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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
.' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO V
ÍNDICE

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "A, fé nao seria erpressáo da fraqueza humana ?


As mulheres, as crianzas e os andaos aínda costumam guar
dar a fé, ao passo que o homem adulto, principalmente o inte-
leclual, em minios casos é incrédulo.
Que pensar do problema ?" "07

2) "Que Rifo ns estigmas ?


Que poilr Inirer ile autentico e de falso no* rtisim tlr cstluwti-
tizactiit que se r»Mumam narrar ?

Como se espttcam ü In; tía Medicina e da ItcHgiüo ?" 2li

II. SAGRADA ESCRITURA

III. HISTORIA I>AS REIJGIOES

J) "Existan militas rcHiiiócs. Como deseobrir a vcrtlaileinif


Será preciso estndnr ns mais prováveis para depois fazer a
esrolhn ?
Qital o criterio que me hú de convencer da venteidude da h'eli-
yulo Católica ?" 22¿

í) "Pódese provar históricamente a ressurreicáo de Jesús?" 2Si

IV. DIREITO CANÓNICO

5) "Diante das recentes noticias do cxcomitnhño proferida


sobre éste oh aquéle homcm público, gostaria de saber em que
consiste essa pena e quais os seus efeitos" 23G

6) "Afinal de'cantas, Fidel Castro está oh nüo está exco-


mungado ?
E qual a situaeño religiosa do ex-Pre*identc PerAn. ila Ar
gentina i" ; • 2.JC

CORRESPONDENCIA MIÚDA 2iS

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano V — N« 54 — Junho de 1962

I. CIENCIA E RELJGIAO

HOMEM DO SÉC. XX (Rio de Janeiro) :

1) «A fé nao seria expresslo de fraqueza humana?


As mulhercs, as crianoas e os andaos aínda costumam guar
dar a fé, ao passo que o homem adulto, principalmente o intelec
tual, em muitos casos é incrédulo.
Que pensar do problema?»

A questáo ácima é íreqUentemente trazida á baila, e de tal modo


apresentada que nao raro as pessoas de íé se véem em situacao emba
razosa. Vamos abordá-la com sinceridade, analisando o íato da incratu-
lidade contemporánea, para poder perceoer a sua raíz e o seu Signifi
cado genuinos.

1. O fato da iocredulidade moderna

É fenómeno comprovado que a falta de fé cm nossos días


se tefn acentuado nao sonriente entre cnstáos, mas também em
todos os sistemas religiosos do mundo, prevalecendo entre as
pessoas do sexo masculino, mormente entre os intelectuais. Até
mesmo no Judaismo e no Islamismo, que sao sistemas religiosos
ditos «de tipo varonil» (sistemas que valorizam especialmente o
varáo), a porcentagem de homens incrédulos é muito maior do
que a de mulheres.

Também se verifica que entre os adultos em geral há muito mais


falta de fé e de re igiüo do que entre as crianzas, ñas quais o fenómeno
da incredulidade poderia ser considerado como algo de anormal ou
doentio.
Por íim. deve-se outrossim registrar que a incredulidade costuma
retroceder nos anclaos, os quais multas vézes. após urna vida alheia a
Deus, terminam seus días como fiéis fervorosos.

Quem toma consciéncia desta realidade, concebe espontá


neamente a questáo: será entáo que a fé (e, em particular, a
que interessa de mais perto o ambiente ocidenlal:... a fé crista)
nao é expressáo de mentalidade inferior, mentalidade que as
ciencias e o pensamento amadurecido do séc. XX váo dissipando?
Nao teria razáo o.positivismo ao proclamar a sua leí dos tres
estados : o teológico, primitivo e rude, em que os homens admi-
tiam deuses e ritos; o estado metafísico, medieval, em que os ho-

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 1

mens aínda acreditavam em «pretensos» valores invisiveis


(alma, espirites, vida eterna...), e o estado positivo, atual, em
que o homem, feito adulto em seu pensamento, só professa aquilo
que as ciencias exatas Ihe ensinam?
Estas dúvidas, embora combatidas por muitas pessoas reli
giosas, váo produzindo urna atmosfera em que a fé e o fervor
religiosos se véem sufocados. Para nao poucos dos nossos con
temporáneos, o fato de ter fé é constrangedor; sentem-no princi
palmente os homens, que por suas crencas religiosas se julgam as
vézes reduzidos a um nivel feminino ou infantil. Embora nao
queiram renunciar á Religiáo, grande número de pessoas nao
sabem mais onde a colocar em sua vida.

Pnra rperguer os ánimos tíos que croem. poder-sr-ia li-mhrar que


hnuvo, e há, grandes sabios profundamente convicios ila veracidado da
fó, o. cm particular, da fó católica, tais como Ampvrc. Pasteur, liranly.
Sccchi. Marconi e outros. O fato é inegável; contudo nao basta para
(iissipar as dúvidas : quem opóe um fato a outro. nao explica coisa
alguma. nem dá contas do surto da incredulidad em nossos días. Assim
quem verifica que num país a mortandade infantil é assustadora, nao
resolve o problema asseverando que, apesar de tudo. há também muitos
andaos nessa regiáo; resta aberta a questao : porque se dá a morte
precoce de tantas criancas? Nao é a longcvidado dos adultos que a
elucida.
Por conscj,'uinte. para explicar porque há tantos homens. principal-
monte tantos ditos inteloctuais, incrédulos cm nnssos (lias, nao hasta
apontar para muitos outros. que sao adeptos decididos da fó católica.
ScrA preciso investigar mais a fundo. É r> que vnmos fazer nos pará
grafos subseqüentes.

2. Alnuns pressiipostos erróneos

1. A própria ciencia moderna, principalmente a psicología


contemporánea, fornece as premissas para explicar a increduli
dade nos tempos atuais. Com efeito,
a) No que se refere á crianca, julgavam os estudiosos de
decenios passados que fósse um ser mais ou menos amorfo, como
que materia bruta a ser plasmada pela educagáo e a instrugáo.
Seria urna prancha destituida de qualquer sinal (a «tabula rasa»
muito cara aos cartesianos). Suas manifestagóes espontáneas
nada teriam de valioso ou significativo para o homem de ciencia.
O adulto seria entao urna crianza burilada e enriquecida em sen
tido harmonioso.

b) A mulher nao era tida em mais estima. Desde a época


de Aristóteles (í 322 a. C.), repetia-se com certa freqüéncia que
a mulher nao foi feita para pensar («em geral, nao há sabedoria
ñas mulheres. — Sapientia communiter non viget in mulieri-
bus»).

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A INCREDULIDADE. SINAL DE PROGRESSO ?

Herdeira de tal concepcüo. a ideología nacional-socialista ainda re-


centemente confinava a mulher ao setor dos tres K : Kirche, Kilchc.
Kinder — devocáo. cozinha, pimpolhos.

c) Ccm referencia aos povos primitivos, semelhante con-


ceituagáo ia sendo propagada no decorrer do século passado. Jul-
gava-se que viviam num estado pré-lógico, como se nao tivessem
inteligencia; concebia-se a sua evolugáo como um processo reti-
lineo de enriquecimento. Em conseqüéncia, ninguém teria coisa
alguma a aprender dos primitivos.
Disso tudo concluiam muitos estudiosos que a religiáo, sendo
cultivada principalmente por mulheres, criangas e gente primi
tiva, constituí a expressáo de mentalidade inferior á do homem
adulto e intelectualmente maduro.

2. Eis, porém, que os progressos dos estudos, nos últimos


trinta anos, vieram por em xeque tais idéias, mostrando que se
deviam antes a preconceitos do que a urna análise fiel da rea-
lidade.
Os estudiosos tomaram consciéncia cada vez mais clara do
seguinte: na natureza nao há desenvolvimento ou enriqueci
mento que nao seja acompanhado de certo depauperamento; a
todo progresso num setor corresponde recuo ou estacionamento
em outros setores; nao há aquisigáo pura e simples.

A tese é ilustrada por varios exemplos: a flor so se torna fruto,


perdcndo suas pétalas, seu colorido, seu perfume e seu encanto próprios.
A descoberta da imprensa e o uso múltiplo de impressos privaram
os homens modernos da estupenda tenacidade de memoria de que goza-
vam os antipos.
A luz elétrica só ilumina melhor queimando paulatinamente os
olhos do leitor.
A própria virtudo só nasco e se sustenta na base do sacrificio e da
renuncia.

De acordó com estas verificagóes (que sempre foram váli


das, mas que passaram a ser mais focalizadas), os estudiosos
voltaram-se atentamente para o que diz respeito ao ser humano.
a1) Perceberam que o adulto nao representa simplesmente
o desabrochar das perfeicóes latentes na crianga; esta nao pode
ser tida como página branca ou tábua lisa-na qual o educador
vai escrevendo. Ao contrario, mais e mais os psicólogos xénv
sublinhado a capacidade de intulcáo e de originalidade que ca
racteriza a crianca antes que seja submetída ao retalhamento ou
ao regime de «compartimentos> impostes pela educacjio. O pen-
samento da criangá é altamente sintético; suas intuigóes e
emogóes por vézes possuem totalidade e frescor tais queso se
encontram em grau igual nos grandes poetas e místicos
(tenham-se em vista certos desenhos realizados imprevistamente

— 2U9 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 1

na escola por criancas). Julga-se, pois, que nao é em funcáo do


adulto que.se deve procurar compreender a crianca, mas, ao
contrario, é á luz do comportamento da crianca que se pode
e deve muitas vézes entender a conduta do adulto (conduta já
um tanto «estilizada»).
Poder-se-la com certo propósito lembrar aqui que o S. Evangelho
nao exorta as criancas a se tornar semelhantes aos adu tos. mas. sim.
pede aos adultos que se tornem como criancas para poder conseguir a
vida eterna; cí. Mt 18,3.

b') Semelhantes corretees foram fcitas na conceituagáo


da muiher.

Testes meticulosamente aplicados no intuito de provar a


índole inferior da inteligencia da muiher ficaram destituidos de
resultado. Averigüou-se que, embora a muiher difira psicológi
camente do varáo, nem por Lsto ó menosprezível; ela tem mais
capacidade de intui;áo e s'ntese; por isto compreende melhor o
misterio da vida, que o homem, usando de frío raciocinio, vai
contemplando parceladamente e vai classificando em «gavetas
da mente». Por isto também, quando se trata de «lidar com a
vida», isto é, de cuidar da existencia frágil de urna crianca, de
pernoitar junto a uní doente, amparar um anciáo debilitado, ar
rumar um lar (tarefas em que a vida cotidiana se apresenta no
que ela tem de mais concreto e trpico), a muiher é, por sua natu-
reza mesma, muito mais capacitada do que o homem. Isto se dá,
nao porque a muiher só tenha intuieño e ternura, e nao possua
raciocinio ou lógica: na verdade, a reta intuigáo supóe sempre a
luz da inteligencia e do raciocinio. Acontece, porém, que na mu
iher a inteligencia tende mais fácilmente a realizar a síntese;
ela possui estupenda capacidade de abranger num só relance um
conjunto de elementos, nao mediante teorías, mas imediatamente
na própria realidadó.
c') Tambóm o homem primitivo foi sendo, nos últimos
trinta anos, interpretado de maneira nova (em oposigáo ao evo
lucionismo extremado de algumas escolas do século passado).
Os etnólogos reconhecem atualmente que os povos primitivos pos-
suiam cultura, e cultura muito digna de interésse. Os conceitos jurí
dicos vigentes entre éles exprimem apurado senso humanitario e equi
tativo (Paúl Radin. após haver cstudado atentamente os indios «peie-
-verme ha», escreveu a obra «The Primitive Man as Philosopher*); o
íoklore dos primitivos traduz, natura.mente numa linguagem.simples,
mas intuitiva, um tesouro de observacoes psicológicas muito sabias: Em
urna palavra : é pola capacidad? de intuigáo e de se adaptar fielmente
á rcalidade que o homem primitivo se distingue, ao passo que o mo
derno tende a abstrair do concreto e a parcelar a realidade em catego
rías especulativas.

— 210 —
A IN'CREDULIDADE, SINAL DE PROGRESSO ?

Está assim rápidamente esbogada a Índole psicológica pró


pria da crianga, da mulher e do homem primitivo. Vé-se qué
nao podem ser tratados como entes retardados ou inferiores,
mas devem ser tidos como criaturas dotadas de suas qualidades
características, entre as quais um poder de síntese original,
muito apto a captar a realidade. Dito isto, já se pode entender
melhor o seu respectivo comportamento frente á Religiáo.

3. A cxplica?áo do enigma

1. No sáculo passado. por influencia dos enciclopedistas france


ses do séc. XVIII e do materialismo, cntrou em vigor um conceito de
religiáo depreciativo; fizeramse ouvir aflrmacóes que caricaturavam
e condenavam peremptóriamente a religiáo como sendo produto do
temor e da covardia de homens incultos (eco da sentenca de Lucrecio,
romano do séc. la, C: «Primus in orbe déos fecit timor. — O temor
foi o primeiro a criar deuses na térra»),... ou como sendo o resultado
da exploragáo do povo por parte de sacerdotes ambiciosos (Diderot)
ou como conseqüéncia de escrúpulos que enlravam o desenvolvimento
da personalidade (Reinach) ou como especie de loucura coletiva (Binet-
-Sanglé)... Hoje em dia historiadores e psicólogos, mesmo liberáis, já
entendem a Religiáo de outro modo; nelavéem a forma de pensamento
mais concentrada e sintética que o homem possa conceber. a forma de
pensamento mais enmpreonsiva do toda a realidade. Em outros tírmos :
percebem que a Religiao coloca o homem diantc da vida tal como ela
é, e solicita toda a vida, o empenho de toda a personalidade do homem;
a Religiáo é um modo de ver o mundo e o homem que repercute em
todos os atos do Individuo; ela é capaz de mudar o sentido da existen
cia de cada um dos seus adeptos, sugerindo os maiores sacrificios, in
clusive a própria morte (o martirio), a ser suportados com paz e alegría
de alma; ela tem inspirado os poetas, músicos, arquitetos e pintores, em
suma todos aqueles que possucm o dom de urna intuicúo mais profunda
da realiriado c de urna vibratilidade mais apurada.

Ora essa nocáo de Religiáo exigiu reforma da maneira de


interpretar o ateísmo contemporáneo.
É precisamente a índole fortemente intuitiva da Religiáo
que explica, tenham a mulher, a crianza e o homem primitivo
especial afinidade com ela. — É pela intuicáo que se percebem as
grandezas e as finuras da Religiáo, mais do que pela abstracáo
especulativa; doutro lado, como dizíamos, é principalmente pela
faculdade de intuicáo que se caracterizam a crianga, a mulher e
o primitivo, ao passo que o varáo, mormente o intelectual, se
distingue mais pela abstragáo ou a faculdade de raciocinar
especulativamente.
2. Note-se outrossim o seguinte: a incredulidade é o
efeito de urna certa estreiteza do espirito. E a estreiteza do espi
rito, por sua vez, é freqüentemente a conseqüéncia da disciplina
que as ciencias impóem ao intelectual.

— 211 —
<PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 1

Todo método científico tende naturalmente a classiíicar os elemen


tos cora que Hda; tende a definir, colocar dentro de categorías ou «ga
vetas mentáis». Principalmente a ciencia moderna, a partir do séc. XVI.
inspira-se na mecánica: Descartes, Newton. Leibnitz. Pascal, Galileu
procuraram, em grau maior ou menor, explicar a rcalidade déste mundo
segundo as leis da fisica e da matemática; algo que nao fdsse máquina,
ou redutivel as leis da máquina, lhes devia parecer incapaz de existir;
até mesmo os viventes eram enquadrados dentro das leis da máquina
(hoje em dia. com o progresso da biología, os estudiosos percebem
muito me'hor que a vida nao se reduz ao mecanicismo, mas obedece a
principios diferentes e próprios, que as modernas escolas vltallstas tém
estudado; vé-se hoje que. no setor da vida, os esquemas ou as lfnhas
muito simétricas, tracadas de antemüo, sao fallías e nao npreendem a
rcalidade; deve-se contar com o fator «-espontaneidade». quando se
trata dos seres vivos).

Comprcende-se cntáo que a menlalidade dos cicntistas de


formaeño mecanicista, a partir do séc. XVI, tondesse a se alhear
a Religiáo, pois esta é essencialmente vida, intuicao de urna rea-
lidade que ultrapassa as estreitas categorías e leis da mecánica.

Shakespeare (+ 1616) alribuiu ao scu Hamleto um distico muito


sabio : tHá muito mais coisas no mundo do que aquelas que nos conse
guimos abarcar com a nossa inteligencias.

Sem dúvida, a mentalidade mecanicista, que tende a esque


matizar e estreitar, impera poderosamente nos bastidores dos
cientistas contemporáneos, levando conseqüentemente muitos
déles a nao avaliar o significado da Religiáo.

Para ilustrar a incapacidade que o intelectual moderno ressente, de


compreender os valores da fé, podem-se sugerir algumas significativas
analogías.
Haja vista, antes do mais, a seguinte: um músico deseja comprar
grande piano de cauda, cujas vantagens ele antevé com profundo deleite;
um obstáculo, porém, parece frustrar decisivamente o seu intento: o
artista habita um apartamento pequeño demais, no qual nao há lugar
para o grande móvej: é preciso entao que renuncie ao piano, nao por
que éste seja grande demais. mas porque a mansáo do músico é dema
siado estreita. Caso nao se encerré em cubículos tüo pequeños, afinar-
•se-á perfeitamente com o grande piano. — Algo de semelhante se ilá
com todo intelectual que se fecha ou se estreita na sua intelectualidade :
inabilita-se para perceber os valores da vida e da realidade plena que,
por serem ricos demais. nao se deixam sempre encerrar dentro de defi
nieres ou classiíicagóes.
Toda especializacáo marca o especialista, chegando mesmo a de-
formá-lo. pois desenvolve um aspecto do físico ou do psíquico da perso-
nalidade. multas vezes com detrimento pnra outros aspectos da mesma.
Lévese em conta, por exemplo, um marujo veterano acostumado a ca-
mlnhar de mancira cadenciada ou bataneada sobre o tombadi ho agi
tado do seu navio : és?e homem conservará em teda parte, até mesmo
em salüo de gala, o scu andar especializado (que no caso é deformado).
Considerem-se outrossim os dedos ágeis e sutis de um pianista, os
punhos giossos de um pugilista (ou <-boxeur¿>), a musculatura possante

— 212 —
A INCREDULIDADE. SINAL DE PROGRESSO ?

dos bracos de um íerreiro. etc. — E compreender-se-á que, de maneira


análoga, qucm se deixa «moldar» pelos métodos da ciencia moderna
mecanicista. incorre, talvez sem o saber, no perigo de se deformar ou
depauperar perante a realidade da vida.

3. Justamente por estarem estrellados dentro dos siste


mas das ciencias modernas (contra as aspiracóes espontáneas
da natureza humana) é que muitos dentistas incrédulos (desde
que sejam sinceros) experimentam urna certa nostalgia dos seus
anos passados outrora na fé ou, no mínimo, urna certa inquie-
tude e insatisfagáo. Éles sofrem do fato de ter mutilado algo de
si mesmos ou de ter rejeitado para longe de si elementos que sao
insubstituíveis.
Estas consideragóes dáo claramente a ver que nao é a cien
cia como tal que leva o homem á incredulidade, mas é o cultivo
unilateral da ciencia, é a «especializagáo» em sentido exclusivo,
tal como ela é praticada em nossos dias. Pode-se asseverar com
seguranza que, para que os homens tenham Religiáo, nao é
preciso vedar-lhes a ciencia e a civilizagáo (urna Religiáo que
só se sustentasse á custa de ignorancia e de civilizacáo rudimen-
tar seria, antes, urna caricatura de religiáo). Ao contrario, o
ideal da sabedoria consiste no cultivo simultáneo da ciencia e da
religiáo, pois estes dois valores se atraem e completam mutua
mente (a inteligencia humana devidamente aplicada ao estudo
denuncia a presenga do misterio no mundo ou a prescnga dos
vestigios de Deus,... de Deus que a Religiáo cultua).
De resto, em «P.R.» 19/1959, qu. 1, ficou exposto como a Religiáo
sempre inspirou as grandes realizagóes da cultura e da civilizacáo do
género humano.
4. A atltude do intelectual moderno que. em nome da sua ciencia,
nega a Duus, pode ser Lustrada pela seguinte analogía :
Imagine-se um homem que possui seu relógio ele bolso... Nunca
se interossou pela técnica da íabricacáo do rclúgios; apenas sabe que
ésse instrumento tem um fabricante (Cyrna. Omega, Diehl...i, como,
alias, qualquer objeto dcste mundo visível tem sua causa. — Um dia,
porém. tal homem foi iniciado na técnica da reloj oaria; comecou a
entender algo da engrenagem das pecas internas do relógio. percebeu
a distribuicáo e a sistematizado das íuncóes parciais que concorrem
para o funcionamento do conjunto «relóglo>; viu a concatenacSo que
ha entre pontelros. molas, manivelas e rodas no relógio. Em conseq'lén-
cia, pds-se a explicar o funcionamento de cada urna das pecas pelo fun
cionamento das vizinhas. ótimo! Assim enriqueceu seu patrimonio cien
tífico. — Mas, se ésse homem. por conhecer a engrenagem do maqul-
nismo, viesse a negar a existencia do fabricante ou da inteligencia que
concebeu tal maquinaria, nao estarla tomando posicao absurda? Ficar-
•lhe-ia sempre por explicar «por que é que tal peca depende de tal outra,
por que a engrenagem é tal quando ela poderla ser outra ou poderia
nem sequer existir».
Assim se comporta o intelectual moderno que. depois de conhecer
melhor as leis da física e da mecánica, julga poder descrer de Deus.
Ésse homem se depaupera pela sua ciencia, perde a visáo da Causa

— 213 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 2

Suprema, que aínda é mals nobre do que as causas paroláis e que sub
siste sempre. quer o hotnem ignore, quer conheca os principios das
«ciencias exatas».

De modo nenhum se deveria desejar criar e conservar a íé «em es


tufa», isto é, urna íé simplória, ignorante dos valores humanos. Ncm.
doutro lado, merecería estima a ciencia arrogante, que recusasse de
antemáo o sobrenatural, prctendendo por si explicar o mundo e saciar
o homem.
«Nao se trata de condenar a ciencia como se íósse inimiga da íé.
nem de a fazer recuar... para que ela nüo abale a crenca. Trata-se. ao
contrario, de alargá-la; 6 preciso que a ciencia eompreenda que a reall-
dade a ultrapassa de todos os lados e que lia om toda cspücializaeáo
científica urna simplificacáo. da qual corremos o risco «lo ser vítimas.
principalmente quando pnrece surgir um confuto entro a ciencia >' a
sua sistemática, do um lado, o a fé e o seu mistório. do nutro lado
<P. Charles. L'K;;liso Sarromrrit (ln mondo. 1f"¡0, 31).

Em conseqüéncia do que foi dito, vé-se também que o ho


mem de fé nada deve ao que nüo tem fe; de modo nenhum está
em posieño inferior frente a éste. Antes, com santo garbo pro-
fesse a sua crenga religiosa, e certamente estará assim benefi
ciando o próximo que precise de ser moralmente revigorado.

'Aqucle que ere, nao ó prisioneiro. E. antes, o incrédulo que forja


para si caricias imaginarias. A fé traz consiso alegría, como, alias, a
traz tudo aquilo que faz eco a imensidade* 'P. Charles, oh. cit. 36).

L. B. (Río de Janeiro) :

2) «Que sao os estigmas?


Que pode haver de auténtico e de falso nos casos de estig-
matizacáo que se costtunam narrar?
Como se explicara, a luz da Medicina c da Religiáo?»

Os modernos estudos de Psicología tém chamado a atencao para


fenómenos extraordinarios que outrora eram ttdos como milagros ou
testemunhos da acáo de Deus em urna alma e que hoje a varios estudio
sos parecem nao ser mais do que indicios de estados doentios. Entre
ésses fenómenos, conta-se a.estigmatizacáo, á qual será dedicada a pre
sente resposta.
Visando perceber o verdodeiró significado dos estigmas, definire
mos primeramente em que cohsistem; a seguir, verificaremos como
tém ocorrido através dos séculos ou na historia; por fim, considerare
mos :i oxplli•««.»!"«> mais ptausivel que se possa <l¡ir a tnl fenómeno.

1. Em que consistem os estigmas?

1. Na linguagem dos gregos e romanos précristáos, .stigma^ era


a maioa que, com ferro candente, so gravavu no gado, cm escravos e eni

— 214 —
OS ESTIGMAS. SINAL DE PEUS ?

soldados, a íim do designar o seu respectivo senhor lo proprietário do


latifundio ou o general do exército).

É Sao Pau'o quem pela primeira vez usa o termo cm sentido reli
gioso, asseverando que «traz em seu corpo os estigmas do Senhor
Jesús» (cf. Gal 6,17); destarte intencíonava referir-se ás mancas san
grentas dos padecimentos que ele havia suportado por amor a Cristo
(cf. 2 Cor ll,24s). Ésses estigmas o deviam caracterizar como verda-
delro servo e miliciano do Senhor.

Na historia do Cristinnismo. continuaran! a reproduzir-se os estig


mas nos servos de Deus, sob modalidades varias, apresentando contudo
algumas características constantes e comuns :

Os estigmas sao lesóes do organismo nao produzidas por


agentes externos ou por doengas; manifestam-se imprevista
mente em partes determinadas do corpo (principalmente ñas
máos, nos pés, no lado direito ou esquerdo do peito, mas tam-
bém nos ombros, sobre os quais Cristo carregou a cruz, e na
cabeca, a recordar a coroacáo de espinhos). Sao geralmente
acompanhados de profundas dores (físicas e moráis). Essas cha-
gas apresentam aspectos e tamanhos diversos : ora sao arredon
dadas, ora ováis; ora superficiais, ora profundas; podem ter o
mesmo diámetro de um lado ao outro da máo, podem também
estreitar-se de modo a terminar em ponta. Costumam langar
sangue (sangue rubro, rutilante) á guisa de hemorragia, hemor
ragia que pode ser continua ou intermitente.
Os estigmas se distinguem das feridas ou chagas comuns
também por serem refratários a todo tratamento : nao há me-
dicacáo ou curativo que provoque a sua cicatrizagáo; ao contra
rio, qualquer intervenejio médica só redunda em aumento das
dores. Doutro lado, nao acarretam infeceáo, supuracáo, necrose
de tecidos ou gangrena; nem exalam aroma desagradavel. Con-
servamse inalterados durante anos e anos,- ao invés do que as
leis da natureza fariam prever. Aparecem multas vézes reco-
bertos por urna crosta vermelha escura, devida á coagulado do
sangue; em todo caso, nao costumam ser chagas expostas, mas,
sim, protegidas por fina membrana contra riscos e perigos do
ambiente.

Em resumo, as autoridades da Igreja costumam caracterizar os


estigmas mediante as seis seguintes notas, que se devem verificar t< das
sem excecáo:
Aparecimento subitáneo. Hemorragias.
Importante modlíicacáo dos te- Ausencia de supuracáo.
cidos do organismo. Cicatrizado instantánea (quan-
Persistencia e imutabilidade. do. de fato. se dá). . . -
apesar de todos os tratamentos
médicos.

915
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 2

Os teólogos observam ainda que os estigmas ocorrem fre-


qüentemente em pessoas assinaladas por outros fenómenos ex
traordinarios, como éxtase, levitagáo, cardiognosia (ou conhe-
cimento dos coragóes), dom das línguas, inapetencia parcial
ou total, abstengáo completa ou quase completa de sonó...
2. Existem, além dos estigmas visiveis. os chamados «estigmas
invisivels». Estes fazem que a pessoa se sinta como que íerida ou cha
fada em seu Intimo, experimentando atrozes dores, sem que todavía
isto se manifesté na carne. O caso mais famoso é o do Sta. Catarina
de Sena (t 13801. que. dirigindo-se ao bemay. Raimundo de Cápua.
seu confessor, asvim duscreveu o que e'a experimentou :

• Tendo pedido a vida eterna para V. Revmn. o para ¡is oufas pes-
soas por quem cu orava. o Senhor prometeu atcnder-inc. Lntáo disse-lhc
en. ik'io por incrodulidade. mas para guardar nlnda mclhor .reeordaeáo
dessa grata : 'E que sinal me. daréis, Senhor, de que os salvareis?'
Rojpondeu o Senhor: "Estendo a máo em direcAo a Mim'. Estendi-a. e
Ele me apresentou um prego; a ponta déste, Ele a fincou no meló de
minha máo. e calcoti-a táo fortemente que mo parecía que a estava per-
furando de lado a lado. Experimentei dor táo viva como a que eu sofre-
ria se me traspassnssem a máo eom um cravo de ferro a golpes de mar
telo. Assim. peía graea de meu Senhor Jesús Cristo, tenho um estigma
na máo direita. e. embora ninguém veja essa chaga. e'a me causa dor
scn«ivcl e continun*-.

No momento preciso em que a santa recehla tal ferimrnto ísinal


de {iracas p¡ira aquflfs por quem ola rranvai. o hrm-av. Raimundo de
Cápua. seu confessor. que cntáo nao estava pensando em assuntos ex
plícitamente piedosos. experimentou fervor e devováo tais quais nunca
ató eniáo conhcccra (Rolandistas. 30 do abril, píig. U10, n" 103».

A mosma santa, em diálogo com o seu confessor. .relatou como,


além da impercrptivel chaga da máo. recebcu outros estigmas invi-
siveis :
'Vi o Senhor crucificado que descia em dircíáo a mim em meio a
grande claridade. A minha alma impetuosamente quis entáo saltar ao
encontró do Criador — o que fez que meu corpo se levantasse do chao
(onde estava prostrado). Naquele momento vi que das cicatrizes das
santissimas chapas do Senhor emanavam cinco raios de sangue. os
citiais descinm. dirigindo-se as minhns máos. aos meus pés e ao meu
corac.no. Comprecndi o misterio c logo oxclnmei : 'Ah! Scnhor meu
Deus. suplieo-Vos que as cicatrizes nao fiquem mantfcstas no mou
corpo'. Ainda estava íalando. quando os raios. antes de me atingir, mu-
daram sua cor de sangue em arvura refulgente. Foi sob a forma da
luz pura que clcs me toearam em cinco partes do corpo : ñas máos. nos
pés e no cora?áo>.
Perguntou entáo Raimundo : <:Nüo lho chtigou raio r.lgum ao lado
('.irrito do pe('u?;> — iNiio. disso a santa; i'm feixo do raioí at'mgiu-mc
no f 'anco esquerdo, diretamente sobre o coragáo. pois ésse trato de luz,
saindo do 'ado dircito de Jesús, encaminhou-se para mim nao em Iinha
obliqua. mas em reta».
Continuou Raimundo : -Exporimentou algutna dor?.«
Após longo suspiro respor¡'¡eu ela : «A dor que sinto nesses cinco
lugares, principalmente no coracáo. 6 táo grande que, se o Senhor nao
fize;- novo milágre. me parece impossivcl vlver com tal dov sem termi
nar em breve os meus dias> i Bolandisla.s, 30 de abril, pág. S10. n" 194-6).

— 216 —
OS ESTIGMAS, SINAL PE DEUS ?

O motivo pelo qual a santa pedia que os estigmas nao lhe imprl-
missem marca visivel, era a modestia ou o desejo de nao chamar a
atencáo para essa graca extraordinaria.

Rápidamente delineado o fenómeno da estigmatizacáo, lan


cemos um olhar sobre a historia e vejamos como o dito fenó
meno, através dos sáculos, aparece ao observador.

2. O deprimente da historia

A estigmatizagáo é fenómeno característico da piedade


católica ocidental a partir do séc. XIII (o primeiro caso regis
trado é o de Sao Francisco de Assis, em 1224).

No Oriente apenas se poderia apontar um caso — o de Ñaszti Vo-


loszen — ocorrido recentemente entre os católicos ucranianos unidos
e estudado pelo Dr. G. Costelnek (cf. artigo em «Christos Nasza Sela>>
de 12 de abril de 1936).
Fala-se outrossim de um caso de estigmatizado verificado há pou-
cos anos atrás na Alemanha em urna jovem protestante (Elisabete)
internada no sanatorio do Dr. Lechler. A paciente, porém, parece ter
soírido a influencia de Teresa Neumann. estigmatizada católica, da
qual o Dr. Deutscii muito íalava á jovem protestante. Esta se terá dei-
xado sugestionar pelas narrativas assim recebidas, de modo que a sua
conseqüente estigma tizaráo nao ó tida como fruto dircto da piedade
protestante.
Nem entre os muculmanos, cuja tempera religiosa é. alias, muito
férvida, jamáis se registrou caso de estigmatizacáo. Esta nem sequer
entra no horizonte de sitas cogitacOes e aspiracóes.

Voltando ao Ocidente católico, devemos mencionar o levan-


tamento efetuado, no decurso de vinte e cinco anos de pesquisas
pacientes e tenazes, pelo Dr. A. Imbert-Gourbeyre, professor da
Faculdade de Medicina de Clermont-Ferrand. Conseguiu enu
merar 321 casos de pessoas estigmatizadas (41 homens e 280
mulheres, ou seja, um caso masculino para sete femininos); cf.
Imbert-Gourbeyre, La stigmatisation, l'extase divine et les mira-
cles do Lourdes. Réponse aux libres-penseurs. Clermont-Ferrand
1894.
Acrescentando-se a essa lista os nomes dos estigmatizados
posteriores (dos quais há dois famosos hoje existentes : o Pe. Pió
de Pietralcina, capuchinho, e Teresa Neumann), obtém-se um
total aproximado de 350 pessoas portadoras do fenómeno.
Os estigmatizados referidos pelo Dr. Imbert-Gourbeyre distri-
buemse do seguinte modo : 229. na Italia; 70. na Franca; 47, na Espa-
nha; 33. na Alemanha; 15. na Bélgica; 13. em Portugal; 5. na Suíca;
5. na Holanda; 3. na Hungría; 1, no Perú.
Dentre os estigmatizados pertencentes a Ordens ou CongregacOes
Religiosas (os quais constituem a grande maioria), o mesmo Dr. Im
bert-Gourbeyre contava 109 dominicanos, 102 franciscanos '(dos quais
urna quarta parte é de Clarissas), 14 carmelitas, 14 ursulinas. 12 vlsl-

— 217 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 2

tandinas. 8 agostinianos, 3 Jesuítas e alguns casos isolados em tal ou


tal Congregado.
Acontece, porém, que os estudiosos mais recentes julgam
pouco crítica a obra de Imbert-Gourbeyre; os resultados numé
ricos que apresenta, parecem excessivos.
Hoje enundam-se cérea de 80 estigmatizados que a Sta. Igreja
declarou bem-aventurados ou santos :
S. Francisco de Assls. Sta. Margarida de Cortona, Sta. Mectildes...
filhos do séc. XIII;
Sta. Gertrudes. Sta. Clara de Montefaleo, Sta. Catarina de Sena,
do séc. XIV;
Sta. Francisca Romana, do séc. XV...
Nótese, porém, que a Santa Igreja. ao beatificar ou canonizar al-
gum de scus filhos estigmatizados, de modo nenhum intenciona pronun-
ciar-se sóhre a origem e a Índole matura!, preternatural, neurológica ou
nao) dos respectivos estigmas. Por ocasiüo da canonizacáo de Sta. Gema
Galgani (que. conforme as fontes históricas, teria recebido os estigmas
em 1899). a Santa Só chegou a declarar explícitamente que desejava
nao proferir juJzo algum sobre tal fenómeno atribuido á santa (cf. AAS
24 [1932] 57). Sao Pió X, alias, definiu claramente a posicáo da S. Igreja
frente aos fenómenos extraordinarios: *A Igreja nao se empenha...
pela veracidade de tais episodios; slmplesmente ela n9o proibe que os
fiéis dóem crédito a coisas para as quais nño faltam motivos de credi-
büidade humana» (cf. Jansscns. Les falts mystórJeux de Beauraing 93».
Em ou tros termos : a areitagño ou a rejoicfio de casos de estigma-
tizacáo nao 6 do setor da íé ou da dogmática (a menos que a Santa
Igreja o declare explícitamente»; por conseguinte a atitudc dos fiéis
católicos frente a tais fenómenos poderá e deverá reger-se pelos argu
mentos humanos que so npresentcm em favor mi pm contrario de cada
um dos respectivos casos.
Há tres ocasióes em que a S. Liturgia celebra a estigmatizacáo de
um santo : a de Sao Francisco de Assis. aos 17 de setembro; a de
Sta. Catarina de Sena, a V de abril (no calendario da Ordem Domini
cana, por concessao do Papa Bento XIII em 1727); e a de Sta. Teresa
de Avila (na Ordem Carmelita). Nem mesmo estas celebragoes poderáo
ser equiparadas a deíinicóes dogmáticas; por tais atos, a Sta. Igreja
apenas reconhece haver beneficios espirituais decorrentes da devo;áo
que os fiéis experimentam ao contemplar a apregoada estigmatizacáo
dos referidos santos (a Sta. Igreja. por conseguinte. nao se empenha
pelos <fatos». mas pelas conscqüéncias subjetivas que os mencionados
fatos tém na piedade popular).
Após esta sumaria consideracáo do material que a historia apre
senta ao estudioso, importa-nos indagar

3. Como explicar as estigmatizacóes?

a) Embuste c impostura?
Registraram-se casos em que evidentemente os fenómenos
de estigmatizacáo se reduziam simplesmente a fraude e mentira
da parte dos «estigmatizados».
Tal é, por exemplo, o que se deu com Ángela Hupe (da Vestfália).
a qual provocava falsos estigmas maltratando o seu corpo mediante

— 218 —
OS ESTIGMAS. SINAL DE DEUS ?

fragmentos de vidro;... com Teresa Stoedele, de Bohlingen, que para


tanto se servia de pregos. Eustaquio de Pádua, em estados paranormais
ou íaquiricos, traspassava os seus pés com um prego e o sea flanco
com um íacáo (a respeito do faquirismo, cf. «P.R.» 33/1960, qu. 4).
Também Roberto de Montferrand (1234) perfurava suas próprias mSos
e seus pés ás sextas-feiras, descjoso de imitar a PaixSo de Nosso Senhor
(pode-se supor que o íizesse de boa íé).
Nao foi sempre fácil aos observadores desmascarar os embustes.
Tenha-se em vista o ocorrido com Carolina Boller, de Warburg. Apre-
sentava estigmas que sangravam ás sextas-feiras. Os peritos entáo en-
volveram-lhe as máos em ataduras lacradas; nao obstante, veriíicou-se
o habitual derramamento de sangue, sem que o involucro lacrado pa-
recesse ter sido violado. A vista disto, os estudiosos resolveram colocar
urna íólha de papel multo tenue entre as ataduras lacradas e a pele
cías tnaos; a seguir, veriíicaram furos muito delgados nesst papeL
os quais indicavam que um objeto pontiagudo havia sido aplicado.
A paciente entáo confessou que usava de artificios para reproduzir os
estigmas de Sao Francisco de Assis.
O Pe. Agostinho Gemelli, médico e Reitor da Universidade Católica
de Miláo, estudou trinta casos de estigmatizados, declarando por fim
que. em nenhum déles, conseguirá eliminar peremptóriamente a hipó-
tese de manobra artificial por parte dos pacientes (o que nao quer
dizer que fóssem impostores, mas apenas que nao se podiam prestar a
conclusóes rigorosas).
Fonte freqüente de imposturas e falsificagóes é a histeria
de que possam estar afetados os pretensos estigmatizados. Todo
histérico, no dizer dos bons médicos, é essencialmente um enga
ñador ou mentiroso, ora mais, ora menos consciente; sua índole
própria leva-o a encenar com habilidade surpreendente. Seu
poder de sedueüo pode ser agujado pela contemplagáo de qua-
dros carregados de tragos dramáticos, que muito excitem a afe-
tividade.
Assim o Dr. Brueck relata o caso de jovem histérica tida por mís
tica. Durante tlczoito meses pareeeu viver alhoia a realidade cotidiana,
som ingerir a mínima parcela do alimento; entrementcs. de sita bñca
escorria sangue. FoL no decorrer de dias e noites. submetida ao con
trole de concidadáos seus. os quais declararam que a fraude, no caso,
era imposslve!. A vista disso. as autoridades civis o os médicos manda
ra m transferir a jovem para íora da sua casa de familia, onde os pro
digios se veriíicavam. Em conseqüéncia, tudo cessou imediatamente; a
fraudulencia e os artificios empregados pela donzela foram desmasca-
rados.
Deixemos agora de lado a explicado por embuste, para indagar se
nao há estados aíetivos ou emocionáis que, sem intengao engañadora
da parte do paciente, ocasionem fenómenos semelhantes á estigmatiza-
cao. — Será' éste o objeto do exame abalxo.

b) Os estigmas e a ciencia.

Médicos e psicólogos tém confrontado os fenómenos de es-


tigmatizagáo com manifestacóes meramente naturais de índole
fisiológica ou psicológica.

— 219 —.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 54/1952, qu. 2

Lembram principalmente a existencia de certas enquimoses


(manchas de sangue) produzidas por emocáo, independentes de
traumatismo físico ou de golpes corpóreos e geralmente ocor-
rentes em pessoas do sexo feminino. Tém importancia particular
em medicina legal.

Els um caso assaz significativo, estudado pelo Dr. Magnus Huss:

Urna Jovem se queixava de haver sido maltratada por seu patrüo.


mostrando com énfase os vestigios de golpes e hemorragias no cou.ro
cabeludo. Os médicos houveram por bem submeté-la a exames, e ave-
riguaram que o sangue da donzela cmanava polos poros capilares da
cabera, sem rasgar a polo; da mesma forma escorria sanguc dos cilios
edas mucosos; tais derramamcntos eram acompanhados de enquimoses
na parte esquerda do corpo da jovem. Esta de modo nenhum íóra es-
pancada oti maltratada, mas atravessava crlses emotivas de grande
veeméncia : assim. no dceunvr das suas hemorragias, mostrava-se ora
inquieta e delirante, ora abatida e prostrada; dias antes de passar por
tais fenómenos, pressontia-os. caindo em estado de ansiedade. A análise
médica do sangue derramado coníirmou o diagnóstico : o liquido só
continha glóbulos vermelhos. o que dava a ver que as hemorragias nao
eram de tipo ordinario, mas. como concluiam os estudiosos, aletivas e
emocionáis.
Bergeret, por sua vez. refere a historia de urna Religiosa extática,
que apresentnva ferimentos. atribuindo a sua origem ora ao demonio,
ora a tim memoro de sua familia contrariado. Contudo. após demorados
pxnmps. Bergnrct verificotí que so tratava apenas tic onquimoses psico-
pátifiis fisto é. produzidas por fatóres emocionáis*. Ñas mulhcrcs. tais
hemorragias sao mais íreqüontes que nos varóos, pois cías podem
tomar o lugar dos fenómenos de regras e menstruac/io.

Em geral, as enquimoses produzidas por estados afetivos se


distribuem irregularmcnte pelo corpo do paciente. Contudo
podem também tomar configuragáo simbólica.

Assim o íisiologista J3ro\vn-Sequanl narra ter prestado assistencia


a urna mulher a qual viu seu füho precipitar-sc pela janela, ferindo-se
no braco esquerdo; logo no dia seguinte tal senhora trazia no seu braco
esquerdo enquimoses e urna chaga. cuja cicatrizagAo foi muito lenta.
Cari du Prel refere que certa vez um' homem assistiu ao suplicio do
torniquete infligido a um réu; alguns instantes depois. eslava marcado
por enquimoses ñas mesmas regióos em que o condonado íóra atingido.
Doutra íeita. urna mulher viu.seu filho eníiar a caneca pelo rano do
urna chaminé, em urna aventura perigosa; conseguiu sálvalo, mas apa-
receu mais tarde recoberta <ie manchas sanguíneas no pescogo.

A producáo de enquimoses emotivas ainda é mais vultuosa


nos estados de hipnose e histeria, em que a vibratilidade do pa
ciente se torna mais sensível: as sugestóes do ambiente.atuam
entáo com muito mais pujanga sobre a pessoa.

O Dr. Schindler. por exemplo. observou o episodio de urna jovem


histérica que íoi colocada junto a urna docnte atingida por enquimoses
ñas pernas; logo que a donzela avistou as manchas desta padunle. excla-

— 220 —
OS ESTIGMAS. SINAL DE DEUS ?

mou : «Tenho a mesma coisa». Os observadores entao lancaram um


olhar para a histérica, c com grande surprésa verificaran: que de fato
ela trazia na regido das tibias as mesmas marcas que a outra doente.
— Tambán? por sugestüo, implícita ou explícita, podem as enquimoses
e as dores concomitantes desaparecer.

Em urna palavra : os autores geralmente admitem no ser


humano a faculdade da ideoplastia, isto é, de tornar «plástica»,
scnsível, alguma idéia ou alguma atitude da mente: o psíquico
tende assim a se traduzir no físico ou em sinais do corpo do res
pectivo sujeito. A ideoplastia existente em certas pessoas num
grau mais apurado explicaría que algumas nogóes, captadas por
sugestáo do ambiente ou concebidas por iniciativa do próprio
sujeíto, provoquem urna correspondente alteracáo nos tecidos e
ñas funcóes do organismo (daí hemorragias, enquimoses, es
tigmas. ..).

No papel de concretizar ou configurar as idéias que se referem á


dor, cosluma-se atribuir importancia especial a um composto, quimico
chamado hlstamiiui. Com efeito; toda sensacáo do dor provoca no orga
nismo a secrecáo dessa substancia, da qua! urna das propriedactes mais
características é a de dilatar os vasos sanguíneos; dai se seguirían) as
hemorragias e enquimoses. que. como vimos- eertos autores tendem a
equiparar aos estigmas dos místicos.

Estes dados já sao suficientes para indagarmos : que diz de


tais explicacócs médico-científicas a Teología?

i. Os estigmas e a Teología

1. É claro que o teólogo de modo nenhum nega os fenómenos


naturais que se possam confrontar com os estigmas dos santos ou de
pessoas religiosas.
Motamos outrossim que a Teología e o sen genuino porta-voz — o
magisterio da Igreja — nao íazem questáo de defender a índole sobre
natural dos episodios de cstigmatizacáo descritos pelos historiadores.
Caso haja fraude nesses fenómenos, a Igreja a reconhece sem dlficul-
dade. Em geral, enquanto nada o dlssuade, a Igreja permite que scus
filhos creiam na Índole sobrenatural dos episodios de estigma tlzacSo
que tenham em seu favor razóes plausíveis. Raramente, e só após
multo estudo, Ela se pronuncia positivamente em favor déste ou da-
quele caso (os estigmas de S. Francisco de Assis tém sido reconhecl-
dos de modo especial, sem. porém, que a Igreja intencione definir algo
a respeito).

2. Embora aceitero tudo que a ciencia possa apontar para


elucidar os fenómenos de estigmatizacáo, os teólogos geralmente
julgam que nenhuma das teorías dos médicos ou psicólogos for-
nece plena explicagáo das estigmatizacóes religiosas; elas eluci-
dam, sim, um ou mais tragos de tais fenómenos, mas nao dáo
conta de tudo que ai ocorre.

— 221 --
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 54/1962. qu. 2

Eis as principáis diíerencas registradas entre chagas e enquimoses


¿comuns, de um lado, e, de outro lado, os estigmas religiosos :
1) estes sao, como dissemos, refratários a todo tratamento mé-
-dico; nao podem ser curados por terapéutica humana; ás vézes. é de
crer que cicatrizam e desaparecem instantáneamente, como narram os
■biógrafos de Sta. Gema Galgani;
2) os estigmas religiosos apresentam geralmente um aspecto sim
bólico (signiíicam a Paixáo de Cristo), em vez de ser, como as chagas
naturais. lesOes localizadas em qualquer parte do corpo e destituidas de
•coníiguragáo precisa.

Com efeito. Os estigmas costumam aparecer nos lugares em que


Cristo íoi mais ferido em sisa santfsslma Paixiio (ñas mfios. nos pos. no
flanco, ñas espadua". na cabrea...); tém urna aparéneia simétrica ou
-geométrica bem definida ios de S. Francisco de Assis, por cxcmplo.
tinham o aspecto de cabeca e pontas de pregos). ñ diferenen do que so
<lá com íi'rimeiHos devidos a pcrlurbacúcs do organismo ou a aeulentes.

Levando em conta estes diversos; elementos, os teólogos


concluem que as genuínas estigmatizacóes religiosas nao sao
fenómenos meramente naturais, mas também nao sao algo de
puramente preternatural ou sobrenatural. Em outros termos :
sao fenómenos que Deus suscita de maneira extraordinaria, ser-
vindo-se de predisposicSes ordinarias ou naturais (físicas, psí
quicas, históricas.. .) dos respectivos sujeitos humanos.
A tlis',!:;-,ao entre n:ii;ir;il, preternatural c so!>¡'en;i1ui;il so aclu
explanada cm I'.R.a 28 HH50. qu. 2. '

Assim torna-se claro o seguinte: é, de um lado, porque Deus


intervertí ñas estigmatiz;i<;óes religiosas que estas apresentam as
duas características ou diferencas ácima indicadas. Doutro lado,
é porque há um elemento humano ou natural ñas ostigmatiza-
c.óes religiosas que se explica, só tenham aparecido no scc. XIII
e apenas na piedade ocidental : justamente nessa época os fiéis
no Ocidente voltaram mais e mais a sua atencáo para o aspecto
doloroso da Paixáo de Cristo (aspecto que na antigüidade era
menos focalizado, pois os cristáos costumayam ver na cruz a
nova árvore da vida ou o instrumento da Vitoria de Cristo sobro
o pecado).

Na Alta Idade Media,'os-orantes ocidsntais passaram a so


deter na contemplacáo das chagas e dos sofrímentos de Cristo:
em conseqüéncia, conceberam o desejo de compartilhar, á guisa
de expía;üo, os padecimentos do Salvador (haja vista, por e.xem-
plo, a piedade de Sao Bernardo, antessignano da tendencia).
— A essa atitude psicológica o Senhor houve por bem corres
ponder concedendo acs fiéis a gra^a de poderem, do maneira ex-
liaordinária, participar realmente dos sofrimentos do Redentor :
dai a reprodiu.-áo das chagas de Cristo em alguns justos. Como
.se vé, a contemplagño e o desejo teráo, por assim dizer, excitado

— 222 —
OS ESTIGMAS. SINAL DE DEUS ?

o carisma ou o dom extraordinario de Deus; o Ssnhor, porém,.


nao derratnou ésse dom extraordinario em qualquer cristáo, masr
sim, naqueles que ofereciam urna constituigáo físico-psíquica es
pecialmente vibrátil, um sistema nervoso mais sensível ou exci-
tável; tratava-se em geral de organismos debilitados pela ascese
ou por prolongados jejuns e penitencias; tratava-se também de
organismos femininos, mais sujeitos a hemorragias do que os
masculinos.
Contudo note-se bem que as predisposicóss físicas nao ex-
plicariam de modo cabal a fenomenología dos estigmas religio
sos. Dous apenas quis servir-se dessas predisposicóes..., e quis
servir-se délas para torná-las sitiáis,... sinais da santidade de
vida ou da vcracidadc de doutrlna das pessoas agraciadas. Assim,
cm última análise, o que habilita o estudioso a distinguir as es-
tigmatizacóes genuinas, provocadas por Daus, das chagas mera
mente naturais ou das que o demonio possa de algum modo pro-
duzir, é o contexto religioso do fenómeno, isto é, a virtude e a
pureza de fé ou de intencáo do respectivo sujeito; na verdade, os
estigmas religiosos desempenham o papal de sinéte divino im-
presso a urna realidade humana; ora Deus só pode colocar seu
sinéte sobre a verdade e o bem; Ele só pode produzir fenómenos
extraordinarios para confirmar a autenticidade de doutrina ou
de vida da pessoa agraciada: Ele nao o faria apenas para denun
ciar o desequilibrio físico ou psíquico do paciente.
Um episodio da vida de Santo Inácio de Loio'a ilustra milito bem
quanto acaba de ser dito :
Certa vez o Religioso dominicano Freí Reginaldo, homem ponde
rado e virtuoso, foi ter em Roma com Inácio de Loiola. a quem propós-
o caso de urna Religiosa dominicana que'junto ao seu convento, env
Bolonha. gozava de favores extraordinarios : orava, sim. com tal inten-
sidade que freqüentemente era arrebatada íora de si c ,iá ncm sequer
sentía a aproxímac/io do fogo ou as puncüps que si» )ht* fi/.e<sc>m; trazia
os estigmas do Senhor ñas máos e no flanco; tinha a caboca como que-
dilacerada por espinhos. a derramar sanguc. Morta para todas as coisas,
só se rendía á obediencia : logo que ouvia o chamado de Madre Priora,
voltava a si- como se despertasse do sonó.
Freí Reginaldo, admirado por quanto vira, nao sabia se o devia
aprovar ou nao, e pedia o parecer de Inácio. Éste respondeu que, de-
tudo que Reginaldo relatara, urna só coisa devia ser levada em consi-
deracao. isto é, a prontidáo da Religiosa para obedecer : esta seria a
pedra de toque para se avallar se os respectivos prodigios provinham
de Deus como gracas extraordinarias (neste caso, serlam sinais para
confirmar a santidade de vida da Religiosa) ou, antes, provinham de
algum estado patológico (histeria, neurose...) ou mesmo do demonio-
(cf. Vida de S. Inácio, por Ribadenelra, Acta Sanctorum." ju'ho
t. VII 778).

ó admlrável sabedorla crista, que sabe guardar a hierarquia dos-


valores! Ácima de qualquer outro bem, está a virtude. que dá a posse-
(to próprio Deus. embora ela pouco ou nada impressione. Os outros bens».
aínda que mais impresslonem, sfio menos ricos.

223
«PERGUNTE E RESPONPEREMOS> 54/1962. qu. 3 e 4

Do que dlssemos se depreende que a Teología nfio julga essenciais


os prodigios extraordinarios na vida dos santos. Sámente Deus sabe a
quem deve distribuir os seus carismas. Indcpendentemente déstes. o
programa de santiíicacáo íica sendo semprc o mesmo para qualquer
cristao: renunciar ao velho homem e cultivar a virtude.
3. As considerantes até aquí propostas ainda projetam luz sobre
um aspecto misterioso das estigmatizacoes: os santos e justos recebe-
ram as suas chagas ñas palmas da mao... Ora hoje e assevera na base
de seguras experiencias, que Cristo nao pode ter sido traspassado ñas
palmas das máos. mas nos punhos (pois os ossos e os tecidos das pal
mas nao oíereceriam resistencia á dilaceracáo causada pelas cravos).
— O enigma so elucida desde que se leve cm conta que o Scnhor. me
diante o seu dom extraordinario, correspondía á atitude psicológica dos
fiéis. Ora estes, na Idade Media e ainda rm época retento, coslumnvam
centemp'.ar o Cristo crucificado ñas palmas, o nao nos punhos (a-icono
grafía até hoje representa gornlmente íiesus com as máos traspassadas
pelos cravos».
Haja vista, por exemplo. o que refere o biógrafo de Sta. Gema
Galgani:
«Para ter idéia do seu lamcntável estado, lembrai-vos do grande
crucifixo do nosso refeitório. ao pé do qual Gema tanto gostava de
rezar. A semelhanca era exata : as mesmas chagas. as mesmas dilace-
racóes da pele e da carne ñas mesmas partes do corpo. e o mesmo
aspecto comovedor» (trecho citado por Ch. Journet, cm «Études Carmé-
litaines* 1936 II pág. 1S0 n. IV
Para explicar rom'itnmonte ésto íato. pódese recorrer ao fenómeno
natural da ideoplastia. de que tratamos atrás icf. páp. 2211.
A esta altura póe-se obviamente a questáo : e que pensar cm par
ticular dos estigmas de Teresa Neumann e do capuchinho Pe. Pió de
Pietralcina? — Trata-se de casos ainda cm observacáo. a propósito dos
quais as opiniSes divergem. de modo que seria prematuro definir-se a
respeito. Poderao ser futuramente abordados em «P. R.».

II. SAGRADA ESCRITURA


E
III. HISTORIA DAS RELIGIÓES

ALTAIR (Ituvorava, S.P.) :


3) «Existen! militas religioes. Como dcscobrir a verda-
deira? Será preciso estudar as mais prováveis para depois fazer
a escolta?
Qual o criterio que me há de convencer da veraeidade da
Rrligiao Católica?»

BORREGO (Promissao, S.P.) :


4) «Podr-sp provar históricamente a ressiirrelíáo de
Jesús?»

As duas questóes ácima, embora riistintas mu-i da outra. estao


intimamente relacionadas entre si. como se verá adiante.

— 224 —
COMO RECONHECER A VERDADEIRA RELIGIAO ?

Poder-se-ia procurar qual a verdadeira RoligiSo, analisandb os éh-


sinamentos de cada um dos sistemas religiosos e confrontándoos entre
si; desta forma, chegar-se-ia a urna conciusáo que, em todo e qualquer
caso, seria mais ou menos provável, sempre deixando margem para he-
sitacao. — Contudo um exame désses é difícil. Na prática. torna-se
quase irrealizável. pois requer multo tempo, numerosos livros e capa-
cidade para estudar, prerrogativas estas de que só pequeña elito pode
gozar.

Na verdade, o Senhor Deus quis proporcionar aos homens urna vía


muito mais fácil para reconhecerem a verdadeira Religiáo: via que
consiste nao em raciocinios abstratos, mas na observacáo de fatos bem
concretos, capazes de levar a urna conciusáo clara e persuasiva.
É justamente esta outra via que vamos percorrer ñas páginas que
se seguem; em vez de divagar por muitos sistemas religiosos, voltare-
mos nossa atencáo para o fenómeno da «ressurreicáo de Cristo», que a
Religiáo Católica apresenta como fato histórico,... c lato histórico pelo
qual Deus teria demonstrado aos homens a veracidade ou a origem di
vina do Cristianismo. Procuraremos averiguar se realmente os aconteci-
mentos e documentos da historia correspondem a esta afirmativa do
Catolicismo. Se lhe correspondem. pode-se tranquilamente concluir que
o Cristianismo é, na verdade a Religiáo revelada pelo Senhor Deus, e.
como se compreende.... a única Religiáo revelada, pois Deus nao se
poderla manifestar sob formas contraditórias através dos diversos sis
temas religiosos da humanidade.
Nosso estudo, portante compreenderá duas partes :
1 > Será a ressurreicüo de Cristo um falo histórico comprovado de
modo a pairar ácima de qualquer dúvida?
2) Dado que seja fato histórico, quais as consc qüéncias que neees-
sanamente dai decorrem?

1. Ressurrcieao de Cristo : fato histórico?


Despojándonos, como fríos observadores, de qualquer juizo já for
mulado sobre o assunto. consideremos a ressurreigao de Jesús Cristo,
que os cristáos tém como fato real. Sem dizer «Sim¿ ou «Nao» a éste
conceito, procuremos saber se na verdade há provas atingiveis pela
razáo inño apenas pela fi)i de que Jesus Cristo tenlia lessusi-itado den-
tre os mortos.
Supomos, é claro, comprovada a existencia de Cristo. Esta, alias,
nao costuma ser posta em dúvida pelos críticos em nossos días; admi-
tem, sem grande diíiculdade. que de íato Jesus Cristo existiu na térra
há cérea de vinte séculos atrás. Cf. «P. R.» 7/1957. qu. 10.
Já que a possibilidade da ressurreicao supoe a realidade da morte
de Cristo, deveremos comecar nossa análise a partir déste precedente.
Examinaremos, portante sucesslvamente:
a) a realidade da morte de Jesus Cristo;
b) a realidade do sepultamento de Cristo;
c) a realidade do sepulcro vazio;
d) a realidade das aparicoes atribuidas a Jesus Cristo redivivo.
Passcmos ao primeiro ponto.

a) A realidade da morte de Cristo.


Supomos aqui a fidelidade dos Evangelistas, já demons
trada em «P.R.» 7/1958, qu. 4.

— 225 —
cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 3 e 4

Conforme os Evangelhos, Cristo passou por angustiosa


agonia, durante a qual chegou a derramar suor de sangue. Foi
submetido a cansativo interrogatorio e a atrozes violencias, como
flagelacáo e coroacáo de espinhos; privado de qualquer alimento
ou bebida, tendo perdido grande quantidade de sangue, viu-se
incapaz de carregar a cruz até o lugar do suplicio, de modo que
foi preciso angariar Simáo o Cireneu para lhe prestar o auxilio
necessário (cf. Me 15,21). Pregado ao lenho, após tres horas de
suplicio, Jesús, devorado pela sede, entregou o espirito. Para
granjear plena certeza déste fato, Pílatos mandou a um soldado
que o averiguasse cuidadosamente (cf. Me 15,44s); cm conse-
qüencia, o lado de Cristo ainda foi traspassado por golpe de lanca
(«golpe de misericordia»); cf. Jo 19,32-34. A vitima foi, a seguir,
sepultada com cení libras (32,600 k aproximadamente) de subs
tancias aromáticas (mirra e aloes), que, por si só, ieriam bas
tado para acarretar sua sufocagáo e morte, caso ainda respirasse
(cf. Jo 19,39).

Éstos dados mostram bom riuanto c vá a hipótese outrora aventada


pelo crítico alemáo Paulus (t 1SJ1». segundo o qual Cristo só teria pas-
sado por mortc aparento (letargía ou abalo cardiaco) : dentro do sepul
cro, a frescura (la temperatura- o aroma tíos bálsamos c cuidados medi
cináis secreta me nte dispensados pelos partidarios do Jesús teriam feito
que este rertmerasso os sentido- e vo'tassc á vida ativa. — Ksta suposi-
Cao é t;"¡o pouco científica ou imparcial que cm nossos dias já nao oncon-
tra defensor abalizado. Mais absurdo ú susténtala do que reconhecer a
morte de Cristo.

b) A rcalidade do srpultamcnto.

Éste é um dos episodios mais documentados pelas narrati


vas antigás.
Referem os Evangelistas que o corpo de Jesús foi, por José
de Arimatéia, colocado em um sepulcro novo, talhado na rocha
(cf. Mt 27,57-61; Me 15, 42-47; Le 23, 50-56; Jo 19, 38-42). A fim
de evitar, da parte dos discípulos, qualquer intervengáo fraudu
lenta, os principes dos sacerdotes judeus colocaram guardas mi
litares á entrada dessa cámara mortuária (cf. Mt 27,62-66;
27,11-15).
Os primeiros porta-vozes da tradicáo se referem explícita
mente á sepultura de Jesús. Assim, Sao Pedro em At 2,25-28;
Sao Paulo, que nao súmente menciona o sepultamento (cf. At
13,29; 1 Cor 15,4), mas também désse fato deduz importantes
conseqüéncias teológicas (cf. Rom 6,4; Col 2,12).

A luz déstes testemunhos. aparece tendenciosa a teoría de Loisy.


que julga hayer sido o corpo de Cristo lancado em urna fossa comum,
donde ninguém teria a idéia de o retirar (<Quelque3 leítres sur des

— 226 —
COMO RECONHECER A VgRDADEIRA RELIGIAO ?

questions actue'Jes. Paris 1908, 93s). Para arquitetar esta hlpótese, o


critico francés é obrlgado a cancelar o episodio de José de Arimatéia
e Pilatos. assim como outros trechos dos escritos do Novo Testamento.
Ora isto é arbitrario demais para poder abalar a realidade do sepulta-
mentó de Jesús.

c) A realidade do sepulcro vado.

Dois dias após a inumácáo, referem as fontes históricas que


algumas mulheres foram ter ao sepulcro, a fim de proceder ao
embalsamamento do cadáver de Jesús, de acordó com os costu-
mes judaicos. Enconirnram, poróm, a cámara vazia, isto ó, des
tituida do corpo... Assustndas, foram entáo avisar os discípu
los, dos quais alguns, como Simáo Pedro, se dirigjiram ao sepulcro
c verificaran] a exatidáo da noticia (cf. Mt 2S.1-8; Me 15,1-8; Le
24,1-12; Jo 20,1-10).
Diante déste relato, a crítica tem formulado suas objec.óes,
que por sua vez nao resistem á própria critica... Com efeito,
a') diz o Prof. Kirsopp Lake que as mulheres se engana-
vam quanto ao sepulcro, referindo-se, portanto, a outro que nao
o de Jesús :

■ Os arreiloros do Jcmsalúm cMáo clicios tic túmulos tachados na


rocha; nao seria fácil distinguMos entre si. capo r..*»o houvessc si'nais
característicos • tThe historical evidence íor thc P.csurreclion oí Jesús
C'mist. London 1907. pág. 250).

A conclusáo de Lake parece gratuita ou precipitada, pois o


sepulcro de Jesús estava particularmente caracterizado pela pre-
senca de guardas.
b') Outros autores asseveram que os discípulos ou amigos
de Jesús (os Apostólos, as santas mulheres ou José de Arima
téia) furtaram ocultamente o cadáver, para poder, mediante o
sepulcro vazio, proclamar a ressurreicáo do Senhor. — Tambéni
tal suposicáo é improcedente, pois os ánimos dos discípulos e
amigos de Jesús estavam abatidos e prestes a perder a fe <em
conseqüéncia do desfalecimentq do Mestre; ficava longe de sua
mente a idéia de apregoar o triunfo de Cristo, por mera teimó^
sia ou contra a aparéncia dos fatos... Mais precisamente: á
morte de Jesús sobre o lenho da cruz significava, para todo
israelita, maldicño extrema, de modo que as recordagóes que os
amigos do Senhor guardavam, ficavam, após a crucifLxá^, mar
cadas por urna nódoa moral: Jesús devia doravante parecer-lhes
um falso profeta (cf. Le 24,19-21); em conseqüéncia, Maña Má;
dalena, ao vé-lo pela primeira vez, julgou tratar-se de um jardi-J
neiro; os discípulos de Amaús, durante longa caminhada, nao O
reconheceram; os Apostólos reunidos imaginaram estar vendo

— 227 —
«PERGUNTK E .RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 3 e 4

um fantasma... Donde se concluí que os amigos de Jesús nao


estavam em situacáo psicológica tal que os levasse a furtar o
cadáver para afirmar mentirosamente a sua ressurreicáo; esta
só aos poucos se lhes impós, o que nao se poderia explicar senáo
pelo fato de ter em seu favor o fulgor da própria verdade.
c') Um terceiro grupo de críticos admite que os judeus
hostís a Jesús tenham raptado o cadáver, a ñm de evitar que o
seu sepulcro se tornasse lugar de reunióes dos discípulos. — A
esta hipótese replica-se : se os adversarios de Jesús se tivessem
apoderado do corpo, certamente té-lo-iam mostrado ao público
já no dia de Pentecostés quando os Apostólos comecaram a apre-
goar a ressurreicáo apontando para o sepulcro vazio; a exibi-
cáo do cadáver tena sido "o argumento decisivo contra a «seita
dos nazareus», que destarte ficaria abertamente reconhecida
como embusteira. Se os adversarios nao se valeram déste expe
diente, é de crer que realmente nao estavam de posse do cadáver.
Notem-se mais as seguintes finuras de reflexáo :
d') Caso o relato da ressurreicSo de Cristo tivesse sido inventado,
os respectivos inventores nao teriam escolhido mulheres para serena
os primeiros arautos da noticia da ressurreicáo; íazer que esta fósse
apregoada em primeiro lugar por- criaturas, humanamente íalando, táo
pouco credenciadas. equivalía a frustrar de antemfio o éxito do artiíí-
ció ou da talsiflcacao; um inventor teria imaginado porta-vozes mais
«habilitados» do que piedosas figuras feminlnas (estas, alias, mere-
ceram realmente o descaso, conforme observaram os discípulos de
Emaús; cí. Le 24. 11. 22s). — Por conseguinte. so os narradores apresen-
tam mulheres quais mensageiras imediatas de Ressurrelcao, isto há de
ser interpretado como sinal de autenticidade histórica da narrativa.
e'i Também chama a atencáo a simplicidade de estilo dos relatos
evangélicos. De modo nenhum descrevem a maneira como se terá dado
a ressurrei?áo de Cristo; também se calam a respeito do momento pre
ciso em que haverá ocurrido táo importante acontecimento. Tratando-se.
porém. de assunto que multo devia prender a atencao dos cristaos, com-
preende-se que a imaginacáo popular procurasse suprir o que as teste-
munhas e os documentos nao referiam; os Evangelhos ditos «apócrifos»
cederam largamente rédeas á fantasía, transmitindo urna serie de por
menores maravilhosos. mas assaz grotescos. Ao contrario, os quatro
evangelistas canónicos mantiveram toda a sobriedade de estilo, o que é
mais um sinal de genuinidade ou veracidade; nao quiseram ir além do
que era certo ou do que fontes históricas seguras lhes comunicavam.
A fim de se comprovar a sobriedade das Escrituras Sagradas e
tnelhor avallar a sua fldelidade histórica, segue-se abaixo um trecho do
Pseudo-Evangelho de Pedro, que pretende referir os pormenores da res
surreicáo de Cristo:
cMulto cedo, na aurora de sábado, urna multidao de gente de Jeru-
salém e das proximidades foi ver o túmulo selado de Jesús. Na hoite
seguinte, quando estava para despontar a aiva do domingo, os soldados
montavam guarda junto ao sepulcro, revezándose em grupos de dols.
Féz-se entao ouvir ñas alturas urna voz milito forte; viram os céus
abrir-se e tlois jovens. resplandecentes. que desciam e se aproxlmavam
do túmulo. A podra que fechava a porta déste, rolou por si mesma, colo

nos?
COMO RECONHECER A VERDADEIRA RELIGIAO ?

cando-se de lado; o sepulcro abriu-se e os dois jovens entraram. Ao ver


essas coisas, os soldados despertaram o centuriáo e os andaos (Judeus)
que também lá se achavam. Enquanto os soldados descreviam o que
tinham visto, de repente perceberam tres homens que saiam do sepul
cro : dois déles sustentavam o terceiro; seguia-os a cruz. A cabeca dos
dois que sustentavam. atingía o céu, ao passo que a daquele quel era
sustentado penetrava mesmo nos céus. Nesse momento, ouviram urna
voz que desda do alto e perguntava : 'Pregaste aos mortos?'. Da cruz
procedeu a resposta : 'Sim'. Os soldados resolveram entáo ir relatar o
caso a Pilatos. Enquanto aínda deliberavam entre si. viram de novo os
céus que se abriam: um varüo desceu e entrou no sepulcro. Tendo-o
observado, as sentinelas que estavam com o centuriáo, deixaram o tú
mulo e através da noite cerrada foram ás pressas ter com Pilatos; pro
fundamente perturbados. c<>n;arnm-lhe tudo que haviam presenciado e
acrestvnlnram : 'KcalmcnSt'. í'fse honiem era o Filho do Dcus*. Em ros-
posla. dissHhrs Pilatos : 'Son inocente em re-iacáo ao sangee do Filho
<!(.> Dcus; o caso da sua morto <liz rospeito a vos'. Pírico (!cfjr>:s. tollos
se rouniram em casa do Pilatos e Iho rogaram instante-monto, mandasse
ao ernturiño e aos soldados que nada revelassom do que tinham visto.
•Convóm. diziam ólos. entregar a responsabilidade désse grande pecado
ao juizo de Dcus e nao nos tleixar cair ñas müos do povo jutleu para ser-
mos apedrejados'. Pilatos entáo deu ordens ao centuriáo e aos solda
dos para que nada relatassem •• i írapmento do Evangelho de Pedro, tra-
duzido da edigáo de Preuschen. Antilegomena 1905. 16-20).
Como se vé. esta narrativa sesite no fundo o trámite do relato
evangélico: procura, porém. nmpliá-lo o complétalo, caincln entfio no
terreno da fantasía e do ridiculo «o que. alias, caractoriza freqüente-
mrnir íi> narra i ivas nao liiblicas olí apócrifas i.

Oportunas sao a 6?te respelto as observacSes do critico liberal F.


W. Scltmirdol : «A rossurroicao de Jcsus. nos relatos canónicos, é. com
notoria sobriedade. apresentada como algo de ocorrido o nunca descrita
em seu desenrolar. Ao contrario, aqui mo Evanselho de Pedro» ela
como que se doscnrola sob os olhnrcs dos romanos e dos judeus que
vigiavam o sepulcro. ... e se desenrola de maneira que só podemos
Otialificar de grotesca» iResurrection... narratives. na - Encyclopaedia
Bíblica < de Clicyno IV. col. 1017).

Se, pertanto, o sepulcro vazio é realidade, examinemos


agora

(1) A realidade das aparie.o>s atribuidas a Jostis.

Os Evangelhos referem que, após o seu sepultamento, Jesús


apareceu vivo as santas mulheres, aos Apostólos e aos discípu
los num total de nove vézes, das quais sete em Jerusalém e nos
arredores (cf. Me 16,9; Mt 28,9: Le 24.34; Me 16,12; Jo 20,19-26),
c duas na Galiléia (cf. Jo 21,1-14; Mt 28,16-20). Sao Paulo acres-
centa mais tres aparigóes: a um grupo de quinhentos discípu
los, a Sao Tingo e ao próprio Paulo (cf. 1 Cor 15,1-20). Além
disto, o livro dos A tos (1,3) refere que Jesiis, após a sua Paixlo,
deu aos Apostólos numerosas provas de que estava em vida, apa-
reeendo-lhes durante quarenta dias.

— 229 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 3 e 4

Em todos ésses casos parece tratar-se de visóes sensiveis


motivadas pela presenca real de um ser corpóreo, com o qual os
discípulos conversam e que éles chegam a apalpar (cf. princi
palmente o caso famoso de Sao Tomé, em Jo 20,24-29;... o de
Le 24,36-42). Em conseqüénda, os Apóstojos e Evangelistas
nao guardavam a mínima dúvida a respeito : Jesús ressuscitou
em carne e ossos. É disto que éles entendem dar testemunho
nos livros do Novo Testamento. Contado o seu depoimento foi
contornado ou diversamente explicado pela crítica. É, portante,
para as teses .desta que devemos agora voltar a nossa atengáo.

. e) Expllcacoes racionalistas.

a') A hipótese da alucinacáo

Alguns críticos qulseram explicar as visOes de Jesús redivivo por


processo meramente subjetivo de alucinacáo: nada de real teria apa
recido aos discípulos; apenas em sua mente superexcitada ou doentia-
mente aletada haveriam projetado a imagem do pretenso Ressuscitado.
Mais precisamente : ésses críticos asseveraram que, apos a marte de
Jesús, os discípulos devem ter concebido profunda nostalgia do Mestre
e sincero pesar por nao o terem mais consigo; nao se podiam convencer
de que Ele estava morto (na verdade, «os heróis nao morrem!», pen-
savam éles); as promessas de reino deixadas por Jesús terao ressoado
continuamente na subconsciencia désses discípulos; a isso tudo haveráo
associado a reminiscencia de profecías e figuras do Antigo Testa
mento. .. Ésses diversos elementos terao finalmente provocado um
estado de alucinacáo em que os Apostólos e discípulos julgaram estar
vivendo o sonho de um Jesús ressuscitado. falando com Ele, apalpan
do O. etc. Assim iludidos, haveráo anunciado ao mundo destemidamente
a mensagem da «xessurreicao de Cristo», a qual, ilusoria como é, pre
cisa de ser denunciada pela ciencia moderna!

O estado de ánimo dos discípulos de Jesús era, como já in


sinuamos, precisamente o contrario do que a alucinagáo pres-
supóe; longe de nutrir esperanca e entusiasmo a respeito do
Mestre, os Apostólos, após a morte déste, se viram acometidos
de abatimento e perplexidade cruciantes. Quando Jesús comegou
a se lhes manifestar, dando-lhes conhedmento da sua ressurrei-
gáo, difícilmente se renderam a esta proposigáo (haja vista prin
cipalmente o caso de Sao Tomé). Donde se vé quanto dista das
circunstancias históricas do problema a hipótese da alucinagáo
dos discípulos; estes certamente nao estavam em condigóes psi
cológicas tais que pudessem langar ao mundo a idéia da ressur-
reigáo de Jesús, a ponto mesmo de morrer por essa crenga. Se
pregaram a ressurreicáo de Cristo, isto só se pode explicar
pela evidencia com que esta se lhes impds motivando verdadeira
revira-volta na sua mente.

— 230 —
COMO RECONHECER A VERDAPEIRA RELIGIAO ? .

Obsérvese outrossim que, no caso que estudamos, seria predsb


admitir aludnacSo coletlva em número de pessoas demasiado grande,
dotadas de temperamentos multo diversos e em situacOes assaz va
riadas : com efeito, teriam sido igualmente alucinadas as piedosas mu-
Iheres, os onze apostólos, os quinhentos irmáos, os dois discípulos de
Emaús, o ardoroso farlseu Paulo de Tarso, etc. Ora a aluclnacao em
tais proporcoes já nao é verossimil; só poderla ser levada em conta se
se tratasse de urna ou poucas testemunhas (soladas, aletadas por. tem
peramento especial.

Também nao se pode esquecer que a pregagSo baseada em


alueinagáo jamáis se teria imposto através da historia: na
mente dos próprios alucinados a ilusáo tendería a se empalidecer
e dissipar, cedendo a estados de inquietude e incoeréncia.

■ O que ó pura quimera ilusoria, pura n'ucinac.üo docntia, sem Valor


de verdade. pode sem dúvida provocar provisoriamente a íé... Mas tal
íé nao é nutritiva ncm írutuosa, do ponto de vista moral; ela nada
produz de sólido; nao se irradia a grande distancia...; nao resiste a
acao... dissolvento do tempo...; acaba sempre por se desfazer num
colapso, que revela a sua índole engañadora» (E. Le Roy. Dogmé et
critique. París 1907, 22-1 >.

Por fim, lembraremos que havia da parte dos judeus hostis


a Cristo uní controle assaz severo sobre os Apostólos, controle
quo nao permitiría a difusáo de erro ou embuste na pregacáo
do Evangelho: se a mensagem da Ressurreigáo prevaleceu nessas
circunstancias mosmas. isto se deve ao fato de corresponder ela
a urna reaüdade inelutável, e nao a urna ilusáo patológica dos
respectivos pregadores. — Nao será preciso insistir em táo evi
dente observagáo.
Assim patonteada a impossibilidade de alucinagáo, os crí
ticos aventaram

b') a hipótese dos empréstimos mitológicos ou pagaos

Alguns historiadores julgaram poder apontar analogías


entre a ressurrei;áo de Jesús e a de certas divindades da mito-
logia paga. Em conseqüéncia, a ressurreigáo de Cristo nao pas-
saria cié uní mito, merecedor de desprézo apenas.

Eis como um dos mais famosos arautos da hipótese, Hermann


Gunkel. eonecho a oxp'icacfio (resumimos o seu modo de pensar) :
Jcsiis r"io <■ o primolro. ncm o único, dos seres divinos nosquais
so atribuiu ressurreicáo. No Egito principalmente, mas também na
Siria, na Babilonia e na Fenicia, os antigos proíessavam a crenga em
deusos que haviam morrido e. após breve interva'o, voltado á vida. Essa
idé'.a se baseava originariamente no ritmo mesmo da natureza. que
aprésenla os contrastes do veráo, invernó e veráo,... dia, noite e dia;
assim julgavam que os deuses solares rennsciam ou ressuscitavam
todos os días de manha, e os densos da vegetagáo todos os anos na pri-

— 231 —
fPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 3 e 4

raavera.... Entre os judeus, os cánticos do Servo de Javé (Is 53)


podiam sugerir a idéla de um Messias condenado & morte e restituido
á vida.
As analogías pareoem confirmadas pela data da ressurreicáo de
Cristo: de madrugada, tres diaa após a morte, na primavera... Ñas
religifies orientáis, observam os críticos, a divindade morta renascia
ao levantar do sol ou na primavera. Quanto ao número «tres», era nú
mero sagrado, encarecido, por exemplo, pelo íato de que o invernó
(ao qual se sucede o renascimento primaveril) dura tres meses ou
pouco mais; segundo as mitologías em geral, o caos e o Maligno rei-
naram sobre a térra tres tempos ou tres tempos e meio.

Como julgar tal teoría?


Em primeiro lugar, verifica-se que as semelhancas indica
das entre mitos pagaos e doutrina crista sao assaz vagas: no
Evangelho nao se lé alusáo a crencas preexistentes, a ritmos ou
leis da natureza visivel ou da vida da divindade nem á Vitoria
de algum herói sobre o caos; os evangelistas entendiam apenas
relatar com toda a discrigáo o que lhes parecía ser um aconte-
cimento histórico, abstendo-se de fazer generalizagóes ou consi-
sideragóes de ordem filosófica.
Examinando de mais perto os mitos pagaos (de Osíris,
Adonis, Átis, por exemplo), verifica-se que sao narrativas ou
vagas ou fantásticas á semelhanga de lendas;... narrativas mar
cadas por tragos de deboche e falta de pudor;... narrativas que
se foram acomodando e adaptando á índole de povos diversos
no decorrer dos tempos. Nao raro falavam originariamente de
um casal divino, no qual a primazia competía á figura feminina;
obcenas aventuras de amor constituiam o enredo désse casal;
nao raro se deu fusáo ou identificagáo da deusa Cibele da Siria,
por exemplo, com a deusa Afrodite ou tsis do Egitó.
Ao contrario, no Evangelho há mengáo de um homem real,
Jesús Cristo, cuja existencia é atestada também por documentos
religiosos e profanos, homem reconhecido por seus concidadáos,
com os quais trata diariamente, dos quais sofre perséguigáo e
morte, sob as vistas de seus discípulos. Ressuscita para urna vida
transfigurada, em que seus companheiros a principio recusam
crer, mas que se impóe por suá própria realidade. O número
«tres» e a época da ressurreigáo de Jesús neste quadro aparecem
sem comentario, sem associagáo de idéias na mente dos Evan
gelistas; aconteceu mesmo que Jesús, ao predizer sua ressurrei
cáo no terceiro dia, nem sequer foi entendido por seus discípulos;
estes nao se lembraram entáo nem das Escrituras do Antigo Tes
tamento (cf. Le 18,31-34); muito menos mostraram conhecer os
mitos pagaos.

De resto, sabe-se que a mente dos judeus contemporáneos de Cristo


era impermeável as influencias pagas, que ¿les reputavam como algo

__ 232 —
COMO RECONHECER A VERDADEIRA REUGIAO ?.' -

de imundo e contaminador. Caso, porém, tlvesse havldo Influencia, esta '


só se poderia ter exercido lentamente, no decurso de longo prazo; ora
parece que a crenca na ressurreicáo de Jesús se seguiu logo á morte do
Senhor. de modo a entrar nos relatos evangélicos confeccionados por
volta de 50/60 d. C.

Verifica-se mesmo que es pregadores da fé crista sempre


tiveram que lutar para incútir aos pagaos a crenga na ressurrei-.
gao de Jesús Cristo e dos mortos em geral; nao era, portante,
fazendo eco ao paganismo que éles anunciavam tal mensagem.
Já Sao Paulo no Areópago de Atenas, ao referir a ressurreigáo,
sofreu o escarnio por parte dos filósofos gregos : «Ouvir-te-emos
oulra vez a tal propósito!» (At 17,32). Semelhante foi o caso dos
apologistas cristáos posteriores.
Seria, portanto, pouco consentánco com o espirito científico
insistir em ccntaminac-áo do Evangelho por parte de mitos pa
gaos : a distancia entre aquéle e estes era demasiado grande para
poder ser táo fácilmente superada. — Já que nao há, além das
duas hipóteses ácima examinadas, outra explicacáo racionalista
possivel, fica de pé o fato de que Cristo apareceu redivivo após a
morte, comprovando assim a sua genuina ressurreigáo.

f) Confirmacáo c ronohisáo

O Cristianismo comegou a se propagar, bascado no dogma


da ressurreicño de Cristo. É desta que se deriva o valor das
demais propositóos da mensagem crista ao mundo : «Se Cristo
nao ressuscitou, vá ó a nossa pregacáo, va ó também a vossa
fe» (1 Cor 15,14).
Pois benn-A historia do Cristianismo, que já conta vinte sé-
culos, constituí clara confirmacáo da veracidade da ressurreigáo
de Cristo. Com efeito, pergunta-se: poderiam vinte séculos de
martirio e luta constantes estar fundamentados na mentira, no
embuste o na fraude? Ou poderia um estado psicopatológico de
alucinagáo constituir a base de táo longa e significativa historia?
Fraude, mentira, engaño teriam sido, sem demora, desvendados;
estado doentio nao seria fonte de vigor duradouro.
Para corroborar esta condusño, vém a propósito os palavras do
famoso autor liberal Ernesto Renán :
«Nada subsiste n nüo ser a verdade... Tudo q«e a ela serve, man-
tómsr. como um capital fraco. mas adquirido; nada, em seu pequeño
tesouro. se pertle. Tudo que é falso, ao contrario, desmorona. A íalsi-
dade nao é fundamento para coisa alguma. ao passo que o pequeño
edificio da verdade é de acó c sobe constantemente} (Histoire du peuple
d'Isracl V. Paris 1891. 421).

Merece atengáo também a palavra do crítico protestante Eduardo


Rt-uss. tido como avancado entre os exegetas liberáis do sen tempo :

— 233 —
«PERCÍUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962, qu. 3 e 4

cPoderemos reconhecer que muita coisa, na historia de Jesús, íica


para nos incompreenslvel, que nunca chegaremos a explicar como vivia
Jesús após a ressurreicao...; contudo subsistirá o fato incontestável
de que a Igreja (que existe há dezolto sáculos) foi construida sobre
essa base, e de que a Igreja é assim um testemunho vivo da ressurrel-
cao de Jesús; para bem dizer. foi a Igreja que saiu do sepulcro de
Cristo, com o qual ela teria íicado para sempre sepultada se Cristo
nao tivesse ressuscitado» (Hlstofre évangélique. París 1876, 701).

2. O significado da Ressurreicao de Cristo

A fim de delinear com a devida clareza o significado da Res-


surreicáo do Senhor, observaremos as seguintes etapas :

1) O Cristianismo está fundamentado na crenca na ressur-


reicáo de Jesús, de tal modo que esta é a proposicáo que com
pendia e sela as demais afirmagóes da mensagem crista.

Além do citado texto de 1 Cor 15.13-15, tenham-se em vista os se


guintes :
Em Rom 10.9, Sao Paulo assim resume a fé crista: «Se coníessas
com os labios que Jesús é o Senhor e eres em teu coracáo que Deus O
ressuscitou dentre os morios, serás salvo».
Conforme At 25.19, o que, na pregacáo crista, mais impressiona um
magistrado romano pagáo (o procurador Párelo Festo) é que o Cris
tianismo «versa em torno de um certo Jesús, morto. do qual Paulo
afirma que Ele está vivo».
Nos Atos dos Apósto'os, as alocuefies de Sño Pedro, Sao Joao e
Sao Paulo, dirigidas aos mais diversos auditorios, se inspiram da men
sagem da ressurreicao de Cristo ou se terminam nesta. Assim em
At 2.22-26; 3.15-26. S. Pedro, pregando ao povo de Jerusalém; em At 4,
10, 20. Sao Pedro e S5o Joáo. fatando & multidáo em geral; em
At 5 29 33, Sño Pedro e Sao Joño, interpelando o sinedrio (tribunal dos
judeus); em At 1037-44. Sao Pedro em casa do centuriao romano Cor-
nélio; em At 13. 27-40. S3o Paulo. dirlg¡ndo-se aos judeus de Antioquia»
da Pisidiai em At 17.3. 18. 31s. Sao Paulo, dialogando com os filósofos
de Atenas; em At 26. 22. 26. Sao Paulo, fazendo sua apo'ogia dlante do
rei Agripa.
Donde se vé que «ser cristño» e «crer na ressurreicao de Jesus>
vém a ser urna so e mesma coisa.

2) Ora a ressurrei$ao de Cristo é um fato histórico devi-


damente comprovado, como acabamos de ver.
3) E qual seria o significado désse fato real, visto dentro
do conjunto da historia dos séculos?
Jesús mesmo explicou o sentido da sua ressurreicáo,
apresentando-a como «o sinal de Joñas», isto é, como sinéte da
sua missáo messiánica ou comprovante da sua autoridade de
Legado Divino.
De íato, certa vez os farlseus pediram a Cristo um sinal da sua mis
sáo; Jesús entao respondeu : «Esta geracSo... pede um sinal; mas

— 234 —
COMO RECONHECER A VERDADEIRA RELIGIAO ? --»:
- .- _•....; •■^
outro sinal nao lhe será dado a nao ser o do profeta Joñas: ásslm como'
Joñas estéve tres días e tres noites no ventre do peixe, ássim o Filhd
do homem estará no seio da térra tres dias e tres noites» (Mt 12.38-40;
cf. Le 1159-32).
Doutra íeita, tendo Jesus expulsado os vendilhoes do templo, pedi-
ram-Lhe os judeus um sinal que comprovasse a sua autoridade. Redar-
güiu entao o Mestre: «Destruí éste templo, e em tres dias o. reergue-
rei». Palavras que o Evangelista assim comenta : «Ele falava do templo
do seu corpo. Quando. pois. ressuscitou dentre os mortos, seus discí
pulos se lembraram de que havia dito isso> (Jo 2. 17-22; cí. Mt 26.61;
27,39s).
Sem dificuldade entendese que a ressurreicáo seja o sinal da auto-
ridado unirá ou da missfio messiániea (missáo de Legado Divino) que
rompetia a Josus. Com efeito; se Cristo nao tivosso ressuscitado. pode-
rin ser equipnriulo a Sócrates. Confúcio. Biula. Maomé ou qualqucr pre-
j;ndnr humano de ótica e bons rostumes. Justamente o que diferencia
Cristo de místicos ou iluminados anteriores ou posteriores, é o íato de
ter Élc obtido n vitória sobre a própria morte juslantrnle como sincte
divino da autentieidade da sua pregacáo e missáo. Tai sinéte nos ensina
que Jesús falava e agía nao só com autoridade humana (como, por
exemplo. Sócrates e Coníúeiol. mas também com a autoridade do pró-
prio Deus.

4) Sendo sinal da autenticidade da missáo mossiánica de


Josus, a Ressurreicáo vem a ser, em última análise, a compro-
vantc da veracidade da lU'ligiio que Cristo easinou aos homens.

A ressurreicáo é outrossim o sinal mais persuasivo da Divindade


de Jesus Cristo, pois Éste ensinava aos homens na quaüdadc nao de
moro profeta ou legislador religioso, mas na qualidade de FHho de
Dt'iiK ou de Dpiik I-'ilho foito Itomem. sem deixar de ser em tudo ií.ual a
Deus Pai. Ora Deus Pai- ressuscltando a humanidad? de Jesus Cristo,
manifestou-sc em favor do testemunho dado por Jesus Cristo; donde se
conclui que esse testemunho ou o ensinamento de Jesus Cristo é absolu
tamente verídico, pois Deus jamáis poderia confirmar a impostura
e a mentira.

5) E como hoje em dia se pode distinguir a Religiáo au


téntica ou a que Cristo ensinou, das demais formas de religiáo
existentes no mundo?
A distingáo nao ó difícil. Cristo prometeu a seus Apostólos
estar com éles e assistir-lhes com a sua infalibilidade até a con-
sumacáo dos sáculos (cf. Mt 28,20). Disto se segué que, onde
está a linhagem (ou a sucessüo) dos Apostólos, ai está Cristo
presento, c está a verdadeira rcligiao. Ora só há urna sociedade
religiosa que se derive dos Apostólos, e sem interrup?áo, de ge-
racáo em geracáo, venha transmitindo ao mundo os ensinamen-
tos de Cristo e dos Apostólos : é a Santa Igreja Católica Apostó
lica (também dita «Romana» porque o Apostólo que Cristo ins-
tituiu Chefe visível da sua Igreja,' Pedro, morreu como bispo de
Roma, fazendo, por conseguinte, de Roma a sé primacial de
toda a Cristandade; cf. Mt 16,18s.).

— 235 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 54/1962, qu. 5

Quanto & Santa Igreja Católica e as suas credenclais de portadora


de Cristo para o mundo, cf. «P. R.» 39/1961. qu. 2.

A fim de resumir, poder-se-ia fazer o seguinte esquema:

1) CRISTIANISMO -»• RESSURREICAO DE CRISTO


(cf. 1 Cor 15.14)

2) RESSURREICAO DE CRISTO = FATO HISTÓRICO


(acaba de ser comprovado)

3) FATO HISTÓRICO = SINAL...


SINAL indicado por Cristo mesmo
para comprovar a sua missño
messlanica ou a sua autori-
dade de Deus feito homem.
(cf. Mt 12, 38-40).

4) SINAL DA AUTORIDADE
DE JESÚS -»■ SINAL DA VERACIDADE DA
RELIGIAO ENSINADA POR
JESÚS
(evidente por si)

5) E A RELIGIAO ENSINADA POR JESÚS se encontra hoje, segundo


os designios de Jesús mesmo (cf. Mt 28. 20). onde se encontra inin-
terrupta a linhagem (sucessao) dos Apostólos de Jesús.

IV. DIREITO CANÓNICO

SEBASTIAO (Belo Horizonte) :

5) «Diante das recentes noticias de excomunháo proferi


das sobre éste oa aquéle homem público, gostaria de saber em
qne consiste essa pena e quals os sens efeitos».

1. A excomunháo é, sumariamente, a pena pela qual um


cristáo é excluido da comunháo (ou da uniáo de vida) dos
demais fiéis (ou da Igreja); cf. Código de Direito Canónico,
can. 2257 § 1.

A palavra «excomunhao» tinha. nos primeiros sáculos do Cristia


nismo, sentido assaz vago, podendo designar quaiquer modalldade de
pena eclesiástica. Foi no séc. XIII que o Papa Inocencio III lhe deu a
acepcao que ela hoje possui no Direito da Igreja.
Dado o significado geral do termo «excomunháo>, compreende-se
que tivesse outrora varios sinónimos, como «anatema, maldicáo, exe-
cracao».

O vocábulo grego «anathema» designava originariamente ulna ofe-


renda feita a Divindade, oferenda suspensa ou exposta no temp'o e se-
qOestrada ao uso profano. Já que multas vézes tais oferendas eram os
despojos de inimigos vencidos na guerra, o anatema íicou sendo um
QUE £ A EXCOMUNHÁO?

objeto execrado ou tldo como imundo, lntanglvel aos homens puros. Na


linguagem crista, o anatcmatlsmo ou slmplesmente o anatema tomou
aos poucos o sentido que hoje Ihe compete : é urna excomunháo, como
declara o can. 2257 § 2. ... mas excomunháo geralmente infligida em
circunstancias mals solenes, ou seja, em meio a ritos destinados a
incutir mais senslvelmente o horror da pena.

Com eíeito. O «Pontifical Romano», no tocante ao anatema, pres-


creve que o bispo. revestido de capa roxa e mitra simples, se senté em
urna poltrona, tendo em torno de si doze presbíteros trajados de sobre-
peliz e portadores de velas accsas. O Prelado pronuncia entáo pala-
vras extremamente severas que excluem o réu da comunhño dos fiéis;
a seguir, os assistentcs atirnm ao chao as suas velas. O ato é levado
por carta no conhocimento dos dcm¡iis sacerdotes diocesanos e dos bis-
pos vizinlios. -- Tal cerimünin caiu em desuso nos nossos días.

Quando. pois. urna dcfiniciio do Sumo Poníifice ou do um Concilio


proíere • anatema» (o que aínda liojc acontece), eníenda-se *excomu-
nháo> no sentido que será descrito no presente artigo. A exprcssüo
«anathemii •perpetuum» iou ^an. maianatha>. até que venha o
Senhor...i. outrora ocorreníe em documentos eclesiásticos, era. por
vézes nos primeiros séculos. interpretada como condenacáo ao inferno,
onde o anatematizado «cria companheiro de Judas, o traidor. Contudo
o Papa Gelásio I, era 'IOS aproximadamente, declarou que o aposto «per
petuo^ i *maranatha^> 1 nAo excluía a possibilidade de reconciliacao do
réu com Deus e com a Igreja. mas apenas realcava a obstinacáo ou
dureza de coraeño do deliñqiíente. que punha em perigo a sua salvacáo
ctrrna.

2. O poder do excomunsar membros nocivos ou inlignos


sompre foi roronhnrido as sociedades devidamente organizadas;
ó condigno essencial para «salvaguardar o bem comum. Os judeus
o praticavam (cf. Jo 9.22). No Novo Testamento Jesús o insi-
nuou em Mt 1S.17, referindo-se a irmáos obstinados no mal;
Sao Paulo fez uso désse direito, considerando a excomunháo
como remedio salutar para um irmáo que Ievava vida escan
dalosa (cf. 1 Cor 5,3-5).
3. Até o séc. XV era vedado aos fiéis ter relagóes, mesmo
no setor profano, com os excomungados; quem desrespeitasse
esta proibicáo, incorria por sua vez em excomunháo. Tal medida,
porém, provocava, na vida cotidiana, nao poucos conflitos de
consciéncia. Em vista disto, o Papa Marlinho V, no concilio de
Constanga (1418), resolveu distinguir entre excomungados «to
lerados» (tolerati) e excomungados «a ser evitados» (vitandi),
distincáo esta que foi explicitada pelo Direito atualmente vi
gente (cf. pág. 241 déste fascículo).
A excomunháo era freqüentemente aplicada na Idade Me
dia. No séc. XVI, porém, o Concilio de Trento (sess. XXV)
admocstou os bispos e juízes eclesiásticos a usar de moderagáo
e cautela nesse setor, pois, sem dúvida, a excomunháo vem a ser
a mais grave de todas as penas eclesiásticas. O atual Código de

— 237 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 5

Direito Canónico em 1918 renovou esta exortagáo e, desenvol-


vendo tendéndas já manifestadas por Pió IX no sáculo passado,
diminuiu notavelmente o número de casos que, por efeito da pró-
pria lei, sao punidos de excomunháo (ver a lista dos mesmos sob
o titulo número 4 déste artigo).
Consideremos agora de mais perto o que vem a ser exata-
mente a excomunháo, quais as suas modalidades, os seus efeitos
e os casos em que a lei eclesiástica a inflige.

1. Que é excomunháo?

A excomunháo vem a ser, junto com a suspensáo e o inter-


dito, urna das penalidades eclesiásticas ditas «censuras». Por
isto, faz-se mister, antes do mais, aqui dizer o que o Direito Ca
nónico entende por «censura».

O can. 2241 define a censura como penalldade pela qual um cristáo.


tendo-se tornado delinqüente obstinado, é destituido de certos bens
espirituais ou de bens temporais anexos aos espirituais, até que se
emende e seja devidamente absolvido.

Para esclarecer esta definicSo, pódese imediatamente fazer a se-


guinte observacáo:
Os bens espirituais de que possam gozar os fiéis na Igreja, classifi-
cam-se em tres categorías :
a) alguns tém. por assim dízer. sede ñas almas, e permanecem
invisiveis : serlam a graca santificante, os caracteres sacramentáis, as
virtudes infusas;
b) outros. embora nSo sejam hábitos residentes na alma, perten-
cem aos fiéis individualmente ou á personalidade própria de cada um;
seriam as boas obras, as oracdes. os méritos...;
c) por fim, há bens espirituais que pertencem á Igreja como tal
ou como Corpo de Cristo e dos quais cada fiel participa na medida em
que está incorporado ou vinculado á Igreja; tais bens sao os sacramen
tos, os sacramentáis, as oracOes públicas feitas em nome da Igreja, a
jurisdicao...
Ora é sdmente esta terceira categoría de bens que a Igreja pode
subtrair. por meio de censuras, aos fiéis dellnqüentes. A Sta. Igreja s6
interfere ñas riquezas espirituais que Ela mesma. por seu ministerio
sagrado, fornece aos cristáos no foro social, comunitario (dito também
<ttro externo»). Ela nada pode tirar dos bens espirituais meramente
Interiores de cada alma {bens cde foro interno»), como sao os méritos,
a íé. a caridade...
Em outros termos : mediante as suas censuras, a Sta. Igreja rompe
apenas vínculos de foro externo. Essa ruptura, porém, val exercer seus
efeitos também no foro Interno, pois. em consciéncia e dlante de Deus,
o cristfio censurado está obrigado a respeitar a sua sentenca (nao lhe
será licito, partanto. receber furtivamente os sacramentos, caso haja
sido declarado Inepto para tal).
Levando-se em conta os bens espirituais de foro externo dos quais
um crlstao possa ser privado, distinguenv.se tres tipos de censura: a
excomunháo. a suspensáo e o Interdito.
QUE É. A KXCOMUXHAO?

A cxcomunhiio é a mals grave das censuras, pois priva de todos 03


bens espirituals de ídro externo e excluí da socledade dos fiéis.
O Interdlto priva apenas do uso de certas institulcOes ou coisas sa
gradas, como, por exemplo. sacramentos, atos de culto solene. sepul
tura eclesiástica.
A suspensSo só recaí sobre clérigos, despojando-os do uso das fa-
culdades eclesiásticas (uso de ordens ou uso de jurisdigáo); o clérigo
suspenso nao pode mais administrar os sacramentos, mas pode recebé-
-los caso tenha as devidas disposigóes.
Fcitas estas observagOes s6bre as censuras em geral. detenharno-
-nos agora sobre a excomunhao como tal.

De (juanto acaba de sit dito, deproende-se que

1) Excoiminhao nao ó rondenacáo no ¡titanio.


A Igreja nao tüin poderes judicials ¡jara definir a .sorto pos
tuma dos homens. Além disto, sabe-se que, enquanto alguém é
peregrino sobre a torra, sempre Ihe resta a possibilidade de
tazer penitencia mesnio das mais graves culpas que haja come
tido; a graea de Deus comida o pecador até o fim da vida; éste
a pode aceitar de maneira visivcl o pública ou de modo oculto
na liora da morte. Por conseguinte, a ninguém, nem mesmo ao
Sumo Pontífice, será licito dizer que lal delinqüente está defini
tivamente condenado ao inferno.

2) ExconmnhSo também nao c deelaracáo de que alguém


estoja cm prendo mortal.
A exeomuiihao, como se tlisso atrás, nao visa diretamente
o foro interno ou as realidades intimas da consciéncia. Ela
apenas leva em conta o comportamento externo e visível do
cristáo. Tal conduta pode ser a de um verdadeiro deliqüente,
ao qual a Justina e o bem comum pedem a aplicagáo de urna
sancáo; mesmo nesse caso, porém, o aparente réu pode nao ter
culpa grave, ou simplcsmente pode nao ter culpa, em consciéncia
ou perante Deus. — A excomunháo, portanto, supce o estado de
pecado mortal na pessoa excomungada, mas de modo nenhum
fia acarreta ou eonstitui tal estado. A rigor, por conseguinte,
pode haver urna pessoa excomungada que, nao obstante, se ache
em estado de graga (é de crer, porém, que tal caso seja raro).

3) Positivamente, a excomunháo é, como dizíamos, a pri-


\;n,áo máxima dos bens espirituais de foro externo que a Igreja
pussii infligir, rom intuito estrilamenh' mctlicinaJ, ou seja, em
\ista il:t corn\Tio do rcsm'cUvo deliii(|iientc.
Á puisa de oxrtliearáo, dir-se-á :
a) Toda excomunháo supóe um delito (islo ó, a violacáo
rli^ urna \oi) oxti'rno ou visívrl (a Igreja nao pune atos mera-

— 239 —
cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 5

mente internos) e grave. A gravidade da falta se mede nao só-


mente pela importancia da lei violada, mas também pelo daño
causado ao próximo e pela responsabilidade do delinqüente.
Caso, por conseguinte, alguém tenha a intengáo de cometer urna
falta grave passfvel de excomunhao. mas só execute um ato que no foro
externo tem pouca importancia, nao incorre em excomunhao, embora
peque gravemente. £ o que se daria. por exemplo, se alguém espan-
casse levemente um clérigo com premeditada intencao de o ferir mor-
talmente; tal pessoa. no seu foro interno, cometerla um pecado grave
(por causa da sua intencao), mas n3o incorreria na censura anexa
aos delitos vultuosos e veementes désse género.

b) A excomunhao supóe claro conhecimento de causa da


parte do delinqüente. O que quer dizer que só incorre em exco
munhao a pessoa que saiba que tal ou tal delito (que ela está
para cometer) é passível de excomunhao; quem nao tenha conhe
cimento da censura, nao é atingido por ela.'

Esta afirmacáo se deriva do fato de que a excomunhao é pena estri-


tamente medicinal, nao meramente vingativa. Ora as penas medicináis.
na Igreja, visam todas sanear a contumacia ou obstinacáo do delin
qüente. Pois bem. ensinam os canonistas, para que a guém possa ser
dito obstinado ou contumaz, nao "basta que saiba ser tal ou tal ato proi-
bido pela Lei de Deus (ou pecado); íaz-se mlster outrossim. saiba que
ésse ato também é proibido pela lei da Igreja, e proibldo de modo a
acarretar tal ou tal pena para o delinqüente. Sómente se souber disto
é que o réu poderá ser tido como obstinado e. conseqüentemente. pas-
sivel de excomunhao.

c) Já que é pena estritamente medicinal, a excomunhao


nao pode ser infligida por prazo fixo, de modo a dever ser sus
pensa em data previamente estipulada. Ao contrario, a excomu
nhao durará tanto tempo quanto perdurarem as disposicóes
«doentias» do delinqüente; logo que éste dé sinais evidentes de
emenda de vida e pega absolvicáo, o caso é reconsiderado pela
autoridade da Igreja, que em geral restituí a sua comunháo.

d) Ainda pelo mesmo motivo vé-se que a excomunhao só


pode própriamente recair sobre pessoas físicas (pois sómente
estas sao capazes de emenda de vida); caso seja proferida sobre
um corpo moral ou urna sociedade, ela atinge os membros dessa
sociedade que sejam pessoalmente culpados ou cúmplices do
delito (cf. can. 2255 § 2).

Está claro que a sentenca de excomunhüo só se pode aplicar aos


iilhos da Igreja. pois quem nao Lhe pertence nao pode ser excluido do
seu gremio. Donde se deduz. por exemplo, que um estadista nao batí-
zado nao pode ser excomungado, caso se torne perseguidor da Igreja;
em circunstancias análogas, é excomungado o estadista católico.

Passemos a outro aspecto da questáo :

— 240 —
QUE £ A EXCOMUNHAO?

2. Modalidades de excomnnháo
Distinguem-se modalidades de excomunhao de ac6rdo com o ponto
de vista sob o qual essa pena é considerada. Contemplaremos aqui
apenas dois aspectos principáis.

1) Do ponto de vista da autoridade que a profere, faz-se


distingáo entre
excomunhao «ferendae sententiae», a qual depende de sen-
tenga explícita do juiz eclesiástico (por isto também é dita «ex-
communicatio hominis») e supóe admoestagóes canónicas ante
cedentes;
cxcomunlifio «latac sententiae», isto ó, decorrente do texto
mesmo da lci; segue-se imediatamente ao delito, nao sendo ne-
cessárias previas admoestagóes nem processo judiciário (por isto,
também é dita «excommunicatio iuris»).
As excomunhóes «latae sententiae» se subdistinguem em
cinco modalidades de acordó com a autoridade que esteja habili
tada a absolvé-las. Existem, sim,

excomunhóes reservadas á Santa Sé de modo espccialissimo,


do modo especial.
de modo simples;
oxcomiinhóps reservadas ao Btat»o ou Ordinario diocesano;
excomunhóes nao reservadas.

Exomplos se encontraráo sob o titulo n' 4 desta resposta.

2) Do ponto de vista da gravidade das conseqüéncias, dis-


tinguem-se

excomulgados tolerados («tolerati»), com os quais é per


mitido aos fiéis entreter relagóes civis,

excomungados a ser evitados («vitandi»), com os quais o


intercambio, em tese, é ilícito (contudo relagóes meramente fa
miliares ou civis ficam permitidas aos respectivos pais, consorte,
filhos, súditos e a outras pessoas que tenham justo motivo para
isso; cf. can. 2267).
Para que alguém seja excomungado «vitandus» (a ser evi
tado) , requer-se, conforme o can. 2258 § 2, o cumprimento simul
táneo de tres condigóes :
o réu deve ser, na sentenga de excomunhao, mencionado
pelo respectivo nome ou por característica pessoal (profissáo,
encargo...);
a sentenga de excomunhao deve ser promulgada publica
mente, seja pelo periódico oficial da Santa Sé («Acta Apostoli-

— 241 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962, qu. 5

cae Sedis»), seja por avisos colocados as portas das igrejas ou


proferidos do alto dos pulpitos;
a sentenca deve declarar explícitamente que a pessoa ex-
comungada há de ser evitada. Excetua-se apenas o caso de quem
ouse levantar a máo contra o Sumo Pontífice: torna-se exco-
mungado «vitandus», desde que haja cometido o atentado (cf.
can. 2343 § 1).

Ora, já que raramente se preenchem as tres condicSes ácima, exi


guo tem sido o número de excomungados a ser evitados em nossos tem-
pos. O ex-bispo de Maura, porém, D. Carlos Duarte, incorreu nessa pena
extrema.
Podem ser outrossim mencionados :
os sacerdotes Xavier Dvorak e Luis Svatos. por se haver agregado
pertinazmente á Associacáo cismática «Jednota» na Tchecoeslováquia
(cí. A.A.S. XIV 11922] 593);
o sacerdote Ernesto Buonaiuti. por disseminar contumazmente a
heresia dita «Modernismo» (cí. A.A.S. XVIII [1926] 40s);
o sacerdote José Turmel, autor de obras modernistas publicadas
durante quarenta anos sob a cobertura de quatorze pseudónimos su-
cessivos (cí. A.A.S. XXU [1930] 517-520);
o sacerdote Prosper Alfaric, que chegou a negar obstinadamente a
existencia histórica de Jesús Cristo (cí. A.A.S. XXV [1933] 333).

Importa agora considerar

3. Os efeitos da excomnnháo

1. A todo e quaJquer excomungado é vedado

a) receber os sacramentos;
b) administrar os sacramentos e os sacramentáis.
Contudo em caso de necessidade e na falta de outro sacerdote,
torna-se licito a qualquer sacerdote excomungado administrar os sacra
mentos. Fora dos casos de evidente necessidade, um sacerdote excomun
gado tolerado os poderá administrar licitamente, desde que os fiéis o
pecam de boa fé e ele esteja em estado de graca (se lhe íaltasse o estado
de graca, pecaría gravemente e incorreria em Irregularldade). O exco
mungado «vitandus», porém, nao poderá licitamente admlntstrar fora
dos casos de necessidade; incorreriam em falta grave ele e os fiéis que,
cientes da excomunháo do sacerdote, déle recebessem o sacramento;
nessas circunstancias,' a confissüo seria nao sómente ilícita, mas até in
válida, por falta de jurisdicao do sacerdote;

c) assistir aos Oficios Divinos. Por «Oficios Divinos» en-


tendem-se aqui os atos de culto que só podem ser executados p°r
clérigos (a celebragáo da S. Missa, o canto das hoi-as canónicas
com ministros paramentados, a béngáo do SSmo. Sacramento...).
Ao excomungado, porém, nao é proibido ouvir a pregacáo
da Palavra de Deus nem entrar na igreja para rezar fora das
horas de Oficio.

2-12
QUE fi A EXCOMUNHAO?

O reitor da igreja tem o diretto (que nSo constituí unía obrigacSo)


de pedir ao excomungado tolerado que se retire do recinto durante a rea-
lizacao dos referidos atos de culto. Em nossos dias a proibicáo de assis-
tir aos Oficios Divinos tcm caldo em desuso, desde que se trate de
excomungados tolerados que queiram comparecer numa atitude mera
mente passiva.
Caso, porém. um excomungado «vitandus» penetre na igreja com
a intencáo de assistir a um ato de culto oficial, o reltor, primeramente,
intimá-lo-á a retirar-se; se nada conseguir, os fiéis abandonarao o tem
plo: quanto ao sacerdote que esteja celebrando a S. Missa e já tenha
proferido as palavras da Consaprncño. prossoguira no altar até a Co-
munhao do preciosissimo Sanguo, indo depois terminar o Santo Sacrifi
cio na sacristía;

d) usufruir das indulgencias, dos sufragios c das ora^óes


que a S. Igreja costuma fazor oficialmente pelos fiéis. Nao é
ilxito, porcm (ao contrario, ardorosamente se recomenda) que
os sacerdotes e os fiéis, a titulo particular, isto é, em seu nome
pessoal, orem pelos excomungados; poderáo fazé-lo mesmo na
igreja e erh público. É permitido (e até muito louvável) que os
sacerdotes apliquem a S. Missa pelos excomungados, contanto
que o facarn sem solenidade e aparato a fim de evitar o escán
dalo ou qualquer aparéncia de aprovagáo do mal (vé-se, pois,
(|iie. em se tratando de aplicar a S. Missa, a san~áo versa apenas
sobre a parte externa do rito sagrado; tal sancáo é oportuna
para evitar t|iialquer perigo de equiparacáo do bem e do mal).
K altamente necessária a oragáo dos sacerdotes e dos leigos em
prol dos excomungados, pois, sendo a excomunháo urna pena
medicinal, é de desejar que os excomungados consigam a medi
cina ou o remedio espiritual que a respectiva sancáo lhes deve
proporcionar; ora a consecuc.áo desta graga pode ser eficazmente
impetrada pela prece;

e) exercer algum cargo, oficio ou jurisdigáo dentro da


Igreja;

f) usufruir de algum privilegio eclesiástico ou de pen;6es,


beneficios ou dignidade dentro da Igreja;
g) eleger, nomear, apresentar alguém (o que se aplica
principalmente nos casos de ser padrinho de batismo, de
crisma...);

h) obter sepultura eclesiástica, a menos que na hora da


morte o excomungado dé sinais de arrependimento.

Caso o excomungado persista por um ano inteiro no seu


erro, torna-se suspeito de heresia (cf. can. 2340 § 1) e vem a
ser tratado como tal.

— 243 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962. qu. 5

2. Em particular, os excoraungados «vitandi»

sao destituidos nao sómente dos emolumentos e beneficios


anexos aos seus respectivos cargos e oficios, mas também dos
próprios cargos;
perdem o direito a qualquer graga ou favor papal. As Missas
que em beneficio déles sejam celebradas, teráo por fim obter a
sua conversáo, nao podendo por conseguinte visar alguma graga
de índole temporal como saúde ou emprégo..

Os canonistas ainda enumeram outros efeitos da pena de excomu


nháo. Contudo. já que versam s6bre pormenores e casos especiáis,
iimitamonos á lista ácima, a íim de considerar ¡mediatamente o aspecto
final da questáo.

4. Os delitos passíveis de excotnunhao

No Código de Direito Canónico sao enunciados 37 casos de


excomunháo «latae sententiae» (ou a ser contraída pelo fato
mesmo de se cometer o delito). Désses casos, 4, para ser absol-
vidos, ficam reservados á Santa Sé de modo especialissimo; 11,
de modo especial; 11, de modo simples; 6 sao reservados ao
Bispo ou Prelado diocesano, e 5 nao sao reservados.

Ei-los todos, sucessivamente formulados:


1) A excomunháo reservada á Santa Sé de maneira espe-
cialissima recai sobre
profanacáo do sacramento da Eucaristía (can. 2320);
violencia física contra a pessoa do Sumo Pontífice (can.
2343 8 1);
absolviQáo de cúmplice em pecado de luxúria simples ou
qualifícado (can. 2367 § 1);
violagáo direta do sigilo sacramental (can. 2369 U).

2) A excomunháo reservada á Santa Sé de maneira espe


cial se prende na maioria dos casos a delitos contra a fé :

apostaste, heresia, cisma (can. 2314);


edicao. defesa. conservacáo e leltura de livros que propaguem a
apostasia ou o cisma (can. 2318 } 1);
simulacáo de celebracSo da S. Missa e de administraefio do sacra
mento da Penitencia por parte de quem nao seja sacerdote (can.
2322 S 1);
apelo a um Concilio Ecuménico contra determinado do Sumo Pon
tífice reinante (can. 2332);
recurso aos poderes civis a ílm de impedir ou entravar a execucao
de leis da Santa Sé ou dos seus legados (can. 2333);
promulgacáo de leis ou decretos contrarios á liberdade ou aos direl-
tos da Igreja; recurso aos poderes seculares para impedir o exercicio
da Jurisdicao eclesiástica (can. 2334);
QUE É A EXCOMUNHAO?

o gesto de convocar perante tribunal civil um Cardeal um legado


da Santa Sé, um dos Oficiáis maiores da Curia Romana ou o respectivo
prelado diocesano (do convocante) (can. 2341);
ofensa *tei"^ fnfijpiHa h p^'jfja^i^fr^fiftrdp3! ou-deum legado do-
Sumo Pontifico «can. 2343 5 2);
usurpacáo de bens ou de direitos da Igreja Romana (can. 2345);
falslticacao ou alteracao de cartas, decretos ou leis da Santa Sé.
ou ainda uso fraudulento e engañador désses documentos (can. 2360);
caluniosa denuncia felta aos superiores eclesiásticos contra um sa
cerdote como se houvesse solicitado no confessionário o seu penitente a
pecado de luxúria (can. 2363).

3) A exccmuiiháo siinnlcsniente reservada á Santa Sé


osla anexa a

cumi'iciu s.irrilc^ii de imlul^órvias 'can. 2327';


inscricáo na magonaria ou om organizacóes afins (can. 2335»;
o «oslo de um sacerdote que, de má fé e sem a devida delegacáo.
ousasse absolver de excomunháo reservada á Santa Sé de maneira espe
cial ou especinlissima <cán. 233X i 1);
colaborará» consciente e espontánea, em assuntos religiosos c em
proporcóes ampias, de um clérigo com pessoa exeomungada a ser evi
tada i can. 233S 5 2»;

o posto dr. denunciar perante tribunal civil

um hispo que nao soja o respectivo hispo diocesano -de quem


denuncie i
ou um Abado ou Prelado NulliiiS'
(■■i nm S'.uiovi"!- Coral do Instituto de Diivito Pontiíioio icán.
2311 i;'
violáceo de clausura das monjas ou dos Religiosos reculares por
parte de pessoas cstranhas; saída ilegal da clausura por parte das mon
jas i can. 2342);
usurpacfio ou desvio do bens da Iqroja 'can. 23!<">■:
(lucio tcán. 2351 S 1»;
tentativa de matrimonio por parte de clérigos de orden? maiores
chispos, presbíteros, diáconos, subdiáconos) ou por parte de Religiosos
ou monjas que tenham votos so'enes (can. 2388 5 1>;
simonía eom cargos e dignidades eclesiásticas icán. 23921;
seqüí'Stracáu. di-struigáo, ocultamento ou alteracáo de diicumentos
pertencentes á Curia diocesana (can. 2405).

4) A excomunháo reservada ao bispo diocesano atinge


celebracáo de casamento misto perante ministro nao-católico;
acordó assinado peio nubente católico, permitindo o batismo ou a edu-
cacao da prole respectiva íora da Igreja Católica (can. 2319);
íabricacao. venda, distribuicáo e exposicao ao público de falsas re
liquias icán. 2326);
ofensa física a pessoa de um clérigo ou Religioso nao enunciado no
can. 2313 5§ 1-3 (can. 2343 5 4);
crime de aborto icán. 2350 i V;

— 245 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962, qu. 6

abandono (ou apostasia) da vida regular por parte de Religioso


professo (can. 2385);
contrato matrimonial por parte de Religiosos de votos simples
(can. 2388 i 2);

5) A excomunháo nao reservada está anexa a

edicáo da Sagrada Escritura ou de comentarios da mesma, sem a


devida autorizacao eclesiástica (can. 2318 § 2);
ordem de dar sepultura eclesiástica a infiéis, apostatas, heréticos,
cismáticos, interditados, contra as disposicoes do can. 1240 § i (can.
2339);
ilegitima alienacáo de bens eclesiásticos, todas as vézes que, para
tanto, esteja prescrito o beneplácito apostólico (can. 2347);
ato de constranger um varáo a abracar o estado clerical ou de
coagir um varáo ou urna donzela a entrar na vida religiosa (can. 2352);
o «deixar de denunciar» o confessor que no coníessionário solicite
o seu penitente a pecado de luxúria (can. 2368 § 2).

Além disto, observe-se :

o can. 2330 confirma, a excomunháo reservada de modo especialis-


simo ao Sumo Pontífice (n.b.: nao á Santa Sé), proferida pela Cons-
tituicáo Apostólica «Vacante Sede Apostólica» contra as pessoas que
ousem ilegítimamente intervir na eleicáo de um Papa;

a Sagrada Congregacáo do Concilio houve por bem. aos 22 de mareo


de 1950. punir com excomunhao, reservada de modo especial á Santa Sé,
o delito previsto pelo can. 2380, isto é, o exercício de comercio por parte
de clérigos;
aos 9 de abril de 1951, o Santo Oficio declarou haver excomunháo.
de modo especialíssimo reservada á Santa Sé, para todos os que ousem
conferir ou receber a sagracáo episcopal sem previa e explícita provisüo
da Santa Sé (medida esta que tinha em vista principa.mente as sagra-
eoes episcopais cismáticas realizadas últimamente nos países da Cor
tina de Ferro ou da Cortina de Bambú, em que os governos comunistas
tendem a criar «Igrejas Católicas Populares» ou «Igrejas Católicas Pro-
gressistas»).

DEMÓCRATA (Sao Paulo):

6) «Afinal de contas, Fidel Castro está ou nao está exco-


mungado?
E qual a situacáo religiosa do ex-Presidcnte Perón, da Ar
gentina?»

Após o que acaba de ser exposto na questáo n' 5 déste fascí


culo, verifica-se que Fidel Castro, chefe do govérno de Cuba,
que outrora professou o Catolicismo, hoje em dia é direto res-
ponsável por mais de um delito religioso ao qual está anexa a
pena de excomunháo «latae sententiae» (ou estipulada pelo
texto mesmo das leis canónicas). Com efeito, Fidel tem confis-

- 2-16 —
FIDEL CASTRO E PP:RÓN. EXCOMUNGADOS

cado bens da Igreja (templos sagrados, colegios, casas religio


sas), tem cometido violencias contra sacerdotes (principalmente
expulsando o Bispo auxiliar do Havana. Mons. Eduardo Boza
Masdival); em suma, tem limitado de varios modos a liberdade
e os direitos da Igreja — delitos estes que implicam, como se vé
na lista publicada ás págs. 244-6 déste volume, excomunháo re
servada, de modo especial ou de modo simples, á Santa Sé.
Além disto, declarando-se marxista, Fidel incorreu na exco
munháo que recai sobre os membros das sociedades anti-religio-
sas, sociedades entro as quais a Santa Sé pm 1949 incluiu nomea-
damente os partidos comunistas do mundo inteiro.
.Nao ó neeessária, portan tu, dodaracáo oficial das autori
dades da Imvja para que Fidol esteja excouiungado (de mais a
¡nais que o suvertíante, cubano devia ter suficiente conhecimento
de causa ao asir contra a Igreja). A Santa Sé até hoje evitou
denunciar oficialmente a situac.ao de censura em que se en-
contra Castro, a finí de uño provocar inoportuna exasperacáo de
ánimos e enrijamento de posicóes que ainda poderiam ser retra
tadas por parte do govérno de Cuba. Apenas se pronunciaram a
respeito. sem caráter oficial, alguns Prelados, entre os quais
Monsenhor Diño Staffa, conselheiro jurídico da Secretaria de
Estarlo do Vaticano, num artigo publicado na revista <Studi
Cattolieb.

Qu:mii> ;n> í:ii" «le Irr rccontiüicnle o Papa Joüo XXIII recebidu
uin r-mbaixador tic Cuba, n.'io si^nifii-a :tprov:«c:"io da situa<;;"io cubana
ou rctratacáo dn excomunháo etc Castro, mas. sim. deferencia paterna
para rom o povo do Cuba. (|iie tem sofrido por amor á sua fé católica.
Ó cmbaixndor representa a nacáo como tal. e nao própriamente a pes-
soa do seu Chefe de povérno.
A caridade <los católicos para com Fidel nesta hora ha de se tradu-
zir om oracñfis instantes para que o infeliz estadista tome consciéncia
da sua tremenda responsabilidade perante Deus.

A ívspoito do Presidente Perón, pode-se lembrar que em


irCv> praticou feitos semelhantos ao de Fidel Castro, o que lne
acarretou naturalmente a mesma censura de excomunháo. Alen-
(li'iidcj entao a circunstancias diferentes das que atuaimenle se
verifieam em Cuba, a Santa Sé houve por bem tornar conhecida
ao público a situaoáo irregular do governante argentino. Até
hoje a pona nao pode ser suspensa. . . Eis, para os eristaos, mais
urna inu-neáo premente que está a motivar suas oracóes.

— 2J7 —
tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 54/1962

CORRESPONDENCIA MI ODA

SIR BAFAM :
1) "Como se explica que a felicidade no céu seja completa, caso
alfruém tenha um ou mais de seus entes queridos no inferno ?"
O assunto já foi abordado em "P.R." 52/1962, qu. 4.
O nonto de referencia dos justos no céu é Deus, e nao o "eu"
humano (há perfeito teocentrismo, nao contaminado de egocentrismo).
Ora Deus sabe dar sentido positivo e valioso á própria ruina que o
homem abusando de seu livie arbitrio, acairele sobre si. Por conse-
guinte, a criatura que se perca no inferno, perde-se por hvre iniciativa
fuá, sem que da parte de Deus Ihe faltem os me.os de sa salvar; contudo
o Senhor, que de um lado nao retoca a hberdade, prove, de outro lado,
a que nem mesmo tal abuso da Hberdade represente urna nota destituida
de valor e significado no conjunto das demais criaturas.
2) A questáo do Índice de livros proibidos já foi considerada em
"P.R." 27/1960, qu. 5.
A propósito da "intransif?íncia" da Igreja, veja "P.R." 36/1960,
qu. 6. O assunto voltará em um dos próximos números da revista.

ESTRASHADO ■ sobre La Salctte e Fátima deve sair um comen


tario em um de nossos próximos fascículos. Nao se deem ouvidos as
conjeturas propaladas em torno do seRiédo de Fátima ; a fantasía dos
curiosos e sensacionalstas tem explorado o assunto.
Temos em máos as cartas de ñutios consulentos, aos quais infeliz
mente nao nos é pussívol rc-sponik-i- por falta de eiuluiecos.

D. ESTBVAO BETTEJÍCOURT O.S.B.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual de 19C1 Cr$ 300,00


Assinatura anual de 1961 (via aérea) Cr$ 580,00
Número avulso de 1961 Cr$ 30,00
Número de ano atrasado Cr$ 35,00
Colecáo encadernada de 1957 Cr? 400,00
Colecáo encadernada de 1U58. 1909, 1960.. Cr$ 550,00 (cada urna)
Colecáo encadernada de 1961 Cr$ 600,00

BEDACAO ADMINISTBACAO
Caixa Postal 2666 K- «««» Grande. 108- Botafogo
Rio de Janrlro Te!. = ^6-18" ~ Rio úe Jan"ir0

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