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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estevao Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
JULHO

7958

CRGUNTE
e

Responderemos

ANO I
ÍNDICE
Pág.

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "Thn-ne estudado muito as possibilidade.i de produzir a vida


artificialmente. Que diz a doutrina católica a respeito disso?
Será dogma de. fe que Deus crion diretamente o primeiro
ser vivo ?" ~'''

II. DOGMÁTICA

2) "Em que consiste a Tradicao ?" 'J'


¿t ■>

■i) "Jemix nao terá condenado a Tradi<;ño em Mt 15,1-9 ;


Me 7,1-1-i ?" m>

III. SAGRADA ESCRITURA

4.) "Quisera ter pravas da veracidade e da autenticidade don


Evangelhos" 281

Vi. MORAL

5) "Pode haver u'a moral leiga, ixto é, sem Deux e sem pe


cado ?" S9°
6) "Em regido de acenso difícil, ao se fazer urna operaeño ce-
mriana, é permitida a ligadura preventiva dan trompas ?" 292

7) "Qual o pentiamento da Igreja a respeito de greves ?" .. . 292

8) "Qual o penxamento da Igreja a respeito do teatro?" ... 295

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

9) "Qual a orir/em e a razao de ser da abstinencia do carne ?" 2117

10) "Quem fot o hispo Strnxsmayer, que «e pronuncian contra a


infalibüidade papal no Concilio do Vaticano (1870)? Num
opúsculo recévi-divulgado, li um discurso que éste prelado
teria proferido no Concilio denunciando veementemente fa
llías do Papado. Que dizer a respeito ?" -?00

COIiliESPONDÉNClA MIODA -109

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano I - N1 7 — Julho de 1958

I. CIENCIA E RELIGIAO

ASS. UNIVERSITARIO (Porto Alegre) :

1) «Tcm-se cstudado milito as possibilidades do, produ-


zir a vida arltlicialmcnlc. Que dix a doutrina católica a respeito
disso ? Será dogma de fé que Deus criou diretamente o pri-
meiro ser vivo ?»

Em .nossa resposta proporemos o problema e sua solu-


gáo em primeiro lugar ; a seguir, examinaremos algumas pre-
missas de historia que ajudaráo a compreender o significado
da questáo para um católico contemporáneo.

1. O problema e sua solucáo

1. É fato assaz comum em .nossos dias, principalmente


entre cristáos, atribuir-se a origem da vida a um ato criador
de Deus ; já que a vida até hoje apresenta ao cientista mis
terios ainda nao elucidados, a produgáo da mesma parece re
servada exclusivamente á Onipoténcia Divina.

Eis, porém, que nos últimos anos álguns estudiosos tém


procurado realizar em laboratorio a síntese dos componentes
de um vívente. A mais adiantada destas experiencias é a que
rcalizaram em 1955 dois ciontistas da California, Heinz
Fraenkel-Conrat e Robert Williams : após haver desintegrado
o virus produtor do «mosaico» (doenga) do tabaco em suas
duas partes componentes (94% de proteina e 6r/c de ácido
nucleico), verificaram que estas, separadas como estavam,
haviam perdido a agáo infecciosa característica do virus ;
feito isto, conseguiram reconstituir o virus decomposto (colo
cando os dois respectivos componentes em presenga um do
outro dentro de urna solugáo um tanto acida), e notaram que
o produto retomava suas propriedades perdidas ou virulentas ;
entáo ao microscopio eletrónico averiguaram que de fato es
tavam em presenga de auténtico virus.. .

— 267 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 1

A experiencia causou grande surprésa, parecendo abrir


horizontes novos.
A quem a queira interpretar, impóem-se imediatamente
algumas questóes básicas ; poder-se-ia dar ao fenómeno ocor-
rido o nome de «produgáo sintética de um virus», embora os
dois cientistas apenas tenham «descolado» e «recolado» as
duas partes de um virus já existente na natureza ?
E, em caso de resposta positiva, poder-se-ia dizer que
«produgáo sintética de um virus» é «produgáo sintética da
vida ?» — Com efeito ; nao poucos autores negam que o virus
seja um auténtico vívente. Mesmo entre os que o afirmam, há
quem julgue que ó um ser dogcncresccnte, que prcssupóe a
existencia de outro vívente, no qual possa parasitar. Nesta
segunda hipótese, como bem se entende, a produgáo de um
virus em laboratorio ainda háo seria fenómeno correspondente
ao surto do primeiro vívente na térra, ainda nao explicaría a
origem da vida no nosso planeta.
Deixando, porém, de lado a discussáo déstes pontos duvi-
dosos, abracemos a mais otimista das hipóteses, dizendo que
a ciencia já produziu ou está prestes a produzir um auténtico
vívente em laboratorio. Que se seguirá disto para as concepgoes
cristas concernentes 'a origem dos seres ? Haverá rebordosa
na crenga em um Deus Criador ?

2. Para so responder devidamente a tal pergunta, ó pre


ciso fazer urna distingáo, por falta da qual se tem propalado
o erro neste terreno. Haja vista, a titulo de ilustragáo, a afir
mado de A. Opárin, um dos biólogos materialistas da Rússia
mais em evidé,ncia :

«Os idealistas (= os nao-materialistas) sempre consideraran!, e


continuam a considerar, a vida manifestacáo de um principio espiritual
superior e imaférial: «alma», «espirito universal», «fórca vital», «razüo
divina», etc. .. Concorriíuam em afirmar que o Sar supremo, Dous, insu-
ílou urna alma viva a carne; inanimada o ¡norte c que osla parcela
eterna da Dlvindade é o vivo, o que move o ser e o mantém com vida...
A vida é urna manifestado da Divlndade* (A origem da vida, tradu-
Cao portuguesa. Rio de Janeiro 1956, 8).

Tais afirmagóes, principalmente nos trechos grifados poí


nos, se baseiam em lamentável confusáo, infelizmente muito
comum. Para desfazé-la, note-se que a Filosofía e a fé crista
distinguem tres tipos de vida :

a) a vida vegetativa:. própria do vívente que assimila


(úu que se alimenta), cresce e se multiplica por geragáo, mas

— 268 —
A PRODUCAO DA VIDA EM LABORATORIO

nao tem conhecimento algum ; tal é o caso das plantas ;

b) a vida sensitiva: é a dos viventes que, além das fun-


góes vegetativas, possuem conhecimento. Só conhecem, porém,
objetos materiais, determinados por quantidade, extensáo, cor,
sabor, cheiro, temperatura, enfim, pelas notas que caem sob
os sentidos ; tais sao os animáis irracionais ;
c) a vida intelectiva : é a do vivente cujo conhecimento
penetra além dos objetos sensiveis ; abstrai das .notas concre
tas, materiais, que caracterizam Pedro, Paulo, Joáo, ou esta
casa, t\sta árvoro.. . o aprecndc os caracteres essenciais, aquilo
que se verifica indistintamente em todos os horneas, em todas
as casas, em tóelas as árvores... O vívenle intelectivo é capaz
de conhecer e amar o bem universal, infinito, nao apenas éste
ou aquéle bem limitado. — Éste grau de vida se verifica nos
homens.
Feita esta distinc.áo, a Filosofia ensina que a vida vege
tativa e a sensitiva dependem de um principio vital material;
éste é eduzido ou procedente da materia mesma no ato em
que o novo vivente (planta ou animal irracional) ó gerado ;
e 6 absorvido pela materia quando a planta ou o animal irra
cional morrem, ou seja, qua.ndo a respectiva materia orgánica
deixa de oferecer a estrutura propicia ao exercício da vida
vegetativa ou sensitiva.
Quanto a vida intelectiva, já que suas atividados trans-
cendem os limites da materia (cí. «Pergunte e Respondere
mos» 5/1958, qu. 1 e 2), ela depende de um principio nao ma
terial, mas espiritual, que é chamado a alma intelectiva ou
alma humana. Esta, pelo fato de transcender a materia no
seu modo de agir, transcende-a também no modo como se
origina: nao pode provir da materia, mas é diretamente criada
por Deus e infundida ao corpo.
Sendo assim, nao hú dificuldado, num por parto da Filo
sofia nem por parte da fé crista, em se admitir que a vida
vegetativa e a sensitiva sejam produzidas artificialmente em
laboratorio. Embora nao se possa indicar precisamente em
que consiste a vida, sabe-se com certeza que as funcoes vege
tativas e sensitivas nao ultrapassam o setor da materia; por
isto, pode-se aceitar que sejam mero produto de reagóes físi
co-químicas. — A vida intelectiva, porém, nunca poderá ser
obtida em laboratorio por reacóes de elementos materiais,
pois que ela ultrapassa as facuidades da materia; por conse-
guinte, na mais otimista (diríamos quase : utópica, visto que
se trata de experiencia extremamente complexa) das hipóteses

— 269 —
*PERGUNTE E RESPONDEREMOS.* 7/1958, qu. 1

admitir-se-ia que os cientistas produzam sintéticamente um


corpo ou um embriáo humano inanimado, em tubo de ensaio;
nunca, porém, poderáo coagir o Criador a infundir urna alma
espiritual a essa materia.

Na base dos dados ácima, verifica-se que em absoluto


nao há oposigáo entre criagáo e evoluoáo; esta nao derroga
a existencia de Deus. Com efeito; o criacionismo nao ensina
que Deus tenha criado os seres tais como hoje os vemos.
A rigor, o criacionismo requer apenas dois atos criadores de
Deus na producáo dos seres : o primeiro consistiu em criar
a materia; osla .nao ó eterna, Deus a fez do nada, em estado
primitivo ou bruto (se quisermos), e a lera dolado das leis
de evolugáo, deixando que, por efeito destas, a materia tenha
atingido sucessivamente o estado dos -minerais inanimados e
o dos seres animados (vegetáis e animáis irracioriais). O se
gundo ato criador de Deus terá tido lugar, quando a materia,
hipotéticamente posta em evolucáo, atingiu o grau de comple-
xidade de um corpo humano, lornando-se sede apta da vida
racional; nessa fase da evolucáo, Deus terá tirado do nada
urna alma espiritual, humana, a fim de a infundir á materia,
dando assim origom ao primeiro homem.

Como se entende, o ato de criar urna alma humana se


repete todas as vézes que, no decorrer dos tempos, vem novo
ser humano ao mundo (o Santo Padre Pió XII inculcava aínda
recentemente esta doutrina, ,na encíclica «Humaiü gencris»;
cf. A. A. S. 42 [1950] 575s).
Salvas as duas intervengóes criadoras ácima indicadas,
nem a Teología nem a Filosofía se opóem a qualquer teoría
evolucionista que seja, nem mesmo á que admita a transicjko
natural da materia inanimada para o grau de materia dotada
de vida vegetativa e sensitiva (fazemos notar que, lembrando
estas duas exigencias mínimas do criacionismo frente á evolu-
gáo, de modo nenhum entendemos insinuar alguma das teorías
debatidas entre as escolas sobre o assunto).
Á luz das idéias precedentes, vé-se quáo vas sao as afir-
magóes dos materialistas (das quais algumas foram ácima
transcritas) conforme as quais os cristáos associam sempre
vida a «principio espiritual» ou «espirito» (como se nao dis-
tinguissem entre vida vegetativa e vida sensitiva, de um lado,
e vida intelectiva, de outro lado); os cristáos, segundo dizem,
chegariam a atribuir a vida a urna parcela da Divindade encar
nada no corpo humano e manifestada por éste (como se a natu-
reza divina se pudesse retalhar)!

— 270 —
A PRODUCAO DA VIDA EM LABORATORIO

2. Algumas premissas históricas

A posigáo que tomamos ácima diante da questáo da pro-


dugáo da vida em laboratorio talvez cause espanto aos cristáos,
pois parecerá ¡novadora ou revolucionaria; comumente lé-se na
literatura religiosa contemporánea a tese de que a vida, já em
seu grau vegetativo, se deve a um ato criador de Deus. Na
verdade, esta afirmagáo é que deve ser dita relativamente re
cente na historia do Cristianismo; ela se deve a urna atitude da
Apologética crista dos últimos sáculos.

Com efeito; os medievais, seguindo urna sen lenca do filósofo


grego Aristóteles (f 322 a.C), admitiam a «geragáo espon
tánea», ou seja, que certos animáis imperfeitos (vermes, insetos
e até camundongos) se originassem da materia em putrefagáo.
Aos poucos, porém, esta tese foi sendo comprovada falsa pelas
experiencias de Redi (1668), Spallazani (1765) e Pasteur
(1860); após os trabalhos déste último, ficou definitivamente
assegurado que mesmo as bacterias microscópicas provém de
bacterias preexistentes, e nao da materia anorgánica. Ora, os
apologistas cristáos acolheram com particular prazer os resul
tados destas experiencias, pois lhes pareciam infligir um golpe
ao materialismo e ao ateísmo, exigindo a existencia e a inter-
vengño do um Deus Criador para explicar a origem da vida,
mesmo em seu grau ínfimo (vegetativo). É de notar outrossim
que, enquanto o setor da vida ia sendo indiretamente mais e
mais relacionado com Deus por meio das experiencias dos den
tistas, os setores da materia inanimada (principalmente a Física
e a Astronomía) iam sendo pelos estudiosos como que «laiciza
dos» ou aparentemente emancipados de Deus. Sim; desde o
séc. XVII Descartes, Newton, Laplace e os físicos posteriores
foram descobrmdo as leis que regem os movimentos dos corpos;
muitos fenómenos da natureza foram conseqüentemente explica
dos sem que fósse preciso recorrer, como outrora se fazia, á
intervengáo continua de Deus e dos anjos no mundo; alguns
racionalistas dos séc. XVTI-XIX afirmavam mesmo nao ser ne-
cessário admitir a existencia do Todo-Poderoso depois dos re
centes progressos das ciencias. Em reagáo contra tal «laiciza-
gáo» da Física, os apologistas cristáos passaram a dar especial
énfase (énfase ainda hoje vigente) á tese de que ao menos (mas
certamente) á Biología em qualquer dos seus ramos (mesmo
na Botánica) atesta e requer a existencia do Criador. — Apoia-
dos nessa concepgáo, tais autores dividiram o universo em dois
grandes reinos: o da materia inanimada e o da vida, dois reinos

— 271 —
"PKRGUNTK K RESPONDEREMOS.» 7/195S, qu. 1

entre os quais nao haveria transigáo possivel por via natural,


devendo-se, pois, cada um déles a urna especial intervengáo de
Deus Criador. Tal tese era nova na historia do pensamento
cristáo, visto que os medievais admitiam hiato intransponivel
nao entre o reino dos seres náo-vivos e o dos viventes, mas entre
MATERIA (todas as substancias extensas, desde o corpo hu
mano até o elemento químico mais sutil) e ESPIRITO (a alma
humana, os anjos, Deus); para os medievais, todas as vézes
que se tratasse de explicar a origem da vida espiritual ou inte
lectiva, dever-se-ia admitir especial intervencáo do Criador,
intervencáo quo oles nao exigiam para explicar o surto da vida
vegetativa o sensitiva.

Eis em esquema como se deslocou o ponto de vista :

Concepgáo tradicional Concepcáo apologética


recente

ESPIRITO : sempre vivo


VIDA : setor cujos ele
no grau intelectivo.
mentos (desde o proto-
zoário até os viventes
superiores) parecem
dever sua origem a es
pecial intervengáo do
animada, (sensitiva Criador.
MATERIA INANIMA
viva [vegetativa
MATERIA DA : setor «laicizado»
(segundo pensavam
inanimada muitos no séc. XVIII).

As consideragóes ácima dáo suficientemente a ver que a


posigáo recente nao é própriamente ditada por principias filosó
ficos ou teológicos, mas antes por urna tendencia apologética
assaz contingente e dispensável: pode-se muito bem conceber
que Deus exista sem se afirmar que interveio especialmente na
origem do primeiro vivente vegetativo. É por isto que hoje em
dia por parte dos teólogos católicos nao se faz dificuldade 'á tese
de que a vida nao espiritual (.nao intelectiva), mas meramente
vegetativa e sensitiva, possa ser produto da materia posta em
evolugáo. De resto, Pasteur jamáis teve em'vista resolver de
maneira definitiva a questáo filosófica das relacóes entre mate
ria inanimada e vida; apenas considerou o problema da geragáo
espontánea tal como ele se punha em conseqüéncia das expe
riencias e das teorías dos biologistas seus predecessores e

— 272
EM QUE CONSISTE A TRAPICHO

contemporáneos; a ¡.ntengáo de Pasteur foi apenas demonstrar


que a geracáo espontánea, tal como era apregoada por estes
cientistas, de fato nao se dava nem dá.

II. DOGMÁTICA

E. S. T. (Rio de Janeiro):.

«Em que consiste a Tradicao ?»

A Igreja Católica admite dois cañáis pelos quais se trans


mite o depósito da fé : a Escritura Sagrada e a Tradigáo divino-
-apostólica; esta, nao necessáriamente consignada em docu
mentos literarios, mas sempre transmitida por via oral. A au-
tenticidade déste segundo canal sendo nao raro controvertida
(tradigáo, na linguagem cotidiana, significa por vézes lenda ou
produto da imaginacáo), propomo-nos estudar o significado
que lhe compete, assim como aigumas premissas de historia que
concorrem para ilustrá-la.

1. Significado e valor da Tradicao

1. Sabe-se que Jesús Cristo nada deixou escrito nem se


preocupou com a redagáo de seus ensinamentos (a escrita nao
era veículo habitual do magisterio entre os antigos, pois que
constituía urna arte dispendiosa e difícil). Apenas mandou aos
Apostólos, fóssem pregar pelo mundo e se tornassem testemu-
nhas da verdade; cf. Mt 10, 7; 28, 18-20; Me 16, 15.

Os Apostólos e seus discípulos empreenderam, sim, escrever


alguma coisa dos ditos e feitos do Divino Mestre, sem, poiém,
visar expor todo o depósito dos ensinamentos de Jesús, como
éles mesmos declararam (cf. Jo 20,32; 21,25; 2 Tes 2,15). Con-
signaram por escrito apenas aspectos fragmentarios da vida e
da doutrina de Jesús, atendendo a necessidades esporádicas das
comunidades cristas ou da catequese. Déste fato se seguem aigu
mas conseqüéncias importantes :

a) muitos auténticos ensinamentos de Cristo ficaram


no magisterio meramente oral dos Apostólos e de seus suces-

— 273 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 2

sores, sem jamáis passar para a Escritura Sagrada. Consti-


tuem assim o que se chama a «Tradigáo divino-apostólica», a
qual conseqüentemente é genuína fonte de fé : genuína, incor
rupta .... porque Cristo prometeu assistir aos Apostólos e a seus
sucessores no magisterio (cf. Mt 28, 20) e lhes assegurou a guia
do Espirito Santo, que os confirmaría em toda verdade (cf. Jo
14, 16.26; 16,10). — Nessa genuína fonte de fé (note-se bem)
poder-se-áo encontrar nao sómente verdades equivalentemente
professadas pelas Escrituras, mas também verdades nao explí
citamente contidas na Biblia; de fato, seria contrario á própria
índole da Sagrada Escritura querer afirmar que os Apostólos,
embora níio livessem a intoix'áo de? expor toda a doutrina revo
lada, de fato a consignaran! integralmente na Biblia;

b) a Biblia só poderá ser lida e explicada auténtica


mente a luz do depósito oral que a precedeu e que é a grande
fonte donde os escritores sagrados tiraram o material histórico-
-dogmático que éles redigiram. Ésse depósito meramente oral
continuou a ser transmitido ininterruptamente e incontaminado
(em virtude da prometida assisténcia de Cristo e do Espirito)
até hoje, identificando-se com a voz oficial dos sucessores dos
Apostólos ou com o ensinamento da Igreja. É esta, portante,
quem, haurindo de um cabedal mais antigo do que a própria Es
critura, é apta a interpretar as Escrituras. Haja vista a questio
básica do catálogo dos livros bíblicos : qual o criterio para se
saber se um livro é ou nao é inspirado ou fonte de fé? Nao há
outro indicio senáo o testemunho da coletividade dos cristáos;
esta, guiada pelo Espirito Santo, á medida que a literatura crista
ia surgindo, tomava consciéncia (ora mais cedo, ora mais tarde)
de que tal ou tal escrito era inspirado e, por isto, merecedor de
ser agregado^ colecáo cfós livros sagrados, ao passo que a mes-
ma consciéncia crista rejeitava outros escritos como espurios
ou apócrifos. Nunca ésse testemunho foi consignado por escrito
antes do séc. IV. Quando em 393 um concilio regional reunido
em Cartago definiu pela primeira vez a lista dos livros sagrados,
foi a Tradigáo oral, anterior aos escritos bíblicos, quem falou
por ésse sínodo; o concilio nao era um novo órgáo de ensina
mento dentro do Cristianismo (órgáo criado simplesmente pelos
homens da Igreja), mas era, ao lado das Escrituras, outra ex-
pressáo do depósito de verdades que Cristo e os Apostólos trans-
mitiram verbalmente ás geracóes cristas (cf. «Pergunte e Res
ponderemos» 5/1958 qu. 4 e 5). O seguinte esquema pode ilus
trar o que acaba de ser dito :

— 274 —
EM QUE CONSISTE A TRADICAO

A REVELACÁO

e conservada na integra fora e ao lado das


Escrituras, exprimindo-se pelo magisterio
oficial da Igreja (ensinamento comum dos
bispos, declaragóes dos concilios universais,
definicóes dos Sumos Pontífices).

É COMUNICADA

consignada parcelariamente ñas


lísorihiras, as quais, [)or conse-
guinte, recebem luz do ensina
mento oral que as acompanha.

ORALMENTE

e conservada na íntegra fora e ao lado das


Escrituras...

POR CRISTO

2. Vejamos agora se estas considerares encontram esteio


na Escritura Sagrada mesma.
Nao há dúvida, a própria Biblia atesta a existencia de
auténtica Tradieáo oral, da qual ela se originou e da qual recebe
sua interpretacáo. Tenham-se em vista, por exemplo, as seguin-
tes passagens :

a) em 2 Tes 2,15 Sao Paulo exorta :

4-Assim, pois, irmfios, permanecen firmes <■ guardai as tradicoes


< paradoseis, em grego) que recebestes, seja de viva voz, seja por carta
nossa (cite dia logtm eite dt'epistolóes hemóon)».

No caso, o Apostólo nao apenas exorta a guardar as tra-


dicóes, mas explica que, quer escritas, quer oráis, elas tém igual
autoridade, desde que provenham do Apostólo;

b) em 1 Cor 11,2 lé-se em termos semelhantes outra


alusáo as tradigoes :

«Eu vos louvo por guartlardes as tradicóes tais como eu vó-las en-
treguei (kathons parédokn hymin, tas paradóseis ka(écliete)».

— 27:3 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958. qu. 2

c) particularmente enfáticos sao os textos de Sao Paulo


a Timoteo :

«Sei em quem acreditei... Toma por norma as sus palavras que


ouviste de mim, na íé e no amor do Cristo Jesús. Guarda o bom de
pósito (parathéken) com o auxilio do Espirito Santo que habita em
nos* (2Tim 1, 12-14).

Nesta passagem o Apostólo emprega um termo técnico da


linguagem jurídica de seu tempo, o qual é altamente significa
tivo : paralliéke. Esto vocábulo designava um tesouro confiado
pelo respectivo proprictário aos cuidados de um amigo, o qual
se obrigava em consciéncia a guardá-lo e restitui-lo; nao era
lícito ao depositório utilizar tal tesouro em seu proveito pessoal
ou segundo seu bel-prazer. O ato de depositar pressupunha
confianca da parte de quem entregava seus bens e exigia fide-
lidade absoluta da parte de quem os recebia; severas penas eram
infligidas a quem violasse tais normas. Era esta a cancepgáo de
«depósito» vigente tanto entre gregos e romanos como entre
judeus; atribuiam mesmo índole e autoridade religiosas á legis-
lacáo concernente ao depósito. Alguns autores antigos chegavam
a equiparar a religiáo (com suas crengas e práticas) a um depó
sito (parathéke) entregue pela Divindade aos homens, depósito
que os fiéis deviam conservar ciosamente, sem o ousar retocar
em ponto algum (cf. Ranft, Der Ursprung des katholischen Tra-
ditionsprinzips. Wuerzburg 1931).
Pois bem. No texto de Sao Paulo ácima citado vé-se que o
depósito cristáo sao as palavras de doutrina que o Apostólo
fez ouvir a Timoteo, e que Paulo, por sua vez, recebeu de Cristo;
esboca-se entáo a linha pela qual passa o depósito :

CRISTO > PAULO > TIMOTEO

(o qual receben
suas palavras do
Pal, como Ele
mesmo afirma
em Jo 8,28.40)

d) A linha continua..., conforme 2 Tim 2,2 :

«E, o que ouviste de mim em presenca de muitas testemunlias,


coníia-o (ou deposita-o, parathou, forma verbal derivada da mesma
raíz que parathéke) a homens fiéis, que sejam capazes de o ensinar
ainda a outros*.

— 278 —
EM QUE CONSISTE A TRADICÁO

Tem-se conseqüentemente a seguinte sucessáo de deposi


tarios :

O PAI > CRISTO > PAULO (OS APOSTÓ


LOS) > TIMOTEO (OS DISCÍPULOS IMEDIATOS
DOS APOSTÓLOS) > OS FIÉIS > OUTROS
(FIÉIS)

Desta forma a Escritura mesma atesta a existencia de


auténticas proposicóes doutrinárias de Cristo a ser transmiti
das por via meramente oral de geragáo a geracáo, sem que os
cristáos tenham jamáis o direito de as menosprezar ou, como
quer que seja, retocar. Éste depósito oral ehejíou ató a Kcrac.no
presente e é expresso pela voz oficial da Igreja.

e) Na epístola aos Hebreus, a mesma concepeáo é profes-


sada com nao menor clareza; o escritor, que pertence á geracáo
seguinte á dos Apostólos (nao é Sao Paulo mesmo), traga por
sua vez o roteiro da Tradicáo oral :

«... a mensagem salutar, anunciada primeiramente pelo Senhor,


nos foi seguramente transmitida por aqueles que a ouvirarm (2, 3).

A serie de transmissores seria :

O SENHOR > OS TESTEMUNHAS AURICULA


RES > NOS, QUE OUVIMOS DÉSTES.

f) Voltando as epístolas pastorais, encontramos mais urna


vez a idéia do depósito de doutrina oral a ser fielmente preser
vado e transmitido :

«O' Timoteo, guarda o depósito (parethéken); evita os discursos


vaos e profanos e as objecóes de uma falsa ciencia; por ter professado
a esta, alKuns erraram na fóv (1 Tim 6,20s).

Neste texto Sao Paulo opóe seus ensinamentos (dados


oralmente a Timoteo, como é obvio) a discursos ¡novadores,
fazendo da guarda do ensinamento oral a condicáo para que o
discípulo nao naufrague no erro.

g) em 2 Tes 2,5s Sao Paulo apela para o ensinamento oral


que deu previamente aos seus leitores e, em conseqüéncia, dis-
pensa-se de escrever muita coisa sobre a segunda vinda de
Cristo.
Em conclusáo, os textos citados mostram a Escritura
mesma a recomendar as subseqüentes geracóes o respeito má-

— 277 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 2

ximo á tradigáo oral que a antecedeu e ininterruptamente a


acompanha.

3. Passando agora aos testemunhos dos antigos escrito


res cristáos, verificamos que, embora tivessem em máos todos
os livros do Novo Testamento, nao desprezavam, mas, ao con
trario, continuavam a estimar, como fonte primordial da fé, a
Tradigáo oral. Seja mencionado em primeiro lugar Papias
(v cérea de 130), bispo de Hierápolis na Asia Menor :

«Caso viesse alguém que tivesse convivido com os presbíteros,


ou procurava saber os ditos dos presbíteros, isto ó, o que haviam en-
sinado Andró, Pedro, Kiüpe. Tomó, Tiagn, JoAo, Mal cus ou mil ros dos
discípulos do Sciihor... Kstava convencido ile que da leitura dos livros
nao retiraría tanto proveito quanto da voz viva e permanente» (frag
mento citado por Eusébio, Historia da Igreja 3.39).

E Papias conhecia bem os Evangelhos escritos, como o


demonstram as referencias que a éles faz em seus escritos.

S. Ireneu (f 220) é muito explícito no seu testemunho :

«Se os Apostólos nada tivessem deixado escrito, dever-se-ia igual


mente seguir a ordem da Tradigáo por éles confiada aos dirigentes da
Igreja. Éste método ó seguido por muitos povos bárbaros que créem em
Cristo. Sem papel e sem tinta, estes trazem inscrita em seus coragóes
a salvacáo por obra do Espirito Santo; conservam fielmente a antiga
TradieAo ••• (Adv. hner. 3, 4, 2, cd. Migue f*r. 7,855».

Naturalmente, pode haver trudigocs meramente humunus,


que deturpem o depósito sagrado. Existem, porém, criterios para
distingui-las das auténticas tradigóes; estas

1) referem-se únicamente á fé e aos costumes (pois nao há


outro objeto da Revelagáo divina); por conseguinte, proposigóes
de cosmologia,_.biologia e ciencias naturais em geral, afirmadas
repetidamente pelas geragóes cristas, carecem da autoridade
do depósito da fó, embora os antigos, mediante unía exegese
deficiente, julgassem que eram abonadas pela Escritura
Sagrada;

2) sao universais, isto ó, sempre e em toda a parte esti-


veram em vigor, segundo a fórmula de Vicente de Lerins
(t 450): «Na Igreja Católica é preciso dar grande cuidado a
que guardemos aquilo que em toda a parte, sempre e por todos
tem sido acreditado» (Commonitor. 2, ed. Migne lat. 50,640).
Era principalmente por recurso a éste segundo criterio que
os antigos Padres da Igreja julgavam as novas teorías ou as
interpretagóes da Revelagáo propaladas em tal ou tal re-

_ 278 —
EM QUE CONSISTE A TRAPICHO

giáo (Gnosticismo, Montañismo, Arianismo...): pediam aos


inovadores que demonstrassem estar em contato com os Apos
tólos através dos tempos e provassem que transmitiam urna
doutrina sempre ensinada e reconhecida pelos cristáos em geral.
Caso se comprovasse, ao contrario, que as teses discutidas
jamáis tinham sido propaladas antes de determinada época e
eram apanágio de um grupo de cristáos apenas, tais teses eram
tidas como aberrantes ou heréticas.

2. Algunas (r(»iisi<lcra<,ocs de onlem histórica

Urna das principáis razóes por que o homem moderno


concebe dificuldades para aceitar a tradigáo meramente oral
como regra válida, é o fato de que as instituigóes modernas,
desde a época de sua fundagáo, costumam ter seus estatutos
escritos, os quais definem com precisáo a orientagáo doutri-
nária e disciplinar da respectiva ¡nstituigáo; quem formula os
estatutos se empenha por incluir néles tudo que deva ser obser
vado como norma, de sorte que fora do código escrito nada
pode haver de importante para a configuracáo de tal sociedade.
Tal praxe é possivel (e só se tornou possivel) após a descoberta
da impivnsn por Gutonhci'K (v 1468). Antes disto, quanto mais
se retrocede tía sórie dos séeulos, ttinto mais .se verifica que tal
praxe era inexeqüivel, pois a escrita constituía urna arte difícil,
mormente .nos tempos anteriores e ¡mediatamente subseqüentes
a Cristo : o instrumento apto para ensinar e legislar devia forzo
samente ser a palavra oral.

Os historiadores ensinam que principalmente no setor da


religiáo o ensinamento oral foi sempre grandemente estimado.
Com efeito, sendo a religiáo um fenómeno muito untigo, veri-
fica-se que cada um dos grandes sistemas religiosos da huma-
nidade depende de um patrimonio doutrinário transmitido de ge-
racáo a geracáo por via meramente oral, depósito oral que, em
época tardía e em virtude de necessidades mais ou menos aci-
dentais, foi parcialmente (nao por inteiro) consignado em livros
sagrados; em certas religióes os fiéis se negaram sempre a escre-
ver algumas de suas proposigóes mais caras. A tradigáo oral é,
pois, elemento essehcial de todas as crengas religiosas, elemento
que, mesmo após a redagáo dos códigos sagrados, continuava a
ser auscultado com carinho. Em suma, cada urna das grandes
religióes é mais antiga do que seus respectivos livros sagrados.

— 279 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 3

Chama a atencáo, por cxemplo, nos escritos oficiáis dá primitiva


religiáo chinesa (de que se derivaram o Taoísmo e o Confucionismo), a
fórmula assaz freqüente : «Eu ouvi...».

Para assegurar a fidelidade na transmissáo oral de suas


crengas, os antigos costumavam, de um lado, disciplinar a me
moria e, de outro lado, redigir as suas sentengas sob forma de
frases breves, ritmadas ou cantantes, o que muito facilitava a
aprendizagem de cor.
Pois bem; foi no mundo habituado a proceder desta forma
que o Filho de Deus anunciou o Evangelho. A Revelagáo ou o
depósito do fó do Cristianismo foi, por conseguinte, transmitido
aos homens pelas vias comiuis do magisterio de outrora : pala-
vra oral parcialmente cristalizada na palavra escrita em oca-
sióes esporádicas.
A titulo de ilustracáo, vai aqui transcrito um trecho das chama
das «Recognitiones Clementinae», romance cristáo oriundo provável-
mente no séc. III.'O episodio, embora seja ficticio, é contudo ótima ex-
pressáo de quanto as primeiras geragóes cristas estimavam a pala
vra oral :

«Ao despontar do dia que íóra escolhido para a disputa com Si-
máo (Mago), Pedro (Apostólo), levantando-se aos primeiros cantos do
galo, despertou também a nos; todos juntos éramos treze a dormir
no mesmo aposento... Á luz da candeia... .sentamo-nos todos; Pedro,
vendo-nos alertas e bem atentos, saudou-nos e comecou sua alocucáo:
'É surpreendente, irmáos, a elasticidade de nossa natureza, a qual
me parece ser adaptável e maleável a tudo. Digo-o apelando para o que
eu mesmo tenho experimentado. Logo depois da meia-noite, costumo
acordar-me espontáneamente e nao consigo mais conciliar o sonó. Isto
me acontece porque me habituei a evocar em minha memoria as pala-
vras que ouvi de meu Senhor (Jesús Cristo); desejoso de as revolver no
espirito, incitei o meu ánimo e a minha mente a se despertarem, a finí
de que, em estado de vigilia, recordé cada palavra de Jesús em particular
e as guarde todas ordenadamente na memoria. Já que desejo com pro
fundo deleite meditar no meu coracao as palavras do Senhor, adquirí
o hábito de íicar em vigilia, mesmo que nada, fora déste intento, me
preocupe o espirito'». (Ps. — Clem. II1, ed. Migne gr. 1, 1247-9).
Éste texto nao nos interessa pela sua narrativa como tal, mas
antes por pressupor que de fato os antigos cristáos estimavam extraor
dinariamente a decoracáo e a repeticáo industriosas (auxiliadas por
métodos mnemotécnicos) das palavras do Divino Mestre. Tal mentali-
dade só podía atribuir ao ensinamento escrito valor subordinado.

S. A. (Rio de Janeiro) :
3) «Jesús nao terá condenado a Tradigáo em Mt 15, 1-9;
Me 7, 1-13?»
Eis aqui o texto de Sao Marcos (7,1-9), que é o mais explí
cito (tradugáo de Ferreira de Almeida) :
«E ajuntaram-se a Jesús os fariseus e alguns dos escribas que
tinham vindo de Jerusalém. E, vendo que alguns dos seus disclpu-

— 280 —
TRADICÁO E EVANGELHOS

los comiam pao com as máos impuras, isto é, por lavar, os repreen-
diam. Porque os fariseus e todos os judeus, conservando a tradigáo
dos antigos, nao comem sem lavar as máos muitas vézes; e, quando
voltam do mercado, se nao sé lavarem, nao comem. E muitas outras
coisás há que receberam para observar, como lavar os copos e os jarros
e os vasos de metal e as camas.

Depois perguntaram-lhe os íariseus e os escribas : 'Porque nao


andam os teus discípulos conforme a tradicáo dos antigos, mas comem
o pao com as máos por lavar?" E ele, respondendo, disse-lhes : 'Bem
profetizou Isaias acerca de vos, hipócritas, como está escrito : Éste
povo honra-me com os labios, mas o seu coragáo está longe de mim;
em váo, porém, me honram, ensinando doutrinas que sao mandamentos
tío homons. Porque, deixandn o manrlnmcntn <lc Deus, relendes a Ira-
digao dos homons, cuino o lavar dos jarros o (los copos, o fazeis muitas
outras coisas semelhantes a estas'. E dizia-lhes : 'Bem invalidáis o man-
damento de Deus para guardardes a vossa tradicáo'*.

Nao será preciso refletir muito sobre o texto para se per-


ceber seu significado. A resposta que Jesús dá aos fariseus
mostra que o Senhor de modo nenhum intencionou entrar no
tema do valor da Tradigáo como tal, mas voltou sua atengáo
exclusivamente para a Tradigáo como era cultivada pelos fari
seus. Cristo estava em presenga de adversarios que, cheios de
si, presumindo de sua sabedoria e justiga, nao desejavam ser
iluminados e' instruidos acerca das bases e do espirito da reli-
giáo. Por isto Jesús se limitou a mostrar que, no caso preciso
dos fariseus, o apego á tradigáo era reprovável, porque se tor-
nava motivo de derrogar aos preceitos de Deus, servindo de
capa 'á hipocrisia e a vontade própria. Ficou fora de discussáo
a questáo da autoridade da tradigáo nao farisaica.

Ora, justamente a Igreja reconhece haver tradigóes aber


rantes, entre as quais as que derrogam á Palavra explícita de
Deus ou concorrem para dissimular o pecado e o vicio.

III. SAGRADA ESCRITURA

MANSO (Rio de Janeiro) :

4) «Quisera ter provas de veracidade e da autenticidade


dos Evaugelhos».

Para proceder com método, distingamos entre autentici


dade literaria (ou do texto) e autenticidade histórico-doutrinária
(ou do conteúdo) dos Evangelhos.

— 281 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958. qu. 4

1. Autenticidade literaria

A questáo da autenticidade do texto dos Evangelhos que


hoje possuímos, nao provoca grandes dúvidas entre os estu
diosos.
Embora se tenham perdido os autógrafas (pois o frágil
material usado pelos escritores antigos nao era apto a resistir
á agáo do tempo), possuimos 2.300 manuscritos do texto grego
dos Eva.ngelhos e 1.500 lecionários (antologías) que contém a
mor parle dos quairo livros. Existem, alóm disto, quinze tradu-
góes antigás que, em caso de necessidade, podem auxiliar a re
constituir o texto original. O material, portanto, é copioso.
Os mais antigos désses documentos sao os papiros e, entre
estes, o primeiro por sua idade é o de n" 52, que data do inicio
do séc. II e apresenta o texto de Jo 18,31-33.37 f (note-se que
o Evangelho de Sao Joáo foi escrito nos últimos anos do séc. I).
Acha-se guardado em Manchester, ,na John Rylands Library.
Éste manuscrito, descoberto em 1934 no Egito, dá a ver que,
poucos decenios (os que correspondem aproximadamente á du-
ragáo do unía geragáo humana) após a redagáo de Jo na Asia
Menor, éste livro já era lido no Egito.
O valor de tais testemunhos ainda se torna mais evidente
se se considera o estado de conservacáo das obras dos autores
clássicos. Destas se possui as vézes um só manuscrito (ao passo
que dos Evasigelhos existem mais de dois milhares). Ademáis
o autor que melhor se pode conhecer é Virgilio (f 19 a.C);
ora, há um intervalo de 350 anos entre a morte déste poeta e o
mais antigo manuscrito do mesmo hoje conservado. Para Tito
Lívio (f 17 d.C), o intervalo correspondente é de 500 anos;
para Horacio (t 8 a.C), é de 900 anos; para Julio César
(t 44 a.C.) e Cornólio Ñopos (t 32 a.C), 1200 anos; para
Platáo (f 347 a.C.) e Tucídides (f 395 a.C), 1300 anos; para
Euripedes (f 407/6 a.C), 1600 anos!
Os diversos códices dos Evangelhos apresentam, sem dú-
vida, notável número de variantes; poucas, porém, afetam o
sentido do texto sagrado, sendo a maioria referente á ortogra
fía, á posigáo dos vocábulos na frase, ao emprégo de partículas,
á omissáo do artigo, etc.
Sendo assim, nao há quem seriamente ouse negar que o
texto dos Santos Evangelhos, como hoje o possuímos, seja
fidedigno transmissor do pensamento dos autores sagrados.
Feita esta verificacáo, pode-se abordar a questáo muito
mais importante da

— 282 —
AUTENTICIDADE DOS EVANGELHOS

2. Autenticidade histórico-doutrinária dos Evangelhos

Pode-se dizer que até o séc. XVIII nao se punha o problema


da fidelidadé histórica dos Evangelistas. No séc. XVIII, porém,
teve surto a onda moderna de crítica aos livros sagrados, susten
tada por diversos sistemas filosóficos (iluminismo, deísmo, kan
tismo, hegelianismo...).

1. As diversas sentengas arquitetadas para explicar de


maneira nova a origem dos Evangelhos, diminuindo ou ne
gando a veracidade dos mcsmos, podem-se reduzir a dois tipos
principáis :

a) a teoría do personagem histórico aureolado em mito ou


cndeusado,

b) a teoría do mito projetado na historia (no primeiro


caso, passa-se da historia real para urna idéia falsa; no segundo,
de u'a mera idéia para urna historia falsa).

Examinemos sucessivamente essas duas teorías.

a) A primeira tendencia dos críticos foi a de elimina" dos


Evangelhos tudo que lhes parecía sobrenatural ou milagroso
(pois de antemáo consideravam estes elementos impossíveis).
Jesús, por conseguinte, teria sido personagem realmente histó
rico, mas mero homem... Alguns autores conceberam o Naza
reno como famoso agitador popular, o qual tentou contra os
romanos urna revolueáo malograda, mas nao obstante foi tido
por seus discípulos como herói (tese de H. S. Reimarus, t 1768).
Outros O tiveram na conta de taumaturgo popular, que, utili
zando fórcas e segredos meramente naturais, fazia curas apa
rentemente extraoi'dinárias, parecía caminhar sobre as aguas,
multiplicar páes, etc. (H. E. G. Paulus, t 1851). Um terceiro
grupo considerava Jesús como profeta que se julgava Messias,
Salvador do povo ou «Filho de Deus»; sua doutrina, a principio
inspirada por fontes judaicas, teria sido pelas geragóes segui.ntes
mesclada com «dogmas helenistas» (A. v. Harnack, v 1930).
Urna sentenca afim a esta é a dos «Escatologistas» : Jesús ha-
verá sido empolgado por extraordinario sentimento religioso,
crendo erróneamente que em breve o mundo se renovaría pela
irrupeáo estrondosa do «Reino de Deus», de que ele seria o
arauto e herói (Loisy, t 1940; Guig.nebert, v 1939; Goguel).

Entre os negadores da Divindade de Jesús convém citar


em mengáo especial Ernesto Renán (! 1892), autor de famosa
«Vida de Jesús» (1863). Em estilo artístico e sedutor, um

— 283 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 4

tanto dado á poesía, apresentou Jesús como «doce profeta» ou


«encantador» (charmeur) de massas, cujo ambiente geográ
fico e histórico Renán procurpu reconstituir minuciosamente.
O livro, que conseguiu extraordinario sucesso em sua época, é
hoje tido como obra de diletantismo literario mais que de espi
rito científico; já nao pode ser levado a serio pelo estudioso
sincero.
O fato — dizem todos os fautores dessas idéias — é que
o homem Jesús, depois de morto, foi paulatinamente endeusado
pela crendice de seus discípulos, vindo a ser considerado como
Deus feito homem. Os Evangelhos seriam, a,ntes do mais, a ex-
pressáo das aspiracóes místicas das primeiras geragóes cristas,
deixando muito longínqua e pálida a figura real de Jesús.
Urna das modalidades mais recentes da teoría do endeusa-
mento aínda se poderia assinalar : é o chamado «Método da
historia das formas» (Formgeschichtliche Methode), que pro
cura distinguir nos Evangelhos «paradigmas, novelas e legen
das» acumuladas em torno de tenue núcleo histórico. Um dos
seus propugnadores mais famosos, o protestante Bultmann,
chega a falar da necessidade da Entmythologisierung ou «des-
mitologizagáo» do Evangelho!

b) As teses dos críticos ácima expostas foram por sua


vez criticadas. A maneira como eliminavam o sobrenatural ou
o milagroso das narrativas evangélicas, nao podia deixar de
parecer arbitraria; a figura histórica de Jesús que após ésses
cancelamentos os mencionados críticos ainda queriam admitir,
era urna figura manca, inconsistente ou até mesmo monstruosa,
urna figura tal que jamáis sobre ela se teria podido construir a
religiáo crista animada pela fé tenaz dos primeiros discípulos e
de vinte séculos subseqüentes.
Por isto, visando ser mais lógica, outra corrente de críti
cos preferiu negar por completo a existencia histórica de Jesús.
Alias, A. v. Harnack, racionalista liberal, já predizia que se daría
com os críticos dos Evangelhos o que acontece com urna crian?a
que se póe a arrancar as fólhas de um bulbo, julga.ndo final
mente encontrar um cerne ou o essencial no seu íntimo; verifica,
porém, que, após lancar fora a última fólha, nada mais conserva
ñas máos.
Depois dos ensaios ainda conciliadores de D. F. Strauss
(1835/6) e outros autores, apareceu finalmente em 1924 o do
médico francés P. L. Couchoud. Éste, rejeitando compromissos
mais ou menos arbitrarlos, escrevia : «Jesús nao é um homem
que tenha vivido e haja desaparecido no seio da morte. É apenas
um grande sonho dos homens, sonho constantemente vivo...

— 284 —
AUTENTICIDADE DOS EVANGELHOS

— em suma, um ser divino cujo conhecimento foi lentamente


elaborado pela consciéncia crista». O mito (ou a ficgáo religiosa)
do «Deus que morre e ressuscita», mito muito antigo ñas concep-
góes da humanidade, terá sido finalmente, no inicio da nossa era,
concretizado de maneira muito aparatosa por algumas coletivi-
dades judaico-cristás : estas, recorrendo a elementos religiosos do
Antigo Testamento, teráo imaginado a realizagáo désse mito na
figura de um pretenso Jesús de Nazaré; foi essa imaginacjáo,
dizem, que inspirou os Evangeihos, os quais nada tém a ver com
a realidade histórica. Couchoud chegava a profetizar em 1924 :
«Creio que por volta de 1940 Jesús terá passado inteiramente
do plano dos fatos matcriais para o das rcprescntacóes coletivas
de ordem mental» (isto é, será reconhecido como mero produto
da imaginagáo) (!).

2. Procuremos agora formular um juizo sobre os resulta


dos da critica moderna.

Parece que nao há mais nenhuma hipótese a tentar para


explicar os Evangeihos como livros cuja fidelidade histórica
deva ser parcial ou totalmente negada. A critica, criticando-se
a si mesma, esgotou paulatinamente todos os alvitres : para nao
afirmar, com toda a Tradigáo crista, que Jesús foi verdadeiro
Deus feito verdadeiro homem, ou se admite que tenha sido mero
homem endeusado ou se diz que Jesús nao é mais do que a cris-
talizagáo literaria de lendário vulto «divino».

Pois bem; uma e outra destas duas hipóteses se mostram


vas a mais de um título :

a) razáo de ordem geral: ambas as explicagóes ácima


supóem ou mentira fraudulenta ou engaño simplório por parte
das primeiras geragóes cristas, mentira ou engaño que teriam
dado origcm a éste fenómeno «Cristianismo», o qual já dura há
vinte sáculos. Ora, um tal fundamento se apresenta insuficiente
para explicar o Cristianismo, mormente se se tém em vista as
perseguicóes de que foram objeto os cristáos até 313. Nao fal-
taram aos discípulos de Jesús ocasióes para desistir de sua
crenga na Divindade do Senhor; té-la-iam de fato abandonado se
nao lhes fósse evidentemente imposta pela realidade ou se lhes
fósse sugerida pela mentira ou por uma alucinagáo coletiva.

b) Em particular, a tese do endeusamento de um mero


homem, Jesús de Nazaré, deve-se lembrar que éste fenómeno
só teria sido possivel dentro de consideravel espago de tempo;

— 285 —
yPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958. qu, 4

é geralmente á distancia que os homens e os acontecimentos


váo perdendo seus aspectos sombríos e tomando colorido pura
mente idílico. Ora, de* um lado, Jesús nos Evangelhos aparece
nítidamente como Filho de Deus, igual ao Pai (cf., p. ex., Mt 11,
27; Jo 8,51-58); de outro lado, hoje em dia já nao há quem nao
reconhega que os Evangelhos sinóticos (Mt, Me e Le) foram
escritos antes da destruigáo de Jerusalém ou, mais precisamente,
entre 50 e 63 da nossa era; foram escritos na base de documen
tos já redigidos anteriormente (passou-se a época em que os crí
ticos admitiam um intervalo de 100, 150 ou 200 anos entre a
niortc do Cristo e a redacáo dos Evangelhos). Ora, ao passo que
um ou dois sáculos constituiam o prazo oportuno para explicar o
endeusamento de mero homem, dois ou tres decenios já nao sao
suficientes para isto. Os Evangelhos se apresentam, antes, como
a repreducáo de um ensinamento oral concebido pelos Apostólos
desde a primeira' hora da catequese crista em Jerusalém; por
isto eram outrora chamados «Memorias dos Apostólos» (cf. Sao
Justino, y 185, Apol. 1,66; Dial. 103,8); se afirmam a Divindade
de Jesús, fazem-no porque esta pode ser observada e pareceu
comprovada aqueles que acompanharam a Cristo na térra. Aos
Apostólos e aos primeiros discípulos nao ficava margem para
inventarem algo ao referirem a vida de Cristo; se houvessem
recorrido a ésio expediente, toriam sido prontamente denuncia
dos como embusteiros, pois nao faltavam testemunhas da vida
de Cristo que, hostis a Jesús e a seus discípulos, estavam prontos
a rebater qualquer tentativa de mistificacáo; esta jamáis teria
passado impune. . . Também ó de crer que urna pregaciio falsa,
baseada na mentira, nunca teria conseguido abalar a populacáo
cética e comodista do Imperio greco-romano, induzindo-a a abra
car urna religiáo de moral táo exigente como era a do Cris
tianismo.

A teoria do endeusamento aínda se choca com outros obstá


culos, quais sejam :

a idéia de que Jesús pudesse ser filho de Deus, igual a


Deus, era alheia as concepgóes de Israel, que inculcavam a uni-
cidade do Senhor (Javé) nos termos mais rígidos possíveis;

a tese da encarnacáo de Deus era como que um contra-senso


para a mentalidade judaica; os Rabinos tendiam mais e mais
a sublinhar a distancia entre o Altíssimo e Eterno, de um lado,
e éste mundo* do outro;

— 286 —
AUTENTICIDADE DOS EVANGELHOS

a nocáo de um Messias ou Salvador padecentc na cruz era


muito estranha tanto aos judeus como aos pagaos antigos («es
cándalo e loucura», diz Sao Paulo em 1 Cor 1,23); por conse-
guinte, jamáis terá surgido das concepgóes dos homens do inicio
da era crista.

Sao estas as principáis razóes que levam a rejeitar a hipó-


tese de que a antiga comunidade crista tenha criado a figura
de «Jesus-Deus».

c) Quanto a hipótese do mito do «Deus que morre e res-


suscita», mito concretizado no vulto puramente literario de
Jesús, ela também lula com dificuldades dirimentes, como
sejam :

O quadro histórico cm que Jesús ó colocado pelos Evan


gelistas, apresenta pormenores muito condize.ntes com o que
se sabe por fontes da historia da civilizagáo. Ora, os mitos conhe-
cidos pela historia das religióes costumam ser enquadrados
dentro de épocas muito remotas da humanidade, épocas cujas
características já nao podem ser reconstituidas com precisáo
por quem os professa. Ao contrario, aqueles que escreveram o
que os críticos chamam «o mito de Jesús», teriam colocado a
figura de seu herói em época muito próxima aquela em que
escreviam, e teriam dado ao quadro histórico dessa época traeos
e coloridos demasiado minuciosos e realistas para poderem ser o
ncompanlinmenio do u'n mentira, trnc.os o coloridos bom sujeitos
a controle e, por isto, comprometedores para a subsistencia
do mito.

Tais pormenores sao, por exemplo, as alusóes dos Evange


listas as autoridades civis do Imperio Romano (cf. Le 2,ls;
3,1), "á vida económica e social dos judeus, até mesmo á ma-
neira de pagar os operarios (cf. Mt 20, 1-8), aos costumes de
festas nupciais (cf. Mt 25, 1-12), aos folguedos das mangas
ñas pragas públicas (cf. Mt ll,16s)...; sao também as refe
rencias ao ideal religioso e político dos judeus, á mentalidade
dos fariseus, dos saduceus, dos herodianos. Todas estas linhas
do quadro externo da Palestina desapareceram no ano de 70,
quando Jerusalém foi arrasada pelas tropas romanas; nao teria
sido fácil recompó-las com ta.nta vivacidade e coeréncia em
época tardía. É o que leva os críticos a reconhecer que os sinó-
ticos foram redigidos poucos decenios após a época que éles
assinalam á vida de Jesús (de 4/7 a. C. a 30/33 d. C), e foram
redigidos na base de observagóes de urna realidade genuina-
mente histórica.
De outro lado, as narrativas evangélicas da vida de Jesús

— 287 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 4

se apresentam geralmente esquemáticas e despretensiosas de-


mais para poder ser produto da imaginagáo de místicos idealis
tas : os Evangelhos sao múito sobrios ao se referir á infancia
e á adolescencia do Senhor, muito comedidos ao descrever os
milagres de Jesús e a maneira como Ele os realizava; as vézes
relatam pormenores que parecem contraditorios entre si e sus-
citam questóes exegéticas (haja vista principalmente o que diz
respeito as aparigóes de Jesús ressuscitado). Fazem-nos consi
derar também Jesús a se afligir e chorar, Jesús que parece estar
tora de si (cf. Me 3,21). Vé-se que nos Evangelistas nao havia
intengáo alguma de «idealizar», ou seja, de pintar urna figura
láo sclada polo maravilhoso quo só restaría ao leitor proslrar-se-
subjugado diante da sua mensagem; os Evangelistas pareciam
crer que possuiam a verdade, a qual se imporia por si mesma,
e que, por conseguinte, nao lhes seria necessário recorrer a arti
ficios para relatá-la, mas poderiam narrá-la com espontaneidada
simples.
É verdade, nao faltaram escritores dos primeiros séculos
que cederam ao desejo de idealizar o Senhor Jesús, suprindo as
lacunas dos Evangelhos canónicos; mas justamente os seus escri
tos, chamados «apócrifos», nao foram pela Tradigáo crista reco-
nhecidos como fidedignos.

3. Se inconsistentes se mostram as hipóteses dos críticos


negadores da autenticidade dos Evangelhos, só resta ao estu
dioso sincero reconhecer o valor da sentenga tradicional, que
tem estes livros por relatos verídicos da vida de Jesús Cristo,
Deus verdadeiro feito verdadeiro homem.

Naturalmente esta tese é, á primeira vista, ardua, porque


pressupoe a possibilidade, ou melhor, a realizagao, do sobrena
tural no decor^er da historia. Note-se, porém, que as teses dos
racionalistas, por sua vez, pressupóem algo que nao provam,
isto é, a absoluta impossibilidade do sobrenatural, da derrogagáo
das leis da natureza por parte do Autor do mundo. Negando a
fé no sobrenatural, professam outro tipo de fé : a fé na impossi
bilidade do sobrenatural. — Eis, porém, que o cristáo, baseado
em sua crenca, se eleva a urna compreensáo satisfatória do
Cristo e do Cristianismo; o racionalista, ao contrario, partindo
de seu postulado, se vé obrigado a professar auténticos absurdos,
justamente porque rejeita o que na verdade nao é absurdo. Des-
tarte verifica-se que nao sao própriamente as dificuldades lite
rarias nem as regras de interpretaqáo dos textos que levám os
autores a negar a veracidade dos Evangelhos (se fóssem estes
os verdadeiros motivos, haveria mais unanimidade de conclusóes

— 288 —
AUTENTICIDADE DOS EVANGELHOS

entre os críticos liberáis). Sao muito mais os principios déste ou


daquele sistema filosófico preconcebido que impelem tantos estu
diosos a rejeitar os livros sagrados.

4. Urna última observagáo ainda se impóe : os Evangelis


tas certamente nao intencionaran! redigir urna biografía de
Jesús no sentido moderno, completa e sistemática (cf. Jo 20,30;
21,35). Apenas reuniram dados concernentes a Jesús, com o fim
de fornecer a pregadores e discípulos um compendio de cate-
qucse. Em vista disto, selecionaram dentro o material quo encon-
Iraram, os elementos que melhor se prestavam a revolar a figura
de Jesús. Éssés elementos, éles os concatenaran! sem se impor
tar grandemente com as respectivas circunstancias de tempo e
lugar, mas visando principalmente a ordem sistemática, ou seja,
agrupando episodios e frases de Jesús referentes ao mesmo tema.

Tal finalidade catequética nao exclui a fidelidade -á historia.


Escolher os dados e dispó-los de modo a fazer sobressair a sua
mensagem religiosa nao implica alterar a verdade objetiva. Os
Evangelistas fizeram obra semelhante á de historiadores que es-
tudam, por exemplo, o Imperador Napoleáo : um déles se pro-
póe apresentá-lo principalmente como grande guerreiro e ge
neral, herói de campanhas; outro o mostra como homem político
e legislador; um terceiro descreve a vida íntima, os amores de
Napoleáo. Embora cada um désses escritores abranja apenas um
aspecto, um lado da figura do Imperador, nao deixa de ser his
toriador no sentido pleno da palavra...

Os leitores ¡mediatos sabiam que nao deviam procurar nos


Evangelhos historiografía como tal; tinham mesmo consciéncia
de que esta ai servia á comunicagáo de urna noticia de salvagáo
eterna; por isto o modo como os Evangelistas narravam a his
toria nao os induzia em erro. Nem, portanto, ao leitor moderno
deve causar embarago; apenas se pede que éste leía os Evange
lhos como os Evangelistas queriam fóssem lidos, nao como nos,
homens do séc. XX, lemos crónicas.

Um estudo muito sereno e de agradável leitura sobre a veracidade


dos Evangelhos é a obra de Jean Guitton, JESÚS, París 1957 (59" edicáo
em dois anos). Tradujo brasileira da Editora Itatiaia, Belo Horizonte.

._ 289 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 5

IV. MORAL

I. E. (Rio de Janeiro) :
o) «Pode haver u'a Moral leiga, isto é, sem Deus e sem
pecado?»

1. Hoje em dia tendem muitos autores, principalmente


em nome da psicanálise, a explicar o que se chama «pecado»
independentemente de Deus e Religiáo; o pecado seria mero
efeito do metabolismo patológico; o paciente, porém, lhe atri
buiría sentido religioso. A nocáo de pecado ó tida por ésses auto
res como residuo, na consciéncia moderna, de antipas concop-
góes supersticiosas ou infantis. Conseqüentemente, dizem, o
senso e o temor do pecado devem ser combatidos em nome da
higiene mental; deveriam ser tratados no setor da psicanálise,
nao no da Religiáo; doravante dever-se-ia ensinar u'a Moral sem
pecado, isto é, sem obrigacáo que envolva o senso de responsabi-
lidade do homem, Moral leiga, porque confinada ao plano me
ramente biológico.

2. Dianlo dessas teses, que dizer ?

Nao se pode .negar que o senso do pecado tenha repercus-


sóes no psíquico humano; será preciso, porém, reconhecer que
suas raizes váo alcm do plano meramente psicológico e fisio
lógico.
Que é entáo o pecado no seu sentido auténtico ou cristáo?

Á guisa de observacao preliminar, podem-.se citar as palavras milito


verídicas de Kierkegaard :
«O eonceito que estabelece diíerenga radical entre a índole do
Cristianismo e a do paganismo, é o pecado, a doutrina do pecado; por
isto, com milita*'lógica, o Cristianismo julga que nem o pagáo nem o
homem natural sabem o que 6 o pecado, e que é necessária a Reve-
lacáo para o ilustrar» (Tratado do desespero).

Com efeito. O pecado, para o cristáo, pressupóe urna ver-


dade aparentemente desconcertante aos olhos da natureza :
existe um Deus que é Amor, e o Amor que se comunicou em
primeiro lugar (cf. 1 Jo 4,8). Ésse Deus-Amor fez o homem
essendalmente destinado a aderir ao Criador. E a voz de Deus
que chama o homem a Si, está identificada com a natureza hu
mana, falando no mais íntimo de cada individuo mediante o que
se chama «a lei natural» ou «a consciéncia»; esta faz ouvir um
ditame geral a ser desdobrado e aplicado paulatinamente : «Faze
o bem; evita o mal».

— 290 —
MORAL SEM PECADO ?

Tal ditame e suas conseqüéncias (nao matar, nao rou-


bar, nao maltratar o próximo, cumprir os deveres de estado,
aliviar os miserias alheias, etc.) nao sao prcdutos contingentes
de urna civilizagáo ou de urna época, mas sao normas constantes
e universais. Em última análise, constituem o reflexo da infinita
santidade de Deus manifestada pela .natureza humana, santidade
que ó imutável. Por conseguinte, as categorías do bem e do mal,
tais como a consciéncia de todos os povos as discrimina, nao de-
pendem nem da moda nem dos homens nem de um decreto
arbitrario do Criador, mas do Sor eterno e imutável de Deus;
sao a parücipagáo dada ao homem, na retidáo imutável de Deus.

É por isto que a Moral crislü afirma haver ¡il.(,s humanos


que póem o homem em oposigáo direta a Deus; a perturbagáo
e a melancolía que ales acarretam para quem os comete (e que
primariamente chamam a atengáo do psicanalista), nao sao
.senáo conseqüéncias da ruptura da harmonia que deveria sempre
existir entre o homem e seu Criador. E é a ésses atos que na
linguagem crista se dá o nome de «pecados».

Entendo-sc que o pecado, violando a tendencia inata do


homem a Deus, possa afetar a alma, c, mediante esta, o corpo,
causando perturbagóes psicológicas e somáticas. A medicina e,
em particular, a psicoterapia poderáo ccncorrer para sanar o
mal, mas nao temo senáo papel complementar; aplicadas exclu
sivamente, ou seja, sem recurso á Religiáo, jamáis produziráo
a cura auténtica. Quem resiste á Lei de Deus nao encontrará
restauragáo da sua paz interior sem que se volte diretamente
para o Senhor, repudiando a infragáo cometida contra a Lei do
Criador.

É preciso, porém, frisar que essa Lei do Criador nao é


simplesmente um imperativo frió e anónimo; ó, antes, um cha
mado do Amor (de Deus) ao amor (do homem). O Cristianismo
significa encontró de Pessoa com pessoa, de filho com o Pai que
aü*ai e sorri, mais do que encontró de servo ou súdito com o Le
gislador que amedronta. A Lei, para o cristáo, é a necessidade
de responder ao Amor que se deu ao homem. E o pecado con
siste justamente em recusar essa resposta. Isto explica que o
santo, mais do que o pecador, tenha o senso da iniqüidade; es
tando mais próximo de Deus, compreende melhor que o pecado,
em última análise, nao é senáo a rejeigáo do Amor, rejeigáo que
se pode dar segundo matizes variadissimos, imperceptíveis aos
olhos de quem nao tem amor apurado.

— 291 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 7/1958, qu. 6 e 7

Do que acaba de ser dito, depreende-se que nao há Moral


sem pecado ou meramente leiga. Na verdade, o liame que prende
o homem a Deus, nao é adventicio, mas constitutivo da natureza
humana; o homém só pode existir como criatura intimamente
relacionada com o Criador; conseqüentemente, em qualquer de
seus atos ou ele se conforma á sua natureza e, mediante esta, a
Deus, ou ele se afasta de sua natureza e, mediante esta, se
afasia de Deus; é-lhe, em suma, impossível escapar a Deus.

Afirmando tais concepgóes, a Moral católica nao desco-


nhece haver casos patológicos, em que a vontade e o amor nao
se podcm exercor com plena liberdade em virtude de deficiencias
fisiológicas (o psíquico e o sobrenatural esláo enxertados no cor
póreo, e déste dependern no seu modo de agir). Tais casos, na
medida em que sao doentios, nao podem ser julgados segundo
os criterios comuns; ficam por vézes abaixo do nivel da mora-
lidade.

Sobre o sentido do «pecado ofensa a Deus», veja-se «Pergunte e


Responderemos» 6/1957 qu. 2. A respeito dos casos patológicos, cf.
«P. e R». 5/1958 qu. 6 e. 7.

J. C. (Almenara) :

G) «Em regiSo de acesso difícil, ao se fazer urna operacáo


cesariana, é permitida'n ligadura preventiva das trompas?»

A resposta há de ser negativa, em virtude dos principios


citados em «Pergunte e Responderemos» 4/1958 qu. 8 : a liga
dura no caso nao visaría curar um órgáo em si doente a fim de
salvaguardar a vida da paciente; mas equivaleria a urna opera-
gáo mutiladora ou esterilizadora, nao absolutamente necessária
á conservagáor da vida da mulher. Tal operacáo é ilícita, pois
toda criatura humana tem a obrigaQáo de conservar íntegra a
sua natureza para poder glorificar o Criador exercendo as fun-
Qóes que Éste lhe atribuiu.

M. P. (Belo Horizonte) i

7) «Qual o pensamento da Igreja a respeito de greves?»

1. O fenómeno das greves (cessacáo premeditada e siste


mática do trabalho em vista de reivindicar direitos) é recente,
ou seja, oriundo .no séc. XDC sob a influencia de principios socia
listas. Georges Sorel, engenheiro francés, julgava que a revolu-
eáo social só se faria se se incutisse ao proletariado um entu-

— 292 —
A MORALIDADE DAS GREVES

siasmo semelhante ao das grandes campanhas bélicas; e a cam-


panha bélica oportuna no caso, pensava ele, seria a tática das
greves:

«So há urna fórga que possa hoje em dia produzir ésse entusiasmo
sem o-qual a moral nao é possivel: é a fórca que resulta da propa
ganda em favor da greve geral» (Réflexions sur la violence. París 388).

Assim desencadeada a praxe das greves, ela ainda é fre-


qüentemente instigada por esquerdistas (socialistas e comunis
tas), que visam disseminar o desconlentamento c a luta entre
as classes, luta da qual afirmam sairá a humanidade nova.

2. Será que, dada esta origem, a greve é necessáriamente


repudiada pela Igreja?
Nao. A Moral católica reconhece o direito de greve na base
dos seguintes principios :
a) há inegávelmente situagóes em que o trabalhador sofre
injustiga (salario insuficiente, número excessivo de horas de tra-
balho, falta de garantías, etc.).
b) Diante dessas situagóes, o cristáo nao tem a obrigacáo
de cruzar os bragos; ao contrario, incumbe-lhe o dever de pro
curar reslabelecer a justiga.
c) Em vista disto, recorrerá as autoridades e instancias
■constituidas oficialmente para remediar a tais males. Acontece,
porém, freqüentemente na vida moderna que éste recurso nao
é possivel ou, caso seja possivel, nao é eficaz, nada alcanga.
d) Dada esta ineficacia, a Moral católica reconhece ao
trabalhador o direito de greve, desde que se preencham as qua-
1ro seguintes condicóes :
o objetivo visado pelos grevistas deve ser realmente justo;
conste que tal objetivo nao pode ser atingido por outra via,
menos violenta;
haja fundada esperanga de que o movimento grevista logre
éxito;
exista proporgáo entre o bem ou os bens que se visam me
diante a greve, e os males que a mesma nao pode deixar de acar-
retar para os individuos e a sociedade. Em outros termos : os
resultados bons devem poder compensar os danos provocados
pelo movimento.
Em tais circunstancias, a greve será legítima.

— 293 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, gu. 7

3. A Moral crista, porém, chama a atengáo dos interes-


sados para a necessidade de ponderarem seriamente em cada
caso se de fato a situagáo justifica urna greve. Trata-se de um
recurso que é, ao mesmo tempo, um flagelo, fonte de prejuízos
materiais, de sofrimentos moráis e, por vézes, de odio entre os
homens; pode-se tornar mesmo o principio de sucessivas colisóes.
Está claro que urna greve em servigos públicos requer aínda
mais ponderagáo e discricáo antes de ser iniciada do que as
greves de alcance menos vasto.

Desde que lonham consciéncia do estar reivindicando justos


direitos de classe, os operarios grcvislas podem coagir seus com-
panheiros recalcitrantes (os quais tém .naturalmente o direito
de trabalhar) a observar a greve sem a «furar»; podem, em
outros termes, exigir que os direitos da coletividade passem á
frente dos direitos de individuos. Usaráo, porém, para tal fim, de
meios de coagáo moral, evitando a violencia e os conflitos san-
grentos, os quais nao seriam justificados.

As greves acarretam nao raro como conseqüéncia a sabota-


gem, que consiste em se deteriorar a aparelhagem de trabalho.
Á Moral crista tem a sabotagem na conta de ilícita, pois nao
pode deixar de suscitar prejuízos vastes e duradouros para o
bem comum de urna populacáo. Para o cristáo, a greve .nao pode
ser própriamonle equípamela a urna guerra, guerra em que, den
tro de certos limites, vem a ser licito destruir e matar.

4. Os governos civis contemporáneos costumam reconhe-


cer acs seus súditos o direito de greve. Tal atitude é o remate
de lenta evolugáo. Na Franga, por exemplo, o Código penal de
Napoleáo (art. 414-16) considerava as greves como delitos;
urna lei francesa, porém, de 25 de maio de 1864 ab-rogava tais
disposicóes e só incriminava os delitos cometidos em conflitos
trabalhistas; por fim, a Constituigáo francesa de 1946 enumera
a greve entre os direitos fundamentáis de todo cidadáo. Na
Inglaterra, a legislacáo do reí Jorge I em 1725 ameagava os
grevistas com a pena de morte; sucessivamente em 1800, 1824,
1825, 1867, foram sendo mitigadas as medidas repressivas, até
que a greve se tornou oficialmente reconhecida pelas legislares
de 1871 e 1876.

Em consciéncia, porém, incumbe aos governantes o dever


de procurar evitar as greves, tratando de extirpar os abusos e
injustigas que possa haver na sociedade. É o que lembrava
S. S. o Papa Leáo XIII na encíclica Rerum novarum :

— 294 —
A IGREJA E O TEATRO

«Nao raro o trabalho excessivamente prolongado ou penoso e o


salario tido como insuficiente provocam essas interrupcóes de ativi:
dade organizadas as quais se dá o nome de greves. Toca aos poderes
públicos proporcionar remedio a praga táo comum e, ao mesmo tempo,
táo perigosa, pois as greves implicam em detrimento nao só para os
patróes e os próprios operarios, mas também entravam o comercio
e prejudicam os interésses comuns da sociedade; já que fácilmente
degeneram em violencias e tumultos, a tranqüilidade pública é muitas
vézes por elas comprometida. É mais eficaz e salutar que as leis, com
a sua autoridade, de antemüo cortem o mal e o impecam de se produzir,
removendo com sabedoria as causas que parecam aptas a excitar confli-
tos entre operarios e patrocs».

OBSKRVADOK (Rio de Janeiro) :.

8) «Qual o pensamento da Igreja a resucito do teatro?»

1. A doutrina católica afirma que o homem tem o direito


natural de se recrear e repousar, como tem o direito (e a obri-
gagáo) de se alimentar; o recreio até certo ponto constituí um
fator de conservagáo do individuo, dada a limitagáo das Torgas
humanas e a necessidade de as restaurar com interrupQáo do
trabalho. Ora entre os elementos de recreio um dos mais condi-
zentes com á dignidade, humana é o cultivo da arte, que, eman
cipando a criatura inteligente das preocupagóes materiais e do
afá utilitarista, a póe em contato com o Belo e com os valores
do espirito; pcrmile-lho assim viver um pouco mais intensa
mente como homem, um pouco menos como máquina.

Visto que o teatro é urna das belas artes, a doutrina cató


lica estende ao teatro (ao menos em principio ou em tese) esta
apreciagáo favorável. Ao mesmo tempo, porém, o moralista
católico nao pode deixar de lembrar que o cultivo do teatro deve
estritamente servir á nobreza natural do homem, em vez de
aviltar. O cristáo sabe explícitamente aquilo que o pagáo jáde
cerlo modo percebia : dentro do individuo existe a concupiscen
cia desregrada dos sentidos, os quais tendem a desfrutar dos
objetos do seu gozo além da justa medida ou sem respeitar as
exigencias do espirito. É o que faz que o teatro possa ser motivo
de desencadeamento das paixóes dentro do individuo e da socie
dade, deixando de edificar a grandeza do homem.

Sendo assim, Sao Tomaz nao hesita em admitir urna virtude


própria que tem por objetivo por sob o controle da razáo todos
os divertimentos do homem : é a eutrapelia (em grego, disposi-
gáo para os prazeres graciosos ou nobres). Já que toda virtude
visa regrar o comportamento do homem, desde os mais sublimes

— 295 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 8

até os mais humildes de seus atos, a eutrapelia se destina a


regrar tais atos (aparentemente bañáis, mas sempre importan
tes, porque atos humanos) que sao as recreagóes. A eutrapelia
faz que o cristáo nunca se entregue totalmente ao gozo das
coisas sensíveis, mas o subordine sempre aós prazeres do espi
rito que consistem em aderir ao Sumo Bem mediante ocónheci-
mento e o amor. É a Deüs que o cristáo quer chegar servindo-se
dos recreios que as criaturas lhe próporcionam; é para melhor
conhecer e amar a Beleza infinita que ele aplica seus sentidos
á beleza finita. Sao Paulo, numa frase famosa, formula a ati-
tude superior do cristáo frente a todas as contingencias (alegres
c nao alegres) da vida presente :

«O tempo se íéz breve... É preciso que aqueles que choram, este-


jam como se nao chorassem; aqueles que se alegram, estejam como se
nao se alegrassem; aqueles que usam déste mundo, estejam como se
nao usassem, pois passa a figura déste mundo-» (1 Cor 7,29-31).

Em outras palavras : o cristáo nunca se deixa invadir total


mente, nem pelos prazeres nenr pelos dissabores que o mundo lhe
oferece.

2. Baseadas nos conceitos ácima, as autoridades da Igreja,


no decorrer dos séculos, se tém servido do teatro como de opor
tuno meio de educagáo e santificagáo dos homens. Famosos se
tomaram os «misterios» medievais, representagóes de cenas
diretamente sugeridas pela Sagrada Escritura e pela vida dos
Santos. O teatro religioso, depois de menosprezado nos últimos
séculos, ressurge em nossos dias com sucesso notável (tenham-se
em vista as pegas de Claudel, Bernanos, Ghéon, Gabriel Marcel,
Elliot, Gogol, Tolstoi)... A Igreja deseja mesmo avivar em seus
fiéis a consciéncia da importante missáo que toca a teatrólogos
e atores; dispóem de eficaz instrumento de recristianizagáo da
sociedade; caso^ porém, se desincumbam de suas funcóes com
vistas no gozo e no lucro material apenas, tornam-se dignos de
censura.

É assim que o católico toma posigáo intermediaria entre


duas atitudes antagónicas frente ao teatro :

a atitude pessimista, que, inspirada pelo jansenismo, julga


estar corrompida a natureza humana a ponto de pecar ou
arriscar-se seriamente a pecar no simples ato de se recrear.
«On ne s'amuse pas quand on est chrétien. — O homem nao se
diverte, se é cristáo»; era esta a tese que Bossuet (f 1704) de
fendía em sua obra «Máximes et réflexions sur la comedie». Na

— 296 —
A ABSTINENCIA DE CARNE

verdade, porém, o cristáo vem a ser justamente o contrario de


um melancólico e pessimista;

a atitude exageradamente otimista, que tem por lícita


toda e qualquer realizacáo de arte, como se estivesse emanci
pada das leis da Moral ou como se o Belo (do ponto de vista
artístico) fósse necessáriamente o Bem (do panto de vista
moral).

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

E. S. T. (Rio de Janeiro) :.

9) «Qual a origem e a razáo da abstinencia de carne?»

1. A abstinencia de carne é observancia freqüente ñas


religióes antigás. Inspiraram-na razóes diversas, das quais algu-
mas muito dignas, outras, porém, supersticiosas e vas. Nao raro,
junto com a privacáo de canne, prescrevia-se a abstencáo de
outros alimentos tidos como excitantes ou como sagrados : cebo-
las, favas, peixe, vinho... Para ilustrar a motivagáo dessas prá-
ticas, seja aqui citado o ponto de vista do neo-platónico Juliano,
Imperador bizantino de 361 a 383 : recusava-se a comer a parte
dos vegetáis que se acha imersa no solo (raizes, bulbo...), por
que, dizia, o solo é o cárcere no qual a alma caiu; aceitava,
porém, a parte da planta que emerge ácima da térra, porque
esta emersáo lhe parecía simbolizar a subida da alma para as
altas esferas (or. V 17a-17c) !•
Os judeus anteriores a Cristo observavam abstinencia e
jejum em parte ditados pela Lei de Moisés, em parte inspirados
por devoQáo pessoal (cf. Lev 11; Dt 14, distLngáo entre animáis
puros e impuros; Éx 34,28 e 3 Rs 19,8, os quarenta dias de
jejum de Moisés e Elias; Lev 16,29-31, o solene dia de jejum
expiatorio; Est 9,31, o jejum de Purim, etc.).
Os cristáos herdaram o costume geral de se abster de ali
mentos em ocasióes solenes. Jesús mesmo deu o exemplo disto
durante os quarenta dias que passou no deserto (cf. Mt 4,1-11);
também formulou normas sobre a atitude de espirito de quem
jejua (cf. Mt 6, 16-18; prováyelmente Me 9,29; Mt 17,21). Logo
a primeira geracáo dos discípulos aparece nos Atos dos Apos
tólos associando jejum e oragáo; cf. At 13,2s; 13,23. — A prática
se foi tornando mais e mais habitual até ser introduzida na
legislacáo eclesiástica.

— 297 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 9

2. Os motivos que sugeriam aos cristáos a abstinencia de


carne, em particular, nao eram
a) concepgao pessimista da materia. Tal foi, sim, o ponto
de vista de seitas dualistas (Gnósticos, Maniqueus...), que, nos
primeiros séculos do Cristianismo, tinham a materia e, por con-
seguinte, a carne como elementos intrínsecamente maus. Tal foi
taihbém a concepgáo de correntes exageradamente espiritualis
tas, como a dos Montañistas (séc. II/III d. C). Era a ascese ba-
seada nessas teses erróneas que Sao Paulo reprovava em Col
2,18-23; 1 Tim 4,3.
O cristáo sabe que Deus fez todas as criaturas boas (cf.
Gen 1,31) e as destinou a servir ao homem para que éste se san
tifique e dé gloria ao seu Senhor; nao há, por conseguinte, ali
mento que por sua natureza mesma seja pecaminoso (cf. 1
Tim 4,4s);

b) respeito supersticioso aos animáis. Os adeptos da me-


tempsicose ou da reencarnagáo (hinduístas, órficos, pitagóri
cos ...), julgando que a alma de um párente seu poderia estar
incorporada em tal ou tal animal, abstinham-se de qualquer con
sumo de carne.
Para o cristáo, a tese da reencarnagáo é vá; por conse
guinte, incapaz de fundamentar algum preceito de abstinencia.
Cf. «Pergunte e Responderemos» 3/1957 qu. 8;
c) conformidade á Lei de Moisés. Esta cumpriu o seu
papel preservando a fé e a esperanca messiánicas do povo de
Israel. Urna vez que veio o Redentor, já nao tém vigor as normas
positivas da Tora judaica (todas elas dadas como prenuncios e
preparativos do Salvador); permanecem de pé apenas os pre-
ceitos de direito natural que Moisés incluiu na sua legislagáo e
que, por serem de direito natural, se estendem a todos os tempos
e todas as regióes.
Sao Pedro mesmo, no caso do centuriáo Comélio, teve a
revelagüo de que ,náo deveria mais distinguir entre os alimentos
puros e impuros discriminados pela Lei; cf. At 10,10-16. A seguir,
os Apostólos reunidos em Jerusalém puderam declarar, invo
cando a autoridáde do próprio Deus, que estava ab-rogada a Lei
de Moisés: «O Espirito Santo e nos dispomos que...»
(At 15,28);
d) razoes de medicina, higiene, pedagogía. . . A Revela-
gáo crista nao interfere positiva e autoritativamente em questóes
de ciencia natural.
Excluidas as justificativas ácima para a abstinencia de
carne entre os cristáos, afirmar-se-á que esta é ditada estrita-

— 298 —
A ABSTINENCIA DE CARNE

mente pelo dever de penitencia e mortificagáo que incumbe a


todo discípulo de Cristo. A abstinencia vem a ser urna das res-
postas que o cristáo dá áquela exortagáo do Divino Mestre : «Se
alguém quer vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome a cruz e
siga-Me» (Mt 16,24; Le 9,23).

Explicando esta doutrina, diremos : o cristáo é chamado a


viver para Deus e para os bens sobrenaturais, fazendo que estes
prevalegam num corpo que é espontáneamente rebelde á orien-
tagáo do espirito : duas tendencias — urna, superior, voltada
para o bem; e outra inferior, carnal, propensa ao mal — se de-
frontam no íntimo de cada individuo. Em conseqüéncia, torna-se
indispensável a morlificagáo da carne a lodo homem desejoso
de viver segundo a sua parte mais nobre. A carne tem que ser
até certo ponto extenuada, destituida de seu dinamismo impe
tuoso, que leva a natureza a agir antes da deliberagáo da razáo
ou mesmo á revelia desta. Ora tal objetivo nao pode ser alean-
gado se nao se subtraem á carne humana certos alimentos par
ticularmente fortes e excitantes (dinamogénicos), entre os quais
a carne de animáis (juntamente com o vinho) costuma ser men
cionada em lugar de destaque.

Assim se compreende que urna alimentagáo sobria e sim


ples tenha sido desde cedo considerada pelos cristáos qual pre
servativo das virtudes e, especialmente, da castidade : «Abster-
-me-ei de carne, a fim de que, alimentando fortemente a carne,
nao venha a alimentar também os vicios da carne», afirmava
Sao Bernardo (i 1153), repetindo a doutrina de escritores mais
antigos (ed. Migne lat. 183, 1096s). A Liturgia, por sua vez,
incute a mesma idéia quando na Quaresma canta : «Pelo jejum
corporal, ó Senhor, comprimís os nossos vicios, eleváis as nossas
mentes, concedéis as virtudes e o premio respectivo» (Prefacio
da Missa).

A experiencia, alias, levou certos pagaos de bom senso


(estoicos, .neoplalónicos) a conclusáo semelhante. O moralista
Séneca (t 66 d.C), por exemplo, dizia que após um ano de
regime vegetariano as suas aptidóes de mente se haviam desen
volvido com mais rendimento ainda (epist. 108); o neoplatónico
Porfirio (v 303 d.C.) escreveu um tratado inteiro sobre o as-
sunto («De abstinentia»), em que propugnáva ser a alimentacáo
vegetariana a mais adequada á vida espiritual do filósofo.

3. Há, porém, quem receie detrimento de saúde ocasionado


pela abstinencia de carne. A tais dir-se-á que nao sómente os
ascetas e os filósofos, mas também os fisiologistas, longe de

— 299 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 10

condenar em tese tal prática, reconhecem o seu valor. Numero


sas experiencias tém demonstrado que urna dieta vegetariana
sabiamente praticada pode favorecer a capacidade de trabalho
tanto bracal como intelectual do individuo; tenha-se em vista,
por exemplo, a fórca proverbial dos estivadores de Saloniki
(Grecia) e Constantinopla (Turquía), os quais se nutrem apenas
de cereais, arroz e frutas (em particular, figos), com exclusáo
total de carne e vinho. Fara quem segué um ritmo de vida pre-
ponderantemente intelectual, muito sedentaria, com pouco exer-
cicio muscular, com raras ocasióes de respirar ao ar livre, so-
frendo por vézes a ac.áo de excitantes (como o fumo e o álcool),
a abstiiKMicia do carne podo sor grando auxilio, pois diminuí as
ocasióes de intoxicagáo. Epicuro (t 270 a. C.), que pessoalmente
nao foi um gozador debochado, Plutarco (f 127 d.C), Ovidio
(f 17/18 d.C.) seguiram o vegetarianismo. Pitágoras (t 497/
496 a. C.), vegetariano, morreu com cérea de cem anos de idade.
Ñas Ordens religiosas em que o regime alimentar é mais aus
tero, registra-se surpreandente quota de longevidade.

Mas, repita-se, nao sao própriamente consideragóes de


saúde que motivam a abstinencia de carne dos cristáos; elas
foram aqui trazidas principalmente a fim de dissipar qualquer
escrúpulo de índole higiénica. Fora dos dias determinados pela
legislacáo eclesiástica (sextas-feiras da Quaresma; quarta-feira
de cinzas, sexia-feira santa, 7 de dezembro o sexta-feira das
Quatro-Témporas do Advento), o cristáo é livre para seguir o
regime alimentar que em consciéncia lhe pareca conveniente; de
modo geral, a abstinencia e a sobriedade lhe ficaráo sendo um
paradigma que ele procurará reproduzir com maior ou menor
intensidade, levando em conta as exigencias próprias de sua na-
tureza, seu temperamento pessoal, suas condigóes económi
cas, etc. O que^em todo e qualquer caso importa ao cristáo, é
regrar sua aliméntacáo de modo a nao fomentar indevidamente
as paixóes, mas obter o dominio do espirito sobre a carne, eman
cipar o espirito dos grilhóes das concupiscencias desregradas, a
fim de lhe possibilitar a adesáo incondicional a Deus na oragáo
e na contemplagáo.

LEGIONARIO (Distrito Federal) :

10) «Quem foi o bispo Strossmayer, que se pronunciou


contra a infalibilidade papal no Concilio do Vaticano (1870)?
Num opúsculo recém-divulgado li iim discurso que éste prc-

— 300 —
INFALIBILIDADE PAPAL

lado teria proferido no Concilio, denunciando veementemente


falhas do Papado. Que dizer a respeito?»

1. Josip Juraj (José Jorge) Strcssmayer nasceu em Osiek


(Croacia, Iugo-slávia) aos 4 de novembro de 1815, de familia
originariamente alema. Estudou Filosofía em Budapeste, Teolo
gía em Viena, e foi ordenado sacerdote em 1838; sagrado bispo
em 1850, foi governar a diocese de Bosnia e Sírmia, com sede
em Djakovo. Em breve tornou-se figura central na vida reli
giosa, cultural e política da Croacia, posta sob o govérno impe
rial austro-húngaro. Urna das grandos aspiramos do sua vida
foi a uniáo (los Kslavos separados com a Ifíivja Católica. Nesto
sentido muito colaborou com os Pontífices Pío IX e Leáo XIII.
2. Strossmayer chamou a atengáo principalmente pela
atitude que tomou no Concilio do Vaticano em 1870. Para ana-
lisá-la objetivamente, é preciso, antes do mais, reconstituir as
questóes de que tratava o Concilio.
A primeira metade do séc. XIX foi marcada por um mo-
vimento de solidariedade dos católicos do mundo inteiro ao
Vigário de Cristo ou a Roma, em reacáo contra as tendencias
a «igrejas» nacionais dos séc. XVII e XVIII (Galicanismo na
Franca, Josefismo na Austria, Febronianismo na Italia). A
simpatía tributada ao Papa levava muitos dos fiéis a focalizar
do mais perto as prerrogativas que lhe competiam como Chefe
visivol da ¡groja, prorrogativas entre as quais eslava a imuni-
dade de erro no exercício do seu magisterio solene. A conside-
ragáo déste privilegio era também inspirada por urna reagáo
contra o racionalismo e o naturalismo do séc. XIX; os católicos
percebiam, mais do que nunca, a necessidade de proclamar a
índole sobrenatural e revelada de sua mensagem ou da Religiáo
crista. Interpretando o estado de ánimos geral, o Papa Pió IX
resolveu finalmente reunir um Concilio universal no Vaticano
om 1870; os bispos do mundo inteiro convocados estudariam e
proporiam aos fiéis algumas sentengas precisas, sugeridas pelas
necessidades da época, sobre a estrutura e o magisterio da
Igreja.
Entre os Padres conciliares devidamente reunidos em Roma,
ao-lado de grande maioria desejosa de que se definisse a infa-
libilidade doutrmária do Sumo Pontífice, havia pequeño numero
que a isto se mostrava contrario : alguns julgavam certos fatos
da historia da Igreja incompativeis com tal privilegio (os episo
dios apontados, porém, nao eram em absoluto decisivos, como
se verá adiante); outros, embora nao duvidassem da prerroga
tiva, tinham a definigáo na conta de pouco oportuna, pois lhes

— 301 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS) 7/1958. qu. 10

parecía que constituiría novo entrave 'a uniáo dos irmáos sepa
rados (protestantes, orientáis cismáticos) com a Igreja.

Do lado dos anti-infalibilistas estava o bispo Strossmayer.


Pronunciou cinco discursos sobre os temas propostos as deli-
beracóes comuns no decorrer do Concilio, ¿órnente o último
discurso, datado de 2 de junho de 1870, versava sobre a infali-
bilidade pontificia. Foi o mais longo de todos, durando duas
horas inteiras, em que o orador foi atentamente ouvido pela
assemblóia posta em absoluta calma. Nesta oracáo Strossmayer
ai:onluava as difieuldadi's quo a dolini^ao acá riel aria pan» a
volta dos cristáos dissidentes a Roma; é de notar, porém, que o
orador falou constantemente de uma absoluta et personalis
infallibilitas Romani Pontificis, infalibilidade absoluta e pessoal
do Pontífice Romano. Contra a infalibilidade assim concebida é
que Strossmayer se opunha; e com razáo se opunha, pois a infa
libilidade que a Santa Igreja atribuí (e que de fato compete)
ao Papa nao é absoluta, mas relativa, ou seja, restrita a temas
de fé e de moral; nao é pessoal ou inerente á pessoa, mas ao
cargo do Pontífice; o que quer dizer que o Papa pode errar
quando fala ou age como pessoa particular, só sendo preservado
de falha ñas ocasióes raras e extraordinarias em que intencione
definir alpuma proposieiio, ompenhando explícitamente a sua
autoridade de Chefe visivel da Igreja. — Nole-.se de passagem
que éste discurso de Strossmayer e outros documentos das atas
do Concilio do Vaticano mostram que as hesitagóes entáo veri
ficadas entre os Padres sinodais se deviam em parte a mal-enten
didos sobre os temas propostos á deliberacáo.

Finalmente na assembléia de 18 de julho de 1870 realizou-se


a votacáo : 533 vozes se fizeram ouvir cm favor da infalibilidade
(entendida nos termos ácima ditos : nao pessoal nem absoluta),
e duas apenas contra. Estava assim definido o dogma. Pode-se
notar que alguns Padres conciliares, entre os quais Strossmayer,
talvez movidos pelo desejo de nao votar contra, se retiraram de
Roma aos 13 de julho; haviam sido autorizados a isto pelo Papa
Pío IX, que dia,nte das ameagas de guerra franco-alema nao
quería obrigar os prelados a permanecer fora de suas dioesses.
A atitude désses bispos que partiram, já por si era sinal de de
ferencia á decisáo do Concilio, á qual éles nao queriam opor sua
voz, embora nao vissem exatamente a razáo de ser da definicáo.

— 302 —
INFALIBILIDADE PAPAL

Ao dogma da infalibilidade pontificia Strossmayer (assim


como os demais prelados da oposigáo) se submeteu com leal-
dade e espirito sobrenatural. Um cisma, dito «dos Velhos Cató
licos», se produziu em protesto contra a sentenga do Vaticano;
encabegou-o, porém, o Professor de Munique Inácio Doellinger,
sem a colaboragáo de qualquer dos bispos que no Concilio ha-
viam constituido a oposigáo. Na diocese de Djakovo e na Croacia
em geral, onde Strossmayer tinha influencia, nao se registrou
agitagáo religiosa alguma em conseqüéncia da definigáo con
ciliar.

Nos anos scnuinlos, SIrossmnyer om repelidas ocasióes


nuuiifestou sua irrestrita adcsáo ao dogma du iníalibilidadu.
Um dos testemunhos mais claros é a sua carta pastoral de 4 de
fevereiro de 1881, em que comentava a encíclica de Leáo XIII
«Grande munus»; neste mesmo ano foi a Roma, chefiando urna
delegagáo de cristáos eslavos, agradecer ao Pontífice tal docu
mento. O bispo de Djakovo colaborou assiduamente com a Santa
Sé até o fim de sua vida : preparou, por exemplo, mediante seus
escritos e conversagóes, as concordatas firmadas entre a Rússia
e Roma em 1882 e 1905; muito trabalhou junto a Bismarck, para
por termo ao «Kulturkampf» na Alemanha. Nao será necessário
frisar que morreu em comunháo com a Santa Igreja e o Sumo
Pontífice na sua cidade episcopal de Djakovo aos 8 de abril
de 1905.

,É esta a historia da atitude de Strossmayer frente ao Con


cilio do Vaticano, tal como ela se depreende dos textos autógra
fos désse bispo, arquivados na sé diocesana de Djakovo e publi
cados em edigáo crítica por André Spiletak sob o título J. J.
Strossmayer na vatikanskom saboru (O bispo J. J. Strossmayer
no Concilio do Vaticano), Zagábria 1929. Existe também urna
edigáo separada dos discursos do referido prelado no Concilio
do Vaticano, devida aos cuidados de J. Oberski e intitulada
Govori S. — a na vatikanskom saboru, Zagábria 1929.

3. Acontece, porém, que a figura de Strossmayer foi in


dignamente explorada e retorcida tanto por seus adversarios
políticos, que o queriam afastar da Bosnia e por isto deseja-
vam que Roma o removesse da sua sede episcopal (como insu
bordinado), como pelos adversarios do Concilio do Vaticano.

Dentre estes, um certo José Augustin de Escudero publi-


cou em Florenga, logo após o Concilio, uma brochura intitulada
«Papa c Vangelo» di un vescovo al concilio vaticano; neste opús
culo se achava um discurso veemente contrario á infalibilidade

— 303 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 10

pontificia e atribuido ao bispo Strossmayer. A obra fez sucesso


escandaloso e foi sem demora traduzida para diversas línguas.
O autor da fraude, porém, que era um religioso apóstata, con-
fessou o delito ao Pe. Stollenwerk, sacerdote lazarista de Buenos
Aires, encarregando-o de informar o bispo de Djakovo a tal res-
peito. O Pe. Stollenwerk de fato comunicou o ocorrido a
Strossmayer; a sua carta, que revela a origem do famoso dis
curso apócrifo, se encontra até hoje conservada nos arquivos da
diocese de Djakovo. Cf. A. Spiletak, Biskup J. J. Strossmayer na
vatikanskom saboru. Zagábria 1929, pág. 149.

É ésto discurso falsificado que o livrinho «Elevagáo o quedu


da Igreja Católica Romana» de Paúl Pclerson (margo do 1957)
publica como se fósse da autoria de Strossmayer mesmo. Oxalá
esta publicacáo se deva exclusivamente a ignorancia de P. Pe-
terson!

Analisando-se ésse discurso, verifica-se que é fraudulento


nao só por atribuir a Strossmayer langa oragáo que ele nao
proferiu, mas também por forjar grossas mentiras quando se
refere 'á historia da Igreja.

Eis algumas das inverdades mais frisantes do discurso apó


crifo (citamos a edic.áo de Paúl Peterson) :
a) pág. 36 : «[O Papa] Joao o XXII negou a imortalidade dá alma,
sondo doposto polo Concilio do Constanqa».

Com que simplicidade ou com que despreocupaeáo cientí


fica é isto afirmado! — Na verdade, o Papa Joáo XXII, em um
sermáo proferido em 1331 na festa de Todos os Santos, emitiu
a opiniáo de que as almas dos justos só comegaráo a gozar da
visáo beatífica após o juízo universal (esta doutrina nao implica
que as almas nao sejam imortais; nada tem que ver com a imor
talidade da alma, a que se refere o discurso apócrifo). Note-se
bem que Joño XXII assim falou nao como Doutor da Igreja,
intencionando definir algum dogma, mas Cínicamente como pre-
gador particular. O mesmo Pontífice mandou posteriormente
estudar o assunto por urna comissáo de teólogos; dizem alguns
historiadores que chegou a retratar a antiga sentenca no seu
leito de morte em 1334 (a retratac,áo nao tem importancia capi
tal no caso, pois que a autoridade suma do Pontífice nao estava
envolvida no assunto).

Agora, da.ndo um salto muito grande, vamos ao Concilio


de Constanca. Éste se reuniu de 1414 a 1418, ou seja, oitenta
anos após o falecimento do Pontífice citado!... A éste Con
cilio compareceu um anti-papa chamado Joáo XXIII (nao

— 304 —
INFALIBILIDADE PAPAL

Joáo XXII), que tinha sede em Pisa, e que realmente foi de-
posto pela assembléia por ser usurpador do poder (estamos no
tempo do grande cisma do Ocidente).

Pergunta-se agora : será licito fundir essas diversas épo


cas e figuras da historia para poder atacar o Papa e a Igreja?
Quanta confusáo nao se faz para colhér os leitores despreveni
dos e afastá-los da fe católica! Táo evidente é a má fé ou, ao
menos, a falta de competencia do autor de tais «denuncias» que
um estudioso sincero está dispensado de as comentar ulterior
mente; basta opor a verdade ao erro.

b) pág. 34 : «Adriano 11 em 872 deelarou válido o casamento civil;


entretanto Pió VII em 1S23 condenou-o».

É absurdo falar de matrimonio civil no séc. IX. Até o


séc. XVI só havia urna forma para contrair casamento, válida
tanto no foro civil como no eclesiástico : era a forma do casa
mento administrado na Igreja. Cf. «Pergunte e Responderemos»
1/1958 qu. 6.

O que houve sob o Papa Adriano II foi um litigio com o rei


Lotário da Lotaríngia, o qual pedia ao Pontífice declarasse nulo
o seu casamento com Teutberga a fim de se poder unir em r ovas
nupcias com Valdrada; já Nicolau I, antecessor de Adria.no, se
vecusava a isto, pois o casamento religioso fóra válido. Adriano
II durante o seu pontificado continuou a resistir as instancias
do monarca; recebeu-o em Monte Cassino e em Roma; por fim
nesta cidade reuniu um sínodo regional, que reiterou a resposta
negativa a Lotário. Pouco depois falecia o rei na cidade de Pla-
cenza (869), acontecimento este que pos fim ao litigio. — O ano
de 872, citado pelo pseudo-discurso que vamos analisando, é o
da morte do Pontífice; nessa época já perderá atualidade o caso
do pleiteado divorcio de Lotário II (jamáis concedido pelo Papa).

c) pág. 34 : «O Papa Marcelino entrou no templo de Vesta e oíe-


receu incensó á deusa do paganismo».

O Papa Sao Marcelino governou a Igreja de 296 a 304.


Sobre os atos do seu pontificado, nada consta de seguro nos
catálogos dos antigos Papas. O seu nome, porém, foi muito
explorado pela facgáo herética dos Danatistas (séc. IV). Estes
propalaram que Marcelino havia entregue as Escrituras Sagra
das aos perseguidores pagaos em 303 e tinha oferecido incensó
a um ídolo. A acusagáo foi afirmada, por exemplo, sem a mí
nima prova, sem o mínimo recurso a alguma fonte histórica,

— 305 —
yPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 7/1958, qu. 10

pelo bispo donatista Petiliano em urna carta pastoral. Santo


Agostinho, contemporáneo dos acusadores, replicava que, sendo
gratuita a acusagáo, ela podia ser rejeitada sem discussáo até
que lhe trouxessem as respectivas provas : «Quid laborem pro
bare defensionem meam, cum ille (Petilianus) nec tenuiter pro
bare conatus sit accusationem suam? — Porque me darei a pena
de provar a minha negacáo, já que ele (Petiliano) nem de leve
tentou provar a sua acusagáo?» (De único baptismate 27, ed.
Migne lat. 32, 610).
Nao obstante, a afirmagáo gratuita dos Donatistas foi, sem
criterio, reproduzida por documentos posteriores, de sorte a
lograr cródilo mt\smo junto a Bnrónio, famoso historiador cató
lico do séc. XVI. Os críticos modernos, porém, a frente dos quais
está Lenain de Tillemont, t 1698 (Mémoires pour servir á l'his-
toire ecclésiastique V 63.612-617), nao hesitam em negar a
autenticidade da narrativa. E com razáo : de um lado, verifica-se
que o relato nao está devidamente fundado em documentos anti-
gos; de outro lado, entende-se muito bem que haja sido forjado
pelos Donatistas, pois estes assim poderiam granjear crédito
para a sua tese de que sao os santos apenas que constituem a
Igreja, independentemente da hierarquia sacerdotal (convinha-
-lhes, por conseguinte, apresentar os sacerdotes e bispos como
pecadores).

íl) páj?. 34 : "O Papa Lihório eonsontiu na conclenacáo do Ataná-


sio; clopois passou-s<; para o Arianismo.».

Em primeiro lugar, observe-se que o Papa em questáo se


chamava Libério (nome reproduzido por todos os historiadores)
e nao Libório.
O Papa Libério em 355 opós-se á condenacáo de S. Ata-
násio, propugnéfdor da reta fé na luta contra os arianos (que
negavam a Divindade da segunda Pessoa da SSma. Trindade);
foi, em conseqüéncia, exilado pelo imperador Constancio, que
favorecía o Arianismo. No exilio, isto é, na Tracia (Ruménia e
Bulgaria atuais), o Pontífice, alquebrado pelo sofrimento, con-
sentiu finalmente na condenagáo de S. Atanásio — o que deve
ser reconhecido como ato de fraqueza pessoal do Papa, nao,
porém, como definicáo dogmática (único terreno em que o Sumo
Pontífice nao pode errar); com efeito, Libério, tomando esta
atitude, ainda nao definía o Arianismo como doutrina de fé,
segundo se depreende do que abaixo se dirá.
O mesmo Pontífice assinou outrossim, em 358, um símbolo
de fé, elaborado em Sírmio, que rejeitava explícitamente o

— 306 —
INFALIBILIDADE PAPAL

termo homoóusios (consubstancial), famoso termo com que na


época se costumava formular a fé na SSma. Trindade. É éste
fato que o autor do «pseudó-discurso de Strossmayer» identifica
com adesáo do Papa ao Arianismo ou á heresia. — Em verdade,
o vocábulo homoóusios nao era a expressáo única e necessária
do dogma trinitario; alguns teólogos, mesmo dentre os mais
ortodoxos, usavam de preferencia outra formulagáo. Por conse-
guinte, Libério, subscrevendo a rejeigáo do homoóusios, ainda
nao «se passava para o Arianismo», de mais a mais que todo o
teor da profissáo de fé por ele assinada era anti-ariano; de resto,
o Pontífice, para explicitar devidamente a sua posicáo, acres-
ooniou ao símbolo tic fi'1 de Sirmio um artigo em que profossava
a semelhanc;a absoluta («quanto á substancia e quanto a tudo
mais») entre o Pai e o Filho, doutrina esta que se distanciava
claramente do subordinacionismo dos Arianos.

6 que se pode fazer valer contra o Papa Libério nao é o


erro dogmático, mas, sim, a debilidade e inconstancia de suas
atitudes em questóes que, embora serias, nao chegavam a com
prometer a autoridade suprema do Doutor da Igreja.

el pág. 34: «Honorio (Papal aderiu ao Monoteísmo»-.

Acaso deveria ter aderido ao politeísmo? O autor ou o re


visor do texto trocou ridiculamente «Monotelitismo» ou «Mono-
lelismo» (doutrina segundo a qual havia urna só vo.ntade, a von-
tade divina, em Cristo) por «Monoteísmo». Na verdade, o autor
do discurso nao podia usar o termo «Monotelismo», porque Ho
norio nao aderiu a esta sentenca herética.

O que se deu com o Papa Honorio, no caso, foi simples-


mente o seguinte : alguns herejes no séc. VII, querendo .negar
a existencia de duas naturezas (a Divina e a humana) em Cristo,
apelaram para um recurso de dialética muito sutil : passaram
a ensinar que em Cristo havia um só modo de agir ou urna só
atividade (Monenergismo), o que, em última análise, implicava
um só principio de atividade ou urna só natureza (a Divina,
segundo éles). O veneno, porém, da fórmula dos herejes foi de
nunciado e combatido por parte dos teólogos ortodoxos. Foi
entáo que o heresiarca Sergio se quis valer de novo expediente :
escreveu ao Papa Honorio I (625-638) urna carta em que pro-
punha nao se falasse mais de um ou dois modos de agir em
Cristo, mas se afirmasse que em Jesús havia urna só vontade,
a Divina (novo subterfugio da heresia, que assim só admitia
urna natureza completa em Cristo, a Divina, mutilando ou can-

— 307 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 7/1958, qu. 10

celando a natureza humana). Honorio respondeu aprovando a


tese de urna só vontade em Cristo; entendía a unidade, porém,
nao no sentido físico (como queria Sergio), mas no sentido me
ramente moral, pois afirmava que em Cristo cada, urna das duas
naturezas atuava conforme suas propriedades; apenas nao
admitía que houvesse contradigáo entre o que a humanidade e
a Divindade queriam em Cristo; a vontade humana de Jesús
estava sempre em conformidade com a sua santíssima vontade
divina. Em abono de sua sentenca o Papa citava textos como
Me 14,36 e Jo 6,38.

Ora ossa uniáo moral pertonce a rloulrina ortodoxa aínda


hoje ensillada na Igreja; professando-a, Honorio nao so passou
para a heresia. De resto, para desfazer qualquer dúvida, bastaría
notar que as duas cartas de Honorio a Sergio (que vém ao caso)
estavam longe de equivaler a urna definicuo dogmática; eram
documentos de correspondencia pessoal.

f) pág. 35 : «.. .no segundo concilio de Calcedonia.. .i-.

Só se realizou um concilio em Calcedonia (451). Talvez


haja alusáo, no texto citado, ao II concilio de Constanlinopla
(553). Deve tratar-se de um erro de imprensa no texto portu
gués que vimos citando, erro, porém, muito grosso; até que
ponto se deverá 'a incompetencia do autor ou do revisor do citado
opúsculo?

g) pág. 36 : «[O Papal Alexandre XI...».

Nunca existiu; o último Papa déste nome é Alexandre VIII


(1689-91). Mero erro de imprensa, pois evidentemente pelo
contexto se percebe que há alusáo a Alexandre VI, homem fraco,
sem dúvida, mas nao empecilho dirimente para a autoridade do
Papado e a santidade da Igreja; cf. «Pergunte e Responderemos»
4/1958 qu. 11.

h) pág. 32 : «S. Olegario, bispo de Poitiers, em seu segundo livro


sobre a Trindade.. .*.

A historia desconhece tal santo. Trata-se de Santo Hilario


de Poitiers (310-367). Oxalá haja aqui outro erro de imprensa,
que contudo depóe contra o senso crítico e o crédito do opúsculo.

A lista de corregóes a fazer em nome da historia no ps.-


-discurso atribuido a Strossmayer se poderia prolongar...

— 308 —
CORRESPONDENCIA MIÚDA

Bastam as que precedem para se denegar autoridade nao só-


mente ao documento falsificado, mas também aqueles que o
endossam ou aqueles que .na base de tal mistificagáo se pro-
póem combater a Igreja Católica. Um tal ataque ao Corpo de
Cristo (cf. Col 1,26) só pode redundar em detrimento dos ata
cantes e da causa que os inspira!

CORRESPONDENCIA MIÚDA

INTIíKlAIH) fliio ilr .liinririi) : l'oilriia inundarnos dizer ondi;


leu a noticia eoneennüiU: ¡tus "prosélitos ilu l'oilii" <; aos "da jiiHtica'7
Súmente so conhecernios a fonte désse comunicado, poetaremos procurar
dar a explicagáo respectiva.
A respeito (lo segundo ponto, esteja certo de que Deus nao comete
injustic.a nem é vingativo. Um Deus injusto ou vingativo seria urna
contradigáo; admitir que Deus possa ser tal é simplesmente o mesrao que
negar a existencia de Deus.
0 Senhor pode punir materialmente urna coletividade, mas, fazen-
do-o, nunca nega aos seus membros os meios necessários para consegui-
vem a vida eterna; desastre material nao é caso de desespero para os
amigos de Deus. Ás vézes mesmo acontece que é somente ñas ocasióes
de flagelo coletivo que os coracóes endurecidos se convertom para o ver-
dadeiro sentido da vida e para o seu Fim Último, Deus.'fisses flagelos
entáo vém a ser beneficios. Por isto nao julguemos os designios da Pro
videncia nem tiremos conclusóes precipitadas daquilo que vemos. Deus
só sabe o verdadeiro significado dos acontecimentos. Confianca n'file ;
Deus «'■ l'ai, a Foiitc «le toda ¡i Mondado, ou file mida é, nfio 1-x.isto.

MERCEDES (Rio fie Janeiro) : — Também lemos a noticia de jor


nal a que V.S. alude. É insuficiente para se fazer idéia precisa do
que tem oeorrido ; quem foi o eclesiástico curado por Arigó ? Se nos
pudessem dizer seu nome e suas fun?óes...
Arigó deve ser urna das muitas pessoas do nosso interior que, de
boa fé, professam o catolicismo e simultáneamente se deixam atrair por
pláticas espiritas, realizando urna certa psicoterapia em virtude de suas
qualidades psicológicas próprias, e "em nome dos médicos do_ Além".
Tem inzíio »Ui pifitcstur contra a ron fusilo religiosa. Mas nao dé. impor
tancia ao caso, que nao a merece. E seja crítica no tocante^ as suas
fontes de informacóes religiosas; pois há FONTES e "fontes"...

ISAC G. (Marica): — A resposta ás suas questóes se acha em


"Pcrgunte e Responderemos", novembro de 1957, qu. 4, 5 e 6. Se soubés-
semos seu enderégo, poderíamos responder-lhe mais longamente.

D. ESTÉVÁO BETTENCOURT O.S.B.

— 309 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

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Rio ele Janeiro Tel. 261822-Rio de Janeiro

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