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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEIVÍTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
$L vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
0. O. ti. »,U. «♦.«•

Bf BLIOT BOA
CJEMTRAJL

PR
73
J A N • E I R \<

19 6

1
ÍNDICE
Fág.
I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "A Religido depaupera a inteligencia e impede o progresso


das ciencias. Os grandes dentistas dos últimos tempos eostumam
ser agnósticos ou incrédulos I" • *-

2) "Nao basta citar nemes e números.


Quisera ler testemimhos de sabios qué comprovem os sentimen-
tos religiosos de tais homens" 1£

II. SAGRADA ESCRITURA

S) "O sol terá estacionado no céu quando o rei Ezequias de


Judá (716-687 a. C.) certa vez estava doente ? Cf. U Rs 20, 8-11" 19

U) "Porque no Oficio de Nossa Senhora tim hiño compara


María com um relógio atrasado ?" ld

5) "O Apostólo Sao Paulo parece admitir, no homem, espirito,


alma e corpo (cf.l Tes Sfi3). .
Isto nao da fundamento a doutrina espirita segundo a qual no
homem há corpo, alma (espirito) é perispírito ou ectoplasma ?" . SS

in. MORAL

6) "A aceitacáo da técnica moderna (em pedagogía, medici


na, enfermagem...) por parte dos Religiosos e das Religiosas nao
será algo de, nocivo a vida consagrada a Deus ? Nao acarreta o
«seo de mundanismo e perda do espirito sobrenatural t 25

- IV. ESPIRITUAUpADE

' 7) "Costuma-se olhar com cérto desprézo para a velhice. Par


rece improdutiva, tornándose mesmo um, fardo para a sociedade.
Os próprios velhos se- lamentam muitas vézes das conseqüéncias da
sua idade.
Que diz o cristdo ante éste estado de coisas ? Nao haveria urna
espiritualidade dos andaos ?',' 38

CORRESPONDENCIA MIÜDA 47

COM APROVACAO E<3LESIASTICA


kPERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano Vil — N? 73 — Janeiro de 1964

I. CIENCIA E RELIGIAO

UNIVERSITARIO (Rio de Janeiro) :

1) «A Religjáo depaupera a inteligencia e impede o pro-


gresso das ciencias. Os grandes dentistas dos últimos tempos
costumam ser agnósticos ou incrédulos!»

Em«P. R.» 8/1958, qu. 2 e 52/1962, qu. 1, já tratamos das


relacóes entre a fé e a razio (ou a ciencia), mostrando nao haver
confuto entre urna e outra; muito ao contrario, evidenciou-se
que a própria razáo, aplicando-se ao estudo com lealdade, faz
finalmente que o homem se veja diante de urna realidade miste
riosa, transcendente, realidade que é precisamente o objeto pro-
fessado pela fé.
Em conseqüéncia, parece muito lógico dizer-se que a fé e a
.Religiáo sao imperativos aos quais leva a própria inteligencia
humana convenientemente aplicada ao estudo. Acontece, porém,
que a adesáo as proposicóes da fé nao depende apenas da inte
ligencia, mas também de um conjunto de fatóres, entre os quais
figura p comportamento ético ou moral do individuo: há, sem
dúvida, pessoas que difícilmente ou jamáis chegaráo a crer por
que seu género de vida nao o permitiría; entregam-se obcecada
mente a situagóes de vida para as quais a idéia de Deus seria úm
espantalho. Esta complexidade do assentimento de fé deve ser
levada em conta sempre que se apontam nomes de dentistas
ateus ou arreligiosos. De resto, só Deus vé o íntimo das consciéri-
cias; só Deus sabe qüánips.sáó verdadeiramente ateus ou quan-
tos morrem sem reconhecer o Senhor.
Em todo caso, quandase diz que houve e há muitos dentis
tas incrédulos e que a ciencia leva ao agnosticismo, fala-se sem
conhecimento, pois, na verdade, a historia ensina que a grande
maioria^dos homens de ciénda — e mesmo os mais famosos
entre éles — foram religiosos.

Tem-se demonstrado isto na base de estatisticas. Vamos aqui repro-.


duzir urna destas, a qual nos permitirá deduzir algumas significativas
conclusaes.

— 3 —
«PERGUNTE E. RESPONDEREMOS> 73/1964, qu. 1

L Um inquérito

Apresentaremos os resultados das pesquisas efetuadas por A.


Eymieu e publicadas por éste autor na sua obra «La part des croyants
dans les progrés de la science aü XIX siécle : I Dans les sciences exac-
tes; II Dans les sciences naturelles» (Librairie Académique Perrin
1920), assim como no artigo «Science et Religión» do «Dictionnaire Apo-
logétique de la Foi Catholique» IV. Paris 1928, 1241-1253.
Éste inquérito sugere logo de inicio tres breves observac6es:
a) limita-se ao séc. XDC, pois éste é tido como o século do ateís
mo e da incredulidade por excelencia. Ñas épocas anteriores reconhe-
cer-se-á com mais facilidade que houve — e em grande número — den
tistas religiosos.
b) O inquérito enumerou cientistas que tiveram íé... Fé em que?
Ao menos na existencia de Deus e da alma. Éste é ti fundamento
mínimo sobre o qual se baseiam a religiáo natural e a sobrenatural.
Está claro que nao é sempre fácil averiguar qual a posicáo dos homens
de ciencia perante estas duas pilastras da Religiáo, pois os temas dos
quais trataram e sobre os quais escreveram eram outros (ciencias pro
fanas) ; sobre alguns nomes, portante, podem pairar dúvidas.
c) O tipo de ciencias examinadas no inquérito foi o das «ciencias
que permitem prever os fenómenos da natureza e dominá-los» (Claude-
•Berñard) : «ciencias exatas» (matemática, astronomía, física e química)
e ciencias naturais (referentes ao mundo inanimado, sem vida, e ao
mundo animado ou vivo). Sao ciencias empíricas, as quais se devem as
grandes descobertas de que se gloria o mundo moderno; tais disciplinas
sao as que gozam de mais prestigio no público e sSo as que os adversa
rios geralmente lancam contra a Religiáo. Inegávelmente possuem mais
afinidade com a Religiáo algumas outras disciplinas como a historia,
a exegese bíblica, a filosofía, embora nao deixem de ser também explo
radas contra .a fé. ■
Tendo que limitar o campo das pesquisas, concentrar-nos-emos no
primeiro tipo de saber ácima apresentado.
■ A fím de nao alongar por demais a exposicáo, tivemos que adotar
estilo esquemático, limitando-nos a indicacáo dos principáis nomes e de
algum trago característico de um ou outro déles. Ulteriores IndicacSes
sobre a biografía e o pensamento dos dentistas citados poderáo ser
encontradas na obra de Eymieu ou em enciclopedias.

A. As ciencias «exatas»

a) Matemática

Sao geralmente apontados como os grandes pioneiros da


Matemática moderna

Karl Friedrich Gauss (1777-1855), Augustin-Louis Cauchy (1789-


-1857) e Jules-Henri Foincaré (1854-1902).
Em segundo plano indicam-se Joseph-Louis Lagrange (1736-1813),
Niels Henrik Abel (1802-1829), Evaristo Galois (1811-1832), Georg Fried
rich Bernhard Riemann (1826-1866), Karl Weistrass (1815-1897) e Char-.
les Hernüte (1822-1901).

4
OS CIENTISTAS SAO INCRÉDULOS ?

Nesta lista, Lagrange e Galois pertenceram provávelmente


á categoría dos indiferentes; Poincaré, á dos agnósticos. Os de-
mais demonstraram ser profundamente -religiosos, sendo que
Niels Abel conservou sempre a sua ardorosa fé de protestante.

b) Astronomía

Dois grandes vultos merecem citacSo antes dos demais no


séc. XIX : Pierre Simón de Laplace (1749-1827) e Urbain Le
Verrier (1811-1877). Éste último foi um cristáo notável; La-
place, apesar do que se tem dito, conservou a fé durante a vida
e mórreu como cristáo (a teoría de Laplace, ou seja, da nebu
losa donde se fórmou o universo, nao contradiz á Biblia; cf.
«P. R.» 26/1960, qu. 4; 29/1960, qu. 1 e 5).

Ainda muitos outros nomes se poderiam citar, os quais neste setor


deram honra tanto a ciencia como á íé: Arthur Cayley, Charles Báb-
bage, Hermann Grassmann, Alfred Gautier, Gaspar Santlní, Valentino
Cerruti, Rodolfo Wolf, Joáo Frarik Encke, Johannes von Lamont, Wil-
liam Hugrgins, Charles Brior, Mathias OIbers, etc.

c) Física

Dois nomes de homens religiosos encabegam, por sua pro-


je"áo científica, a lista dos fsicos do sáculo passado : Jean-Bap-
tiste JosephFourier (1769-1830) e Víctor Regnault (1810-1878).
Era meados do sáculo XIX comegou a ser cultivada a ter
modinámica ou a ciencia da energía calórica (da temperatura),
tendo á frente Marc-Frangois Seguin (1786-1875) e Nicolás
Léonard Sadi Carnot (1796-1832). A respeito da mentalidade de
Carnot, pairaram dúvidas até que um neto do mesrno, o tenente-
-coronel Camot, escreveu ao diretor de conceituada revista de
Franga em 24 de fevereiro de 1923, desfazendo as hesitaeóes e
apresentando seu avó como «profundamente espiritualista»,
como «crente muito propenso a mística».

Nao se poderiam esquecer outros nomes de grandes físicos que


foram simultáneamente homens de fé, como Rodolfo Julio Emanuel
Clausius (1822-1888), Hermann Ludwig Ferdinand Helmholtz (1821-
-1894), William Thomson (1824-1907) e, principalmente,
James Watt (1736-1819), que pos a máquina a vapor a servico da
industria; Claude Frangote Dorothée de Jouífroy d'Abbansl, a quem se
• deve o primeiro navio a vapor,
Joseph-Michel Montgolfier (1740-1810), que deu inicio aos aeróstatos;
Ciernent Ader, que em 1897 conseguí u pela primeira vez fazer decolar
um aviao; Wilbur Wrigh^ que em 1903 voou própriamente de aviáo.
Foram todos estes, como dizíamos, homens de reconhecida fé.

_ 5 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 1

d) ótica

Orientaran! os trabalhos da ótica na primeira metade do


séc. XIX: Thomas Yonng (1773-1829), Joseph Fraunhofer
(1787-1826), Léon Foucaalt (1819-1868), Armand Hippolyte
Louis Fizeau (1819-1896) e, máxime, Jean Augustin Fresnel
(1788-1827).

Levaram vida de cristáos fervorosos, exceto Foucault, que só-


mente no decurso de sua última dcenca, após maduras deliberac5es,
voltou a prática da religiáo.

Mais ainda : merecem mengáo no mesmo setpr Joáo Pedro


Minkelers, o inventor da iluminacáo a gas (1784); Joáo Nicé-
foro Niepce, o inventor da fotografía; Gabriel Lippman, o pri-
meiro autor de fotografías em cores (1891); David Brewster,
Jacques Babinet, Joseph Plateau. Todos professaram a fé, che-
gando alguns a notável piedade.

e) Eletricidade .. :

" Ciencia do séc. XIX por excelencia, comega com quatro


candes nomes : Alessandro Volta (1745-1827), Hans Christian
Oerstedt (1777-1851), André-Marie Ampéref (1775-1836) e Mi-
chelFaraday (1791-1867).

Déstes grandes dentistas, Oerstedt e Faraday foram protestantes


fervorosos; Volta foi católico fiel. Quanto a Ampére, após crise reli
giosa, recuperou a fé, proclamou-a com eloqüéncia, e morreu á seme-
Ihanc'a dos santos homens de Deus.

Na segunda metade do séc. XIX, distínguiram-se: James


Clerk Maxwell (1831-1879), que formulou a teoría eletro-magné-
tica da luz, teoría aprofundada por Heinrich Rudolf Hertz
(1857-1894) e Henri Becquerel (1852-1908), que descobriu a ra-
dioatividade da materia.

Estes tres cientistas professaram sua Religiáo, sendo que MaxweU


e Becquerel o fizeram fervorosamente. Becquerel, alias, dizia que, após
abandonar a fé, f6ra a esta reconduzido pela ciencia : «Foram os meus
estudos mesmos que me levaram a Deus e a Religiáo». ;

f) Química

O desenvolvimento da ciencia do átomo foi outro dos grari^


des méritos do séc. XEX. .
Neste campo destacam-se as figuras de John Dalton (1766-
•1844), Joseph Louis Gay-Lussac (1778-1850), Amadeo di Qua-

— 6 —
OSCIENTISTAS SAO INGRéPULOS ?

regna di Avogadro (1776-1856), PierrcLouis Dnlong (1785-


-1838), Alexis Thérése Petit (1791-1820), Jean Jacob Berzélius
(1779-1848) e putros mais, que pérfazem um total de vinte
nomes famosos. .

Ora dentre.ésses vinte grandes químicos, cinco ha cuja posicáope-


rante a Religiáo nos íica desconhecida: Petit, Berthollet, Mitscherlich,
Laurent e Kékulé. Os demais (pairando dúvidas apenas sobre Gay-
-Lussac) íoram homens de fé, alguns mesmo fervorosos, como Berzé
lius, Priestley, Davy, Dumas, Wurtz, Chevreufl, Thénard, Liebig.
Passemos agora a

B. As ciencias da natureza

Há certos grandes vultos que se projetam sobre toda a historia das


ciencias naturais no sée. XIX: . .^ "
Georges Léopold Chrétien Frédéric Dagóbert Cuvler (1769-1832),
Jean-Baptiste Pierre Aritoine Monet de Lamarck (1744-1829),'Étienne
Geoffroy Saint-Hllaire (1772-1844), Charles Darwin (1809-1882); Claudé
Bernard (1813-1878), Louis Pasteur (1822-1895). — Todos deram teste-
munho de fé, com excecáo de Darwin, que, embora nao tenha profes-
sado o ateísmo, se mostrou flutuante e vago perante a idéia de Deus
(ver pág. 15 déste fascículo).
Claude Bernard aíirmou no leito de morte: «Quero morrer na
crenca de minha mae». «
Pasteur foi certa vez interpelado por um de seus alunos, que se
admirava por ter o mestre conservado a fé após tanto estudo e refle-
xáo. Respondeu entáo:
«É exatamente por ter estudado e refletido muito que conserve! a
minha fé de bretáo. Se eu mais tivesse refletido e estudado, a minha
fé serla de bretá», isto é, ainda mais fervorosa (cf. «Revue des ques-
tions scientifiques» XXXIX pág. 385).
Em particular, analisemos

a) As ciencias da Térra (geología, paleontología...)

Contam com o concurso de Friedrich Heinrich Alexander


von Humboldt (1769-1859), Leopold von Buch (1774-1853),
William Buckland (1784-1856), Alexandre Brongniart (177Q-
-1847), Charles Lyell (1791-1875), Jean-Baptiste Armand Louis
Léonce filie de Beaumont (1798-1874), Marcel-Alexandre Ber-
trand (1831-1914), Edward Suess (1831-1914), Antonio Stop-
pani (1824-1891), Jean-Baptiste Julien .d'Omalius .d'Halloy
(1783-1875), James Dwight Daña (1813-1895);
Míchel Auguste Lévy (1844-1911), que é o fundador da pe
trografía francesa;
Alcide Dessalines d'Orbigny (1802-1857), Joaquim Bar-
rande (1799-1883), Louis Agassias (1807-1839), Edward Drin-
ker Cope (1840-1897), Karl Alfred Zittel (1839-1909), que sao os
beneméritos da Paleontología. .;

-— 7 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 1

Em suma, num total de 24 vanguardeirps das ciencias da Térra no


século passado, há um ateu (Suess); um agnóstico, indiferente, más
tolerante e respeitoso (Lévy); um cuja mentalidade nos íica encoberta
(von Buch); os demais vinte e um nomes exprimem personalidades que
nao hesitaram em professar a crenca em Deus.

b) As ciencias da vida

a') A Botánica, disciplina muito antiga, realizou grandes


progressos no séc. XIX por obra dos sabios
Antoine Laurent de Jussieu (1748-1836) e Agostinho Py-
ranne de CandoUe (1778-1841), em Morfología;
Charles Francois Brisseau de Mirbel (1776-1854), Hugo
von Mohl (1805-1872), Jakob Mathias Schleiden (1804-1881),
Karl Wilhelm NSgeli (1844-1912), Eduard Strasburger (1844-
-1912), Filipe Eduardo Leáo van Tieghem (1839-1914), em
Anatomía;
Joseph Gottlieb KSlreuter (1733-1806), Christian Konrad
Sprengel (1750-1816, Julius von Sachs (1832-1897), Gregor
Mfendel (1822-1884), Carlos Vítor Naudin (1817-1899), em Fi-
siologia e Genética.

Sem nos alongar na mencáo de outros nomes relevantes, realgamos


que dos cientistas citados, Strasburger foi incrédulo; Nágeli e van.
Tieghem foram indiferentes á Religiáo; Mohl e KSlreuter nao nos sSo
suficientemente conhecidos. Os restantes patentearam suas crengas
religiosas.

b') . A Zoología se beneficiou grandemente pelos estados de


Pierre André Latreille (1762-1833), Johannes Friedrich BIu-
menbach (1752-1840), Antonio Luís Dugés (1797-1833), e Joáo
Henrique Casimiro Fabre (1823-1915), Joáo Luís Armando de
Quatrefages de Bréau; todos, homens de fé.

Fabre, por exemplo, declarou certa vez a um visitante que lhe per-
guntara se acreditava em Deus : «Nao posso dizer que acredito em
Deus; vejo-O. Sem Ele, nada compreendo; tudo sao trevas. Considero o
ateísmo um capricho e a dcenca do nosso tempo. Mais fácilmente me
arrancariam a pele do que a fé».

c') A Anatomía tem como pioneiros alguns estudiosos que


abertamente professaram a Religiáo: Marie-Francois-Xavier
Bichat (1771-1802), fundador da Anatomía geral; Teodoro
Sciiwann (1810.-1882), o criador da-Histología; Karl Ernst von
Baer (1792-1876), o pai da Embriología moderna; Jean-Jacqües-
-Marie Cyprien Coste (1807-1873), cientista notoriamente
aberto para as verdades religiosas.

— 8 —
OS CIENTISTAS SAO INCRÉDULOS?

d') Fisiología. Além do nome de Claude-Beraard, devem-


-se ressaltar os de Charles Bell (1774-1842), Marie-Jean-Pierre
Floureiis (1794-1867), Francisco Magendie (1783-1855), Fríe-
drich Tiedemann (1871-1861), Alfred Wilhelm Volkmann (1801-
-1877), Henrique Milne-Edwards (1800-1885), Karl Friedrich
VVilhelm Ludwig (1816-1895), Elie de Cyon (1843-1912). Com
excecáo de Magendie, que fpi materialista, estes estudiosos afir-
maram publicamente suas conviccóes religiosas.

Como renovadores da Neuropatologia, citam-se Joáo Domingos


Esquirol (1772-1840), Guilherme Benjamim Duchenne (1806-1875) e Joáo
Martinho Charcot (1825-1893). Éste último íoi incrédulo; Esquirol, um
cristao professo, ao passo que nao há clareza sobre o modo de pensar
de Duchenne.
Em Psicofisiologia salientaram-se José Frederico Bérard (1789-
•1828), homem de fé firme, e Pedro-Joao Jorge Cabanis (1757-1808), o
qual professou com energía o materialismo e o ateísmo, mas na vida
prática nao conseguiu ser coerente com seus dizeres, pois se comportou
como homem de fé. Neste setor nao se poderiam ignorar dois grandes
dentistas incrédulos : Karl Vogt e Jakob Moleschott.

e') Medicina e Cirurgia. Na dianteira déstes estudos figu-


rou, antes de Claude Bernard e Pasteur, a corrente dita Fisioló
gica, de tendencias materialistas, cujo principal representante
foi Francisco José.Vítor Broussais (1772-1838).

. Fazia eco a ésta corrente a Escola do Organicismo, fundada por .Luis


Leáo Rostan (1791-1866). Éste sabio, embora tenha tido discípulos ma
terialistas, nao era destituido de fé religiosa, chogando mesmo a pre
tender, que as suas doutrinas demonstravam a existencia, da alma e pos-
tulavam a, existencia de Deus.

A corrente materialista, porém, fez época, cedendo á Escola


dita Anatomopatológica, de tendencias opostas, cujos grandes
vultos sao: Renato Teófilo Jactato Laennec (1781-1826), Gui-
lherme Francisco Laennec, Gaspar Lourengo Bayle (1774-
-1816), Guilherme Dupuytren (1777-1835), José Claudio An-
telmo Récamier (1774-1852), Gabriel AndraJ (1797-1876), Jean
Cruveilhier (1791-1874). Todos estes viveram como bons.cris-
táos, excegáo feita de Dupuytren, o qual se converteu na última
hora de sua vida.. ■

De maneira especial, a Cirurgia deve seu desenyolylménto ao cul


tivo de quatro ramos de pesquisas: a Anestesia, por parte de James
Young Simpsom (1811-1870); a ForcipressSoí, por parte de Eugenio
Koeberle (1828-1915) e Julio Emilio Pean (1830-1898); a Antlssepsla,
estudada por Joseph. Lister (1827-1912); a Assepsla, á qual se aplicaram
Ernst von Bergmann (1836-1906J e Luis Félix Tenier (1837-1908).
Désses dentistas, Koeberle, de católico praticante que era, caiu no
indiferentismo, ao passo que Pean percorreu a via oposta; Terrier,

g
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 1

que se dava por livre-pensador, pediu os sacramentos da S. Igreja du


rante a sua última doenca; os demais enumerados professaram sem-
pre a íé.
Podem-se notar ainda os seguintes nomes de grandes cirurgioes que
•deram testemunho da sua crenca religiosa: Dominique Jean Larrey,
Amédée Bonnet, Auguste Nélaton, Luigi Porta, von Langenbeck, Ri
chard von Volkmann, J. M. Nussbaum, Teodoro Billroth, ArLstides Au
gusto Estanislau de Verneuil, Luis Xavier Eduardo Leopoldo Ollier,'
Marie-Marallin Lucas Championniere, Eduardo Delanglade.
Estes dados, que se poderiam sem dúvida multiplicar, exigem agora

2. Reflexao e conclusáo

1. Eymieu, ao terminar a exposigáo dos resultados do seu


inquérito, verifica ter recenseado 364 nomes dentre os maiores
sabios no decorrer do séc. XIX.
Désses 364, 151 foram piomeiros de pesquisas importantes
ou de novos ramos de estudos. Dentre tais iniciadores, 11 se
mantiveram lacónicos quanto á sua posigáo religiosa. Ficam, em
conseqüéncia, 140, assim distribuidos : 127 homens de fé, 4 ateus,
5 indiferentes, 4 agnósticos. O que quer dizer que, entre 35 sa
bios, em media 32 professaram convicgóes religiosas, um se mos-
trou agnóstico, um indiferente e um ateu.

Claro está que tais cifras sao apenas aproximativas, íicando su-
jeitas a revis&o. Contudo nao é temerario dizer que refletem de perto
a realidade. Os retoques que lhes fdssem leitos, nao as alterariam
essencialmente; muito menos inverteriam as proporcñes assinaladas.
Quem veriíica quáo ampia foi a participacáo dos homens de fé ñas
grandes descobertas que impulsionaram a ciencia moderna, pode per-
guntar se ainda resta algum empreendimento digno de nota a ser atri
buido aos sabios incrédulos casualmente esquecidos no inquérito.

2. Quais seriam entáo as conclusóes decorrentes dos resul


tados colhidos por Eymieu?
O próprio Eymieu formula tres grandes proposigóes sugeri
das pelas cifras apuradas :
1) Afirmar que os sabios sao geralmente incrédulos, equi
vale, numa palavra, a faltar á verdade.
2) Os dentistas como tais nao estáo obrigados a se pro
nunciar sobre Religiáo. Acontece, porém, que os maiores dentre
éles, os pioneiros das pesquisas científicas, deram espontáneo
testemunho á fé assim como a ciencia; professaram simultánea-
.mente Religiáo e Ciencia. Isto quer dizer que nao viram conflito
entre urna e outra destas disciplinas.
Ora, se nao viram tal conflito, éles que conheciam bem a
ciencia, pode-se dizer, sem receio, que tal conflito de fato nao
existe.

— 10 —
OS CIENTISTAS SAO INCRÉDULOS?

Como entfio se explica que alguns pensadores juíguem haver


tal antagonismo?
Nao é em nome da ciencia que éles assim falam, mas por inspirac&o
de outro fator, outro fator que será taivez «preconceito, falsa filosofía,
sentimentalismo, inexato conhecimento da Religiáo, da historia ou coisa
semelhante». Pois bem; inegávelmente contra éste outro fator a Reli-
giSo entra (e quer entrar) em confuto!

3) O inquérito deuli ver que, entre os grandes pioneifos da


ciencia do séc. XIX, precisamente os homens de fé constituiram
notável maioria. É de crer, porém, que, se se estendesse o inter
rogatorio a todos os homens (sabios e ignorantes) das nagóes do
séc. XIX (daquelas mesmas napóes donde se originaram ós cien-
tistas), certamente nao se verificaría a proporgáo de 32 varóes
de fé em cada grupo de 35 cidadáos (nao consideramos aqui as
mulheres, que em geral sao religiosas). Ao contrario, apurar-se-
-ia taivez üma minoría apenas de varóes de fé ou de varóes pron
tos a professar a Religiáo por suas palavras e seus atos.
Isto quer dizer que os dentistas e sabios do séc. XIX tive-
ram mais fé do que a maioria dos seus contemporáneos. A sua
própria ciencia os terá imunizado do contagio da incredulidade
que o ambiente do século tentava de varios modos incutir, con
tagio ao qual nao puderam resistir os cidadáos mais simples ou
menos eruditos; a pouca ou nula ciencia déstes terá permitido
que se deixassem arrastar ao materialismo e á indiferenga reli
giosa, ao passo que a ciencia sólida alimentava a chama da Reli
giáo nos genuínos sabios.
Disto se pode deduzir que, longe de haver conflito, há, antes,
particular afinidade entre auténtica ciencia e Religiáo ou fé.
Tínha razáo, portante, o sabio Pasteur, ao asseverar: «La
science rapproche l'homme de Dieu. — A ciencia torna o homem
mais próximo de Deus».

Os dados da presente resposta foram colhidos imediatamente do


artigo «Science et Religión» da autoría de A. Eymieu no «Dictionnaire
Apologétique de la Foi Catholique» IV 1241-1253. — Os seus dizeres
parecem nao ter perdido a fdrca persuasiva nos dias atuais.
3. De resto, inquérito semelhante foi levado a efeito por E. Den-
nert, que publicou os resultados na sua obra «Religión der Natur-
forscher» :
Procurou examinar qual terá sido a posicáo religiosa de 300 estu
diosos da natureza e médicos famosos dos últimos tempos, chegando
aos seguintes resultados:
20 se apresentaram contrarios a Religiáo ou ateus;
38 nao foram suficientemente explícitos para permitir um julzo
neste setor;
os demais 242 (dentre 300) nao sonriente nutriram sentimentos reli
giosos em seu intimo, mas fizeram, com maior ou menor ardor, profís-
sao pública dos mesmos. Os estudiosos da natureza tendem muito

— 11 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 2

espontáneamente a prorromper em hinos de entusiástico louvor ao


Criador.
As consideracóes que acabamos de propor, seráo completadas pela
resposta seguinte: .

ESTÜDANTE (Rio de Janeiro) :

2) «Nao basta citar nomes e números.


Quisera ler testemunhos de sabios que comprovem os senti-
mentos religiosos de tais honren»».

Nao faltam repertorios de testemunhos que comprovam as crencas


religiosas de numerosos homens sabios. Vamos aqui transcrever al-
guns claros depoimentos provenientes dos cientistas de maior projeeáo
nos últimos séculos. Nao será necessário comentá-los amplamente, pols
süo por si mesmos assaz eloqüentes.
A ordem das citagóes será a cronológica, ditada pela data em que
foram proferidos os testemunhos. Concentrar-nos-emos principalmente
nos séc. XIX e XX, nos quais a sociedade tem sido táo influenciada
pelo ateísmo.
Depois de propor os testemunhos, ainda consideraremos urna dú-
vida que poderia ficar na mente do leitor.

1. Falam os homens de ciencias

1) Joáo Kepler (t 1630), astrónomo famoso por ter cola


borado na descoberta das leis da mecánica celeste, escreveu:

«O Deus Eterno, o Deus Imenso passou diante de mim. Nao vi a


sua face, mas o seu reflexo, que se apoderou da minha alma e a abis-
mou em assombro e admiragao» (Harmonías do Universo, t. V pág. 243).

2) Isaac Newton (1643-1723), físico e matemático ilustre,


declarou ao concluir a sua obra «Os principios matemáticos da
Filosofía da natureza» :

«A maravilhosa ordem do sol, das estrélas e dos cometas só se


pode explicar se foi planejada por um Ser onlciente e onipotente que
lhe deu origem. E, se cada estréla é o centro de um sistema solar semé-
lhante ao nosso, o universo foi evidentemente concebido segundo um ■
plano homogéneo e constituí o reino de um único Senhor. Disto se segué
que Deus, o Deus vivo, oniciente e onipotente, é o Ser infinitamente
perfeito que domina o universo inteiro».

3) Karl Friedrich Gauss (1777-1855), conceituado por


vézes como o maior matemático de todos os tempos, escrevia em
3 de dezembro de 1802 urna carta ao seu colega o matemático
Farkas v. Bolyai, que ele terminava nos seguintes termos :

«Felicidades, caro amigo! Seja agradavel a ti o sonho que nos


chamamos 'vida'. Esta é o antegózo da verdadeira vida, que nos espera

— 12 —
TESTEMUNHOS DE FÉ

na patria própriamente dita. La o espirito nao será humilhado pelos


vínculos do corpo pesado, nem pelos limites do espago, nem pelos fla
gelos dos sofrimentos terrestres, nem pela penuria nem por mesquinhas
indigencias e concupiscencias. Carreguemos éste fardo até o fim, cora
josos e pacientes; mas nunca percamos de vista o nosso supremo obje-
tlvo. Quando entáo soar a nossa última hora, alegrar-nos-emos por depor
a carga e por verificar como o denso véu terá desaparecido diante do
nossb olhar».

Palavras simples, que constituem vivo testemunho de crenga


em Deus e na vida eterna.

4) Augustin-Louis Cauchy (1789-1857), também dito «o


rei das matemáticas do nosso tempó», escrevia no seu livro «Aos
amigos da ciencia» (pág. 5s) :

«Sou cristSo, isto é, creio na Divindade de Jesús Cristo, como


Tycho Brahe, Copérnico, Descartes, New.ton, Fermat, Leibnitz, Pascal,
Grimaldi, Euler, Guldin, Boscovich, Gerdil, como todos os grandes as
trónomos, como todos os grandes matemáticos dos séculos passados.
Demonstrar-vos-ei que minhas conviccóes nao se inspiram em precon-
ceitos recebidos juntamente com o leite materno; demonstrar-vos-ei que
se derivam de profundos estudos, que gravaram para sempre no meu
coracáo verdades mais incontestáveis do que a do quadrado da hipote
nusa. Sou católico sincero, como Corneille, Racine, La Bruyére, Bos-
suet, Bourdaloue, Fénelon, como grande número dos mais eminentes
. homens do nosso tempo, entre os quais há estrélas de primeira catego
ría das ciencias exatas, da filosofia, da literatura, homens que foram,
e ainda hoje sao os ornamentos mais preciosos da nossa Academia».

5) Hans Christiah Oerstedt (1777-1851), o fundador da


ciencia eletromagnética, assim se exprimía :

«A ciencia tem em comum com a Religiao a tendencia a nos elevar


ácima das coisas sensíveis... Antes que a Religiao lhe ensine algo de
melhor, o homem é muito propenso a admitir que o mundo corpóreo é
simples e própriamente tudo que existe. Ora, para emancipá-lo de tfio
estreitos horizontes, muito contribuirá a intuicáo de que a Térra, que
o homem julga ser o firme sustentáculo de todas as coisas, nSo é em
verdade senao parte móvel de um mundo maior, ou ainda... a intuic&o
de que céu e térra sao apenas a face visivel que encobre urna ordem
de coisas mais profunda e duradoura... Caso alguém ainda nao o
saiba, aprenderá aqui (na cartilha da ciencia) que nos nada somos se
nos colocamos contra Deus, mas nos turnamos algo se nos colocamos
a servico de Deus» (cf. H. Ehgels, Die grossten Geister über die Fragen.
Konstanz).""

6) Alessandro Volta (1745-1827), um dos pioneiros das


descobertas e invengóes no setor da eletricidade, diariamente
assistiu á S. Missa e rezava o térgo; nos dias solenes, aproxi-
mava-se da S. Comunháo. Mais ainda : fazia questáo de ensinar

— 13 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMQS> 73/1964, qu. 2

pessoalmente a seus filhos as verdades do catecismo. Aos 6 de


Janeiro de 1815, escrevia famosa carta, em que se le :
«Submeti as verdades básicas da fé a um estudo sistemático; 11 as
obras dos seus defensores e as dos adversarios; ponderei as razoes em
favor e em contrario; desta forma colhi eloqüentes argumentos que tor-
nam a Religiáo digna de aceitacáo á própria razáo humana; em conse-
qüéncia, parece-me que quem nao está corrompido pelo pecado ou a
paixáo, quem possui urna alma nobre e digna, nao pode senáo abracar
e estimar as verdades da Religiáo. Queira Deus, seja levada ao conhe-
cimento de todos os homens a minha profissáo de fé, que, a pedido
de amigos, escrevi e assinei de próprio punho e hoje com alegría pro-
firo em público, pois nao me envergonho do Evangelho! Conceda Deus
que éste meu testemunho de fé produza frutos abundantes!» (cf. T.
Tóth Mit offenen Augen durch Gottes Natur. Freiburg i./Br. 1931,
pág. 162).

■ 7) André-Marie Ampére (1775-1836), o fundador da Ele-


trodinámica, dava a seu filho as seguintes normas :
«Trabalha em espirito de oracáo. Estuda as coisas daste mundo,
porque é éste o dever de teu estado. Mas observa-as com um ólho ape
nas, e faze que o teu outro ólho esteja constantemente fixo na luz
eterna. Escuta os sabios, mas nao os escutes senáo com um ouvido, e
conserva o outro pronto para acolher os suaves acenos da voz do teu
Amigo Celeste.
Escreve com urna máo só, e com a outra conserva-te preso ao manto
de Deus, como urna crianca se conserva agarrada ao manto de seu pai.
Hei de me recordar sempre do que diz Sao Paulo : 'Usa éste mundo
como se nao o usasses'. E, a partir déste instante, fique a minha alma
unida a Deus e a Jesús Cristo!».

8) O físico inglés James Clerk Maxvvell (1831-1879) parti-


dpava da Ceia do Senhor urna vez por mes. Ao fim de cada dia,
era ele quem dirigía a oracáo comum dos seus familiares. A ele
se deve a seguinte prece :
«<5 Deus Todo-Poderoso, que criastes b homem á vossa imagem
e semelhanca e lhe destes urna alma viva, a íim de que Vos ame e
domine as vossas criaturas, ensinai-nos a estudar as vossas obras de
modo' tal que sujeitemos o mundo ao nosso poder e se corrobore o
nosso espirito em vosso servico» (cf. T. Tóth, ob. cit. 164s). '

9) Justus von Liebig (1803-1873), o fundador do ramo da


Química aplicada á agricultura, asseverava :

«Em verdade, só reconhece a grandeza e a infinita Sabedoria do


Criador o homem que se esforca por entender o pensamento de Deus
expresso no vastissimo livro da natureza : tudo que os homens (sém
Deus) sabem e dizem a respeito désse livro, parece oratoria oca e vá».

10) Robert Mayer (1814-1878), o descobridor da lei da


conservagáo da energía, próferiu num congresso de dentistas

— 14 —
TESTEMUNHOS DE FÉ

reunido na cidade de Innsbruck (Austria) em 1869 a seguinte


declaragáo:

«Bem sabemos que, sem o desencadeamento de um processo quí


mico, nao é possível haver comunicacáo telegráfica. Mas quem seria tSo
simplório para crer que o conteúdo do telegrama é mero resultado de
reagoes físicas e químicas que se realizam no interior do fio condutox
da mensagem? — Pois bem; algo de análogo se verifica entre o pensa-
mento e o cerebro. O cerebro é apenas instrumento; há urna alma que
se serve désse instrumento. A alma nao está enquadrada dentro do
ámbito dos sentidos; por isto ela nao pode ser objeto das experiencias
dos físicos e dos anatomistas... É com éste pensamento que conduo.
Numa convicgáo que emana do intimo do coracjio, proclamo ao mundo
inteiro: a reta filosofia nao pode ser senáo a propedéutica (escola
preparatoria) da Religiáo crista» (cf. T. Tóth, ob. cit. 163s).

11) Karl Ernest von Baer (1792-1876), o fundador da


Embriología moderna, é o autor da seguinte reflexáo :
«A fim de ajudar o homem a dominar a sua natureza animal, o
Criador colocou no peito do homem quatro grandes aspiragóes, que
Ele nao deu aos animáis inferiores: a aspiracáo ás coisas santas, que
chamamos Fé; o estímulo para cumprir o dever, que chamamos Cons-
ciencia; a sede de saber, que denominamos curiosidade científica; o
deleite com as obras belas, que designamos como senso estético. Estas
quatro aspiracoes, as quais nos tornam imagem e semelhanga de Deus,
sao o polo magnético que invisivelmente dirige, a humanidade através
aa sua historia e que deverá continuar a orientar o comportamento dos
povos; pois é ésse polo magnético que provoca o homem a cultivar
seus quatro principáis interésses, interésses que tém valor perene: a
Religiáo, a Virtude, a Ciencia e a Arte» (Reden I 116).

12) O próprio Charles Darwin (1809-1882), que freqüente-


mente é tido como ateu, bem pode ser trazido para éste coro
de testemunhos em favor de Deus. Assim, por exemplo, termina
ele a sua obra «Sobre a origem das especies» (1859) :
«Há algo de grandioso nessa concepgao da vida, concepgáo conforme
a qual a vida foi originariamente produzida pelo Criador em pouca3
especies ou talvez mesmo em urna so especie dotada de múltiplas poten
cialidades de evolucáo; enquanto o nosso planeta, seguindo as leis da
atragáo da materia, percorre as suas revolugfies, de táo simples prin
cipio desenvolveram-se e ainda se vao desenvolvendo inúmeras formas
de viventes, todas muito belas e dignas de admiragSo».
Verdade é que a idéia de Deus ocupa lugar assaz modesto no con
junto das doutrinas de Darwin; cf. «P.R.» 29/1960, qu. 1.
Ainda se pode acrescentar um ou outro depoimento de:cientistas do
séc. XX, que mostram como até nossos tempos a auténtica ciencia, que
mais e mais se tem desenvolvido, continua a dar ao mundo o tésteme
nho de Deus.

13. Sao palavras do físico Max Planck (1857-1947), autor


da famosa teoría dos «quanta», condecorado com o Premio
Nobel em 1918 : .

— 15 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 2

«Ambas, Religiáo e Ciencia da natureza, envolvem em. seu exercl-


cio, a afirmagáo de Deus. Apenas acontece que, para a Religiáo, Deus
está no coméco; para as ciencias d» natureza, Deus está no termo do
raciocinio.. Para a Religiáo, Deus é o fundamento; para as ciencias,
Ele 6 a coroa que remata o ediílcio das concepgSes científicas» (citacao
transcrita da obra de H. Muschalek, Gottbekenntnisse moderner Natur-
forscher. 2a. ed. Berlín 1954, pág. 22).

14) Apraz referir também os dizeres de Albert Einstein


(1879-1955), o genial autor da teoría da relatividade :

«Ciencia sem Religiáo é paralitica. Religiáo sem ciencia é cega»


(ob. cit. 22).
«A opiniáo comum de que sou ateu, repousa sobre grave erro.
Quem a pretende deduzir de minhas teorias científicas, nao as enten-
deu... Creio num Deus pessoal, e posso dizer com sincerldade que
nunca em minha vida cedi a urna ideología atéia» (entrevista dada á
imprensa em 1950; cf. «P. R.» 26/1960, qu. 1, pág. 49).
«

15) Guglielmo Marconi (1874-1037), um dos maiores físi


cos modernos, benemérito por suas realizagóes no setor das tele-
comunicagóes sem fio, professava :

«Declaro, com garbo, que tenho fé. Creio no poder da oragáo, e


creio nao apenas como fiel católico, mas como dentista» (ob. cit. 23).

16) Significativo é também o depoimento de Ferdinando


von Zeppelin (1838-1917). Em 1900, após ter conseguido a pri-
meira ascensáo a atmosfera em seu baláo característico, excla-
mou : «Já, Gott ist der Künstler und ich bin sein Werkzeug! —
Deus é o Artífice, e eu sou seu instrumento» (ob. cit. 25).

17) Tfaomas Alva Edison (1847-1931), o inventor da lám


pada elétrica, do cinematógrafo, do gramofone, detentor de mais
de 1.200 patentes americanas, subiu á t6rre Eiffel em Paris e,
a seguir, escreveu no respectivo livro de ouro de visitantes :

«A Eiffel, engenheiro e corajoso construtor de gigantesca e original


peca de politécnica moderna, dedica estas palavras um homem que
nutre o mais profundo respeito e a mais sincera admiracáo para com
todos os engenheiros e, em ■particular, para com o maior dentre éles :
Deus» (ob. cit. 25).

18) A Paleontología moderna leva em conta especial os indicios


de crenca religiosa colocados junto a ossadas descobertas nos estrados
da térra. Nao raro, á primeira vista é difícil dizer se se trata de fósseis
de animal irracional ou de verdadeiro homem.- Pois bem; indicios de
Religiáo sao, hoje em dia, Üdos como característicos da inteligencia
humana, característicos que dlstanciam claramente do animal irracio
nal o verdadeiro ser humano, pois, como assevera Herbert Kuhn,
ilustre estudioso da pré-hist6ria, «hoje sabemos que, onde está o ho-.

— 16 —
testemunhos.de. fé

mem, está nao sómente o fogo e o instrumento burilado, mas está


outrossim Deus» (ob. cit. 24). .

19) R. A. Millikan (1868-1953),. pesquisadqr de Física ató


mica condecorado com o Premio Nobel, verificava : «Nunca en-
contrei um genuino pensador que nao tivesse a crenga em Deus!»
(ob. cit. 22).
Como «prova dos nove» em favor dos testemunhos dos dentistas
de fé, transcrevemos aqui alguns poucos depoimentos de' estudiosos
que se deram por incrédulos. Também estes, do seu modo, afirmam a
existencia de Deus; entenda-os o leitor.
Assim, por exemplo, falam:

20) Ernest Renán (1823-1892), o qual, após juventude fiel


k Religiáo, abandonou a fé; tornou-se ateu e escarneceu em estilo
elegante as verdades do Cristianismo, em nome de urna pre
tensa critica da historia e da literatura. Ora, no declinio da sua
vida, escrevia Renán:

«ó Deus da minha juventude, sempre Uve esperanca de voltar


para Ti... e talvez volte, humilde e vencido... Ah! Como eu porta
a mao no peito, de boa vontade, se tivesse esperanca de voltar a ouvlr
aquela voz que outrora me íazia vibrar: ó Deus da minha juventude!...
Talvez sejas o do meu leito de morte!...» («Futuro da ciencia», conclu-
sao).

21) Le Dantec (1869-1917), por sua vez, nao hesitou em


afirmar:

«Quanto a mlm, muito estimo pqssuir, a par do ateísmo lógico,


urna crenca moral resultante de um sumario de erros ancestrais, crériga
que dita a minha maneira de proceder nos casos em que a razáo me
deixaria afundar...... Vou resumir as razSes por que sou ateu, mas
nao pretendo disfarcar o que elas tém de vazio. Possuo o bom senso
nécessário para dizer como o Sr. de La Falice.que nao creio em Déüs
porque sou ateu; é mesmo esta a única razao forte que posso dar
da minha incredulidade» (testemunho colhido no opúsculo de P. Thl-
vollier: «Deus existe?. Resposta do homem». Lisboa 1957, pág; 98).

22) Pierre J. Proudhon (1809-1865), um dos pioneiros do


socialismo, observava muito bem : «Qual ó ateu qué nao tenha
murmurado 'Meu Deus!' á cabeceira de sua máe moríbuit
da?» (ib.). ,;•:"■-....
23) Enfim, a guisa de proverbio, vai aqui a sentehca de um ateu
anónimo v «A Impiedade é cdmoda para viver, mas, para morrer, é'd
diacho!». ■•.-,.

Estes testemunhbs, de inegável eloqüéncla e Jorca pjersuasiya,-n5Q


podem contudo impedir ulterior questSo : seo ateísmo nao» éconclusao
da ciencia, mas ao contrario é por esta dissipado, por que na realidade

— 17 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 2

há bom número de dentistas que professam o materialismo em nossos


dias? — Eis a razáo de ser do parágrafo seguinte :

2. Que dizer dos depolmentos contrarios?

Em resposta, podem-se fazer duas observagóes :

1) Nao seria lícito esquecer que também em nossos días


há grande número de homens de ciencia que nao se intimidam
em afirmar e práticar a Réjigiáo. Nem seria lícito dizer que
sao os incrédulos qué dáo a tonalidade ao mundo dos dentistas
contemporáneos. .

2) Os homens modernos lidam com grande número de ex


periencias, fenómenos e dados concretos, pois as investigagóes
científicas se dilatam e aprofundam cada vez mais. Isto signi
fica enriquecimento do saber, mas, ao mesmo tempo, depaupera-
mento da mentalidade. Com efeito, o dentista moderno corre o
risco (e freqüentemente a ele sucumbe) de se perder na des-
crigáo de fenómenos e fenómenos; parece, aos seus próprios
olhos e aos olhos do público, altamente erudito; contudo essa
erudigáo é muitas vézes incompleta. O estudioso moderno fre
qüentemente já nao tem a capatídade de se elevar ácima dos
fenómenos, de refletir sobre o seu significado, de indagar as suas
possíveis causas ocultas, metafísicas, enfim... perdeu a capaci-
dade de filosofar. Por isto, a ciencia de muitos eruditos contem
poráneos se acha um tanto manca ou mutilada; é descritiva em
alto grau, mas insuficiente do ponto de vista filosófico. .Assim
se explica que ela nao Ihes dé o testemunho de Deus. ou que éles
nao tenham capacidade para escutar éste testemunho que a dén-
cia de hoje (a ciencia da era atómica), como a ciencia do sáculo
passado, dá a todo homem que a cultiva.

Tolsto! dizia que «um homem pode ignorar que' tem urna Religiáo,
como pode ignorar que possui um coracáo. Mas sem Religiáo, sem
Deus, como sem coracao, o homem nao pode existir» (depoimento
colhido no citado opúsculo de Thivollier, pág. 79). — Assim o homem
de ciencias moderno pode ignorar a mensagem total e completa da
ciencia, mas nem por isto a ciencia moderna deixa de comunicar a sua
mensagem completa, mensagem que leva até Deus!

-NSo nos.deve impressionár,. portante,, o fato de que;haja em nossos


días muitos dentistas-que-afzem nao ter fé. Entregando-Be inais e mais
a observacao.de fenómenos, o'cientisfá contemporáneo tende preponde-
rantemenféha. descricácTdos níesmos e vai perdeñdo ó hábito dé ábstrair
do concreto, a fim de raciocinar Sobre o quépos'sa estar «por detrás»
dos fenómenos ou a fim de filosofar. Por isto ele se coloca no caminho
de Deus, mas muitas vézes nao chega até Deus.

— 18 —
RELÓGIO ATRASADO E MARÍA SS.

Cf. «P. R.> 54/1962, qu. 1 (por que os homens de hoje tfen tao
pouca ié?).
Com vantagem poderá o leitor consultar uina das últimas publica-
c8es sobre o assunto : «A Ciencia destrói a Religiáo?» de P. Cauchará,
na colecáo «Sei e Creio» n' 91. Editora Flamboyant, Sao Paulo, 1962.

D. SAGRADA ESCRITURA

M. J. C. (Fortaleza) :

3). «O sol terá. estacionado no céu quando o rei Ezequias


de Judá (716-687 a. G.) certa vez estava doente? Cf. 4 Rs
20, 8-11».

E. A. (Recife) :

4) «Porque no Oficio de Nossa Senhora um hiño compara


María com um relógio atrasado?»

As duas questSes, embora parecam desconexas entre si, comple-


tam-se mutuamente, pois o confronto de Maria SS. com um relógio
atrasado-nao- é- sentio- urna adaptacao do texto bíblico a que alude a.,
pergunta anterior.
Examinemos sucessivamente cada qual das duas questSes.

1. O sol parou?

1. Por duas vézes na Escritura Sagrada se referem a doenca do


rei Ezequias e o sinal portentoso de cura que o Senhor Deus se dignou
conceder-lhe por essa ocasiáo.
Eis o quadro etn que se insere o episodio. .

Reinava Ezequias em Judá (716-687 a.C), quando certa


vez adoeceu gravemente. O profeta Isaías foi entao admoestá-lo
a se preparar para a morte, pois chegara ao fim de seus dias.
Profundamente entristecido com a noticia, Ezequias com grande
ardor rogou a Javé que lhe poupasse ainda a vida. A sua prece
foi atendida, de sorte que Isaías pouco depois lhe pode anun
ciar, da parte do Senhor, a pronta cura : dentro de tres dias iria
orar no Templo, e depois gozaría ainda de mais dez (ou, confor
me possivel glossa, quinze) anos de existencia. Todo surpréso
com a~ jubilosa noticia, Ezequias ousou entáo pedir ao Senhor
um sinal, penhor de que a saúde lhe seria realmente restituida.
O texto de 4 Rs 20,8-11 assim narra o ocorrido :

«Perguntou Ezequias a Isaías : 'Qual será o sinal de que o Senhor


me curará e de que poderei subir ao Templo dentro de tres dias?'.
E Isaías lhe respondeu: 'Eis o sinal que te dará o Senhor para que

— 19 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 3 e 4

saibas que se há de cumprir a sua promessa: queres que a sombra


se adiante dez graiís ou recue dez graus?' — 4É fácil, replicou Ezequias,
que a sombra se adiante dez graus. Nao. Quero que ela recue dez graus'.
Orou o profeta Isaías, e o Senhor fez que a sombra recuasSe dez graus
no relógio solar de Acaz»; ■ . ■ ' ••''••

No livro do profeta Isaías (38,5-8), a narrativa volta em


termos mais concisos : ;

Isaías é enviado a Ezequias para comunicar-lhe da parte.do Senhor :

«Ouvi tua oracáo e vi tuas lágrimas; prolongarei tua vida por


quinze anos:, Eis o sinal, da parte do Senhor, para convencer-te de
que cumprira a promessa :"Farei a sombra recuar os dez graús'que'o
sol lhe fez descer no relógio solar de Acaz'. E o sol voltou déz graus
para tras».

Do confronto déstes dois textos deduz-se logó que o sinal


nao consistiu em estacionamento nem em retrocesso do sol,.mas
em «recuo de urna sombra projetada sobré quadrante» (4 Rs
20,11). É éste recuo que o livro de Isaías, por fórea de exprés-
sáq, designa como «recuo do sol» (Is 38,8); na verdade, uma
sombra recuou «como se» o sol tivesse recuado aos olhos do
observador. ■

É isto que permite ao autor do Eclesiástico dizer: «Ezequias fez


o que era agradável a Deus...; um dia o sol retrocedeu e (o profeta
Isaías) prolongou a vida do rei» (48, 25s).
Já esta verlficacáo contribuí para dissipar alguns mal-entendidos
referentes ao episodio. Contudo aínda é preciso añalisar de mais perto
o que se terá dado no caso.

2. Pergunta-se portante : que sombra seria a que recuou,


conforme 4 Rs e Is 38?

Os comentadores reconhecem unánimemente que sé tratava


da sombra de um ponteiro ou de uma haste que devia indicar o
movimento do sol, ou seja, as horas do dia. Nao saberiam, po-
rém, dizer com seguránca se essa sombra se projetava sobre um
quadrante de relógio graduado, mais ou menos semelhante aos
nossos quadrantes, ou apenas sobre os degraus de uma escada:..
Nesta última hipótese, haveria uma haste fincada rio topo de
pequeña colina; e a ésse topo o acesso se faria por degraus dé
escada colocados de todos os lados ao" redor da haste. Um tal
obelisco existia no Campo de Marte em Roma para indicar as
horas do dia. Também se poderia admitir, que a haste estjvesse
fincada sobre um pedestal munido de doze degraus de escada.
Os melhores comentadores preferem a primeira dessas sentencas
(aido-quadrante). A inven?áo;do relógio de sol com seu quadrante-pr65

— 20 —
RELÓGIO ATRASADO E MARÍA SS.

priamente dito se deve, conforme Heródoto (II 109), aos babilonios; é


bem possível que o rei Acaz (736-716) de Judá, admirador dos assirios
como era, tenha adotado essa invencáo dos mesopotámios e construido
no palacio regio em Jerusalém o «relógio de Acaz» de que fala o' texto
sagrado em 4 Rs 20,11.
Heródoto diz outrossim que «os gregos receberam dos babilonios o
polos, o gnomon e as doze divisóes do dia». O polos marcava as horas
conforme o ángulo que a sombra do ponteiro desenhava sobre deter?
minado quadrante. O gnomon marcava as horas pelo comprimento da
sombra projetada sobre o quadrante.
Em 1923/25 os arqueólogos exumaram, na cidade mesma de Jeru
salém, um gnomon bem conservado, que dá idéia do que possa ter
sido o quadrante graduado do rei Acaz.

3. Graus de um quadrante ou degraus de urna escada...


Como quer que seja, o prodigio narrado pelo livro bíblico nao se
altera muito em qualquer dessas hipóteses. Pergunta-se agora :
que fenómeno terá provocado ésse recuo da sombra do ponteiro?

Certamente, como vimos, nao íoi um fenómeno de estacionamento


ou recuo do sol no céu, pois o livro 4 dos Reís remove claramente tal
hipótese.
Julgam certos comentadores, sim, que se tratava de um fenómeno ,
de refracao dos raios solares. Notam mesmo alguns que, aos 27 de
margo de 1703, na cidade de Metz (Alsácia), semelhante fenómeno se
produziu: a sombra dos ponteiros dos relógios solares recuou de hora
e meiá por efeito de refracao dos raios do sol na atmosfera (cf. Kna-
benbauer, In Is 38,8).

Tal explicagáo é aceitável. Observe-se contudo que já seria


suficiente, para corresponder aos dizeres do texto bíblico, admi
tir mero efeito na retina do rei Ezequias. Ésse efeito de retina,
inegávelmente maravilhoso ou fora do comum como era, bas
taría para ser sinal dado ao rei pelo Senhor Deus como penhor
do seu próximo restabelecimento de saúde.

Nao se pode determinar com maior precisao a explicacao do prodi


gio. Os pormenores, no caso, nao importam muito; o essencial, em
qualquer hipótese, é que o rei Ezequias tenha sido entáo impressionado
por um acontecimento nao habitual, acontecimento que, á primeira
vista, equivaleria a um recuo do sol e do ponteiro que indicava a mar
cha do sol.
Assim impressionado, Ezequias compreendeu que sua prece fóra
atendida e que de fato ele havia de ser curado.

Consideremos agora o aproveitamento ou a adaptagáo déste episo


dio bíblico na piedade crista.

— 21
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 73/1964, qu. 3 e 4

2. A aplicagáo a Maña SS.

Um dos hinos do Oficio Mariano assim reza :

«Deus vos salve, relógio,


que, andando atrasado,
serviu de sinal
aq Verbo Encarnado».

Evidentemente esta estrofe se refere aos textos de 4 Rs 20 e Is 38.


Indaga-se, pois, que fundamento haverá para se associar o «relógio
atrasado» da historia de Ezequias e a Virgem SS.

Logo de inicio lembraremos que esta associacáo nao pretende ser -


a explicacao do texto bíblico como tal, mas apenas urna aplicagáo do
mesmo á piedade, ou seja, á exaltagáo da figura de Maria SS.; básela-
-se, pois, em alguma semelhanea que os cristáos julgaram poder des-
cohrir entre o relógio de Ezequias e a Santa Máe de Deus.
O relógio atrasado, no caso, nao interessa por estar atrasado (esta
seria urna nota pejorativa, que nao serviría para ilustrar as grandezas
de Maria), mas, sim, por ter sido algo de portentoso ou maravllhoso
(tal era o recuo imprevisto do ponteiro),... algo de portentoso ou ma-
ravilhoso que para o reí Ezequias devia ser sinal da intervencáo be
nigna e salvlíica do Senhor (a cura da doenca mortal). E nao esqueca-
mos : as intervencSes maravilhosas de Deus em favor de Davi e de
seus descendentes (portanto, em favor de Ezequias) eram sempre efe-
tuadas em vista e em funcáo do Messias (Jesús Cristo), o Filho de
Davi por excelencia; eram sempre devidas á Índole messiánica da linha-
gem de Davi. O sinal do relógio, portanto, na historia de Ezequias
tinha significado messiánico; era penhor daquela misericordia que se
devla exercer em plenitude pela vinda do Senhor Jesús Cristo.

Pois bem; é segundo éste aspecto de «portento-sinal» que o


relógio de Ezequias lembra Maria SS.. Também esta foi um por
tento ou urna obra maravilhosa do Criador. E foi um portento
que «serviu de sinal ao Verbo Encarnado», nao para ensinar ou
revelar alguma coisa a Jesús Cristo, mas para que Jesús Cristo
soberanamente ensinasse aos homens algo da sua mensagem : de
fato, Maria, logo no inicio dasua missáo materna, em visita á
casa de Isabel, entoou o «Magníficat», ou seja, urna profecía que
anundava a chegada da era messiánica e a restauragáo da ordem
violada pelo pecado :

«O Senhor manifestou o. poder de seu braco : dispersou os que


tinham o coracao cheio de pensamentos orgulhosos. Derrubou os pode
rosos do seu trono e exaltou os humildes. Saciou de bens os famintos e
despediu os ricos de máo vazia. Socorreu a Israel," seu servo, lembrado
da sua misericordia, como prometerá aos nossos pais, a Abraáo e á sua
posteridade para sempre» (Le 1, 51-55).

Destarte Maria foi, pela sua palavra, um sinal da presenca


do» Messias no mundo. Sinal, Maria o foi também pela sua vida

— 22 —
«ESPIRITO, ALMA E CORPO» SEGUNDO SAO PAULO

de fé heroica e de fidelidade até o extremo. Por fim, Mana


tornou-se sinal, e sinal portentoso, para quem reflete sobre as
¡mensas grasas que Deus lhe concedeu (Matemidade Divina,
Vitoria sobre o pecado, sobre a morte..'.).

SSo, pois, estas prerrogativas de Maria que a Liturgia quer exaltar


quando a compara com o maravilhoso sinal do relógio na historia do "
rei Ezequias. Tenhamos em mente tais riquezas da graca divina mani
festadas em Maria, ao pronunciar as palavras do hiño, e estaremos
realmente «cantando com a inteligencia», como diz S. Paulo em 1
Cor 14,15.

LEGIONARIO (Rio de Janeiro) :

5) «O Apostólo Sao Paulo parece admitir, no homem,


espirito, alma e corpo (cf. 1 Tes 5, 23).
Isto nao dá fundamento a doutrina espirita segundo a qual
no homem há corpo, alma (espirito) e perispírito ou ecto-
plasma?»

Eis o texto paulino (com as suas palavras gregas características)


de que trata a questáo ácima :
«Que tudo em vos — o espirito (pneuma), a alma (psyché) e o
corpo (soma) — seja conservado sem mancha para a vinda de Nosso*
Senhor Jesús Cristo!» (1 Tes ^23)

1. Pergunta-se : será que éste texto quer exprimir alguma


sentenca sobre a composigáo do homem, considerado do ponto
de vista científico (antropológico) ou filosófico?
—: Nao. É vá esta suposigáo, da qual procedem, em grande'
parte, as dúvidas referentes ao texto citado. A visáo que Sao
Paulo tem do homem, é essencialmente religiosa ou crista; por
isto ele nao quer formular definieres do homem que abstraiam
da finalidade e da riqueza sobrenaturais da criatura humana ■—;
é da Sagrada Escritura do Antigo Testamento que o Apostólo
se inspira para falar do homem. Em conseqüéncia, a antropología
do Apostólo, dq ponto de vista meramente científico, fiepu sendo
assaz frouxa ou pálida. Daf se vé que seña inútil confrontar os
textos paulinos com as doutrinas filosóficas de épocas posterio
res, e déste confronto tirar conclusóes de índole filosófica ou
científica.
Vamos demonstrar isto, procurando reconstituir a mentali-
dade paulina.

2. Ñas suas consideragóes de antropología religiosa, Sao


Paulo parece ter partido do texto do Génesis (2,7), conforme o
qual Deus soprou ñas narinas do corpo humano um hálito de

— 23 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» : 73/1964, qú. 5

vida, fazendo da sua criatura urna «alma vívente», istó é, alma


que exerce na carne e pela carne as fungoes vitáis (cf. 1 Cor 15,
45). Conseqüentemente, para Sao Paulo, á carne náb se concebe
sem a alma nem a alma se define sem se indicar de algum modo
a sua relagáo com a carne; a carne é o substrato da alma, e a
alma é a vida da carne. Por conseguinte, o Apostólo considera
o homem como um só todo, que consta necessáriamente de corpo
e alma («homem exterior, visivel» e «homem interior, invisível»,
conforme 2 Cor 4,16; Rom 7,22; Ef 3,16).
Vé-se assim que o Apostólo nao teve em mente o problema
filosófico da dicotomía (divisáo em duas partes) ou tricotomía
(divisáo em tres partes) do composto humano, optando, como se
poderia crer, pela tricotomía. Nao; «corpo (soma)» e «alma
(psyché)», para o Apostólo, sao, antes, aspectos que revelam
todo o ser e todas as atividades do homem; o Apostólo nao quer
afirmar (como também nao quer negar) que sejam partes dis
tintas do composto humano.

Tomando esta posicáo, Sao Paulo compartllha a concepcáo semita


que considera o homem em bloco como um só todo que nao se divide,
mas que se identifica com o corpo e a alma reunidos.

3. Contudo verifica-se que o vocabulario do Apostólo, por


nao obedecer a nenhuma escola filosófica propiciamente dita,
varia muito ao designar os dois aspectos do homem : o aspecto
visivel (homem exterior, corpo, soma) e o aspecto invisível (ho
mem interior, alma, psyché).
De fato. Ao lado de psyché, alma, Sao Paulo emprega como
quase equivalentes alguns outros termos, cada um dos quais póe
em relevo um trago especial do ser interior ou invisível do ho
mem : coracáo (kardía), consciéncia (syneídesis), mente ou
razáo (nous), espirito (pneuma). Vejamos algo dos matizes
próprios de cada qual déstes termos.

a) CoracSo (kardía). Éste órgáo, conforme as concepcoes judaicas


antigás, é como que a sede da vida sensitiva, intelectiva e moral; é
responsável por tdda a atividade humana (pensamentos, afetos, recor-
dacóes e, sem dúvida, também as atitudes religiosas).
Tenham-se em vista alguns dos textos mals notáveis :
Rom 1, 21. 24 : «(Os pagaos), embora conhecessem a Deus, nao O
glorificaram como Deus nem Lhe renderam gragas. Pelo contrario,
perderam-se em vas cogitacoes e óbscureceu-se-lhes o corafiao insensato...
Por isto, Deus os entregou á impureza, de acordó com os desejos
de seus conujóes...»
Rom 2,15 (o coragao, sede da lei natural): «{Os pagaos) mostram
ter gravadas em seus coracáes as prescricSes da lei».
2 Cor 3,2s (o coragáo, sede da revelacSo sobrenatural) : «Vos sois
a nossa carta de recomendagáo, escrita em nossos cora$oes, conhecida e

— 24 —
«ESPIRITO, ALMA E CORPO» SEGUNDO SAO PAULO

•Hdá por todos os homeñs. Sim. vos sois manifestamente uma carta de
Cristo, redigída por nosso ministerio e escrita nao com tinta, mas com
0 Espirito de Deus vivo; nao em tábuas de pédra, mas em tábuas de
carne, em vossos corac3esi>.
. - 2 Gor 4,6 (o coracáo, sede do conhecimento) : «Deus, que disse:
'Do seio das trevas brilhe a luz' íoi quem fez brilhar sua luz em nossos
coracSes, para que fácamos brilhar o conhecimento da gloria de Deus,
que resplandece na face de Jesús Cristo».
Ef 4,18 (o coragáo, sede de atitude religiosa) : «Os pagaos) tém a
inteligencia obscurecida e estáo afastados da vida de Deus, por causa da
ignorancia em que se encontram e do endurecimento de seus coracdes».
Para consulta do leitor, sejam outrossim citados: Rom '2,5; 5,5;
6,17; 8,27; 9,2; 10,1.9s; 16,18;
1 Cor 14,25; 2 Cor 1,22; 2, 24; 3,15;'4,6; 6,11; 7,3;
Gal 4,6; Ef 3,17; 5,19; 6,5.22; Col 2,2; 3,16.22; 4,8;
1 Tes 2,4; 2 Tes 2,17; 3, 5; 1 Tim 1,5; 2 Tim 2, 22.

b) Consciéncia (synefdesis), termo que Sao Paulo utiliza vinte


vezes para designar como que um juiz imparcial, o qual, colocado no
interior do homem, ora formula a Lei de Deus, ora procede como tes-
temunha cujo depoimento ninguém ousaria recusar. Cf.
2 Cor 1, 12: «Nosso motivo de ufanía é éste: o testemunho de
nossa consciéncia de que, diante do mundo e particularmente em rela-
cáo a vos, temos procedido com santidade e sinceridade...»;
2 Cor 4,2: «Manifestando francamente a verdade, nos, diante de
Deus, nos recomendamos á consciéncia de todos os homens»;
Rom 9,1: «Digo a verdade em Cristo. Nao minto. Minha consciéncia
da testemunho comigo no Espirito Santo»;
Rom 2, 15: «Os pagaos mostram ter gravadas em seus coragSes
as prescricSes da lei. Sua própria consciéncia dá testemunho, assim
como seus pensamentos, que, alternadamente, os acusam ou também
os defendem».
A consciéncia pode ser boa (1 Tim 1,5.19), pura (1 Tim 3,9; 2 Tim
1,3) ou manchada, cauterizada (1 Tim 4,2), ou, ainda, fraca, enferma
(1 Cor 8,7.10.12).
Veja outrossim Rom 13,5; 1 Cor 10,15. 27-29.
c) Mente ou razao (nous), palavra que também pode designar,
no epistolario paulino, o modo de pensar, a oplnl&o, o sentlmento. Ge-
ralmente significa a razao humana e o modo de julgar meramente na
tural; as verdades da fé e a ordem sobrenatural ficam fora do seu
alcance. Merece atencao o fato de que em Sao Paulo tal vocábulo
ocorre vinte e uma vézes, ao passo que, nos restantes livros do Novo
Testamento, só aparece em Le 24, 45; Apc 13,18; 17,9.
Considere-se o emprégo de nous (mente, razao, inteligencia) em
Rom 11, 34; 14,5; 1 Cor 1,10; 2,16; 4,14s.l9; Flp 4,7; 2 Tes 2,2;
nous significa «disposicáo interior» em Rom 1,28; 12,2; Ef 4,17.23;
1 Tim 6,5; 2 Tim 3,8.

d) Espirito (pneuma). Abstraimos dos textos em que éste vocá


bulo designa evidentemente o Espirito de Deus ou o Espirito Santo;
focalizamos apenas as passagens em que pneuma significa algo que per-

— 25 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 5

tence ao ser humano. Notamos entao que tal termo é por vézes o sinó
nimo de coracáo (kardia). O Apostólo diz equivalentemente «presente
de espirito» (1 Cor 5,3; Col 2,5) e «presente de coragáo» (1 Tes 2,17);
«consdlo do coracao» ou «do espirito» (2 Cor 7,3.13).
NSo é raro, porém, Sao Paulo designar por pneiima o aspecto inte
rior do homem na medida em que éste é atingido e elevado pela graca
divina ou sobrenatural,... o espirito do homem enquanto ele está vol-
tado diretamente para o Espirito de Deus e a Éste responde. Multo
característico é o seguinte texto:
. «O próprio Espirito Cisto é, o Espirito Santo, Deus) atesta junta
mente com o nosso espirito que somos filhos de Deus» (Rom 8,16).;
Notem-se outras passagens em que pneuma designa o espirito do
homem renovado e santificado pelo Espirito de Deus : Gal 3,2; 4¿29;
5, 16-18.
Neste sentido, pneuma pode chegar a se opor a psyché.: éste outro
vocábulo designa, entáo, o homem guiado Cínicamente pelo modo de ver
racional ou natural, mais ou menos embotado para a revelacáo sobre
natural. Pneuma, ao contrario, designa o aspecto sobrenatural, a reali-
dade nova, do homem que vive segundo a íé e possui o senso das coisas
de Deus. Leve-se em conta, por exemplo, a comparacSo feita em 1 Cor
2,13s; 15,45s.

Tendo em vista tal significado muito particular de espirito


(pneuma), Sao Paulo enuncia éste elemento ao lado de corpo e
alma no citado texto de 1 Tes 5,23: o Apostólo ai deseja que
Deus, agindo em seus fiéis, guarde íntegros e puros o homem
exterior (o corpo, soma) e o homem interior (no que ele tem de
natural: a alma, psyché; e no que ele tem de sobrenatural ou
elevado pela graca : o espirito, pneuma). É, alias, éste o único
texto em que o Apostólo enuncia em justaposigáo estes tres ter
mos. Em geral, Sao Paulo se contenta com a apresentagáo de
dois vocábulos para designar os dois aspectos do ser humano.

Vé-se assim que a distinc&o paulina de corpo, alma e espirito nada


tem que ver com a das escolas filosóficas ou com a do espiritismo
(corpo, alma ou espirito, e perispírlto ou ectoplasma). O Apostólo tem
em vista problema diferente do que a filosofía e a antropología cientí
fica consideram : preocupa-o, antes do mais, o problema religioso ou
moral, e é principalmente do ponto de vista religioso que ele distingue
os aspectos integrantes da personalidade humana. Por' conseguinte,
seria vao fazer o confronto entre Sao Paulo e o espiritismo, e dai tirar
argumento em favor da teoría espirita.
De resto, esta ja foi analisada e rebatida em «P. R.» 19/1958, qu. 2;
38/1961, qu. 1. -
Para ilustrar como Sao Paulo nao queria estabelecer distincáo
muito rigida e sistemática entre os vocábulos da sua antropología,
note-se que a personalidade do homem pode ser, pelo Apostólo, desig
nada ora como psyché (cf. Rom 2,9; 13,1) ora como pneuma (Gal 6,18;
Flp 4,23; Flm 25; 2 Tim 4,22). Daí se explica, na liturgia, a resposta
«E com o teu espirito» que se dá á saudacao «O Senhor esteja
convosco».

— 26 —
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MP^BRNA R. G. S.
— HI. MORAL

MALINA (Salvador) :

6) «A aceitacao da técnica moderna (em pedagogía, me


dicina, enfermagem...) por parte dos Religiosos e das Religio-
sas nao será algo de nocivo a vida consagrada a Deus? Nao acar-
reta o risco de mundanismo e perda do espirito sobrenatural?»

Exporemos, antes do mais, a resposta que a Santa Sé, por seus


documentos oficiáis, tem dado as questOes ácima. A seguir, procurare
mos tomar consciénca dos perigos que, na vida religiosa, decorrem
da adogao da técnica, e tentaremos focalizar as respectivas solucñes
indicadas pelos Sumos Pontífices.

1. A resposta da Santa Sé

Por «técnica moderna» entendemos os métodos e as táticas


especializadas que visam hoje em dia obter resultados mais efi-
cazes nos diversos setores da atividade humana (ñas escolas,
nos hospitais, ñas oficinas, nos meios de comunicagáo, ñas ins-
talacóes elétricas, nos servicos automáticos, eletrónicos, etc.).
Assim entendida, «técnica» é algo de indiferente ou neutro
do ponto de vista moral. O seu valor ético (bom ou pecaminoso)
depende da intengáo de quem a utiliza; empregada para o bem,
a técnica vem a ser algo de bom, ao passo que, aplicada ao mal,
ela se torna algo de mau ou pecaminoso.

Quando a civilizacSo preponderantemente técnica comecou a tomar


vulto no inicio do sáculo passado, muitos católicos passaram a olhá-la
com reservas e suspeitas. O motivo disto é que a técnica se apresentava
a servico de filosofía materialista; servia para nutrir ilusSes a respeito
de urna pretensa «onipoténcia» do homem, alimentando argumentos, do
ateísmo; mais ainda: ela absorvia e escravizava as pessoas humanas
(tanto as dos possuidores e patrdes como as dos operarios).
Assim se explica que em muitos redutos piedosos da Igreja (prin
cipalmente em conventos de Religiosos) se tenham conservado ainda em
tempos recentes sistemas de formac&o e costumes de vida que ignora-
vam por completo as normas da ciencia e da técnica modernas ou mes-
mo as desprezavam; nao era raro julgar-se que as vantagens práticas
acarretadas pelos recursos novos fariam perder o espirito de austeri-
dade que deve caracterizar a vida consagrada a Deus.
Hoje em dia, porém, se verifica que os recursos da técnica nao
estao associados a determinada filosofía da vida (nem á atéia nem á
teísta). Por conseguinte, assim como freqüentemente serviram e servem
ao mal assim podem também servir (e muito tém servido) ao bem ou
ao reino de Cristo. Nao há, incompatibilidade entre vida consagrada a
Deus e utilizacáo dos recursos da técnica para obter maior rendimento
do apostolado. É necessário apenas que as autoridades religiosas indi-
quem normas a fím de que a técnica nao absorva as almas religiosas,
mas, antes, fomente a sua uniáo com Deus.

— 27 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 73/1964, qu. 6

Note-se mesmo, etn nossos tempos, que o apostolado já nao


pode prescindir dos recursos da técnica. Sim; um Religioso ou
urna Religiosa que trabalhe na enfermagem em hospital, nao
poderá pretender ganhar ascendencia junto aos seus pacientes
e colegas, se nao se mostrar competente rio seu ramo de traba-
lho. O diálogo entre católicos e náo-católicos comeca as vézes
por motivos de afazeres profissionais; se o Religioso está bem a
par do seu mister, ganha a estima dos náo-católicos; urna vez
conseguida essa entrada, poderá aproveitar da oportunidade
para falar de Deus e da Igreja. Por conseguinte o testemunho
capaz de converter as almas é preparado pela simpatía que
decorre da demonstragáo de idoneidade profissional. Ao contra
rio, pode provocar escándalo e afastar as almas de Deus, o Reli
gioso ou a Religiosa que dé provas de estar exercendo as suas
fungóes sem exato preparo ou de maneira leviana.

Compreende-se bem que as observacOes ácima se aplicam a todos


os setores de trabalho dos Religiosos {enfermagem, educacSo, ensino,
arte, etc.). Pode-se mesmo dizer : a cultura moderna nao conhece ramo
de a'tividade que nao exija alguma formacáo especializada; já nto bas-
tam os conhecimentos do bom senso e as experiencias do passado.
Haja vista o próprio Servigo Social: para ser exercido eficazmente,
nao se baseia apenas na caridade (embora esta seja o fator preponde
rante), mas requer outrossim conhecimento das pessoas humanas e
de sua psicología, assim como a arte de íazer que exprimam as verda-
deiras necessidades. — Existe também urna arte de levar as enancas
á oracáo, de despertar e educar nelas urna fé viva, de cultivar as res
pectivas virtudes naturais, etc.

As improvisagóes fácilmente provocam dissabores ou desas


tres, de tal modo que a aquisieáo de competencia técnica vem
a ser, para um Religioso, até mesmo dever de consciéncia.

Recentemente dizia muito bem um grupo de Religiosas respondendo


a um inquérito efetuado na Franca sobre ésse assunto:
«Pode alguém ter a consciéncia profissional. sem ter consciéncia
religiosa, mas hoje em dia ninguém pode ter consciéncia religiosa sem
ter consciéncia profissional».
O que quer dizer: um bom profissional nao é necessariamente reli
gioso, mas um Religioso fiel que exerca urna profissáo, é obrigado a
exercé-la religiosamente, isto é, com a devida competencia (se nao,
arrisca-se a escandalizar).

Esta afirmac&o táo verídica é confirmada pelas normas que a


Santa Sé tem publicado em favor da preparacao técnica dos Religiosos
que se dedicam k educacáo, ao magisterio, á enfermagem, etc.

Pió XII, por exemplo, dizia a Superioras de Religiosas ensi-


nantes reunidas no seu 1* Congresso Internacional, aos 13 de
setembro de 1951:

— 28 —
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MODERNA

«...Que as Religiosas ensinantes conhecam e possuam adequada-


mente as suas materias; Tratai, pois, de lhes proporcionar ura bom
preparo e urna formacao idónea que correspondan! as qualidades e aos
títulos exigidos pelo Estado. Dai-lhes com largueza tudo de que preci-
sam, especialmente livros, para que possam mais tarde seguir os pro-
gressos ,da sua ciencia e fornecer. assim á Juventude urna rica e
derisa messe de conhecimentos. Esta norma é bém consent&nea com a
mentalidade católica, que acolhe com gratidSo tudo que é, por sua nátu-
reza, verídico, belo e bom...
Além disto, lémbrai-vos de que a maiciria dos pais de familia vos
confia suas filhas por motivos de consciéncia crista. É preciso que, em
coriseqüéncia, ñio sofram o prejuízo que lhes poderia acarretar um
ensinamento de menor valor, ministrado por vossas escolas. Aó con
trario, deveis tomar como ponto de honra a tarefa de assegurar a ésses
genitores a nielhor instrucáo possível para as suas filhas; e isto, desde
a escola elementar.
Ademáis, nao esquecereis que o saber e o idóneo ensinamento
atraem para a Religiosa o respeito e a consideracáo das alunas. A Reli
giosa poderá entáp exercer mais profunda influencia... sobre a vida
espiritual das discipulas».

Aos 15 de setembro de 1952, o Sumo Pontífice assim se di-


rigia a Superiofas Gerais de Institutos e Congregagóes Femi-
ninas :

«Nao haja mesquinhez; ao contrario, tende vistas largas. Trátese


de educacSo, de pedagogía, de enfermagem, de atividades artísticas ou
outras, a Religiosa deve ter consciéncia de que a sua Superiora lhe
torna possivel urna formagáo que a ponha em pé de igualdade com as
suas colegas seculares; Dai-lhe também a possibilidade e os meios de
manter em día os seus conhecimentos profissionais... Acentuamos a
importancia desta exigencia para a, paz interior e a atividade das vossas
Irmas».

Mais ainda: aos 11 de fevereiro de 1956, o Papa Pió- XII


aprovava o Pontificio Instituto «Regina Mundi» em Roma, des
tinado a dar formacao superior as Religiosas. Escreyia entáo:

«No espirito da Igreja, nao se pode conceber nem admitir que as


Religiosas, que, por seus votos e sua vocagáo ao apostolado, se. dedicam
a encargos e tarefas na sociedade, sejam ou possam ser consideradas,
do ponto de vista profissional, inferiores as outras pessoas que,-impe
lidas por motivos humanos (motivos que nao deixam de. ser nobres),
préenchém no mundo os mesmos encargos, ou tarefas. • • • • ;.
■; Estajbbservacáo diz respeito particularmente... ás Religiosas e as
virgens consagradas a Deus que, -principalmente era nossa época,, se
dedicam de algum modo á educaeao e á formacao da juventüde. £ esta
urna tarefa ardua, nao sómente por causa do caráter das alunas e das
circunstílncias atuais, mas também por causa da amplldao dos. conheci
mentos cientificos, culturáis, e pedagógicos que se. adquirem atrayés
de longos estudos, exigem numerosos exames e ó'utfás pr<jvas,,déste
género, necéssárias em-tódia parte para que se tenha ó direitb de
ensinar. • . : ' " • . •• '•■•• ''-. ■

— 29 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 6

Nossas mestras e nossas educadoras que, por sua vocacSo, se dedi-


cam as criangas, aos adolescentes e as donzelas devem possuir cultura
mais elevada, técnica e principalmente religiosa, que seja sólida, bem
assimilada e completa».

Por último, seja aqui citada semelhante exortacáo dirigida


a Religiosas enfermeiras, aos 24 de abril de 1957 :

«Nada negligenciareis daquilo que vos pode tornar mais aptas para
dirigir casas de saúde e, em particular, para socorrer aos doentes.
Para tais objetivos, nao basta ser Religiosas, nem mesmo Religiosas
perféitas; é necessário que tenhais outrossim os conhecimentos técnicos
indispensáveis referentes a tratamentos hovos, novos instrumentos
que devem ser utilizados, e novos remedios que devem ser aplicados».

Estes depoimentos indicará claramente a tendencia da


Igreja a fazer que se aproveitem bs recursos modernos na for-
macáo das pessoas que, consagradas a Deus, sao chamadas a
misteres especializados. A Igreja nao déseja que o título de, con-
sagracáo a Deus redunde (nem mesmo indiretamente) em des-
dém para o Reino de Deus na sociedade; quem se dedica a urna
tarefa honesta, é obligado em consciéncia a desempenhar-se fiel
mente das exigencias dessa tarefa.

Contudo é inegável que a especializagao em disciplinas profanas


acarreta nao raro prejuizo para as observancias de Regra-e para a
mentalidade dos Religiosos. Que fazer entSo?
Tal é o problema que importa agora considerar.

2. As inegáveis dificuldades

Indicaremos abaixo alguns dos principáis perigos que podem decor-


rer da entrada de Religiosos e Religiosas nos quadros da técnica mo
derna :

1) Espirito de fé e espirito naturalista

Quem se dedica a urna atividade técnica hoje em dia, nao


pode deixar de experimentar as exigencias absorventes da sua
tarefa; os problemas, em vez de diminuir, se multiplican! dia por
dia, tomando cada vez mais o tempo da pessoa. Esta se senté
obrigada a entregar o melhor de suas energías á respectiva ta
refa, sob pena de a ver fracassada. Pouco tempo, assim como
pouca disposigáo de corpo e de espirito, lhe ficam para se dedicar
a outros afazeres/Ora cada Regra religiosa prescreve um con
junto de exercícios religiosos-que sao essenciais para manter o
quadrb'de vida consagrada a Deus, vida de fé, e impedir que o
Religioso íé torne um mero profissional da pedagogía, da enfer-
rííagem, da assisténcTa social,... professional que vive honesta-

— 30 —
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MODERNA

mente em seu convento como em urna pensáo, sem apresentar


algo que o distinga dos técnicos profanos. Nao podendo, porém,
(por falta de tempo ou de fórgas físicas) satisfazer a ésses deve
res de Regra, a pessoá consagrada a Deus vai perdendo aos pou-
cos o espirito de sua vocagáo religiosa; a oragáo chega a tornar-
-se-lhe um fardo penoso, em vez de constituir o respiro da alma.
Mesmo as obrigagóes de Regra, que ela ainda cumpre, já nao
lhe trazem fruto espiritual, porque sao preenchidas sem ánimo
nem fervor. O Religioso torna-se pessoa que, embora nao escan-
dálize, íéva vida contraditóriá,... e a leva talvez sem ter plena
consdéritía da gravidade de seu estado, pois o utilitarismo ou
as aparentes vantagens do trabalho «envernizam» a'situagáo é"
a párecem legitimar;..
Por isto, bem admoestava Fio XII as Religiosas enfermei-
ras, em alocucáo de 24 de abril de 1957 :
«Precavei-vos contra a atividade desregrada e inquieta que nao
deixa tempo nem calma para escutar a Jesús».
Quando a atividade chega a éste ponto, pode-se crer que muitas
vézes ela já nao significa apostolado, mas, sim, fuga «elegante» dos
votos ou do compromisso assumido perante Deus.
A perda do espirito religioso que acabamos de assinalar em tér- .
mos gerais, se concretiza em algumas manifestac.6es particulares que
váo abaixo discriminadas.

2) Diluicao do sentido de pobreza religiosa


Quem nao tem consciéncia de que o recurso á técnica está
associado alerta aparelhagem material — bicicletas, veículos
motorizados, máquinas automáticas de uso caseiro, para nao
falar de radio e televisáo —, aparelhagem que poupa esforgos
e tempo, multiplicando os frutos das atividades?
Verdade é que se pode estabelecer o criterio adequado para o em-
prégo de tais -instrumentos: «Sao oportunos os recursos que fazem
ganhar tempo e multiplicam o rendimento do trabalho apostólico; con-
denáveis vém a ser os recursos que signiíicam simplesmente satisfac&o
ou compensado para o individuo». Contudo, mesmo que esteja esti
pulado éste principio, a aplicacáo do mesmo nao é fácil; subsiste sem-
pre o perigo de confusSo e ilusao no uso dos meios enunciados.
O risco é aumentado quando o Religioso ou a Religiosa tem seus
servigos assalariados pelo Govérno. Entra entáo o perigo do peculio ou
do dinheiro próprio, assim como o da vida fácil, materialmente «garan
tida», em oposito á pobreza, da profissao religiosa.
Mais ainda: os amigos granjeados no trabalho (alunas, pais de
alunos, doentes socorridos...) tem prazer ero "oferecer presentes, favo
res... A estes se pode fácilmente prender o corado da pjessoa consa
grada a Deus,'a qual em conseq üéncia deíinha espiritualmente á me
dida ^ie-«melhÓTa» máterialmihte. -
Pois bem; contra tais.maleschamava a.atencSo'Pio X3I, dirigirido-
-se a Religiosos Carmelitas em 23 de setembro de 1951:

— 31 — -
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 6

«Seia a pobreza evangélica incessantemente observada, quer se


trate da vida de cada Religioso, quer se trate da vida da comunidade. -
Ora as diversas obras de apostolado, como o ministerio das almas, a
ornamentagáo das igrejas, a conveniente construgáo e as instalacSes
de escolas as missoes, os progressos da ciencia, e também o paga
mento de justo salario aos funcionarios, fazem que os Religiosos
tenham em máos notáveis quantias, multo normáis e .compreensiveis
nos tempos atuais. Nao obstante, é para desejar que tais recursos finan-
ceiros correspondam estritamente as necessidádes das respectivas obras,
e nao sejam procurados além de tal medida. Caso naja excesso dos
mesmos, sirva tal excedente, em espirito de colaborado fraterna, para
socorrer as miserias táo variegadas da vida atual. A verdadeira pros-
peridade será assegurada aos vossos Religiosos, e aos seus empreendi-
mentos nao pela previdencia humana, a qualé^ sempre incerta, mas
pela confianga na misericordia, no socorro de Deus e na generosa bon-
dade que acompanha a Éste».

As Religiosas enfermeiras da Italia observava Pió XII na citada


alocucáo de 24 de abril de 1957, em que o Sumo Pontífice recomendava
o aprimoramento técnico das Religiosas :

«Dai atencáo a observancia do espirito de pobreza, nSo só indivi


dual, mas também coletiva. Bem conhecemos as exigencias económicas
das vossas clinicas, que devem estar á altura do que se exige de um
hospital moderno. Nao é sempre fácil, em tais condigfies, permanecerdes
em tudo fiéis ao ideal da pobreza. Contudo, eremos poder despertar a
vossa vigilancia para o perigo de tentacSes freqüentes, das quais nao
estío sempre isentas as Religiosas que assistem aos enfermos: dese-
jamos referir-nos a certas clinicas em que os criterios de administra-
gao acabam por- nao se diferenciar quase dos criterios de certas em
presas comerciáis».
Tais declarac5es, realistas como sáb, evidenciam bem o perigo que
a entrada de Religiosos e Religiosas no campo da técnica acarreta para
a sobriedade que deve caracterizar a vida consagrada a Deus.

Semelhante conseqüéncia verifica-se em outros setores.

3) Menosprczo da humildáde

Nao será difícil imaginar que um Religioso diplomado, go


zando de alguma projegáo fora da sua comunidade, ñas fungóes
de professor, escritor, enfermeiro..., possa julgar que «vale»
alguma coisa para o seu convento e para a S.Igreja. Dai fácil
mente se origina no individuo um espirito de soberba, de contenr
tamento consigo mesmo, que faz o Religioso perder todo o sen?
tido da sua profissáo regular.

'O desejo da auto-realizagao e da auto-suficiencia é tab espontaneo


na nátureza humana que, posta diante de alguma. oportunidade, pode
fácilmente tomar a dianteira sobre as diretrizes da fé e a chama do
zélo apostólico. Ocorrem entfio desastres, visíveis ou invisíveis, na vida
da pessoa consagrada a Deus. J¿ Pió XI chamava a atencáo para tal
perigo: ■ •

— 32 —
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MODERNA

«A ciencia sem a virtude aprésente mais inconvenientes e riscos do


que verdadeiras vantagéns. Os jovens deveráo esforcar-se denodada
mente para que a virtude da humildade, necessária a todos, os penetre
até a medula; recordar-se-áo de que so Deus é soberanamente sabio...;
os conhecimentos que o homem possa adquirir, por mais notáveis que
sejam, nada significam em confronto com a multidáo de coisas que ele
ignora».
Apesar de parecer virtude dita «passiva», pouco condizente com o
desenvolvimento da personalidade, a humildade íica sendo urna das- '
indispensáveis pilastras da vida crista em qualquer setor de atividade.
Cultivar a humildade está longe de significar sufocacáo da personali
dade, ou tomada de posicáo meramente passiva; ao contrario, requerí
por vézes heroísmo e mobilizacáo de toda a energía da personalidade; v
essa mobilizacáo se dá nao para favorecer atitudes artificiáis ou falsas/*
mas para que a pessoa viva a verdacJe, ou seja, viva como criatura qué,"
em tudo depende do Criador (e o afirma conscientemente).
Nota-se outrossim, como conseqüencia ocasional (nao necessária)
da abertura para a técnica,

4) Debilitado do espirito de obediencia religiosa

A mentalidade do homem moderno já por si é pouco propensa á


obediencia, pois esta parece também ser virtude «passiva» e deprimente.
Já em relagáo a pai e máé na vida de familia, os jovens tendem a se
emancipar prematuramente. Levam consigo essa atitude mesmo para a
vida de convento. Ai procuram disciplinar-se, sem düvidá, e, ás vézes, „
com louvável galhardia. Acontece, porém, que tendo a ocasiáo de traba-
lhar fora da comunidade, com responsabilidades de Índole profana, fre-
qüentemente experimentam novo surto da tendencia a se emancipar
frente aos Superiores religiosos. A inclinacao a mandar, dirigir e orien
tar vai-se tornando um hábito que se reflete na própria vida da comu
nidade : críticas e reivindicacOes, as vézes pouco acertadas, pouco
sobrenaturais, se váo sorrateiramente instilando em algumas almas,
como se ídssem algo de plausível. Tem-se assim o.desvirtuamento ora
mais, ora menos consciente da profissáo religiosa.

Podem-se, por íim, mencionar também

5) Biscos para a virtude da castidade

O apostolado se exerce hoje em ambiente (escolas, hospitais, ofi


cinas) nos quais nao costuma haver grande respeito á castidade. O apos
tólo, justamente para ser apostólo, nao pode ai fechar-se sistemática
mente de modo a nao perceber o que haja de ofensivo ao pudor. Por
jnais intenso que seja o controle exercido sobre os seus sentidos, inegá-
velmente o Religioso fica sujeito á lenta intoxicacao por parte do meio :
sofre, sim, a influencia de línguagem e gracejos levianos, audicSes radio
fónicas nao selecionadas e quase obligatorias, revistas e impressos de-
vássos, filmes cinematográficos dos mais diversos tipos, que constituem
temas de conversas ou motivo de questSes propostas ao Religioso ou á
Religiosa. As vézes, ésses íatóres nao produzem ¡mediatamente seus
efeitos nocivos na pessoa consagrada a Deus; mais tarde, porém, podem .
desencadeá-los, até. com veeméncia. Quando outro inconveniente nao
acarretam, podem provocar um sentimentalismo mórbido, que leva a
pessoa consagrada a Deus a procurar compensares humanas para a
sua afetivídade.

— 33 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 6

Tanto mais capciosa é a influencia de tais fatdres quanto mais


justificados parecem : «Sim, pensaráo muitos Religiosos, é preciso estar
a par de tudo que se pode ler, ver ou ouvir no setor de trabalho, a fim
de formar um juízo sobre cada assunto sensacional e poder entrar
ñas conversas do ambiente.» Acontece, porém, nao raro que as espe
ranzas de cristianizar assim nutridas pelo apostólo sao frustradas; o
ambiente, antes, consegue descristianlzá-lo.

Os traeos que acabam de ser assinalados, parecem recons


tituir, de maneira mais ou menos fiel, o que realmente se dá na
vida de um Religioso ou de urna Religiosa que, munido do diplo
ma de habilitacáo técnica, se volta para algum dos varios setores
de trabalho que a vida moderna ofereoi, visando comunicar-lhe
Cristo.

A vista désse balanco, perguntar-se-á talvez :


a) Mas entáo nao seria melhor desistir da técnica para preservar
em sua pureza todos os valores religiosos?

— Nao, responderla a Santa Sé mediante os documentos já aqui


transcritos, baseando-se, alias, num imperativo de consciéncia que cada
individuo experimenta no seu intimo. Querer entrar em algum campo
de atividade de hoje sem preparo adequado significa expor-se a um
desastre (profano e religioso), que redundaría em desdouro da Reli-
giáo mesma. Seria tentar a Deus, pois o Senhor Deus nao manda igno
rar os valores humanos como tais.

b) Insistir-se-á entáo : se nao convém trabalhar nos setores da


vida moderna sem habilitagáo correspondente e se esta acarreta os
perigos religiosos que foram assinalados, nao seria mais oportuno que
os Religiosos e as Religiosas abandonem os afazeres que exigem
absolutamente formacáo especializada (a educaejio, o magisterio, a
enfermagem, a imprensa...) ?

— Também nao, replicarla a Santa Sé. Nao há düvida, a S. Igreja


defenderá e favorecerá Fempre a vida regular estritamente contempla
tiva professada por carmelitas, cartuxos, trapistas, etc. Contudo Ela
julga possível. ou mesmo necessário, adaptar a vida regular as «ondi-
Cóes da vida ativa moderna, a fim de que pessoas totalmente consagra
das a Deus procurem santificar os varios ambientes em que se possam
encontrar os homens na realidade cotidiana : a juventude das escolas, os
doentes dos hospitais, o público em geral nos órgáos de formacáo da
opiniao pública, etc. Isso tudo tem que ser santificado; e éste objetivo
requer discípulos de Cristo que. professem levar o testemunho dos con-
selhos evangélicos aos diversos ramos da atividade moderna.
Resta, por conseguinte, indagar : quais entáo os meios que a Santa
Sé propóe para evitar que, no uso da técnica, se perca o espirito
religioso?
É o que vamos procurar averiguar no parágrafo abaixo.

S. Vías de solugáo

Podem-se reduzir a. duas as diretrizes da S. Igreja diante do


problema esbogado.

34
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MODERNA

1) Aprofundamento da vida interior dos Religiosos

Para fazer frente aos pujantes embates de nossos dias sem


se diluir ou deixar arrastar pela mentalidade pouco crista dos
diversos setores de atividade, requer-se que o Religioso possua
muita firmeza era seu íntimo, ou seja, um sólido lastro de vida
interior; sem isto seria afoito atirar-se á luta do apostolado; o
apostólo sofrenar descristianizacáo, e nao cristianizaría o seu
ambiente.
Trate, portante, o apostólo de avivar seu espirito de fé.
Procure possuir o senso de Deus, ou seja, o conhecimento do Pai
celeste que a vivencia íntima com o Senhor comunica, impedindo
que o nome de Deus fique sendo mera fórmula teórica e pálida.
Esta norma é de importancia capital e insubstituível.

Como bem observa G. Huyghe, «nao esquecamos que a evangeliza-


Cao supóe um conhecimento profundo do meio a ser evangelizado e que
ésse conhecimento exige renuncia a uma parte da protecáo garantida
outrora pela comunidade e pela clausura. É preciso hoje que cada apos
tólo — sacerdote, Religioso ou militante leigo — traga consigo ou,
antes, dentro de si a sua própria clausura, isto é, o suplemento de alma
que nao sómente o protege, mas o torna dinámico e eficaz» (Equilibre
et adaptation. Paris 1960, pág. 41).

Convém lembrar a éste propósito alguns testemunhos da vida de


grandes apostólos.
Escreve o bem-aventurado Raimundo de Cápua, confessor de S. Ca
tarina de Sena (t 1380) :
«Recordo-me de que nos dias em que eu me via sobrecarregado de
afazeres exteriores ou em que eu devia viajar, ela (Catarina) me repe
tía freqüentemente esta advertencia : 'Construa em sua alma uma cela
interior, da qual Vossa Reverencia tratará de ja'mais sair> (Vida de
S. Catarina de Sena, pelo bem-aventurado Raimundo de Cápua, trad.
.francesa de Hugueny, pág. 39).

A própria S. Catarina de Sena atribula a Jesús os soguintes dizeres:

«É necessário qué... construas dentro de ti mesma uma cela


techada de todos os lados, em que te encerrarás e para sempre habita
rás. Aonde quer que vas, déla jamáis sairás. O que quer que olhes,
olhao dentro da tua cela» (Diálogo sobre a perfeicao, tradugáo de Alix-
-Bernadot, pág. 32s).

S. Vicente de Paulo (t 1660), por sua vez, incutia o seguinte pro


grama ás Irmas de Caridade :

«Tendes por mosteiro as casas dos pobres,


por cela o vosso cubículo de aluguel,
por cápela a igreja paroquial
por claustro as rúas da cidade,
por clausura a obediencia,
por grade o temor de Deus,
por véu a santa modestia»
(Oeuvres, t. I, pág. 661).

— 35 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 6

Estas palavras sugerem claramente que, se nao há lastro interior


cristáo, o ambiente exterior (por mais piedoso que seja) de nada
• vale, como reciprocamente é verdade que com lastro interior o cris-
> pode exercer o apostolado onde quer que a vocagáo o chame, sem
aer a contaminacao dó ambiente exterior.

Será preciso, alias, que cada cristáo creia na existencia e


eficacia da gra$a de estado, ou seja, de auxilios oportunos que
Senhor Deus nao pode deixar de proporcionar a cada um a
i de que realize com os frutos devidos a tarefa que a Provi
ncia Divina lhe assinala neste mundo.

Eis a primeira grande norma da Santa Sé para os Religiosos en-


vidos no apostolado de nossos tempos. NSo será necessario expü-
i-la ulteriormente, pois, como se vé, apenas faz acentuar urna regra
npre afirmada na Igreja. — A segunda norma completa harmoniosa-
nte a anterior:

2) Sobre um sólido lastro de vida sobrenatural, faga-se


atnalizasáo («aggiornamento») de certos qnadros da vida
igiosa, ou seja, o desdobramento das riquezas latentes em
ia Regra religiosa com vistas as circunstancias da vida con-
nporánea.

Dizemos «certos quadros», isto é, manifestac8es acidentais do espi-


> religioso, como seriam as de horario, de traje, de programas para
ormacáo dos candidatos, etc.

Observava Pió XII perante a assembléia do I Congresso


mdial de Religiosos, aos 8 de dezembro de 1950 :
«Em geral, os legisladores dos Institutos religiosos conceberam a
i obra (que na respectiva época era nova)' afim de corresponder a
■essidades ou prestar servieos que iam surgindo na Igreja e exigiam
ncáo sem demora; por conseguinte, adaptaram seus Institutos as
pectivas épocas... Fazei como fizeram vossos pais (espirituais)...
n éste esfórco, nao podereis esclarecer os vossos contemporáneos,
n os auxiliar e sustentar».

Por ocasiáo désse mesmo Congresso escrevia S. Santidade


Cardeal Micara (12 de novembro de 1950) :
«No que diz respeito especialmente á formacáo das almas consa-
das a Deus e no tocante as obras de apostolado, é preciso, com o
;ilio do Espirito Santo, reanimar e renovar os coragSes e as vonta-
de modo a poderem enfrentar do melhor modo possivel os novos
idros de vida dos nossos tempos e as indigencias da nossa época,
a reforma completa... nao quer dizer abdicagao ou despiezo leviano
tuilo que nossos pais penosamente estipularam, patrimonio éste que
■e ser considerado como honra e gloria de cada Instituto. A reforma,
siste, antes, em nao permanecermos tesos na inercia..., em mobili-
mos todos os recursos para que as santas leis de cada Instituto nao

— 36 —
VIDA RELIGIOSA E TÉCNICA MODERNA

se tornem um acumulo de regras formalistas, inútilmente impostas, das


quais a letra, carecente de espirito, acarretaria morte».

E Pió XII desejava que a renovagáo assim apregoada atin-


gisse as táticas mesmas de apostolado dos Religiosos, em qual-
qüer dos seus ramos. Por isto, dizia aos Irmáos das Escolas
Cristas em 6 demaio de 1951:

«A arte de educar é, sob muitos aspectos, a arte, de se adaptar».

E as Religiosas enfermeiras da Italia, em 24 de abril


de 1957 :

«Nao é necessário, reafirmemos nossa conviccáo de que se faz in-


substituivel a presenca das mulheres nos múltiplos setores do aposto
lado : educacáo, ensino, caridade. A obra missionária da Igreja nao
poderla ser concebida sem a participacáo das Irmas... Mas, já que,
antes do mais. sois pessoas consagradas a Deus, oferecidas á Igreja em
espirito de holocausto permanente, é oportuno fazerdes periódicamente
o balanco das vossas atividades e examinardes se certos modos de vida
e certos métodos de trabalho ainda sao válidos em nossos dias».
Até o hábito das Religiosas poderia ser objeto de revisáo, conforme
Pió XII, que assim falava as Superioras Gerais das CongregagSes Reli
giosas em setembro de 1951:
«Na atual crlse de vocagfies, tr.atai de que os costumes, o género
de vida e a ascese das vossas familias religiosas nao se tornem barreira
ou motivo de insucesso. Temos em vista certos usos que, se outrora
tinham sentido dentro do seu respectivo contexto cultural, em nossos
dias já nao o tém; ésses usos poderiam proporcionar entraves á voca-
cao até mesmo de jovens realmente boas e corajosas. Ém Nossa alo-
cucSo do ano passado, demos disto alguns exemplos. Para voltar, bre
vemente, a questáo do hábito, lembramos que a veste religiosa deve
sempre exprimir a consagrado a Cristo: é o que todos esperam e
desejam Quanto ao mais, seja o hábito conveniente e corresponda as
exigencias da higiene. Só podemos exprimir satisfacáo, quando, no
decorrer do ano, vimos que urna ou outra Congregacao já deduzira
conclusfies práticas a tal propósito».
Referindo-se ainda a outras minucias da vida religiosa que pode-
riam ser atualizadas, dizla Pió XII a Irmas dedicadas ao magisterio
(13 de setembro de 1951) :
«É possível que certos pontos do horario, certas prescrigSes, que
nao sao meras aplicacSes da Regra, certos costumes, que outrora talvez
correspondessem as condigóes da época, mas que atualmente só servem
para dificultar a tarefa educacional, devam ser adaptados as circuns
tancias da vida moderna. As Superioras Maiores e os Capítulos gerais
esforgar-sé-ao po.r proceder, nesse terreno, de maneira conscienciosa,
com clarividencia, prudencia e ooragem; e, tddas as vézes que o assunto
o exigir, nao deixaráo de submeter ás autoridades eclesiásticas respec
tivas as mudangas propostas.
Desejais servir & causa de Jesús Cristo e da sua Igreja segundo
as necessidades do mundo atual. Por conseguinte, nao seria razoável
persistir em costumes ou práticas que dificultem ésse servico ou talvez
mesmo o tornem impossivel».

— 37 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 7

Por fim, parece oportuno lembrar como as idéias de Pió XH


oram. retomadas e brevemente formuladas pelo Secretario da S. Con-
Tegacáo dos Religiosos, hoje Cardeal Larraona, num discurso profe-
ido ao Congresso Mundial dos Religiosos em 9 de dezembro de 1957

«O niovimento de adaptacáo... visa a renovacao individual, coletiva"


• social, da vocacao á vida perfeita e ao apostolado, em todos os respes '
ivos setores : ascese, disciplina, íormacáo, govérno, apostolado, colabo-'
•acáo... 'Adaptar-se' significa, em termos precisos e práticos, realizar,
•om o espirito generoso e magnánimo dos santos fundadores (que em"
¡ua época foram verdadeiros pioneiros), o que éles fariam se vives-
;em em nossos dias. Desta idéia muito simples, deriva-se o principio
iue permite discernir o que... há de ser ciosamente conservado...
• o que, ao contrario... pode, sem prejuízo, ser purificado, sabiamente
imoldado e completado».

Em resumo, diremos que as recentes normas tragadas pela


Janta Sé para que a vida religiosa em nossos dias seja santa e
ecunda, consistem em mandar remover das comunidades as
iráticas que já estejam obsoletas (comparáveis a «sobrecarga
norta»), para dar entrada a usos mais correspondentes á reali-
lade de hoje, usos que, inspirados pela própria vitalidade dos
nstitutos religiosos, possibilitem um encontró mais proveitoso
los apostólos com a sociedade moderna.
Haja, portante, elasticidade de vistas, dilatacáo do mesmo
spírito diante das variadas situacóes contemporáneas! Assim
> Religioso e a Religiosa poderáo ser «sal da térra e luz no
nundo» (cf. Mt 5,14), sem deixar de ser fiéis habitantes da
asa de Deus e cidadaos da vida eterna. (

IV. ESPIRITÜALIDADE

VICENTINO (Santos) :

7) «Costuma-se olhar com certo desnrézo para a velhice.


?arece imDrodutiva, tomando-se mesmo um fardo para a socie-
lade. Os ¿róprios velhos se lamentam muitas vézes das conse-
lüéncias da sua idade.
Que diz o cristáo ante éste estado de coisas? Nao havena
una espiritualidade dos andaos?»

Para o cristáo todos os seres humanos, jovens ou velhos, sao


ignos de igual apíeco, pois por todos indistintamente morreu Cristo.
:stá claro, porém, que é preciso abordar cada idade de maneira con-
lizente com essa idade, levando-se em conta as possibilidades e os obs-
áculos que cada fase da vida oferece á uniáo com Deus.
Hoje em dia torna-se mais importante do que nunca o apostolado
•ntre os anciSos, pois, de um lado, o número déstes vai crescendo é,

— 38 —
A ESPIRITUALIDADE DOS ANCIAOS

de outro lado, os conceitos que se disseminam a respeitd da velhice sao


cada vez mais materialistas ou depreciativos.
Eis algumas cifras referentes ao número de andaos na Franca
(publicacSes feitas em 1960) :
Em 1810 a duragáo media da vida era de 31,8 anos; em 1900, já era
. de 47 anos; em 1935,.... de 58 anos; e em 1958... de 70 anos.
Isto quer dizer que na Franca em 1901 as pessoas de 65 ou mais
anos de idade perfaziam um total de 3.355.000, ou seja, 8,2% da popu-
lacáo;
em 1960, porém, eram 5.254.000, isto é, 11,6%.
Visto que os incómodos da velhice comecam geralmente antes dos
65 anos, perguntaram os franceses : qual terá sido a parte da populacao
da Franca que ultrapassava os 50 anos em 1960? Averiguaram que, a
1» de Janeiro de 1960, essa parte devia ser de 29.22% dos habitantes do
país (13.250.000 almas), ou seja, entre um quarto e um tergo da popu-
lacáo.
Tais números nao podem deixar de ter a suá mensagem também
para o apostólo, pois certamente influem na configuragáo geral do
Corpo Místico. Seria oportuno indagar : o Corpo Místico estará enrique
cido ou depauperado em sua vitalidade pela presenga de tantos andaos?
Responderemos : poderá estar grandemente enriquecido, caso os
próprios andaos e as pessoas que os acompanham (familiares e amigos,
médicos e enfermeiras...) tenham consciéncia clara do que é a velhice
para o cristáo, e procurem, cada qual do seu modo, colaborar para que
se realize a fungáo própria e enriquecedora que a Providencia Divina
assinalou aos anciáos. Em vista disto, focalizaremos abaixo as grandes
linhas de urna espiritualidade dos, andaos : 1) desapego, 2) sabedoria,
3) «inercia produtiva», 4) luta contra os obstáculos, 5) misterio de Pás-
coa (morte e ressurreigáo).

1. Desapego

O ocaso da vida, debilitando o organismo e dissipando todas


as ilusóes, é inevitavelmente um periodo, em grau maior bu
menor, doloroso. A natureza humana, nessa conjuntura, tende
espontáneamente a recalcitrar, a se defender.e a recuperar...
Váo, porém, é querer voltar atrás; a sabedoria recomenda, antes,
aceitagáo e adaptagáo.

Tém entfio significado especial as palavras de Cristo: «Se alguém


quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-
•Me» (Mt 16, 24), e -. «Quem ama a sua vida, perdé-la-á; quem consente,
em perde-la neste mundo, conservá-Ia-á para a eternidade» (Jo 12,25).
listes dizeres de Jesús podem sugerir aos anciáos duas grandes re
nuncias : _.

1) saiba o cristáo, ao menos na velhice, desapegar-se cons


ciente e voluntariamente, dos atrativos da vida terrestre aos
quais ainda esteja vinculado: as foreas físicas váo declinando;
as enfermidades se váo declarando e fazem prever o ocaso final...
As viagens, os esportes, os espetáculos perdem o encanto, pois

— 39 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 7

• acarretam fadigas; as alegrías da atividade profissional em-


ilidecem; a aposentadoria se apresenta com tudo que ela possa
:arretar de glorioso e também... de humilhante; as limitaeóes
)S gastos se impóem conseqüentemente. A debilidade física
>riga nao raro o anciáo a depender de outrem até para pe-
íéhos afazeres, que ele outrora desempenhava com toda a
«envoltura.
Consinta o cristáo nessas restricóes e renuncias, de ánimo
egre, délas fazendo a sua cruz salvífica, parcela da Cruz reden-
ira de Cristo!

2) Mas nao sómente o atrativo dos prazeres déste mundo


■ vai esvaziando; também os da vida em familia se váo até-
aando. Com efeitb; entre cónjuges a procriacáo se torna difícil,
« nao impossível; assim o amor entre esposos é chamado a se
;piritualizar e a se preparar para as nupcias eternas mediante
castidade. O convivio dos velhos pais com os filhos se torna
Jvez menos assíduo, pois a prole se vai casando ou encami
nando na vida; em conseqüéncia deixa a casa paterna. Os
•lhos véem também que muitos familiares e amigos váo mor-
¡ndo. A impressáo de estar sendo esquecidos ou de ficar sos
es pode assaltar a alma.
Aceitem isso tudo numa atitude vitoriosa, em uniao com
risto, para resgatar seus pecados e assim se aprestarem para
vida celeste!

Numa palavra: a morte física vem a ser, para o cristáo, a passa-


!in para a verdadeira vida; é a consumagáo da nova natividade, que
•mega com o batismo e aos poucos vai desabrochando no decorrer
•sta peregrinagao terrestre. Possa o cristáo, durante a mesma, fre-
ientemente repetir com sao Paulo: «Quisera dissolver-me para estar
>m Cristo; é isto certamente o que há de melhor» (Flp 1, 23). -
Procure o discípulo de Cristo reproduzir em si também a atitude
■ S. Inácio de Antioquia (f 110 aproximadamente). Éste, condenado á
orte por amor a Cristo, escrevia a cristáos que o queriam libertar
■ desenlace final:
«É agora que comego a ser discípulo de Cristo. Nenhuma das cria-
iras visíveis ou invislveis me impega, por Inveja, de encontrar o
•isto... Para mim, é bom mórrer a fim de encontrar o Cristo Jesús...
a Ele que procuro, a Ele que morreu por nos; é a Ele que désejo, a
e que ressuscitou por nos. A minha hora de ser dado a luz se apro-
ma. Perdoai-me, irmaos, nao me impegais de viver» (Aos Roma-
is 5,3-6,2).

Estimulado por tal concepcáo da morte procurará o cristáo realizar


seu desapego cada vez mais conseqüente e generoso, nao como estoico
•gulhoso ou artificialmente impassível, mas como um filho de Deus
le responde o seu «Sim» esclarecido e voluntario ao chamado do Pai!

— 40 —
A ESPIRITUALIDADE DOS ANCIAOS

2. Sabedoria

Mediante o desapego, o cristáo vai.aos poucos contemplando


sob nova luz a realidade que o cerca; atribuí mais adequadó
valor as coisas, as pessoas e aos acontecimentos; em cada cria
tura distingue meihor b que há de perene e o que há de transi
torio. É o que se chama «visáo de sabedoria» ou «visáo sapien
cial».

Assim ilustrado, o ánciao poderá recitar ainda mais consciente*


mente certos versículos do salterio :

«Os dias do homem sao sémelhantes ao feno.'..


Mas o amórdo Senhor é de senipre para sempre»
' (SI 102, 15.17)
«Nossos anos se dissiparam como um sópro.
Setenta anos, eis o total da nossa vida;
Os mais fortes dentre nos chegam aos oitenta.
A maior parte déles, porém, está chela de soírimento e vaidade;
Passam depressa e desaparecemos»
(SI 89, 9-11)

«Sois. 6 meu Deus, a minha esperanca;


Senhor, desde a juventude sois minha confianca.
Em Vos eu me apoiei desde que nasci;
Desde o seio materno sois meu protetor;
Em Vos sempre espere!...
Na minha velhice nSo me rejeiteis;
Ao declinar das minhas foreas, nao me abandonéis...
*V6s me tendes instruido, ó Deus, desde a minha juventude,
E até hoje publico as vossas maravilhas»
(SI 70, 5s. 9.17)

Observa o Pe. Richaud que há «certos versículos da Biblia que só


entendemos bem no limiár da eternidade. Sao os primeiros albores
desta que nos íazem entrever o que, no decurso desta peregrinagáo nao
conseguimos perceber nítidamente. As vézes é necessária a experiencia
de urna longa vida para descobrirmos a profunda sabedoria de urna
frase do S. Evangelho» (Le Seigneur est proche, pág. 11).

É, pois, espontáneo perguntarmos : quem proporcionará aos


nossos anciáos o contato com o S. Evangelho, com os salmos e
com a Biblia inteira? Quem lhes lera os textos sagrados, dado
que nao os possam mais ler por si mesmos?
— Semdúvida, os, mais jovens, principalmente os familiares,
enfermeiros e assistentes estaráo incumbidos desta tarefa.
Ajudado pelas luzes da Sagrada Escritura,; o anciáo, que
naturalmente tende a lancar olhar retrospectivo sobre o seu
jfessado, nao o lángara-de maneira estéril e. tristonha, conside
rando apenas amarguras e decepcóes. As recordacoes do pas-
sado, revividas a distancia ou á luz da eternidade, se lhe torná-

— 41 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964. qu. 7

rao escola de sabedoria, pela qual ele beneficiará a si mésmo e


aos outros.
Por isto também o anciáo poderá vir a ser portador demen^
sagem para os que o acompanham. É bom, portante, que os mais
jovens lhe proporcionem a alegría de comunicar tal mensagem;
isto requer as vézes, da parte dos mogos, um pouco de paciencia.

Urna Irma de Caridade deu a propósito o seguinte depoimento: -,.-.'.

«Muitas vézes ouvi pessoas idosas censurarem as mais jovens por


sua continua tendencia a se apressar. Parece que com isto os andaos
nos querem dizer que os varios afazeres que nos dispersam, nao sao o
que há de essencial neste mundo; parecem querer comunicar-nos o
ritmo de vida muito" mais lento, muito mais ponderado, que é o ritmo
de vida déles.
A aproximacao da morte... imprime a vida e aos gestos do anciáo,
erente ou nao crente, certo cunho religioso, éu diria mesmo:... urna
certa consagracao» (26* Congresso da UNCAHS, pág. 188).

A mensagem do anciáo pode, por conseguinte, ter um con-


teúdo mais particularmente denso, pois éles já parecem estar
tocando com as próprias máos o fruto das esperangas que os
mais jovens ainda acalentam em germen. , :

A fim de ilustrar o que possa ser a sabedoria dos andaos, ocorrem


veneráveis personalidades logo no limiar do S. Evangelho, cada urna
das quais é arauto do Reino messiánico e da vida eterna em meio ao
tempo: assim Zacarías e Elisabete, Simeáo e Ana.

Zacarías e Elisabete perseveravam na oracao para que viesse a


salvacáo prometida por Javé. E foram atendidos: ao velho Zacarias
íoi dado saudar, no cántico «Bendito o Deus de Israel», a aurora da era
messiánica que despontava aos seus olhos (cí. Lc-1,67-79). Elisabete teve
semelhante intuicáo ao receber a visita de sua parenta María SS.; anciü
como era, soube encorajar a jovem donzela (pois, sem dúvida, os mogos
precisam do estímulo dos mais velhos); cí. Le 1, 41-45.
Simeáo, ao cantar o seu canto de júbilo e despedida em preseneá do
Messias (cf. Le 2, 28-32), parece ter-se renovado no fim da vida; S. Agos-
tinho compraz-se em contemplá-lo «feito crianca com o Divino Iníante».
O mesmo se poderia dizer de Ana, viúva e profetiza (cf. Le 2, 36-38).

De resto, S. Paulo exorta os andaos a serem «sobrios, reservados,


prudentes, fortes na íé, na caridade e na paciencia. Igualmente, as mu-
lheres idosas tenham atitude conveniente a pessoas santas : nao sejam
maldizentes, nem dadas ao excesso de vinho; mas sejam mestras do
bem, para ensinarem as jovens a amar seus maridos e filhos, a serem
prudentes, castas, cuidadosas da casa, boas, submissas a seus maridos,
de modo que a palavra de Deus nao seja blasfemada... Manifestou-se,
com efeito, a graga de Deus... Veio ensinar-nos... a viver aguardando
a realizacao da feliz esperanca e a maniíestacao da gloria de nósso
grande Deus e Salvador Jesús Cristo» (Ti 2,2-5.11-13). :

É, pois, um mais intimo contato com á eternidade que deve trans


formar aos poucbs o comportamento dos ándaos. Estes, ainda que nao

— 42 — ~"'~J
A ESPIRITUALIDADE DOS ANCIAOS

ensinem, ainda que estejam reduzidos a inercia, por sua simples pre-
senga hao de tornar-se testemunhas de Cristo e da vida celeste neste
mundo.

Nao se poderla, porém, deixar de lembrar que a sabedoria


sobrenatural, justamente por ser dom de Deus, nao está neces-
sáriamente associada a determinada idade; podem-na possuir
também os jovens, desde que vivam em íntima uniáo com o
Senhor; o Espirito de Deus entáo os guia mais intimamente e
os torna precocemente maduros. É o que o salmista verifica ao
dizer : «Mais do que os meus mestres sou prudente... Mais do
que os anciáos sou sensato, porque observo os vossos preceitos»
(SI 118,99s).

3. «Inercia produtiva»

A velhice, sem dúvida, reduz muitas vézes á inatividade


física, como já tivemos ocasiáo de notar.
No Corpo Místico de Cristo, porém, só há um tipo de inercia
estéril: é a que decorre do pecado ou da tibieza, da mediocri-
dade, do apego desordenado as criaturas; tais sao os entraves
da verdadeira vida. Quem nao está sujeito a tais liames, mas, ao
contrarío, permite ao Espirito Santo que néle pulse com toda a
liberdade, ésse cristáo, embora se ache prostrado em um leito de
dor, é profundamente ativo e fecundo.
Há anciáos a quem, apesar de tudo, a idade nao impede de
trabalhar: pratícam entáo a caridade com discernimento e
afeto mais puros talvez do que nos tempos juvenis; o dom da
sabedoria, mais desenvolvido, mostra-lhes ainda mais clara
mente o auténtico destino dos bens materiais, e desperta-os viva
mente para o amor aos que sofrem. Tal foi o caso, por exemplo,
de S. Vicente de Paulo, que, aos 70 anos de idade, era o abne
gado provedor de regióes devastadas pela guerra.
, Dado, porém, que as fórcas físicas desfalegam (em parte ou
por completo), a caridade dos anciáos toma formas correspon
dentes a essa realidade : as formas da oracao e do sacrificio, que
no Corpo Místico sao altamente valiosas. O anciáo participa da
vida da Igreja e contribuí para a fecundidade da mesma, ofere-
cendo o seu sacrificio em uniáo com o de Cristo. Nunca o Senhor
Jesús foi tSo útil ao mundo quanto no momento da crucifixáo;
pregado ao madeiro, aparentemente inabilitado para qualquer
efeito, Cristo salvou a humanidáde.

Por Lsto também pode ser multo oportuno informar os anciáos a


respéito das grandes inténgOes e dos movimentos de apostolado que ani-
mam a vida da Igreja contemporánea, a flm de que vibrem e se ofere-

. — 43 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, ■ qu.-7 ■ ■-.:"; \|J
cam por elas com Cristo ao Pai. Até o derradeiro momento poderSo '--¿f?,
os velhos exercer esta funcáo apostólica. . "^
Nao há, pois, instante vazio ou inútil na vida do cristao consciente -V¿3|
do seu papel no Corpo de Cristo. fvi
Ninguém ignorará, porém, que, para a realizagáo de tao sadia espl- '■•: .:-3js
ritualidade, é preciso enfrentar urna ,. i|

4. Luía contra obstáculos ~'j


Toda a vida do cristáo é inegávelmente tempo de luta e provacfies. ' i¿
Cada idade, porém; tem seus certames próprios, que continuamente á r
ameacam de insucessos. Adquirir consciéncia clara désses obstáculos • .
já é urna pequeña vitória, penhor de ulteriores Vitorias. Por isto, tenta- , .
remos enumerar abaixo certos entraves que se opSem & santificado
da idade anciá. Quem reconhecer algum ou alguns déles no seu caso,
estará mais habilitado a. tomar as providencias queche competirem.
Mencionemos, pois,

1) Obstáculos exteriores:

— a solidáo, o abandono, a que nao raro os anciáos se véem


reduzidos, com ou sem culpa por parte do próximo; há casos
de ingratidáo real dos jovens para com os anciáos, como há
também casos em que estes egoistamente desejam ser alvo de
atengáo. Nao encontrando a corespondéncia almejada, os velhos
podem ser acometidos por sentimentos de amargura e revolta
contra o próximo ou contra a sua situagáo. — Deveráo preca-
ver-se;
— o respeito humano: o anciáo que vive em meio a urna
pequeña comunidade, tálvez nao ouse manifestar-se tal (fraco
ou indigente) como é; procurará comportar-se á semelhan;a das
demais pessoas. Fechar-se-á entáo em atitudes artificiáis, que
só lhé aumentaráo o sofrimento e o depauperaráo espiritual-
mente;
— a dependencia em relagáo ao próximo. Esta dependencia
poderá ser humilhante ou irritante. O orgulho e a impaciencia
tenderáo a reagir mal. Esteja o anciáo vigilante contra isto.

Há também

2) Obstáculos interiores:

— a recusa íntima de se aceitar tal como a pessoa é. O velho


pode querer apegar-se aos bens que lhe váo escapando, ou pode
querer recuperar as situacóes que perdeu (principalmente pra-
zeres ou elementos que o orgulho e o amor própr-io acariciam).
Cedendo a isto, o anciáo foge á sua realidade.e. se prejudicá;
a avareza: por receio de vir a carecer de aíguma coisa,
justamente mima idade em que é mais necessitad'o, pode o an-

— 44 —
A ESPIRITUALIDADE DOS ANCIAOS

ciáo tornar-se, em grau maior ou menor, avarento. Perde cari-


dade para com o próximo e o abandono filial á Providencia
Divina, para comportar-se de maneira mesquinha, inspirado por
falsa prudencia humana;
— o egoísmo: o. anciáo pode querer chamar, a atengáo para
seu «caso»; podem querer merecer cuidados excessivos, fazendo
de si mesmo, consciente ou inconscientemente, üm pequeño cen
tro do mundo.

Isto se pode manifestar na simples tendencia a «tomar conta» das


conversas, para narrar experiencias próprias, dar Iic5es, ser consul
tado. Ja o sabio no Eclesiástico exortava.:
«Fala, anciáo; isto te convém, mas com discricSo; nao impecas a
música (ñas salas de íestim)» (32,3);

— a inveja para com o próximo, que goza ou de saúde ou


de projegáo na sociedade;
— a increduüdade: o anciáo poderá dizer que nao tem fé
ou perdeu a fé, porque lhe parece que Deus o abandonou. Tor-
nar-se-á frió ou cético no setor religioso, quando justamente
mais se deveria voltar para Deus.

Cabe aos mais jovens papel de grande importancia diante de tais


casos, pois é preciso mostrarem aos velhos o que a fidelidade a Deus
traz como beneficios para o homem, e o que ela nSo traz... Faz-se mis-
ter reeducar a fé, em tais situacaes;

— o desespero: recordando-se das fainas da vida passada e


verificando que aínda nao se corrigiu, o anciáo talvez seja ten
tado á melancolía sem esperanga.

Tratem entao os acompanhantes de lhe lembrar a inesgotável mi


sericordia de Deus, que acolheu o íilho pródigo, o- bom ladráo e a mu-
Iher penitente... O Senhor jamáis rejoita a guem O procura; o anciáo
sincero pode em' pouco tempo resgatar urna multidáo de pecados, con-
. tanto que ofereca os próprios achaques a Deus Pai em uniao com a
Paixáo do Redentor;

— outros defeitos moráis podem pesar sobre a velhice. Outrora mal


combatidos, até alimentados como hábitos (o hábito de beber, o de blas
femar, o de se encolerizar...), torna-se difícil remové-los no fim da
vida qüando a energía e a capacidade de lutar contra sí mesmo vio
deíinhando. É de crer que essa dificuldade de lutar seja atenuante em
presenca de Deus. Que o anciáo recorra entáo, de modo especial, &
oracáo!

Eis alguns dos principáis perigos que ameagam, em parti


cular, a idade anciá. Lembremo-nos de que há urna graca de es
tado correspondente a cada situagáo, de sorte que o cristáo pode.

— 45 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964, qu. 7

confiar no bom éxito dos esforgos que fizer para se santificar


dentro do quadro próprio da «sua» velhice. ; • ■-
É preciso, porém, empregar os meios concretos e oportunos
que sómente a pessoa interessada e. seus ¡mediatos ácompanha
ntes sabem enunciar adequadamente.

Por fim, veriíica-se que a velhice participa muito especialmente do

5. Misterio de Páscoa

O misterio de Páscoa (morte e ressurreigáo de Cristo) é, por certo, :


central na vida crista, em qualquer de suas fases; o cristáotem qué o
reproduzir em sua conduta desde o dia do batismo. ...
A velhice é a fase derradeira déste misterio nos membros de Cristo
Místico.
Os sofrímentos que o peso dos anos costuma acarretar, vém a ser
a maneira concreta pela qual o homem remata sua configuracáo ao
Salvador. Lembre-se o anciáo de os oferecer em atitude de expiagáo e
purificacao; isto lhe dará confianca e paz, permitindo-lhe reparar tanto
os graves pecados como as pequeñas falhas da vida passada; poderá
assim evitar o purgatorio postumo. Recorde-se também das IntengOes
gerais da S. Igreja (a conversáo dos pecadores, a propagagáo da fé, a.
recristianizagáo dos costumes, as vocac8es sacerdotais, etc.), oferecen-
do-se por elas com Cristo ao Pai; assim exercerá genuino apostolado,
consoante os dizeres de S. Paulo: «Completo, em minha carne o que
falta á paixáo de Cristo, em prol do seu corpo, que é a Igreja»
(Col 1, 24).
Quanto á morte, ela vem a ser o sélo gravado no processo coti
diano de configuragao a Cristo. Apresenta-se á luz da ressurreigáo e da
vida eterna. Alias, ressurreigáo e vida eterna já estáo presentes na luta
diaria do cristáo: cada vez que ele mortifica o «velho homem», forta
lece a «nova criatura» dentro de si. Esta troca é possibilitada pela
participagáo dos sacramentos (do Batismo, da Eucaristía e da Uncáo
dos enfermos).

Estas grandes linhas de espiritualidade se devem impregnar


na mente dos andaos para que possam usufruir cristámente dos
valores da velhice. Éles mesmos seráo os primeiros interesados
em assimilá-los. Contudo, visto o depauperamento de seUjVJgor,
que por vézes nao lhes permite grandes esforgos (nem leituras
muito serias, nem meditac.5es muitó profundas), é para desejar
que os ácompanhantes lhes despertem zelosamente a consciéncia
a fim de que abracem com generosidade as circunstancias em
que a Providencia os colocoü. Tal tarefa constituirá oportunís-
sima obra de apostolado; os velhos saberáo recompensá-la por
suas preces quando tiverem chegado a patria eterna.

Na elaboragáo desta resposta, muito nos valemos do artigo publi


cado em «L'Ami du Clergé (Prédication)» n* 7, de 14/11/1963, pág. 61-64.

— 46 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964

; CORRESPONDENCIA MIÜDA

INDECISO (Juparaná) : "Que responder a urna passoa que vive


no mundo sem saber o que fazer, completamente desinteressada de
aprender qualquer coisa para vencer na vida ?"
. '—Há casos patológicos,; de esgotamento nervoso ou físico, que dei-
icam o paciente destituido de todo ánimo na vida. Em tais situacóes, re-
comenda-se tratamento médico adequádo.
Deve-se dizer, porém, que muitos e muitos casos de desánimo nao
sao própriamente patológicos, mas dependem apenas de "acertar" algumas
idéias. Com efeito, a vida humana tem sentido (e só tem sentido) quando
transcorre sob a luz de Deus e fiel a Deus. Sem Deus, a vida cedo ou
tarde se mostra vazia e fastidiosa. Tudo é pequeño ou insuficiente para
■o coragáo humano, que foi feito para o Infinito e só repousa no Infinito.
Por conseguinte, aconseUia-se & pesBoa desanimada, procure sinceramente
a Deus, que é Pai em t6da e qualquer hipótese « que só quer o bem.de
suas criaturas (um Deus que nao fósse a Suma Bondade, já nao seria
Deús). E verá que a sua vida tomará significado... Justamente a
alegría está em ir á procura de um ideal, com afinco e mesmo coin
sacrificio I . .
— E onde se encontra Deus ?
Na Sua Santa Igreja. Procure o pároco da respectiva cidade.
Para ilustrar quanto acabamos de dizer, transcrevemos aqui um
trecho de "P.R." 28/1960, qu. 4 :
"Um monge hindú dizia com muito acertó : 'Deus é a Umdade
fora da qual só existem zeros'.
De fato. Deus é, por definicáo, o Ser Absoluto — o que significa:...
o Valor Absoluto. Deus é, sim, o Valor que torna valiosa toda e qualquer
criatura e sem o qual esta é vazia e engañadora.
Imaginemos urna serie de tres zeros, outra de seis, outra de nove
zeros : .

000
000 000
000 000 000
Os zeros que se acrescentam aos zeros, nada alteram ; tudo fica
sendo zero. Mas coloquemos o número Um, urna só unidade, coisa sim-
plicíssima, na serie... Se pusermos o 'Um' em último lugar, o con
junto, por mais longo que seja, ficará valendo muito pouco, será ninha-
ria... Se o colocarmos em penúltimo lugar, já o conjunto válera dez,
o que aínda é muito pouco... Caso porfiamos a unidade em terceiro, em
quarto, em quinto lugar, a serie irá aumentando de valor (cem, mil,
dez mil...) Finalmente, dado que se coloque o número Um á frente
de cada serie ácima, ter-se-á :
1. 000= mil
1. 000. 000 = um milháo
1. 000. 000. 000 = um bilháo
Coisa estupenda I Os zeros tomam imenso valor d.esde que o 'Um'
lhes seja* anteposto e os ilumine. Pois bem ; Deus é ésse 'Um' sem o
qual as criaturas nada sao. Se Deus ficar em último lugar na vida do
homem, esta se apresentará sempre como insípida bagatela, ninharia
vazia... Dado, porém, que se ponha Deus incondicionalmente em lugar
capital, cada bagatela, cada zero da vida, toma valor imprevistamente
grande.

— 47 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 73/1964

0 homem pode acumular mil bens criados no seu tesouro ; se che- ^^


garem a empalidecer ou remover a face de Deus no horizonte do indi- ^
víduo, ésses bens, por mais numerosos que f&rem, equivaleráo.' a longa.,<y
serie de zeros ; deixaráo o seu possuidor sempre frustrado <e «isatis- ^
feito... Dado, porém, que o cristáo ponha Deus á frente de cada criatura"^
e procure ver tudo sob a perspectiva d'Éle, entáo, e somente entao,.tal^i
homem comecará a compreender o valor das criaturas ; comecará Va. í;
compreender também que seguir o Cristo é o maior de todos os bens ■„.
e que a vida, vivida em fidelidade absoluta ao Senhor, vale, apesar ;^j
de tudo, a pena de ser vivida !" h
■ ti'i
L. A. T. (Barbacana) : De fato, falta de fé é muitas vezes mo- , .-,
tivada nao por razóes especulativas, mas pela falta de pureza moral. ' ■',
É muito sabio o adagio : "Se alguém nao vive como pensa, acaba .
pensando como vive". Isto quer dizer : se alguém nao vive coerente- -..
mente com a sua fé, acaba deixando a fé, para poder justificar a sua .,
vida desregrada.
Os que tém o corasáo puro, véem a Deus... e sao felizes (cf. Mt 6,8) I ;._

DUVÍDIO (Guanabara): sobre a fcxcomunháo veja "P.R." 64/1962, ;


qu. 5.

D. ESTÉVÁO BETTENCOURT O.S.B. jt

Todos os domingos, ás 7 h da manha vai para o ar o pro


grama «Pergunte e Responderemos» na palavra' de D. E. B.
(Radio Tupi do Rio de Janeiro).

Precos vigentes a partir de Janeiro de 1964

Assinatura anual (porte comum) CrS 1.500,00


Assinatura anual (porte aéreo) Cr$ 1.800,00
Número avulso de qualquer mes e ano Cr§ 200,00
Coleeáo encadernada de 1957 '. . Cr$ 2.500,00
Colecáo encadernada de qualquer dos anos seguintes .. Cr$ 3.000,00

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

ADMINISTKASAO
Caixa Postal 2666 E. Real Grandeza, 108 —Botafogo
Rio do Janeiro Tel. 26-1822 —Rio de Janeiro

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