equilíbrio33.      
Crédito  Público  (CP)    
E   razoável   supor,   no   entanto,   que   os   governos   não   sigam   os  
Assim,  do  balanço  simplificado  acima  se  deduz  que:   ensinamentos   postos   pela   ideia   do   ajuste   automático   do   Balanço   de  
Pagamento,  pois  sua  validade  depende  dos  demais  países  perseguirem  
também   esses   ensinamentos.   Para   que   de   fato,   o   ajustamento  
∆RI  =  ∆H  —  ∆CP  
automático   se   verifique   é   necessário   que   todos   os   países   utilizem   seus  
Bancos   Centrais   como   caixas   de   compensação,   abrindo   mão   de  
Esse   é   um   modelo   de   balanço   ideal   do   Banco   Central.   A   variação   das  
medidas  compensatórias  em  face  de  um  déficit  externo.    
reservas   internacionais   líquidas   ∆RI   rebate   na   diferença   entre   a  
variação  de  dinheiro  e  o  crédito  público  do  Banco  Central.  (composto  
pelos  títulos  da  dívida  pública).   Na   existência   de   desequilíbrio   externo,   os   países   podem   atenuar   os  
efeitos  da  menor  liquidez  monetária  contraindo  dívidas  externas,  com  
as   quais   se   permitem   continuar   importando   acima   do   permitido   pela  
Uma  queda  nas  reservas  internacionais  –  situação  de  déficit  externo  -­‐  
receita   cambial   providenciada   pelas   exportações.   De   fato,   o   Banco  
indica   que   os   residentes   contrataram   bens   e   serviços   ou   compraram  
Central   amplia   seus   créditos   públicos   (CP)   em   moeda   nacional   no  
ativos   do   resto   do   mundo   além   do   que   receberam   por   suas   vendas  
montante   requerido   pelo   endividamento   externo   em   dólares   a   taxa   de  
externas.  A  variação  do  dinheiro  primário  ∆H  será,  portanto  negativa,  
cambio   de   mercado.     Assim,   a   redução   da   liquidez   -­‐   na   ausência   de  
contraindo  a  liquidez  interna.  No  limite,  esta  situação  faz  com  que  os  
uma   política   ativa   do   Banco   Central   -­‐   por   conta   da   variação   negativa  
preços   domésticos   caiam,   os   juros   subam,   os   investimentos   sejam  
no   dinheiro   primário   (H),   é   esterilizada   e   os   efeitos   negativos   na  
refreados   e   o   desemprego   aumentado.   Em   resumo:   a   demanda  
economia  doméstica  que  seriam  causados  pela  contração  da  demanda  
agregada   se   contrai   reduzindo   a   atividade   econômica.   Assim,   as  
agregada  são  postergados.  O  aumento  do  crédito  público  ∆CP  pode  ser  
importações   se   contraem   ajustando   automaticamente   o   Balanço   de  
utilizado   para   estabilizar   o   volume   de   dinheiro   primário   que   sofreria  
Pagamentos.    

Uma   elevação   nas   reservas   internacionais   sugere   efeitos   justamente  


33  Um  dos  autores  desse  pensamento  foi  D.  Hume  no  século  XVIII,  na  época  em  que  o  
contrários:  a  liquidez  doméstica  aumenta,  os  juros  caem  favorecendo  
ouro  era  a  moeda  reserva  internacional  e  os  balanços  de  pagamentos  se  ajustavam,  de  
novos  investimentos  e  o  desemprego  diminui.  Neste  caso,  a  economia   fato,  automaticamente,  pois  não  existia  a  possibilidade  de  manipulação  cambial,  dado  
doméstica   aquecida   requer   quantidade   adicional   de   importáveis   e   que  ele  tinha  livre  transito  internacional.  

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redução   por   conta   de   uma   variação   negativa   no   saldo   comercial   Assim;  


externo.   Como   não   houve   contração   da   liquidez,   as   condições   no  
mercado   doméstico   não   se   alteram   e   o   déficit   do   saldo   em   conta   ∆CD*  =  ∆CP  +  ∆CD  
corrente   do   Balanço   de   Pagamentos   passa   a   ser   financiado   por  
empréstimos.   Essa   política   é   denominada   de   esterilização   dos   efeitos   Desde   que   se   supõe   que   o   déficit   público   seja   financiado   mediante   o  
monetários  do  Balanço  de  Pagamento.   recurso  do  endividamento  público  com  o  sistema  bancário,  temos:  
3.3.2.    Ampliando  o  modelo  
∆CP  =  ∆G  -­‐  ∆T  
Quando   ampliamos   a   relação   contábil   do   balanço   do   Banco   Central  
para  incluí-­‐lo  no  sistema  Financeiro  e  Bancário  consolidado  temos:   Substituindo  os  termos  encontramos:  

Balanço  Consolidado  do  Sistema  Bancário   ∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD  —  (∆G  —  ∆T)  
ATIVO   PASSIVO  
Reservas  internacionais  (RI)   M2   Uma   queda   na   variação   de   ΔRI,   mantendo-­‐se   M2   constante   demanda  
Crédito  Doméstico  (CD*)     expansão   do   crédito   doméstico   (∆CD)   ou   alternativamente   em   um  
aumento  do  déficit  público  (∆G>∆T).  
∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD*  
Essa   identidade   foi   bastante   utilizada   pelos   países   com   dívida   externa,  
  na   qual   caracterizavam   intenções   demonstrativas   de   ajustamento  
macroeconômico   do   país   (redução   da   demanda   agregada)   ao   Fundo  
Monetário   Internacional   (FMI)   para   obter   o   seu   aval   e   continuar   se  
Essa   perspectiva   financeira-­‐monetária   compreende   a   aquisição   de  
endividando   ou   postergando   os   pagamentos   dos   encargos   da   divida  
ativos   externos   pelo   sistema   bancário   por   meio   da   expansão  
externa.   Os   cálculos   de   engenharia   financeira   são   amplamente  
monetária   e   da   expansão   do   crédito.   M2   é   a   denominação   para   os  
utilizados   para   estabelecer   tetos   ao   crédito   público   (CP)   e   ao   setor  
meios   de   pagamentos,   constituídos   pelo   papel-­‐moeda   em   poder   do  
privado   não-­‐bancário   (CD)   em   relação   a   expansão   dos   meios   de  
público   mais   os   depósitos   a   vista   de   curto   e   longo   prazo   nos   bancos  
pagamentos   (M2).   Em   casos   mais   dramáticos,   como   resultou   ser   no  
comerciais34.   Podemos   considerar   o   crédito   doméstico   (CD*)   como  
caso   brasileiro   a   partir   de   meados   dos   anos   de   1980,   a   redução   do  
composto  pela  soma  do  crédito  ao  setor  público  (CP)  mais  o  crédito  ao  
déficit   público   para   níveis   compatíveis   com   a   redução   da   demanda  
setor  privado  não-­‐bancário  (CD).    
agregada  passou  a  ser  alcançada  através  da  aplicação  de  metas  para  o  
superávit  primário.    

No   caso   brasileiro,   programas   de   privatizado   do   Estado   e  


34   O   conceito   de   meios   de   pagamento   será   abordado   com   mais   propriedade   mais   a  
“enxugamento”   da   máquina   estatal   foram   também   adotados   como  
frente.   Por   enquanto   basta   associa-­‐lo   ao   que   o   próprio   nome   sugere:   dinheiro     para  
pagar  as  aquisições  de  bens  e  serviços.   forma   de   reduzir   o   déficit   público   nos   anos   de   1990.   Esse   programa  

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adicionado   a   politica   monetária   contracionista   elevando   as   taxas   de  


juros   exerceu   uma   redução   no   crédito   doméstico   (∆CD)   4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  
desestimulando   a   demanda   agregada.     O   resultado   final   esperado   é   o  
de   aumentar   as   reservas   internacionais   por   contração   na   renda   Como   vimos   anteriormente,   a   Contabilidade   Nacional   trata   a  
doméstica  para  solucionar  os  problemas  de  ajustamento  no  balanço  de   quantificação   da   Renda   e   do   Produto   e   de   seus   componentes   (gastos  
pagamentos   causados   pela   elevação   dos   juros   internacionais.   Os   do   governo,   tributação,   consumo,   investimento,   poupança,   importação  
contratos   da     divida   externa   brasileira   nesta   época   somavam   valor     e   exportação)   como   variáveis   independentes   uma   das   outras.   Ela  
superior  a  100  bilhões  de  dólares.       inventaria  esses  agregados  em  um  determinado  período  de  tempo  em  
moeda   corrente.   Podemos,   depois,   depurá-­‐los   dos   aspectos  
monetários   expressando   seus   valores   em   moeda   constante   ou   em  
moeda  internacional,  mas  essa  quantificação  é  feita  sem  relacioná-­‐los  
funcionalmente.   A   disciplina   macroeconomia   faz   justamente   esse  
“dever  de  casa”  :    relacionar  a  direção  dos  nexos  entre  os  agregados.    

Os   níveis   da   Renda   e   do   Produto   são   determinados   pelo  


comportamento   de   seus   componentes.   Variações   nos   investimentos,  
nas   exportação,   nos   gastos   do   governo   e   nos   demais   agregados  
econômicos  não  impactam  a  renda  e  o  produtos  na  mesma  magnitude  
de  sua  variação.  Pode  parecer  estranho  mas  o    impacto  causado  pelas  
variações   nos   agregados   na   renda   e   no   produto   depende  
essencialmente   do   componente   Consumo.   Colocando   um   pouco   de  
historia,   uma   das   principais   relações   econômica   entre   os   agregados  
econômicos   conhecida   cientificava   que   um   acréscimo   nos  
investimentos   ∆I   gerava   um   aumento   proporcionalmente   maior   na  
Renda  ∆Y.  

∆Y  =  k∆I  

k>1  

No   entanto,   quais   os   elementos   que   determinam   o   parâmetro   k?   Por  


que   os   investimentos   em   uma   localidade   geram   aumentos   na   renda  
diferentes   quando   efetuados   em   outras   localidades?   Essas   e   outras  
questões   só   foram   respondidas   nos   anos   20   do   século   XX,   com   a  

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simultânea  formalização  das  contas  nacionais,  por  Keynes  e  Kalecki.     ΔY  =  ΔI  /  (1-­‐  b)  

Como   o   que   se   produz   depende   da   existência   de   uma   demanda,   os   Fica  claro,  que  o  campo  de  variação  da  propensão  marginal  a  consumir  
investimentos   terão   maior   ou   menor   impacto   a   partir   dos   estímulos   corresponde  a  [0  <  b  ≤  1].  
causados   pela   variação   na   demanda   agregada.   Esses   estímulos   estão  
4.1.  MULTIPLICADOR  DOS  INVESTIMENTOS  
contidos  na  variável  consumo,  pois  o  objetivo  final  do  investimento  é  
realizar   lucro   e   este     se   realiza   no   mercado   onde   se   vende   os   bens  
Chamamos   1/(1-­‐b)   de   Multiplicador   dos   Investimentos.   Podemos  
finais.    
substitui-­‐lo  pelo  paramento  k  da  equação  original.  De  qualquer  modo,  
comprovamos  que  o  acréscimo  na  renda  causado  pelo  investimento  ou  
O   gasto   no   mercado   de   bens   e   serviços   (C)   é   uma   função   do   nível   de  
pelos   demais   componentes   da   renda,   como   veremos   a   seguir,   é  
renda   (Y)   e   é   razoável   imaginar   que     variem   proporcionalmente  
determinado  integralmente  pela  propensão  marginal  a  consumir  (b).  
(∆C/∆Y)   de   maneira   estável   e   previsível,   caso   não   ocorra   algum  
fenômeno   extemporâneo   capaz   de   alterar   os   hábitos   de   consumo   da  
Quanto   mais   próximo   de   zero,   menor   será   o   efeito   do   multiplicador  
sociedade.   Essa   estabilidade   constitui   um   poderoso   preditivo   ao  
dos   investimentos   e   quanto   mais   próximo   de   um,   maior   o   efeito  
resultado  dessa  relação,  que  denominamos  de  propensão    marginal  a  
multiplicador   dos   investimentos.   Denominamos   1/1   -­‐   b   de  
consumir  b=  ∆C/∆Y.    
multiplicador   dos   investimentos   e   sendo   b   a   propensão   marginal   a  
consumir,  1  –  b,  representa  a    propensão  marginal  a  poupar.    
Na   formação   do   consumo   se   inclui   um   consumo   autônomo   Ca   que  
independe  do  nível  de  renda:  consumo  de  subsistência,  por  exemplo.    
Vamos   utilizar   um   argumento   demonstrativo.   Suponhamos   que   a  
propensão   marginal   a   consumir   (b)   de   uma   comunidade   seja   0,4   e   a  
C=  Ca  +  b.Y    (segue  a  equação  da  reta  onde:  b=  ∆C/∆Y  )  
propensão  marginal  a  poupar  seja  o  complemento:    1  -­‐  b  =  0,6.    
substituindo  na  identidade  da  renda:  Y  =  C  +  I  
Para   um   pacote   de   investimentos   de   100   un,   inicial   a   repartição   se  
dará   em   40   un   para   acrescer   o   consumo   e   60   un   destinados   a  
Y  =  Ca  +  bY  +  I   depósitos   de   poupança   nos   sistema   financeiro.     Como   ocorreu   uma  
expansão   de   demanda   agregada   de   40   un,   os   empresários   ficarão  
Então,   quando   ocorre   uma   expansão   nos   investimentos   (Δ   I)   estimulados  a  atender  essa  demanda  adicional  e  contam  para  isso  com  
encontramos   um   acréscimo   na   renda   explicado   pela   propensão   uma   poupança   adicional   de   60   un.   Novos   investimento   serão  
marginal   a   consumir,   conforme   segue   abaixo.   Podemos   relaxar,   ao   executados   e   a   renda   adicional,   gerada   nesta   segunda   virada,   será  
mesmo  tempo,  o  consumo  autônomo  (coeficiente  angular)  sem  perda   repartida   de   novo   entre   consumo   e   poupança.   Esse   ciclo   se   repete  
de  poder  explicado  da  relação  funcional  entre  renda  e  consumo.     indefinidamente   cada   vez   com   menor   força,   pois   os   acréscimos   no  
nível   de   renda   (ΔY)     serão   cada   vez   menores.     Esses   ciclos  
ΔY-­‐  bΔY=  Δ  I   caracterizam   uma     renda   crescendo   em   progressão   geométrica   cuja  
soma   dos   acréscimos   na   renda     corresponde   a   multiplicação   do  

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primeiro   termo   –investimento   inicial-­‐     multiplicado   por     1/   1-­‐b   .   investimento  geralmente  atribuído  a  disponibilidade  de  poupanças.  Os  
Observe   que   este   multiplicador   e   o   parâmetro   K   mostrado   investimentos,  de  fato,  requerem  uma  poupança  prévia,  mas  uma  vez  
anteriormente  em  ∆Y  =  k∆I   iniciado   o   ciclo   de   investimento,   ele   se   financia   a   si   mesmo   ao  
proporcionar   renda   adicional   que   se   distribui   entre   consumo   (b)   e  
.   poupança   (1-­‐b).   Vale   dizer,   o   excesso   de   renda   sobre   o   consumo  
transforma-­‐se   em   poupança   a   disposição   dos   investidores,  
∆Y  =  (1/1—0,4)  X  100  un,=  166,67  un,     intermediada  pelo    do  sistema  financeiro.    
 
A   decisão   de   investimento   futuro   dependem,   entretanto,   dos   lucros  
esperados  desse  investimentos  presente,  mesmo  no  caso  da  renda  ter   4.2.  DEMAIS  MULTIPLICADORES  
aumentado.  Os  paramentos  utilizados  pelos  empresários  para  estimar  
lucros   futuros   podem   ser   de   toda   sorte   que   a   imaginação   possa   Podemos   desenvolver   pensamentos   assemelhados   ao   multiplicador  
alcançar,  mas  é  razoável  espera  que  a  variação  na  renda  –  não  o  nível   dos   investimentos   para   determinar   as   funcionalidades   existentes  
de   renda   -­‐   seja   determinante   para   a   prosperidade   dos   ciclo   dos   entre  as  diversas  categorias  macroeconômicas.  A  primeira  delas  é  que  
negócios.     O   acelerador   dos   investimentos   é   justamente     a   relação   parte   da   renda   gerada   é   destinada   aos   impostos.   Assim,   a   renda   que  
entre   o   investimento   realizado   e   as   variações   na   demanda   pela   deve   ser   considerada   para   os   gastos   com   o   consumo,   poupança   e  
produção.     Assim,   temos   que   o   estoque   de   investimento   varia   em   investimento  é  a  renda  disponível:  
função   das   variações   na   produção   ocasionadas   pela   expansão   da  
demanda  causada  pelo  investimento  inicial.      Yd  =Y  –  T:    

4.2.1.  ACELERADOR  DOS  INVESTIMENTOS   Onde  T  representam  a  parcela  de  tributos  do  governo.  

∆  capital=  (investimento/∆  demanda)    X    ∆  produção     A  produtividade  marginal  a  consumir  (b)  que  compõe  o  multiplicador  
dos   investimentos   nas   sociedades   modernas   deve   ser   ligeiramente  
  Acelerador  de   modificada,   pois   parcela   da   renda   é   capturada   pelo   Fisco   incidindo  
investimentos   diretamente  sobre  o  consumo.  
 
Assim  C  =      b  ∆Yd    
Os  investimentos,  assim,  são  auto  ¬  financiáveis  pois  o  valor  inicial  dos  
investimentos   retorna   em   partes   sucessivas   ao   sistema   financeiro,   sob   Visto   essa   restrição,   vamos   continuar   considerando   as   relações  
a   forma   de   poupança   em   montante   igual   ao   que   será   acrescido   ao   existentes  nas  economias  modernas.    
estoque  de  capital  na  economia.    
Em   termos   de   impactos   no   nível   renda   é   indistinto   se   ele   é   causado  
Um   aspecto   muito   importante   diz   respeito   ao   financiamento   do   por   um   aumento   na   exportação,   no   investimento   ou   nos   gastos   do  

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governo   em   obras   públicas.   Essas   categorias   quando   efetivadas   geram   importações   são   traumáticas,   pois   significam   uma   evasão   de   renda.   Os  
ciclos   de   renda   -­‐   produto   que   vão   se   distribuindo   no   sistema   impostos,   por   seu   lado,   reduzem   o   poder   dos   multiplicadores   já   que  
econômico  entre  salários  ¬  consumo  e  poupanças  ¬  e  investimento.  Os   incidem  direta  ou  indiretamente  sobre  o  consumo  e  investimento,  mas  
multiplicadores  da  renda  podem  ser  expressos  como  segue:   retornam  ao  sistema  econômico  doméstico  sob  as  várias  modalidades  
de  gastos  púbicos.  
∆Y  =  (1/1-­‐    b)  ∆G;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆I;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆X  
O  efeito  da  tributação  já  foi  observado  anteriormente.  Vejamos  o  efeito  
Diferentemente   ocorre   com   as   transferências   governamentais   que  as  importações  têm  no  nível  de  renda.    
destinadas   a   obras   assistenciais   como   bolsa   família,   auxílio  
desemprego   e   a   natalidade,   pagamento   aos   aposentados   e   muitos   Importações  são  destinadas  ao  consumo  e,  portanto  depende  do  nível  
outras   denominadas   transferências   governamentais.   Essas   de   renda.   Em   outros   termos,   existe   uma   propensão   marginal   a  
transferências   se   destinam   a   um   consumo   imediato.   Uma   vez   efetuada   importar   (∆M/∆Y)   assemelhada   a   propensão   marginal   a   consumir.  
a   transferência   governamental   (Tr),   pressupõe-­‐se   que   ela   seja   Quanto  mais  se  expande  a  atividade  econômica,  mas  insumos  e  bem  de  
imediatamente   utilizada   –   extinta.   Nestes   termos   seu   efeito   consumo  estarão  sendo  importados.  Assim;  
multiplicador  de  renda  no  sistema  econômico  é  sensivelmente  menor  
em   relação   aos   demais.   A   natureza   dessas   transferências   tem   m=  ∆M/∆Y    
competência   com   o   consumo   familiar,   nada   restando,   portanto,   para  
geração  dos  ciclos  poupanças  /  investimento.     Então:  M  =  m  AY  

∆Y=    (b/1-­‐  b)  ∆Tr   Observe   que   na   identidade   ampliada   as   importações   compõem   a  
oferta   agregada,   mas   significam   uma   diminuição   da   demanda  
De   maneira   semelhante   podem   ser   considerados   os   cortes   nos   doméstica.  
impostos   indiretos.   Eles   representam   uma   transferência   de   renda   ao  
consumidor   final,   ocasionada   pela   redução   das   alíquotas   dos   impostos     Oferta  agregada   Demanda  
indiretos.   Seu   multiplicador   é   idêntico   o   das   transferências   agregada  
governamentais  –  incide  diretamente  sobre  b.   Y  +  M  =  C  +  I  +  G  +  X  

∆Y=  (b/1-­‐  b)∆T   Então:  

Finalmente,  vale  destacar  as  categorias  econômicas  que  enfraquecem   Y  =  C  +  I  +  G  –  M  +  X  


os  multiplicadores  convencionais.  Eles  podem  ser  considerados  como  
estabilizadores   dos   multiplicadores,   pois   atenuam   os   choques   que   os   Substituindo  M:      
gastos  exercem  no  crescimento  da  renda.    Eles  são  basicamente  dois:  
as   importações   e   os   impostos.   Em   termos   de   acréscimo   na   renda,   as  

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∆Y  =  b  ∆Y  +  I  +  G  –  m  ∆Y  +  X  
5.  MOEDA  E  BANCOS  
∆Y  –  b∆  y  +  m  ∆y  =  I  +  G  +  X  
Atualmente   aceitamos   a   moeda   emitida   pela   Casa   da   Moeda   e   por  
As   variações   na   renda   nacional   proporcionados   pelas   exportações,   meio   de   sua   quantidade   cotamos   os   preços   de   todas   as   coisas.   Isso   é  
gastos   governamentais   e   investimentos   privados   são   atenuadas   por   bem   prático   e   facilita   a   nossa   vida.   A   rigor,   para   se   medir   o   produto   de  
pressões   das   importações   que   se   relacionam   positivamente   com   a   uma   economia   pode-­‐se   utilizar   qualquer   bem   ou   serviço.   Um  
variação   na   renda   nacional,   mas   atenuam   os   efeitos   na   renda   apartamento  vale  três  carros,  o  bilhete  do  teatro  vale  quatro  cervejas  e  
decorrentes  das  variações  nos  demais  agregados  macroeconômicos.     por  aí  vai.  Com  o  avanço  das  trocas,  uma  mercadoria  vai  sendo  eleita  
como  denominador  de  todas  as  outras:  a  ela  damos  o  nome  de  moeda  
 Devemos   portanto,   incluir   nos   multiplicadores   convencionais   essa   ou   meio   de   troca.   Os   preços   de   todas   as   mercadorias   são,   portanto  
evasão  de  renda  causada  pela  expansão  da  demanda  agregada.         cotados  em  moedas  e  sancionados  pelas  trocas,  ou  seja;  pelo  mercado.    

∆Y  =  [1/(1-­‐b  +  m)]  (∆I  +  ∆G  +  ∆X)   A  mercadoria-­‐moeda  que  serve  para  expressar  com  facilidade  o  valor  
das   demais   abriga   alguns   atributos:   divisível   e   recomposta,  
  durabilidade,  não  perecível,  de  transporte  relativamente  fácil,  não  ter  
utilidades   relevantes   intrínsecas   e   oferta   invariável.   Olhado   sob   esse  
  ângulo,   historicamente   a   moeda   não   foi   instituída   por   convenção   ou  
  por   imposição   legal.   Ela   surge   naturalmente   intermediando   as   trocas  
entre  mercadorias  (escambo)  nas  transações  de  compra  e  venda.    Ela,  
  como  em  um  passe  de  mágica,  ganha  novas  funções,  além  de  meio  de  
troca   e   denominador   comum:   ela   passará   ser   utilizada   como   reserva  
de  valor:  poder  de  compra.    

Assim,   a   moeda   se   transforma   em   dinheiro   ($$):   poder   de   compra.  


Nesta  passagem  lógica,    ela  representa  a  riqueza  constituída  em  bens  e  
serviços  ¬  casa,  automóvel,  títulos  financeiros,  etc.    O  $$  é  aquilo  que  
representa  um  custo  na  produção    menor  que  o    produzido.  Esse  poder  
de  compra  dedicado  a  moeda  ¬  $$  ¬  expressa  o  poder  social  que  uns  
tem   sobre   os   outros.   Esse   $$   é   riqueza   que   para   a   ciência   econômica  
somente   subsiste   quando   alguém   é   dono   dela.   Os   indivíduos   podem  
escolher   entre   reservar   seu   poder   de   compra   (sua   riqueza)   em  
moedas   ou   em   outros   bens.   É   dessa   possibilidade   de   escolha   –  
escolher   ficar   mais   ou   menos   líquido   –   que   resulta   a   dinâmica   do  

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mundo  econômico,  (voltaremos  a  esse  ponto  mais  a  frente).   A   moeda   como   reserva   de   valor   é   eminentemente   criada   pelo  
imaginário   coletivo.   A   moeda   historicamente   passa   a   ser   dinheiro   ($$)  
Os   metais   preciosos   como   o   ouro   e   a   prata   nas   sociedades   antigas   quando   não   somente   é   um   denominador   comum   das   demais  
desempenharam   muito   bem   o   papel   de   meio   de   troca.   Os   soberanos   mercadorias   e,   portanto   útil   às   trocas,   mas   quando   possui   a  
cunhavam  as  moedas  e  lhes  outorgavam  garantias  de  aceitação.  Com  o   propriedade   intrínseca   de   ter   valor   e   por   isso   aceitação   geral   como  
avanço  das  civilizações,  eles  foram  sendo  separados  de  sua  existência   medida   da   riqueza   material   que   os   indivíduos   possuem.   Com   o   avanço  
material   enquanto   moeda   (útil   para   a   troca)   para   se   materializarem   das  sociedades  ela  vai  se  personificando  em  poder  (valor)  através  das  
em  dinheiro  ¬  $$  ¬  poder  de  compra.     relações  de  compra  e  venda.  

Do  ponto  de  vista  lógico  -­‐  histórico  podemos  contextualizar  três  tipos   Quando   a   moeda   tem   um   valor   intrínseco   reconhecido   socialmente,  
de  sistema  monetário.   como   os   metais   preciosos,   há   uma   forte   inclinação   para   que   todos  
procurem   representar   sua   riqueza   ou   poder   de   compra   também   pela  
• Padrão-­‐ouro,   moeda.   Há   relatos   na   história,   todavia,   que   antigamente   muitos  
• Moeda-­‐  conversível,  e;   soberanos   forçavam   as   suas   “casas   das   moedas”   a   secretamente  
• Moeda-­‐  inconversível     substituir   parte   do   ouro   das   moedas   por   metais   menos   nobres   e,  
assim,  ficarem  mais  ricos  comprando  outros  bens  durante  o  tempo  em  
Antigamente,   o   sistema   monetário   era   totalmente   assentado   no   que  os  demais  não  reconheciam  esse  golpe.    Esse  evento  foi  cunhado  
padrão-­‐ouro.   Sua   quantidade   era   razoavelmente   fixa   ao   longo   do   de   “degradação   da   moeda”,   pois   reduzia   o   seu   valor   intrínseco,  
tempo.   Naquela   época,   o   dinheiro   ou   a   riqueza   estava   personificado   aumentando   sua   quantidade   e   somente   quando   isso   era   percebido   e  
em   outras   coisas,   como   a   terra,   no   período   feudal,   nos   desígnios   que   os   preços   aumentavam.   Atualmente,   a   moeda   não   tem   valor  
divinos,   como   na   época   dos   faraós   no   Egito   e   nas   características   intrínseco   e   muito   menos   lastro   nos   metais   preciosos.   Ela   tem   seu  
distintivas   do   ser   humano   em   algumas   comunidades   primitivas.   reconhecimento   social,   se   transmudando   em   riqueza,   a   partir   dos  
Moedas   de   ouro   existiam   mais   como   meio   de   troca   e   denominador   governos  que  as  emitem.    
comum   e   menos   como   reserva   de   valor.   Mesmo   assim,   exercia   certo  
fascínio   entre   os   homens,   a   ponto   de   Judas   trair   Cristo   por   um   A   perda   do   valor   intrínseco   e   lastro   em   metais   preciosos   da   moeda  
punhado  delas.     foram   acontecimentos   lógicos   -­‐   históricos.   Com   o   avanço   do  
capitalismo,   instituiu-­‐se   a   moeda-­‐papel,   que   era   um   título   de   crédito  
Com   o   avanço   das   trocas,   a   moeda   passou   cada   vez   mais   a   ser   com  o  indicativo  da  quantidade  de  metais  preciosos  que  seu  possuidor  
requisitada   não   somente   como   meio   de   troca,   mas   como   um   objeto   tinha   direito   por   tê-­‐lo   depositado   em   alguma   instituição   bancária.   A  
possuidor   de   poderes   mágicos:   como   reserva   de   valor,   poder   de   qualquer  momento  o  detentor  do  titulo  poderia  ir  ao  “banco  privado”  
compra   e   expressão   de   riqueza.   A   moeda   passou   a   ser   um   símbolo   e   resgatar   seus   metais   preciosos.   Era   a   época   do   sistema   monetário  
personificando   poder.   Ter   moeda   era   ter   $$.   Era   a   época   do   capital   conversível.    
mercantil.    
Em   termos   históricos,   esse   sistema   monetário   não   foi   duradouro.  

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Muitos   bancos   privados   onde   os   indivíduos   guardavam   seus   metais   mais   rápidos   que   outros,   na   riqueza   individual,   já   que   a   moeda   é  
preciosos   utilizavam   os   depósitos   para   efetuarem   empréstimos   por   unidade   de   conta   e,   por   natureza,   nas   decisões   de   consumo   e  
meio   da   emissão   de   títulos   de   créditos   muito   acima   das   quantidades   investimento.    
de   ouro   e   prata   depositados   em   seus   cofres,   cobrando,   obviamente,  
um  preço  (juros)  por  esse  serviço.  Eles  calculavam  o  quanto  de  saques   Quando   as   variações   na   oferta   monetária   são   percebidas   pela  
espaçados   no   tempo   o   real   proprietário   do   dinheiro   efetuaria:   o   sociedade,   todos   querem   defender   seu   poder   de   compra.   Por   isso,   os  
restante  ficava  a  disposição  para  empréstimo.  A  história  mostra  que  a   Estados   Nacionais   procuram   manter   os   níveis   da   oferta   monetária  
existência   desse   sistema   monetário   foi   bastante   curta.   Requeria   adequada  à  demanda  social  por  ela.  Uma  oferta  excessiva  em  relação  à  
“freios”   que   segurassem   a   ganância   dos   banqueiros.   Assim,   foram   demanda  gera  efeitos  deletérios.  A  moeda  tem  seu  valor  diminuído  em  
criadas   normas   para   impedir   o   lançamento   de   títulos   de   crédito   em   relação   aos   demais   bens   e   serviços   que   ela   precifica.   Ela   se   enfraquece  
valores   muito   superiores   a   quantidade   de   moeda   depositada   nas   e  vai  perdendo  sua  utilidade  como  reserva  de  valor:  todos  irão  preferir  
instituições  bancárias.     ter   sua   riqueza   em   bens   e   serviços   que   se   valorizem35.     Uma  
quantidade   restrita   também   não   é   desejável,   pois   dificulta   as  
Esse  sistema  de  padrão  monetário  conversível  foi  substituído  por  um   iniciativas   voltadas   para   expandir   a   economia   ¬   preços   diminuem   e  
sistema  inconversível  cujo  curso  da  moeda  foi  instituído  por  força  de   juros  se  elevam,  nesta  situação.  
lei.     Esse   é   o   nosso   padrão   monetário   atual.   Neste   sistema,   prevalece   a  
confiança   na   moeda   ou   em   quem   a   emite     em   detrimento   do   valor    
intrínseco  ou  de  lastro  em  metais  preciosos  que  possa  ter.    
 
O   sistema   monetário   atual,   com   moedas   inconversíveis,   é   garantido  
pelos   Estados   Nacionais.   Cabe   a   eles   certificarem   o   papel   –   moeda    
emitida   pela   casa   da   moeda.   A   moeda   nacional   personifica,   portanto,   o  
poder   do   Estado,   pois   todos   os   débitos   e   créditos   processados   na    
sociedade   atual   são   feitos   por   meio   de   moeda.   Alguns   Estados   evocam  
até   o   divino   para   garantir   esse   poder   à   moeda,   expressando   nela   as  
máximas:     Deus   seja   louvado,   ou   em   Deus   acreditamos,   como   ocorre  
no   caso   da   moeda   brasileira   e   norte-­‐americana   (para   citar   as   mais   35   Em   algumas   situações,   mercadorias   se   transformam   em   moeda   -­‐   meio   de   troca   -­‐
conhecidas  entre  nós).     independentemente   da   existência   da   moeda   legal.   Suprimimo-­‐nos   da   moeda   legal   e  
logo  outra  será  posta  em  seu  lugar  como  $$.  Veja  o  exemplo  nos  presídios,  onde  alguns  
Estilizando   a   situação,   a   moeda   inconversível   emitida   pelo   Estado   bens   como   chocolate,   cigarro,   celular   e   outros   bens   passam   a   funcionar   como   $$   entre  
os   presos.   Na   última   crise   da   Argentina,   os   produtores   agrários   estavam   pagando   com  
precisa   ser   controlada,   pois   sua   quantidade   mensura   a   riqueza  
grãos   a   compra   de   fertilizantes,   ferramentas   e   até   tratores   e   automóveis.   As   moedas  
material   (estoque)   e   todos   os   fatores   de   produção   e   bens   e   serviços   eram:   soja,   trigo,   girassol   e   milho.   Todas   à   prova   da   política   governamental   de  
finais   (fluxo).   Variações   na   oferta   monetária   fazem   variar   os     preços   corralito  (bloqueio  de  depósitos)  e  desvalorização  da  moeda  legal.  Nessa  época,  outras  
gerando  efeitos  na  distribuição  das  rendas,    pois  alguns  preços  subirão   moedas   foram   criadas   como   os   patacones   improvisados   por   algumas   províncias  
argentinas.    

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No   Peru   e   Bolívia   do   século   XVI   e   demais   países   da   América   do   Sul   altera   o   lado   real   da   economia   no   longo   prazo.     Políticas   monetárias  
colonizados   pelos   espanhóis,   os   metais   preciosos   eram   utilizados   podem   até   ter   alguma   efetividade   no   curto   prazo,   mas   não   no   longo  
como   adornos   e   não   como   moeda.   Os   espanhóis   ficaram   maravilhados   prazo.    
e   os   carregaram   para   a   Europa,   pois   lá,   ouro   e   prata   eram   $$.   No  
Brasil,   a   cana   de   açúcar   foi   especiaria   eleita   para   ser   produzida   e   Uma   das   primeiras   tentativas   de   se   estabelecer   o   relacionamento  
comercializada   na   Europa   e   ela   era   trocada   por   escravos   pelos   entre  a  moeda  e  o  produto  deveu-­‐se  a  Irving  Fischer  (1867-­‐1947).  Ele  
colonizadores  em  um  circuito  de  compra  e  venda  fechado  denominado   formulou   uma   identidade   bastante   interessante   entre   a   quantidade   de  
“exclusivo   comercial”   ou   “pacto   colonial”:   a   colônia   só   poderia   moeda  e  o  produto  que  ficou  conhecida  como  a  teoria  quantitativa  da  
comercializar   com   o   país   colonizador.   No   Brasil   colonial   a   função   da   moeda:    
moeda   como   meio   de   troca   e   denominador   comum   era   exercida   pelo  
metal  precioso,  mas  a  função  reserva  de  valor  ($$)  não:  o  número  de   MV=PT  
escravos   que   o   senhor   de   engenho   era   dono   representava   o   $$.  
Somente  no  século  XIII,  com  a  intensificação  contra  o  tráfico  negreiro   Onde   M   é   a   quantidade   de   moeda,   V   =   velocidade   de   transações;   P   =  
e   o   ciclo   da   mineração   é   que   esta   concepção   dos   escravos   como   preço   médio   de   todos   os   bens   transacionados,   e   T   =   todas   as  
reserva  de  valor  foi  sendo  abandonada.     transações  realizadas  com  moeda.    

A   escravidão   foi   reinventada   na   era   mercantil,   depois   de   ter   existido   A  velocidade  de  transações  (V)  é  a  quantidade  de  vezes  que  a  moeda  
na  antiguidade  e  extinta  no  período  feudal.  O  escravo  era  considerado   (M)   se   torna   receita   ou   gasto,   ao   mesmo   tempo.   T   é   maior   que   o  
riqueza  somente  nas  colônias.  Foi  justamente   a  não  adoção  do  sistema   Produto,   pois   inclui   os   pagamentos   de   insumos,   mão-­‐de-­‐obra,  
escravo   (escravo   como   moeda)   na   metrópole   que   permitiu   aquisição  de  artigos  usados,  títulos  financeiros,  ações  e  etc.  PT  recebe  
engenhosamente   as     metrópoles   forjarem   a   dependência   de   suas   a   denominação   pelas   contas   nacionais   de   Valor   da   Produção.   Um   valor  
colônias.       muito  superior  do  que  foi  efetivamente  constituído  de  bens  e  serviços  
finais  pelos  fatores  de  produção,  em  um  período.  Esses  bens  e  serviços  
5.1  MOEDA  NA  MACROECONOMIA  
finais   formam   a   categoria   Renda   ou   Produto,   como   vimos  
anteriormente.  
Estabelece-­‐se,  assim,  nas  economias  atuais,  uma  relação  íntima  entre  a  
quantidade   de   moeda   gerenciada   pelos   governos,   e   a   produção   de  
As  abordagens  posteriores  introduziram  modificações  substanciais.  A  
bens   e   serviços:   o   lado   real   da   economia.   Para   uma   corrente   de  
primeira   delas   foi   relacionar   a   quantidade   de   moeda   existente   com   a  
economistas,   a   moeda   teria   a   propriedade   de   expandir   o   produto,   ou  
geração  da  renda  ou  produto.  A  renda  é  a  multiplicação  de  um  índice  
ampliando   o   conceito:   de   forjar   maior   ou   menor   crescimento  
de   preços   pelo   produto   (as   quantidades   de   produtos   finais).   Sendo  
econômico.   Outra   corrente   de   economistas,   os   monetaristas,   sugere  
assim:  
que   a   moeda   não   tem   essa   propriedade.   Os   fatores   de   produção   com  
os   quais   se   estabelece   a   produção   estão   dados   e   assim   o   produto   no  
longo   prazo   não   pode   ser   maior   ou   menor.   Os   preços   de   todos   os   bens   M  V  =  PY  
e   serviços   são   flexíveis   e   a   maior   ou   menor   oferta   monetária   nãos  

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Há   duas   modificações   essenciais   em   relação   a   identidade   de   Fischer.   A   concepção   serviu   para   incluir   a   ideia   de   guardar   $$   sob   a   forma   de  
primeira  é  que  a  quantidade  de  moeda  relaciona-­‐se  a  Renda  Nacional   moeda.   Em   outras   palavras,   a   oferta   de   moeda   ganhou   sua  
(Y)   ou   ao   Produto   (Media   ponderada   de   preços   vezes   quantidade   de   contraparte:  a  demanda  por  ela.    
bens   finais)   e   não   ao   Valor   da   Produção.   A   segunda   é   que   V   significa  
velocidade   da   renda   e   não   velocidade   das   transações.   Exprime,   Essa   nova   concepção   foi   formulada   por   A.   Marshall   &   A.   C.   Pigou   e  
portanto,  o  número  de  vezes  que  a  moeda  se  torna  renda  para  alguém,   ficou   conhecido   como   equação   de   Cambridge,   já   que   seus   autores  
durante   o   período   de   tempo   considerado.   Na   versão   de   Fischer   o   V   eram  professores  da  universidade  de  Cambridge,  na  Inglaterra:    
corresponde  ao  número  de  vezes  que  o  dinheiro  é  gasto.  
M  =  K(renda  X  preços)  ou    M/Preços=  K  Renda    
Nessa   nova   abordagem   o   parâmetro   V   se   refere   ao   número   de   vezes  
que  a  moeda  se  torna  dinheiro  ($$)  para  alguém.  Exemplo:  Maria  tem   Ela  é  basicamente  idêntica  a  anterior  ¬  pois  K  seria  1/V:  o  inverso  de  V  
uma   confecção   e   vende   uma   camisa   para   o   João.   Maria   deduz   do   ¬,  com  a  distinção  de  que  o  parâmetro  K  corresponde  à  proporção  da  
faturamento  os  custos  e  embolsa  uma  parcela  do  ganho  com  a  venda   renda   nominal   que   é   mantida   como   moeda   pela   sociedade   em   um  
da   camisa,   denominada   lucro.   Com   o   lucro   ela   pode   ampliar   ou   dar   período   de   tempo   determinado.   Colocada   nestes   termos,   K   indica  
continuidade   a   seu   negócio   de   fazer   e   vender   camisas   ou   adquirir   quanto   em   média   às   pessoas   desejam   manter   moeda   para   exprimir  
outros   bens   em   outras   lojas   cujos   proprietários   têm   o   mesmo   poder  de  compra:  envolve  um  processo  de  escolha  entre  reter  saldos  
comportamento.   Assim   a   quantidade   de   moeda   multiplicada   pela   em  ativos  financeiros  ou  em  estoques  de  bens  e  serviços.  
velocidade   renda   mensura   o   poder   de   compra   em   detrimento   de   sua  
função  de  meio  de  troca,  como  observado  na  identidade  formulada  por   O  parâmetro  K  sendo  governado  por  processos  de  escolhas  individuais  
Fischer.     significa  que  a  moeda  segue  os  mesmos  princípios  que  utilizamos  para  
escolher  outros  bens  e  serviços  para  assegurar  poder  de  compra  ($$).  
Nestas   versões,   a   variação   na   quantidade   de   moeda   é   plenamente   Na   versão   anterior   a   velocidade   renda   (V)   era   um   parâmetro  
capturada  pela  formação  dos  preços.    MV/P=Y   mecânico.   Tanto   em   um   caso   como   no   outro,   V   e   K   não   mudariam  
debaixo   condições   econômicas   estáveis,   mas   suas   interpretações   são  
Supõe-­‐se  que  a  velocidade  da  renda  ou  das  transações,  como  na  versão   bem  distintivas.  
de   Fischer,   depende   institucionalmente   dos   hábitos   da   sociedade   e  
estes   não   mudam   constantemente.   Assim   variações   na   oferta   Nos   anos   de   1950,   Milton   Friedman,   professor   da   Universidade   de  
monetária  se  transmitem  diretamente  aos  preços  dos  bens  e  serviços,     Chicago,   ampliou   a   equação   acima   para   incluir   a   ideia   de   que   os  
não  modificando  o  produto.     processos   de   escolha   entre   guardar   moeda   e   outros   bens   dependem  
das   diferenças   dos   rendimentos   que   se   deixa   de   receber   por   preferir  
A   ideia   de   variações   nos   preços   causadas   por   variações   na   oferta   um  ativo  em  relação  a  outro.  Ele  introduziu  o  futuro  nos  processos  de  
monetária   introduziu   novas   ideias   com   respeito   à   moeda.   escolha  entre  bens  e  serviços  e  o  bem  mais  líquido  que  é  a  moeda.  
Basicamente,   os   indivíduos   podem   escolher   guardar   sua   riqueza   em  
bens   e   serviços   e   não   sob   a   forma   líquida   da   moeda   corrente.   Essa   Nesta  abordagem  monetarista,  o  parâmetro  K  da  equação  anterior  não  

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é  constante:  não  supomos  que  a  demanda  por  automóvel  seja  fixa,  mas   sobre  a  produção  no  futuro.    
sim   que   ela   depende   do   preço   do   automóvel   e   de   sua   valorização   no  
mercado.   Em   verdade,   ele   ampliou   um   conceito   que   já   estava   O   enfoque   central   dessa   escola   é   que   variações   na   oferta   monetária  
estabelecido   desde   o   final   dos   anos   de   1920,   por   outro   autor,   muito   não   possuem   a   propriedade   de   modificar   a   riqueza   da   sociedade   em  
famoso,  que  já  falamos  sobre  ele:  John  Maynard  Keynes.     longo   prazo,   pois   os   preços   dos   ativos   modificados   decorrentes   da  
variação  da  oferta  monetária  voltariam  a  manter  as  mesmas  relações  
Para   Keynes   a   procura   por   moeda,   ou   preferência   pela   liquidez,   está   de   preço   entre   eles   em   futuro   não   muito   distante36.   Por   isso   os  
basicamente   determinada   pelo   preço   da   moeda   que   será   igual   aos   monetaristas  da  escola  de  Chicago  advogam  que  a  política  monetária  é  
rendimentos   financeiros   que   se   obtêm   quando   a   emprestamos   para   inócua   favorecendo   a   ideia   de   que   o   controle   monetário   deva   ser  
alguém.   Por   isso,   a   variação   de   K   depende   da   oferta   e   demanda   restrito,   uma   vez   que   a   expansão   da   oferta   monetária   não   tem   a  
monetária,  ou  em  outras  palavras:  do  preço  da  moeda  sancionado  pelo   propriedade  de  elevar  o  produto  no  longo  prazo.        
mercado.   Esse   preço   é   a   taxa   de   juros.   Desse   modo   a   moeda   é  
demandada  por  variações  de  preços  (P),  da  renda  (Y)  e  da  liquidez  do   Resumindo,   na   versão   moderna   a   demanda   por   moeda   Md   é   uma  
sistema  econômico  (r).       função   direta   do   produto   (Y)   do   nível   de   preço   (P)   e   uma   função  
inversa  da  taxa  de  juros  (R).    
Md=  P.Y  +  r    
As  variações  na  oferta  monetária  Ms  enquanto  não  se  transmitem  aos  
Os  indivíduos  procuram  moeda  para  fazerem  despesas  cotidianas  que   preços   podem   influenciar   o   nível   do   produto   bem   como   a   taxa   de  
somente   com   elas   são   efetivadas.   Eles   também   precisam   de   moeda   juros.   Para   os   monetaristas   as   variações   na   oferta   monetárias   não  
para  se  precaver  dos  infortúnios  que  possam  ocorrer  no  futuro  e  que   exercem   papel   preponderante   na   riqueza   e   no   emprego   dos   fatores   de  
em   alguns   casos   exigem   para   solução   dinheiro   vivo.   Eles   optam   produção   no   longo   prazo:   a   moeda   não   tem   a   propriedade   de   alterar   a  
também  por  terem  dinheiro  em  mãos  da  forma  mais  líquida  –  moeda  –  
para  especular.  Oportunidades  de  negócios  requerem  em  muitos  casos  
$$  vivo  para  serem  concretizadas.   36   O   desejo   pela   posse   das   coisas   é   formado   pela   observação   das   condições   reais   da  

economia.   Podemos   desejar   tudo   o   tempo   todo,   mas   razoavelmente   sabemos   o   que  
poderemos  conseguir  no  futuro.  Os  desejos  são,  assim,  formados  com  base  no  que  já  
De   fato,   a   maior   quantidade   monetária   reduz   a   taxa   de   juros,   pois   a  
possuímos  inteirados  com  as  reais  condições  econômicas  observadas.  Os  desejos  são  
sociedade   tem   mais   moeda   para   especular   (comprar   mais   ativos   ilimitados,   mas   eles   são   satisfeitos   de   maneira   incremental:   uma   vez   satisfeito   um  
financeiros).   A   renda   (Y)   ou   o   coeficiente   (K)   aumentam   desde   que   a   desejo  criamos  outros.  Assim,  os  desejos  governam  o  longo  prazo  em  um  processo  de  
quantidade  da  moeda  não  se  transmita  imediatamente  para  os  preços   negociação  com  o  consumo  presente.  As  variações  nos  preços  “hoje”  não  têm  o  poder  
dos  bens  e  serviços.     de   alterar   as   posições   desejadas   pelos   indivíduos   com   respeito   ao   seu   nível   de  
consumo   e   bem-­‐estar   futuro.   A   escola   monetarista   parece   se   apoiar   nesta  
argumentação:   valores   são   governados   pelo   imaginário   das   pessoas   em   termos   de  
Para   a   escola   monetarista   de   Chicago,   capitaneada   por   Friedman,   o   consumo  futuro  versus  consumo  presente  e  no  longo  prazo  ajustamentos  nos  preços  
parâmetro   K   não   se   altera,   pois   as   variações   nas   ofertas   monetárias   se   hoje  podem  ter  influências  em  curto  prazo,  mas  não  alteram  a  riqueza  imaginada  em  
transmitem  aos  preços  no  curto  prazo,  mas  não  exercem  efeitos  reais   longo   prazo,   uma   vez   que   os   desejos   são   mais   poderosos   do   que   o   imediatismo:   o  
curto  prazo.    

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quantidade  existente  de  riqueza  e  dos  fatores  de  produção  disponíveis   que   ficam   sob   sua   guarda:   essa   parcela   é   a   totalidade   dos   depósitos  
a  sociedade.     menos   os   encaixes   bancários38   ¬     parcelas   que   os   bancos   estimam  
guardar  em  seus  cofres  para  fazer  frente  aos  saques  dos  depositantes.  
5.2.  BANCOS  
O   resultado   da   diferença   entre   o   total   depositado   pelos   correntistas  
menos  os  encaixes  bancários  é  o  quanto  os  bancos  tem  disponível  para    
A   terceira   função   da   moeda   do   ponto   de   vista   lógico   histórico   como  
emprestar.  
vimos   é   desempenhar   o   papel   de   reserva   de   valor:   poder   de   compra  
acumulado.   Os   limites   da   atuação   dos   bancos   são   determinados  
Quanto   alguém   tem   um   título   de   crédito   ao   portador,   emitido   pelo  
justamente  em  função  da  moeda  poder  representa  a  riqueza  material  
banco,   pode   trocá-­‐lo   por   mercadorias   e   o   vendedor   ao   receber   esse  
acumulada   de   uma   sociedade   em   valor   superior   a   sua   existência  
titulo   –   um   cheque,   por   exemplo   -­‐   pode   descontá-­‐lo   no   banco,   ou  
material.   Do   ponto   de   vista   lógico,   o   banco   somente   exerce   suas  
utilizá-­‐lo  para  adquirir  outros  bens  e  serviços.  Assim,  adicionavam-­‐se  
funções   quando   existe   um   excedente   econômico   monetário.   A  
ao   estoque   dos   depósitos   bancários   originais,   mais   poder   de   compra  
tendência   secular   do   progresso   técnico   de   aumentar   cada   vez   mais   o  
representada   agora   pelos   títulos   de   crédito   dos   bancos.   Criou-­‐se  
produto,   por   meio   dos   ganhos   de   produtividade,   propicia   maiores  
dinheiro   –poder   de   compra   -­‐   em   um   valor   superior   àquele  
excedentes  econômicos  cujo  ambiente  de  acumulação  e  guarda  são  as  
representado  pela  quantidade  de  moeda  existente.  
instituições   do   sistema     financeiro.   O   limite   de   alcance   do   sistema  
financeiro   está   estabelecido   justamente,   portanto,   pela   grandeza   do  
excedente  econômico  depositado  em  suas  instituições37.     O   poder   de   compra   da   sociedade   aumenta,   assim,   por   meio   das  
intermediações   de   crédito   e   débito   do   sistema   bancário.   A   totalidade  
dessas   intermediações   condicionada   a   taxas   de   encaixes   bancários  
As   famílias   e   as   empresas   depositam   ou   aplicam   seus   excedentes/  
mais   o   dinheiro   em   poder   do   publico   corresponde   aos   Meios   de  
poupanças   no   sistema   financeiro   que   ganha   escala   aglutinando   as  
Pagamento  (M1):    
poupanças   individuais   e   por   meio   de   débitos   e   créditos   financiam   o  
investimento     das   empresas,   as   compras   das   famílias   e   proveem  
fundos   para   o   governo   tocar   suas   funções   básicas.   Assim,   os   bancos   M1=PMPP  +  DVbc  
cumprem   a   função   de   estimular   a   demanda   agregada:   aumentando   o   Depósitos   a   vista   nos  
Papel    moeda  em   bancos  comerciais  
consumo,  o  investimento  e  os  gastos  do  governo.       poder  do  público  

Engenhosamente  os  bancos  passam  a  emprestar  parcela  dos  depósitos    

Um  exemplo  ilustrativo  da  expansão  dos  meios  de  pagamentos  é  feito  


37  Os  bancos  perseguem,  vão  atrás,  do  excedente  econômico,  tal  qual,  por  analogia,  as  

farmácias   se   instalam   onde   existem   pessoas   doenças...com   $$   para   venderem   a   cura  


ou  o  controle  delas.  Se  desejarmos  saber  se  uma  região  ou  localidade  é  rica,  ou  seja,  se   38  Encaixe  voluntário  é  a  parcela  que  os  bancos  estimam  dos  depósitos  efetuados  que  

as  possibilidades  de  geração  de  excedente  econômico  se  verificam  de  modo  eficiente,   estarão   a   disposição   dos   correntistas   e   o   encaixe   compulsório   é   a   parcela   dos  
bastar   olhar   a   quantidade   de   agências   bancarias   ali   instalada.   A   correlação   será   depósitos   totais   nos   bancos   privados   depositados   “compulsoriamente”   no   banco  
positiva  e  significativa,  com  certeza.   central.  

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a  seguir:   Redesconto  Bancário  (TRB)  que  é  aplicada  quando  os  bancos  privados  
solicitam   reforço   de   caixa   para   continuar   tocando   suas   operações   de  
Sendo   o   depósito   a   vista   inicial   =   H   e   os   encaixes   bancários   igual   a   r   crédito   e   débito.   É   claro   que   o   banco   desprovido   de   reserva   pode  
(parcela   do   depósito   que   os   bancos   estimam   que   não   seja   retirada   solicitar   empréstimos   a   outros   bancos   privados   (juros   interbancários)  
imediatamente)  sucede  que:   que   tenham   excessos   de   reservas,   mas   as   taxas   de   juros   oferecidas  
ΔM1  =  H   para  essa  modalidade  girarão  ao  redor  da  TRB.  
ΔM2  =  H  (1-­‐r)      parcela   que   o   banco   emprestará   e   que   se  
converterá  em  novo  depósito  a  vista       As   operações   efetuadas   pelo   sistema   financeiro   criam   ou   destroem  
ΔM3  =    H  (1-­‐  r)  (1-­‐  r)  =  H  (1-­‐  r)2     idem   meios  de  pagamento.  Há  uma  criação  de  meios  de  pagamento  quando  
.   .     .   o  público  recebe  haveres  monetários  ¬  papel  moeda  e,  ou,  depósitos  à  
.   .     .   vista   ¬   do   setor   bancário   dando   em   contrapartida   haveres   não  
.   .     .   monetários,   o   que   aumenta,   por   conseguinte,   o   saldo   dos   meios   de  
ΔMn  =    H  (1-­‐  r)n-­‐1      idem,   corresponde   a   n-­‐1   conversões   de   pagamento  disponível  a  população.    Há  uma  destruição  dos  meios  de  
depósitos  a  vista.   pagamento,  quando  o  processo  se  dá  no  sentido  inverso:  a  população  
Σ  ΔM  =  H/r       Soma   dos   depósitos   bancários   ocasionados   entrega   haveres   monetários   aos   bancos   recebendo   em   troca   haveres  
pelo  depósito  original  H.       não   monetários.     A   simples   abertura   de   uma   conta   corrente   não   cria  
  ou  destrói  meios  de  pagamento,  mas  os  empréstimos  propiciados  por  
Σ  ΔM  corresponde  ao  acréscimo  total  em  M1.   essa  abertura  de  conta  representam  criação  de  M1.  

Os   bancos   centrais   procuram   controlar   os   meios   de   pagamento   Os   governos   estimam   a   totalidade   dos   meios   de   pagamentos   (M1)  
estabelecendo   regras   constitutivas   de   um   fundo   de   reserva   formado   disponível  para  conservá-­‐lo  em  linha  com  o  lado  real  da  economia.  O  
por   uma   parcela   dos   depósitos   a   vista   nos   bancos   comerciais   conceito   de   M1   corresponde   a   quantidade   em   valor   monetário   dos  
denominado   de   “encaixe   compulsório”.     O   fundo   de   reserva   também   ativos  ($$)  mais  líquidos  disponíveis  na  economia.    
pode  ser  utilizado  para  auxiliar  as  instituições  integrantes  do  sistema  
financeiro  no  caso  de  alguma(s)  delas  ter  problemas  em  financiar  suas   Grande   parte   da   destruição   e   da   criação   dos   meios   de   pagamento  
posições   de   caixa39.   Também   procuram   controlar   a   liquidez   da   origina-­‐se   nos   bancos   centrais   por   meio   de   suas   operações   ativas:   os  
economia   por   meio   da   compra   e   venda   de     títulos   públicos.   Outra   débitos   e   créditos   a   governos   e   autarquias.     A   taxa   de   redesconto  
modalidade     de   controle   convencional   é   o   redesconto     bancário   concedido   a   bancos   comerciais,   as   reservas   cambiais   e   a   compra   e  
exercido   pelo   banco   central.   O   banco   central   estabelece   uma   Taxa   de   venda   de   títulos   da   Dívida   Pública   são   operações   que   criam   ou  
destroem   meios   de   pagamento.   A   elevação   nos   saldos   das   operações  
ativas   dos   bancos   centrais   inicia   o   processo   de   criação   dos   meios   de  
39
No   caso   brasileiro   no   final   do   século   passado   foi   criado   o   Proer   (Programa   de   pagamento.   Em   seguida   o   sistema   financeiro   responde   pela  
Estímulo   à   Reestruturação   e   ao   Fortalecimento   do   Sistema   Financeiro   Nacional)   multiplicação   no   sistema   econômico   daqueles   haveres   monetários  
justamente   com   essa   finalidade.   Os   seus   recursos   eram   totalmente   oriundos   dos   iniciais.  
encaixes  compulsórios.

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Existem   conceitos   de   meios   de   pagamentos   que   envolvem   ativos   pagamento.  


menos  líquidos.  No  caso  brasileiro,  o  conceito  de  meios  de  pagamento  
(M2),   por   exemplo,   corresponde   à   adição   ao   M1   do   estoque   de   No  Brasil,  a  calibragem  dos  meios  de  pagamentos  pelos  instrumentos  
depósitos   de   poupança   e   títulos   privados.   O   conceito   de   meios   de   tradicionais  para  precificar  o  dinheiro,  ou  dito  de  outra  forma:  fixar  a  
pagamento  M3  equivale  ao  M2  mais  as  quotas  de  fundos  de  renda  fixa  e   taxa  de  juros  da  economia  tem  alcance  menor  por  conta  da  SELIC  que  
os   títulos   públicos   federais,   que   dão   lastro   à   posição   líquida   de   não   é   uma   taxa   de   juros   (como   muitos   pensam),   mas   uma   sigla   que  
financiamentos   em   operações   compromissadas   entre   o   público   e   o   significa  Sistema  Especial  de  Liquidação  e  Custódia.    
setor  financeiro.  Já  o  conceito  de  M4  compreende  o  M3  mais  os  títulos  
públicos   de   detentores   não   financeiros.     Esses   conceitos   são   Os  títulos  de  dívida  pública  em  mão  das  instituições  financeiras  ficam  
estipulados  pelas  Autoridades  Monetários  e  podem  variar  no  tempo  e   depositados  virtualmente  no  ambiente  desse  sistema  e  são  negociados  
regionalmente.     entre  elas  gerando  fluxos  de  transferências  no  montante  determinado  
pelas   necessidades   de   dinheiro   das   instituições.   É   uma   troca   de   títulos  
5.2.1  POLITICA  MONETÁRIA  BRASILEIRA   por  dinheiro  e  vice  versa.    

De   modo   geral,   admite-­‐se   que   o   principal   papel   a   ser   desempenhado   “Tratando-­‐se   de   um   sistema   de   liquidação   em   tempo   real,   a   liquidação  
pelos   bancos   centrais   é   o   de   controlar   a     liquidez   na   economia.   O   de   operações   é   sempre   condicionada   à   disponibilidade   do   título  
objetivo   é   evitar   que   excesso   de   recursos   financeiros   ¬   crédito   e   negociado   na   conta   de   custódia   do   vendedor   e   à   disponibilidade   de  
moeda  ¬  acessíveis  a  todos  possa  propiciar  uma  demanda  por  bens  e   recursos  por  parte  do  comprador.  Se  a  conta  de  custódia  do  vendedor  
serviços  superior  a  capacidade  de  oferta  produtiva  das  empresas.  Esse   não   apresentar   saldo   suficiente   de   títulos,   a   operação   é   mantida   em  
desequilíbrio   poderia   por   em   vigor   pressões   inflacionárias.   pendência  pelo  prazo  máximo  de  60  minutos  ou  até  18h30min,  o  que  
Alternativamente  os  bancos  centrais  podem  no  caso  de  certa  escassez   ocorrer   primeiro   ¬   não   se   enquadram   nessa   restrição   as   operações   de  
de   moeda   e   crédito   agir   no   sentido   de   ampliar   os   meios   de   pagamento   venda   de   títulos   adquiridos   em   leilão   primário   realizado   no   dia.”  
disponível  a  sociedade  como  forma  de  estimular  a  oferta  produtiva.     (extraído  de  http://www.bcb.gov.br)    

Os   instrumentos   clássicos   para   os   bancos   centrais   orquestrarem   a   As   instituições   com   excesso   de   caixa   no   banco   central   o   transferem  
liquidez   da   economia,   vale   lembrar,   são   três:   a)   os   depósitos   para  os  bancos  tomadores  de  empréstimos  e  estes  transferem  títulos  
compulsórios   dos   bancos   privados   no   banco   central     b)   taxas   de   públicos   que   possuem,   em   valor   equivalente   e   que   estão   depositados  
redesconto   que   são   os   juros   cobrados   pelo   banco   central   aos   demais   no   sistema   SELIC,   para   os   emprestadores.   Eles   pagam   uma   taxa   de  
bancos  e  c)  operações  de  open  market  que  consiste  na  compra  e  venda   juros   aos   financiadores   tomando   por   base   a   taxa   SELIC   ¬   geralmente  
de  títulos  públicos  empreendida  pelo  banco  central.   um  valor  um  pouco  abaixo  desta.    

Qualquer   variação   desses   instrumentos   implica   em   alterações   no   A   figura   da   pagina   seguinte   extraída   do   site   do   Banco   Central  
volume   de   crédito   modificando,   portanto   o   volume   dos   meios   de   mencionado   ilustra   uma   operação   entre   instituições   que   procuram  
pagamentos   e   da   taxa   de   juros.     Assim,     criam   ou   destroem   meios   de   zerar   ao   final   do   dia   suas   posições.   O   Banco   Central   fixa,   ao   final   do  

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dia,   a   remuneração   dos   títulos   públicos   com   base   nos   juros   praticados   aumento  de  ½  %  na  taxa  SELIC  implica  em  despesas  superiores  a  15  
no  financiamento  interbancário  naquele  dia.   bilhões   de   reais   no   ano,   maior,   portanto   que     o   valor   dedicado   ao  
programa   bolsa   família   em   2009   (próximo   a   11   bilhões   de   reais,   pelos  
O   Comitê   de   Política   Monetária   (COPOM)   fixa   a   taxa   juros   para   o   dados  do  Ministério  do  Desenvolvimento  Social).    
período   entre   suas   reuniões   ¬   geralmente   superior   a   um   mês   ¬   com  
base  na  taxa  média  dos  financiamentos  diários,  com  lastro  em  títulos   Quando   o   banco   central   utiliza   as   operações   de   open   market,  
federais,   apurados   no   Sistema   Especial   de   Liquidação   e   Custódia.     É   colocando   títulos   federais   com   compromisso   de   recompra   pagando  
muito   importante   observar   que   essa   taxa   de   juros   vai,   portanto,   a   taxas   SELIC   atraentes   para   enxugar   a   liquidez,   os   depósitos   nos  
reboque   da   taxa   definida   pelo   mercado   interbancário.   A   figura   2.   mercados   financeiros   de   outros   países   com   taxas   de   rendimentos  
abaixo  caracteriza  essa  orientação.   inferiores   orientam-­‐se   para   cá   em   busca   de   ganhos   especulativos.   O  
efeito  do  enxugamento  da  liquidez  da  economia  é  assim  atenuado  em  
Figura  2.   favor   dos   rentistas   ¬   nacional   e   estrangeiro   ¬   e   do   fortalecimento  
momentâneo   das   reservas   internacionais   (efeito   blindagem   da  
economia  contra  o  contágio  das  crises  em  outros  países).    

Em   meados   do   ano   de   2010,   a   dívida   líquida   do   setor   público  


representou  cerca  de  40%  do  PIB  (valor  próximo  a  R$1,  3  trilhão).    
5.3  TAXA  DE  CÂMBIO    

De  modo  geral,  os  preços  dos  bens  e  serviços  são  cotados  em  moedas  
nacionais  e  se  equivalem  na  moeda  eleita  como  internacional  por  meio  
de  taxas  de  câmbio:  razão  –  ou  relação  –  entre  duas  moedas  de  países  
diferentes.    Assim,  a  taxa  de  câmbio  é  o  preço  em  moeda  nacional  de  
uma  unidade  de  moeda  estrangeira40.    
 
O   preço   da   moeda   estrangeira   é   governado   pela   oferta   e   demanda  
A   taxa   de   juros   fixada   pelo   COPOM   não   reina   no   controle   do   volume   como  os  demais  preços  da  economia.  No  caso  das  moedas,  as  taxas  de  
dos  meios  de  pagamentos.  Esse  controle  é  exercido  pelos  mecanismos   troca  originaram  o  que  denominamos  de  mercado  cambial.  ¬  onde  se  
tradicionais   ¬   depósito   compulsório,   taxa   de   redesconto   e   operações  
de   open   market..  A  taxa  de  juros  fixada  pelo  COPOM  reina   no   mundo  
dos   rentistas,   pois   a   taxa   SELIC   estabelece   a   remuneração   direta   de  
40   Esse   é   o   método   denominado   direto.   O   método   indireto   consiste   em   encontrar   a  
parte   da   dívida   pública   com   a   qual   se   manifesta   indiretamente   no  
taxa  de  câmbio  medindo  o  preço  da  moeda  nacional  em  ternos  da  moeda  estrangeira.  
valor   da   remuneração   global   da   dívida,   impactando   as   despesas   do   Por  simplificação  didática  estaremos  neste  capitulo  utilizando  o  método  de  apuração  
Tesouro   Nacional.     Só   para   se   ter   ideia   da   ordem   de   grandeza,   um   direta.  

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compra  e  vende  moedas.  Esse  mercado  existe  simplesmente  pelo  fato   Essa   premissa   é   tão   forte   que   virou   uma   máxima   do   comércio  
de  os  países  imporem  um  curso  forçado  à  suas  moedas  nacionais.     internacional:  Lei  do  Preço  Único41.    

Assim,   quando   alguém   compra   moeda   estrangeira   está   trocando   o   Sem   restrições   ao   comércio,   os   preços   domésticos   se   igualam   aos  
poder   de   compra   de   sua   moeda   no   mercado   nacional   por   poder   de   preços   internacionais   respectivos.   Os   preços   dos   ativos   em   cada   país  
compra   no   mercado   do   pais   estrangeiro,   para   comprar   um   ativo   isolado   do   comércio   internacional   não   batem   entre   si   por   várias  
naquele  pais.  Quando  medimos  o  poder  de  compra  de  uma  moeda  em   razões.   A   produtividade   e   o   salário   entre   os   países   são   diferentes  
relação  a  outra  chamamos  de  taxa  de  cambio  real.  O  preço  da  moeda   correspondendo  às  diferentes  especializações  do  trabalho  contidas  em  
estrangeira   em   termos   da   moeda   nacional   é   denominado   de   taxa   de   cada   um   deles.   Se   elas   fossem   iguais,   bem   como   as   condições   pelas  
cambio  nominal  que  é  a  mais  amplamente  noticiada  nos  jornais.     quais  se  distribuem  os  seus  ganhos  entre  trabalho  e  capital,  a  taxa  de  
câmbio   seria   igual   à   unidade.   Segundo,   existem   riscos   associados   à  
Por  esses  motivos  as  taxas  de  cambio  são  objetos  de  observância  por   aquisição   do   ativo   estrangeiro   em   relação   ao   ativo   nacional:   a  
todos   os   governos.   As   pessoas   quando   adquirem   moeda   estrangeira   informação  tende  a  ser  imperfeita,  ou  seja,  nem  todos  têm  acesso  a  ela  
para   exercerem   o   poder   de   compra   no   outro   pais,   em   vez   de   o   igualmente.  Por  fim,  uma  série  de  outros  efeitos  que  vão  desde  o  custo  
exercerem   no   seu,   o   fazem   porque   o   ativo   estrangeiro     tem   preço   de   transporte   até   diferenças   entre   as   legislações   que   regem   as  
menor,  qualidade  melhor  ou  simplesmente  inexiste  no  pais  de  origem   sociedades  contribui  para  que  a  formação  dos  preços  domésticos  seja  
do  comprador.   diferente   entre   países   influenciando   o   preço   da   moeda   estrangeira  
cotado   em   moeda   nacional.   Contudo,   não   havendo   restrição   ao  
 A   identidade   abaixo   representa   a   mensuração   da   taxa   de   cambio   comércio,   esses   preços   alcançados     pelas   forças   do   mercado   se  
nominal.   igualam.  

PIa  R$  =  e  PIbU$     A   taxa   de   cambio   real   difere   da   nominal   por   incluir   a   variação   de  
preços   que   acompanha   os   produtos.   Em   outras   palavras,   a   taxa   de  
P=   preço   do   produto   (i)   cotado   no   país   A   e   no   país   B,   em   suas   cambio   real   observa   os   preços   relativos   dos   bens   entre   países.    
respectivas   moedas   nacionais   R$   (Brasil);   U$   (Estados   Unidos   da   Comparamos   o   valor   de   uma   cesta   de   bens   com   o   valor   de   cesta  
América),  e:     semelhante   em   outro   pais.     Como   essas   cesta   são   cotadas   em   suas  
respectivas  moedas  nacionais,  temos  que  harmoniza-­‐las  em  uma  única  
 e  =  taxa  de  câmbio.   moeda  para  serem  comparáveis  e  encontramos  a  taxa  de  cambio  real  
(er).  
Essa   taxa   de   cambio   iguala   os   preços   entre   os   países   através   do  
comércio   internacional.   Enquanto   ela   for   diferente,   ou   seja,   o   ativo   em   er  =  e  Pt*-­‐  P*t-­‐1/Pt  –  Pt-­‐1  
um  pais  for  mais  barato  que  no  outro,  ela  se  modificará  até  anular  essa  
vantagem.    
41
Essa  máxima  foi  criada  por  David  Ricardo  (1858)  

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onde   e   é   a   taxa   de   cambio   nominal   e       P   e   P*   são     índices   de   preços   das   {[HU$   (1   +   jD)]   –   [HU$.   ee   (1+jW)1/es   ]}   onde   ee   e   es   indicam   as   taxa   de  
cestas   de   bens   nacional   e   estrangeira   respectivamente   no   tempo   t   e         cambio  de  entrada  e  saída  respectivamente  do  capital.    
t-­‐1.   Podemos   usar   qualquer   índice   de   preços   como   os   observados   na  
seção   2.2   anteriormente,   mas   geralmente   o   índice   escolhido     compõe     Caso  o  resultado  seja  maior  que  zero,  retornos  no  mercado  domestico  
preços   por   atacado,   uma   vez   que   as   operações   de   comércio   exterior   serão   superiores   aos   retornos   que   seriam   obtidos   no   estrangeiro   e  
são  feitas  no  atacado.    Como  são  índices  de  preços,  o  nível    original  da   portanto  observaremos  um  fluxo  de  transferência  de  recurso  do  resto  
taxa  de  cambio  é  referenciado  no  tempo.  Assim,  a  taxa  real  de  cambio   do  mundo  (W)  para  o  mercado  do  pais  de  origem  (D).  O  inverso  ocorre  
indica   se   os   preços   dos   bens   estrangeiros   estão   se   tomando   mais   ou   se  o  resultado  for  menor  que  zero  (negativo).  
menos   caros   em   relação   aos   bens   domésticos.   Com   ela   observamos   a  
variações  nos  preços  relativos  dos  bens    e  não  os  preços  relativo  das    
moedas.  
 
Em   termos   práticos,   os   fluxos   de   transferência   de   ativos   monetários  
entre   países   atualmente   estão   centrados   nas   diferenças   existentes    
entre   as   taxas   de   juros   (rendimentos   dos   títulos   financeiros)  
abalizadas  pelas  condições  de  risco  cambial  e  estabilidade  econômica      
dos   parceiros   internacionais.     Ate   os   anos   de   1970   as   trocas  
internacionais   de   moedas   tinham   como   contrapartida   as   trocas   de  
 
mercadorias   e   serviços   associados   aos   investimentos   diretos.   Com   o  
avanço   das     tecnologias   principalmente   na   área   de   informática   e  
comunicação,  os  serviços  financeiros  passaram  a  ter  uma  participação  
nos   fluxos   internacionais   bem   superior   as   trocas   de   mercadorias.    
Atualmente   as   trocas   internacionais   de   papeis   financeiros   são   muito  
superiores  as  trocas    internacionais  de  bens  e  demais  serviços.  O  giro  
diário   de   papeis   financeiros   no   mercado   internacional   chega  
aproximadamente  a  30  trilhões  de  dólares  atualmente  representando  
quase   o   dobro   das   trocas   de   mercadorias   e   demais   serviços   entre   os  
países  no  ano.    

Desse   modo,   a   taxa   de   retorno   dos   papeis   passa   a   ser   determinante  


para  orientar  os  aplicações  internacionais.  Um  especulador/investidor  
internacional   decide   entre   deixar   seu   saldo   HU$   no   mercado   doméstico  
(D)  ou  aplica-­‐lo  no  mercado  estrangeiro  (W)  comparando  os  retornos:  

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