Você está na página 1de 10

UNICAMP

Faculdade de Educação

FE -197-

Seminário Especial Concentrado II -

Cartografias contemporâneas:
educação visual e pensamento
espacial.

Texto avaliativo
Aluna
Deolinda Della Nina
RA 870304
Situar

Puxar um fio e desenrolar, criar um percurso para a linha, acomodá-la


em uma superfície imaginária, dar-lhe um signo para ser conhecida ou
reconhecida, se possível contrastá-la com uma cor para se fazer
presente, impactante ou simplesmente suave, eis que agora o desenho
se realiza, temos um registro, uma memória do espaço vivo.

Trazer o espaço vivo para o momento presente da escrita, buscar a


inspiração em poemas outros como “O Mapa” de Mario Quintana, ou
“O Esplendor” de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) ou mesmo do
poema da polonesa Wislawa Szymborska descritivo, objetivo e simples
sem rodeios. Mas eis que surge uma frase:

“Se não conheço os mapas escolho o imprevisto: Qualquer sinal é um


bom presságio”

Lya Luft

Esta busca rápida e certeira só foi possível pela rapidez do espaço da


internet, parece mágica que uma frase cause tanto efeito no que se
procura aqui nesta escrita, pronto: situada, situo, sítio... Situação
colocada, o fio que virou linha continua a percorrer o espaço iniciando
um registro do que pode ser um mapa sobre o ponto de vista de uma
artista.

Continuarei a percorrer lendo os sinais no imprevisto.


Sinais

No caminho para o primeiro dia de aula deste curso, indagava: Será


que Cartografia contemporânea é um curso sobre novas técnicas para
se fazer mapas? O que faria com estas informações? Educação visual e
pensamento espacial, é sobre modos de ver e pensar o espaço, claro!

Uma olhadela no Google e um pouco mais de informação: cartografia


é uma ciência com críticas, ensaios filosóficos, estudos estéticos e
principalmente pode ser uma forma de organizarmos um pensamento.

Respirei mais fundo, guardei a ansiedade, não sabia se ficaria como um


peixe fora da água... A aula iniciou com o cronograma, começaríamos
com um texto sobre desconstrução de mapas, ah! Pareceu-me
interessante, me lembrei de bricolagem, no sentido de desconstruir e
reconstruir usando os mesmos elementos e mais outros de toda a
espécie que dispostos num novo formato, esgotando seus significados
isolados, conferindo novos entendimentos diferente do propósito
definido originalmente.

No cronograma também discutiríamos a morte da cartografia, o que


me fez pensar que falaríamos de algo que estava considerado morto,
enterrado, não mais usual, pensei nas técnicas de pintura, desenho ou
escultura acadêmica que achamos não ter mais espaço na arte
contemporânea, qual o quê, tem muitos artistas que ainda a utilizam de
uma forma acadêmica ainda ou de outra agregando elementos
contemporâneos.

Pensaríamos em disciplinarização e indisciplinamento, novamente eu


me reportava à arte e seus desdobramentos em movimentos. Signos,
estética, educação visual, pensamento espacial, tudo me parecia
análogo a artes visuais ou familiar. Ainda em mergulho... Foi uma
palavra que me fez saltar um pouco fora d'água, Rizoma: o que era
mesmo? Filosofia da diferença de Deleuze e Guattari... Enfim mapa-
arte, geografia cultural, arte e cartografia. Uffa! Mergulhei, estava tudo
bem não me parecia tão difícil assim, afinal falaríamos de arte também,
só que vista por outro ângulo que até então não tinha focalizado, me
preocupado, conhecia alguns artistas que usavam a cartografia como
tema ou recurso para criarem obras, porém nunca prestei muita
atenção. Quando foram expostos slides de obras de artistas o mergulho
ficou mais fácil, a ansiedade deu lugar a uma expectativa de que ia ser
um instigante estudo.
Sonho

“Estou em meio a ruas e casas, parecem os bairros novos da periferia de


São Paulo, mas eu não reconheço, não sei onde estou, quero voltar pra
casa em Campinas, mas não sei para que lado me dirigir, perdi a
noção de direção, direita, esquerda, para frente, para trás, pergunto
para alguns transeuntes, eles falam é por ali, outros, não é por aqui, me
angustio preciso de um mapa, estou perdida!

Neste sonho em 2012, eu me senti perdida sem referências, em


Desconstruindo o mapa, J. B. Harley afirma: “Se todos os mapas neste
mundo fossem destruídos ou desaparecessem sob a direção de alguma
mão malevolente, cada homem estaria cego novamente, cada
cidade seria estranha para a próxima, cada referência terrestre
transformar-se-ia num arco sem significado, apontando para nada”.

Será? Eu me lembro de quando pequena que decorava o caminho da


escola e das casas de minhas avós, cada uma morava numa direção,
aos cinco anos de idade eu ia sozinha para a casa delas, não usava
mapa e ninguém tinha traçado o caminho para mim, eu simplesmente
aprendi a olhar ao redor e gravar o formato das casas, as cores, os
portões, as arvores, não sabia ler ainda, por isto não lia placas, ia
lembrando os sinais. Quando ainda criança saíamos pela cidade com
minha mãe, eu e meus irmãos, ela dizia que se nos perdêssemos dela
era para procurarmos uma igreja, pois, se localizam quase sempre no
centro de um bairro ou cidade, um lugar onde ficaríamos seguros até
ela ir nos encontrar. E mais tarde quando cresci e ia ao centro da
cidade, sabia que se pegasse o ônibus errado era só voltar para o
centro que lá saiam todos os itinerários, me sentia segura em andar pela
cidade, usava meus sentidos. Outras referências eram os vales e suas
paisagens, como morava em São Paulo, morros e ladeiras são comuns,
como os rios que cortam a cidade, morava na zona norte e a Serra da
Cantareira ao longe era minha referência meu norte.

Lembrando estas situações percebo como criava mapas mentais, no


sonho não me lembrei da referência da igreja como ensinou minha
mãe, pensava e queria um mapa para me direcionar, não estava
confiante em meus sentidos, como quando era criança. Assim como eu
outras pessoas se locomovem pelos sentidos e instintos.
Sinais

Quando iniciamos um estudo buscamos no passado referências das


quais possam nos situar em relação ao problema ou a “curiosidade”, no
entanto quando pensava em cartografia antes deste curso, não
pensava em história da cartografia, mas como recurso didático e
gráfico para se aprender sobre lugares no espaço terrestre, pensava
nos mapas do livro de geografia da escola de minha filha de nove anos
que está na quarta série do ensino fundamental, não lembrava os de
minha época escolar não tínhamos livros didáticos era tudo feito no
caderno, copiávamos mapas dos livros da biblioteca, ou melhor,
decalcávamos o desenho do mapa em papel de seda e depois
coloríamos, adorava fazer isto!

Pensar em história da cartografia muda muito as referências, nos situa


na criação de mapas, enquanto ciência e nos leva a uma estrutura de
pensamento ao longo dos processos de desenvolvimento das técnicas
e as interfaces com outros conhecimentos como obviamente
geografia, geologia, topografia, geomorfologia, geometria, sociologia,
política, demografia etc. E quando chegamos a esta conclusão
percebemos que nossa forma de pensar o mundo espacial esta
intrinsecamente relacionado ao modo de ver dos especialistas destas
áreas, sobretudo a filosofia da escola a qual eles pertencem e aos
interesses do cliente para quem eles trabalham - na maioria das vezes o
estado - e o que estes desejam que nós leitores vejamos nos mapas, nos
direcionando para uma determinada formação cultural, ao lermos um
mapa somos guiados a selecionar direções impostas no formato e na
composição colocada diante de nossos olhos, só vamos conhecer o
que eles nos mostraram, o que esta fora do mapa fica invisível, cabe a
nós o senso e a curiosidade para deduzir que podemos encontrar outras
coisas além do que nos mostram, ou então permanecemos na
opacidade ou no clichê, no lugar comum, como por exemplo, ao
visitarmos uma cidade com o intuito turístico seguirmos o roteiro
adquirido na Central de Informações turística da cidade, vamos ver o
que foi instituído por alguém da secretaria de turismo local deseja que
conheçamos e voltamos pra casa com a impressão de que realmente
podemos dizer aos nossos amigos que conhecemos mais um lugar no
mundo.
Dentro desta lógica, se quisermos ter autonomia de pensamento
cultural para ler um mapa, temos que nos propor a desconstruí-lo e
reconstruí-lo novamente, com um olhar baseado em referências livres
de doutrinas pré-estabelecidas de uma noção do mundo como
verdade absoluta, imutável, móvel que atuam na construção social do
espaço em que vivemos, transmitindo valores nas suas entrelinhas e
efeitos potenciais na produção do mundo. Um mapa pode ao nos
informar nos dá um modelo de realidade, pode também ser fonte
variável de informação dependendo das características de seu usuário,
pode transmitir códigos variados que nos direciona para interpretá-lo,
como por exemplo, icônico, que controla e determina as coisas, como
onde fica uma rua, por exemplo, ou um código linguístico que nomeia
esta rua. São estes códigos que nos levam a cognição sobre a
informação se o mapa é escolar, turístico, político, demográfico etc.

Nos dias de hoje, na nossa contemporaneidade, a televisão, o cinema


e a internet de uma maneira mais potencializada também educam
visualmente direcionando nossa cultura, nossa estética e nossa política.
As informações transmitidas por estes veículos mapeiam nossos modos
de vida, nosso cotidiano, eles substituem o mapa que é uma superfície
plana e bidimensional. Hoje podemos visitar virtualmente um museu,
uma rua, um parque ou mesmo a rua onde moramos a própria casa,
câmeras e satélites registram os lugares e nos transmitem imagens, desta
forma estamos sendo guiados por um meio.

Somos educados visualmente para entender os mapas e estes meios de


comunicação. Desta forma nosso pensamento espacial se organiza
sobre determinado lugar, criando uma representação e toda
representação é seletiva, sendo assim potencializa um domínio que é
um poder de controle. A cada criação de uma representação, seja do
emissor ou do receptor, surge uma nova interpretação e desta surge
outra interpretação que passará outra informação, formando uma
cadeia de informações que acumulam novos dados conforme entram
em contato com novos receptores. Uma forma de sair desta cadeia
evolutiva de informações é usar ferramentas de conhecimento crítico.

A analise crítica nos afasta do objeto a ponto de podermos desconstruí-


lo para entender sua estrutura, assim, por exemplo, ao fazermos isto
com um mapa o desconstruímos e o construímos com outro olhar,
quebrando a cadeia de informações intrínseca a ele, neutralizando seu
poder sobre nós. Para tanto necessitamos entrar por uma brecha ou
abertura, conectar suas dimensões, desmontá-lo, revertê-lo, adaptá-lo
a montagens de qualquer natureza, para fazer uma cartografia
analítica.

Situar

Saiu de um ponto vou a outro, procuro uma entrada, mas qual delas
vou adentrar? Lembro-me da frase no texto de Deleuze e Guattarii

“Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter


sempre múltiplas entradas”

Talvez eu queira escrever de forma rizomática, entre múltiplas entradas


escolher uma e construir em tempo real a reflexão sobre a minha
experiência no curso. Não daria para fazer isto agora, pois necessitaria
da contribuição de todos que se envolveram no curso, no processo de
aprendizagem. Terei que construir partindo da conexão de onde já
estou, do meu território, serei eu a multiplicidade do fluxo, criarei uma
linha de fuga, desterritorializo e reterritorializo continuadamente a abrir
sempre para outras conexões, deixando este texto aberto para novas
conexões para negociação.

Entender a relação entre mapa e rizoma na perspectiva de Deleuze e


Guattari não foi uma tarefa fácil, procuro visualizar mentalmente e não
tenho certeza se entendi realmente a sua complexidade.

Concentro-me, releio tudo que escrevi, agora quero escrever sobre o


mapa que me acompanhou durante o curso.

Analisar um mapa extraindo dele informações objetivas através de seus


signos e códigos não é uma tarefa difícil, até porque os mapas são
feitos para serem entendidos de forma imediata, no entanto extrair
informações subjetivas, a suas entrelinhas me pareceu complexo. Por
exemplo, o mapa que escolhi é um mapa turístico da cidade de Poços
de Caldas que fica no estado de Minas Gerais, o escolhi porque eu o já
tinha usado na prática. Como todo mapa deste tipo trás em sua
composição traçados e ícones que sinalizam ruas, avenidas, estradas,
parques, lagos, rios, igrejas, pontos turísticos, áreas de lazer, cultura,
comércio e hotéis. Porém em seu layout, a ênfase é sobre o comércio
da cidade, na sua configuração o comércio é tão importante quanto
os pontos turísticos. O meu interesse ao adquiri-lo era de localizar os
pontos turísticos, porém o apelo chamativo das fotos do comércio local,
emoldurando sua composição me incomodaram. Ao visitar esta cidade
eu e minha família fomos à busca de tranquilidade, ar puro, banho nas
termas e para apreciar a cultura local, que imaginávamos mais
bucólica, no entanto encontramos muito movimento comercial, as
termas não estavam funcionando e o ar não eram mais tão puro.

Quando no curso propuseram a nós interferir no mapa, desconstruí-lo e


reconstruí-lo não tinha entendido ainda que faríamos uma conexão
com alguma das entradas do mapa e que poderíamos produzir uma
estrutura rizomática, entendo agora ao organizar os pensamentos para
falar sobre a experiência com o mapa.

Ao interferir no formato e na estrutura do mapa de Poços de Caldas


escolhi encobrir o que me incomodava, as fotos comerciais, as
legendas, as sinalizações de direção. Deixei apenas as linhas do trafego,
os desenhos dos rios, dos parques e pontos turísticos, o que me
interessava.

Durante esta criação, a ação do processo fez parte do conceito que


procurava expressar. O primeiro ato: encobrir o mapa totalmente com
uma folha de papel. Encobrir foi uma maneira de eliminar informações
que incomodavam. O segundo ato: rasgar partindo de um ponto
central no papel, a partir da memória visual dos lugares que lembrava
ter passado na cidade quando visitei. O rasgar representa o descortinar,
desvendar, revelar. O terceiro ato: recolher os retalhos de papeis
retirados no rasgo e denominá-los com palavras referenciadas na
memória dos sentidos, das sensações, das impressões causadas durante
o dia do passeio com minha família na cidade. O quarto ato: colar estes
retalhos no espaço em torno do desenho do mapa. O colar representa
o rearranjar as impressões colocando-as e outra ordem em outro
sentido.

Ao voltar a olhar para o mapa agora, percebo que escolhi uma


entrada para me conectar com as informações do mapa, esta seria a
lembrança das sensações, a multiplicidade.

Este exercício de desconstruir e reconstruir um mapa partindo de outro


ponto de vista, de outra abertura, é uma experiência que me
proporciona um devir (no sentido “movimento pela qual as coisas se
transformam”) em relação à cidade de Poços de Caldas, pois a partir
desta ação a cidade passou ao meu olhar, ser mais atraente, mais
agradável, eliminei o que me incomodou não só no mapa como na
lembrança e ficaram as impressões e sensações boas. Ora! Quem olhar
para este meu mapa agora depois de transformado, verá a cidade a
partir de meu ponto de vista, daí voltamos para as multiplicidades para
novas aberturas, novas conexões e assim sucessivamente.
Salto agora para outra abertura, outro aspecto tratado no curso, a
cartografia no ensino de geografia, pois que, se estamos aqui a discutir
a importância de se construir um pensamento de forma rizomática,
quão interessante seria se na escola durante as aulas de cartografia da
disciplina de geografia, os alunos pudessem desconstruir e reconstruir os
mapas físicos, demográficos, políticos, econômicos e outros.
Experimentariam outros domínios além do que o estado pretende que
conheçam, fariam outras conexões que os libertariam de uma forma de
pensar a realidade ou uma representação rígida, inflexível, móvel etc.
Imagino aqui, fazendo uma analogia, a cartografia escolar
contemporânea, sendo aberta para horizontes da poesia, da arte. O
educador e o educando de forma rizomática, construiriam uma
cartografia inventiva, fora dos padrões, para livre deleite, como
exercício democrático do pensamento, um modelo que dispensaria a
necessidade de uma avaliação externa de conhecimento, seja por um
por um currículo imposto ou de um especialista, cuja legitimação seria
deles próprios.

Faço agora outra conexão... Não por acaso visualizo minhas aulas de
artes e a metodologia de ensino de artes a qual adoto. Quando em
aula de artes, procuro incentivar meus alunos no ato da expressão, a
serem criadores (no sentido metafísico de Deus, mesmo), a pensarem
que não existe sistema algum pronto, só as ferramentas, os instrumentos
e os materiais ali colocados, que são livres para criarem o sistema que
lhes convém. Ao fazer isto e não oferecer modelos e nem tão pouco
impor minha visão pessoal ou gosto estético, me abro ás suas propostas,
soluções e descobertas, estimulo a criatividade, a invenção, a pesquisa,
ao lúdico, encorajo o aluno a desenvolver suas próprias ideias, a
explorar sua estética e seus próprios recursos internos de expressão, de
imaginação e reflexão, a formar sua própria cultura. Deste modo atuo
como colaboradora, construindo junto com eles.

Ao conectar com minhas próprias experiências em arte educação


observo uma analogia com a proposição colocada no curso, de tornar
a cartografia escolar uma proposta aberta que estimule novos
processos de aquisição de conhecimento, ou seja de cognições, de
gerar vivências que estimulem novas culturas, que rompem com o
poder estabelecido, se desprendendo dos códigos, signos, regras e
todas as formas rígidas e imutáveis de domínio, sobretudo os impostos
pelo estado. Daí se deslocarem do formal para o informal, para o
imaginário, ficcional, para a arte em si, que por si só potencializa
múltiplas aberturas criando um rizoma.
Respiro...

Tentei obter recursos na minha memória visual dos momentos vividos em


aula, das falas do grupo e dos professores, nas leituras dos textos, porém
agora não me servem, pois quero fechar, concluir e quando penso
neles abrem um leque de possibilidades, múltiplas aberturas, então...

O momento agora é de negociação...

i
Deleuze, Gilles e Guattari ,Félix – Mil platôs – Capitalismo e esquizofrenia 2 pg.30.

Você também pode gostar