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Coordenador: José Leon Crochík

Organização: Laboratório de Estudos sobre o Preconceito

Preconceito e
Educação Inclusiva

Branca M. de Meneses • Cíntia C. Freller • Dulce R. dos S. Pedrossian • Janaina P. Pinheiro Morais • José L. Crochik
Karen D. M. Ferreira • Lenara Spedo • Luca B. M. da Silva • Marian A. de L. e Dias • Marisa Feffermann
Nicole Crochik • Pedro F. da Silva • Rafael B. do Nascimento • Raphael C. T. de Almeida • Ricardo Casco
Taline de Lima e Costa • Tatiana Q. Samper • Tatiane Superti • Thays M. de Oliveira • Thiago O. Custódio

1
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................................... 5
PRESIDENTA DA REPÚBLICA sumário...................................................................................... 7
Dilma Vana Rousseff PARTE I - O FENÔMENO DO PRECONCEITO: REFLEXÕES SOBRE SUAS
DETERMINAÇÕES SOCIAIS E PSÍQUICAS
MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS
DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA 1- Preconceito, Indivíduo e Sociedade ................................................11
Maria do Rosário Nunes José Leon Crochík

SECRETÁRIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA 2- Teoria Crítica da Sociedade e Estudos Sobre o Preconceito.....................35
E DO ADOLESCENTE José Leon Crochík
Carmen Silveira de Oliveira
3- Preconceito e Inclusão................................................................65
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS TEMÁTICAS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO José Leon Crochík
ADOLESCENTE
Márcia Ustra Soares PARTE II - REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E PRECONCEITO

4- Normalização e Diferenciação do Indivíduo com Deficiência Intelectual:


COORDENADORA DO PROGRAMA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO
DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Uma Análise do Filme ‘Os Dois Mundos de Charly’................................81
Leila Regina Paiva de Souza José Leon Crochík

5- Preconceito e Desempenho nas Classes Escolares Homogêneas ................97


José Leon Crochík; Nicole Crochík

6- Teoria Crítica e Educação Inclusiva............................................... 111


REITOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
José Leon Crochík ; Nicole Crochík
João Grandino Rodas

VICE-REITOR DA USP PARTE III - RELATOS DE PESQUISAS SOBRE PRECONCEITO E SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Hélio Nogueira da Cruz
7- Manifestações de Preconceito em Relação às Etnias e aos Deficientes...... 129
DIRETOR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP.
José Leon Crochík
Emma Otta
8- Um Estudo do preconceito e de atitudes em relação à educação inclusiva..... 149
Dulce Regina dos Santos Pedrossian; José Leon Crochík; Branca Maria de
DEPARTAMENTO DA PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM, DO DESENVOLVIMENTO
E DA PERSONALIDADE
Meneses; Janaina Pulcheria Pinheiro Morais; Taline de Lima e Costa;
Maria Isabel da Silva Leme Tatiana Quintana Samper; Tatiana Superti; Thays Marcondes de Oliveira;
Thiago Oliveira Custódio
COORDENADOR DO LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE O PRECONCEITO
José Leon Crochík
9- Análise de um Formulário de Avaliação de Inclusão Escolar................... 169
José Leon Crochik; Pedro Fernando da Silva; Lucas Bullara M. da Silva;
Raphael C. T. de Almeida; Lenara Spedo; Karen Danielle Magri Ferreira;
Marian Ávila de Lima e Dias

10- Atitudes de Professores em Relação à Educação Inclusiva..................... 193


José Leon Crochík; Cintia C. Freller; Marian Ávila de Lima e Dias; Marisa
Feffermann; Rafael Baioni do Nascimento & Ricardo Casco
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Copyright © 2011 - Secretaria de Direitos Humanos – SDH Apresentação
A reprodução do todo ou parte deste documento é permitida somente para fins não lucrativos
e com a autorização prévia e formal da SDH/PR. O objetivo desta coletânea é apresentar ensaios e relatos de pesquisas sobre o
preconceito e a educação inclusiva, tendo como referência teórica principal trabalhos
de pensadores da Teoria Crítica da Sociedade, tais como Theodor W. Adorno, Max
Horkheimer e Herbert Marcuse. São textos que foram publicados em revistas científicas,
Título original: “Preconceito e Educação Inclusiva”
que tiveram esteio empírico nas pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos sobre
Conteúdo disponível também no site da SDH: www.direitoshumanos.gov.br o Preconceito, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; o mais antigo
data de 1995; o mais recente foi publicado neste ano. A organização da coletânea foi
ISBN: feita por este Laboratório, que conta com os seguintes membros: Aline Mossmann,
Cíntia Copit Freller, José Leon Crochík, Karen D. M. Ferreira; Lenara Spedo, Lucas B.
M. da Silva, Marian A. L. Dias, Marisa Fefferman, Patrícia Ferreira de Andrade, Raphael
Camara, Ricardo Casco e Thiago Bloss.
Tiragem desta edição: 500 exemplares impressos
50 cd-rom Os três primeiros ensaios discutem o fenômeno do preconceito, refletindo sobre
Impresso no Brasil suas determinações sociais e psíquicas. A definição de preconceito que é defendida
1ª edição: 2011 contrapõe-se a duas outras perspectivas: a que o entende somente como derivado de
Grupo de Trabalho constituído para realização do estudo: conflitos grupais e a que o restringe à compreensão psíquica; a noção de preconceito
desenvolvida nesses ensaios servirá de base para os estudos empíricos apresentados
Coordenador: José Leon Crochík
em outros artigos desta coletânea.
Membros: Branca M. de Meneses, Cintia C. Freller, Dulce R. dos S. Pedrossian, Janaina
Pulcheria Pinheiro Morais, José Leon Crochík, Karen D. M. Ferreira, Lenara Spedo, Luca B. M. O quarto e o quinto ensaios, sem deixar a temática do preconceito, direcionam
da Silva, Marian A. de L. e Dias, Marisa Feffermann, Nicole Crochik, Pedro F. da Silva, Rafael
B. do Nascimento,Raphael C. T. de Almeida, Ricardo Casco, Taline de Lima e Costa, Tatiana Q. a reflexão para a educação inclusiva; discutem a homogeneização e a normalização
Samperk,Tatiane Superti, Thays M. de Oliveira, Thiago O. Custódio. escolares e suas relações com o preconceito, criticando a prática de formação de
classes homogêneas quanto à aptidão escolar e indicando os limites da normalização,
que não é compreendida como necessariamente restritiva à formação individual; ao
contrário, compreende-se que sem normas não há individuação. O sexto ensaio defende
a educação inclusiva por meio de conceitos e análises desenvolvidos pelos autores da
Dados Internacionais de catalogação na Publicação:
Teoria Crítica da Sociedade; certamente, essa defesa está presente em outros textos
desta coletânea; nesse ensaio, no entanto, ela é o seu objetivo expresso.
Preconceito e Educação Inclusiva/ José Leon Crochík (Coordenador) - Brasília: SDH/
PR, 2011. Os quatro últimos artigos trazem relatos de pesquisas empíricas sobre o
preconceito e sobre atitudes frente à educação inclusiva; mais do que relatos, refletem os
215p. dados coligidos por meio das análises desenvolvidas nos ensaios anteriores e acrescentam
ISBN: outras. O sétimo texto relata e reflete resultados de pesquisa que compara o preconceito
étnico e o preconceito voltado a pessoas com deficiência. O oitavo artigo tem como
1. Educação, Psicologia, Ciências Sociais. I. Título: Preconceito e Educação Inclusiva. objetivo a compreensão da relação entre preconceito, ideologia, personalidade, de um
lado, e a atitude frente à educação inclusiva, de outro. O próximo texto traz a análise
de um questionário que tem como objetivo verificar o grau de inclusão escolar das
escolas que aceitam alunos considerados em situação de inclusão. O décimo e último
artigo, por sua vez, tem como objetivo verificar a atitude de professores, com e sem
experiência em educação inclusiva, em relação a este tipo de educação.

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De todos os ensaios e artigos foram retirados seus resumos e abstracts; as Prefácio
referências bibliográficas não foram alteradas em relação às normas das revistas
nas quais foram publicados. Os textos tiveram poucas modificações em relação aos
originalmente publicados; quando foi possível, algumas expressões foram alteradas, No processo de disseminação e implementação da metodologia do PAIR –
pois, se apropriadas à época da publicação do texto, podem não ser mais adequadas; Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência Sexual
é o caso, por exemplo, do termo ‘deficiente’, que passou a ser substituído por ‘pessoa Infantojuvenil, é fundamental a articulação com a universidade, por razões obvias.
com deficiência’; mesmo com esse cuidado, no entanto, nem sempre foi possível a Além do compromisso institucional com a produção de novos conhecimentos que
alteração, principalmente, quando as expressões, hoje inadequadas, fizeram parte dos possam impactar na realidade social que determina algumas situações de exploração
instrumentos utilizados em pesquisa; outras modificações foram efetuadas para tornar sexual, as universidades também podem aportar novos questionamentos nas análises
o texto mais claro. Decidiu-se, também, pela atualização dos vínculos profissionais e e diagnósticos que serão a base para a implementação de ações de mobilização e
dos títulos acadêmicos dos autores dos textos. formação das redes locais de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Aproveitamos esta apresentação para agradecer todas as comissões editoriais No PAIR, é a Universidade que, além de estar à frente do processo de diagnóstico
que consentiram na republicação dos artigos, desta feita, em forma de livro. Na – imprescindível para a formulação de qualquer política pública –, pode trazer a
primeira página de cada texto, são apresentadas suas referências originais. inquietação que produz novos conhecimentos e contribui no processo de formação
continuada da rede de enfrentamento da violência sexual, especialmente, frente aos
O fato de esta coletânea apresentar textos sob as formas de ensaios e de relatos
novos cenários que envolvem transnacionalidade, internet, mercado, preconceito,
de pesquisa e ter temas diversos como o preconceito, a ideologia e a educação inclusiva
sexualidade, gênero, etnia, entre outros.
não a torna um conjunto sem unidade, pois, subjacente à diversidade dos artigos se
encontra não somente uma referência teórica apropriada aos temas, mas também a Essa publicação é um exemplo disso. No processo de implementação da
luta por uma sociedade sem violência. Trata-se de uma unidade interna à diversidade. metodologia do PAIR em São Paulo fomos mobilizados pela universidade a pensarmos
melhor a influência dos preconceitos nas políticas de proteção aos meninos e meninas
envolvidos em situações de exploração sexual.
Participantes do Laboratório de Estudos sobre o
O objetivo do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual
Preconceito do Instituto de Psicologia da USP contra Crianças e Adolescentes da SDH/PR, ao apoiar essa coletânea que traz ensaios
e relatos de pesquisas sobre o preconceito e a importância da educação inclusiva,
foi contribuir com o incremento da discussão sobre as causas e consequências da
exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, assumindo que, em sendo uma
realidade multifacetada carece de ampliação do horizonte dos fatores que precisam
estar presentes na construção de caminhos de superação.

O estudo tem como referência teórica principal os trabalhos de pensadores


da Teoria Crítica da Sociedade, tais como Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e
Herbert Marcuse, e reúne textos que foram publicados em revistas científicas, que
tiveram esteio empírico nas pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos sobre
o Preconceito, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; o mais antigo
data de 1995, o mais recente foi publicado neste ano.

A análise do preconceito, o conhecimento das teorias sobre sua origem e


justificativa e o desafio de pensá-lo como componente dificultador da inclusão de suas
vítimas, pode estabelecer um marco na formulação de políticas no Brasil que propiciem
o reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes oriundas da violência sexual.

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Essa obra trata do tema com a sutileza e simplicidade necessárias para sua
introdução nos fóruns nacionais que pensam o problema e estabelece novos desafios,
especialmente no processo de inclusão social e escolar do público foco.

Nossos agradecimentos pelo compromisso dos profissionais que participaram


desse projeto e que participam do desafio da implementação de uma metodologia
de integração de redes, desde o momento do diagnóstico da situação das crianças e
adolescentes envolvidos na violência sexual e das redes de proteção.

A publicação desta obra pretende ser mais uma contribuição na construção


conjunta de novos caminhos de superação e afirmação de direitos do público
infantojuvenil no Brasil.

Leila Paiva

PARTE I

O FENÔMENO DO PRECONCEITO: REFLEXÕES SOBRE SUAS


DETERMINAÇÕES SOCIAIS E PSÍQUICAS

8 9
1
PRECONCEITO, INDIVÍDUO E SOCIEDADE1

Crochík, J. L.2

O objetivo principal deste trabalho é discutir o preconceito a partir de suas dimensões


psíquicas e sociais. Para isso, utilizaremos os resultados obtidos em pesquisas empíricas,
como as de Allport (1946), Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson e Sanford (1965), Jahoda
e Ackerman (1969) e os trabalhos teóricos de Duckitt (1992) e de Horkheimer e Adorno
(1986), entre outros. O trabalho será apresentado em três partes. Na primeira, serão
descritos diversos elementos que constituem o preconceito ou que auxiliam na sua
constituição; na segunda, serão dadas explicações sobre a formação do preconceito no
que se refere às suas variáveis sociais e individuais; e, na terceira, serão apresentadas
as características dos indivíduos predispostos ao preconceito, tomando como base o
estudo de Adorno et al. (1965).

ELEMENTOS DO PRECONCEITO

Uma das questões centrais sobre o preconceito refere-se a como se dá a relação


entre os fatores psíquicos e sociais na sua constituição. Conforme as pesquisas de
Allport (1946) e de Adorno et.al. (1965) mostram, o preconceito não é inato; ele se
instala no desenvolvimento individual como um produto das relações entre os conflitos
psíquicos e a estereotipia do pensamento – que já é uma defesa psíquica contra aqueles
– e o estereótipo, o que indica que elementos próprios à cultura estão presentes. Por
outro lado, essas pesquisas indicam também que o indivíduo que tem preconceito em
relação a um objeto tende a apresentá-lo em relação a outros objetos, o que revela
uma relativa independência do indivíduo que porta o preconceito e o objeto ao qual
esse se destina. Contudo, como são diversos os estereótipos presentes nos preconceitos
que são dirigidos a diferentes objetos, algo destes últimos deve estar presente para a
constituição daqueles, ainda que não se refira aos próprios objetos, mas à percepção
que se tem deles. Ou seja, ao mesmo tempo em que podemos afirmar que o indivíduo
predisposto ao preconceito independe dos objetos sobre os quais esse recai, podemos
dizer também que o objeto não é totalmente independente do estereótipo apropriado
pelo preconceito que lhe diz respeito. O estereótipo em relação ao negro não é o
mesmo que se volta contra o judeu, que, por sua vez, é diferente do estereótipo sobre
o indivíduo com deficiência física.

1 Artigo originalmente publicado na Revista Temas em Psicologia, Ribeirão Preto - São Paulo, v. 3, p. 47-70, 1998.
2 Docente do Instituto de Psicologia da USP; bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.

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Jahoda e Ackerman (1969), em seu estudo sobre antissemitismo, dizem que para Evidentemente, toda experiência é mediada por conteúdos pré-formulados, mas
o antissemita o judeu serve como se fosse uma prancha de Rorschach sobre a qual o ela serve para reformular o conceito previamente formado. Quando isto não ocorre
preconceituoso projeta os seus medos. Conforme podemos lembrar, o teste de Rorschach é porque existem conflitos psíquicos que se beneficiam da manutenção de uma
compõe-se de uma série de manchas a serem mostradas para os sujeitos, que devem conceituação rígida e fechada à realidade externa.
dizer o que percebem nelas, ou seja, pede-se para configurar algo apresentado como
desfigurado; há um objeto não definido ao qual se deve dar significações definidas. A não necessidade de contato com o objeto do preconceito para que este surja
mostra que ele pode se dar sem conexão nenhuma com a realidade, mas assim temos
Já Horkheimer e Adorno (1986) indicam que a própria história do povo judeu dentro de supor que os estereótipos apresentados no preconceito ou são produções individuais
da cultura ocidental e seu papel civilizador trazem elementos que atiçam reações ou são produções culturais; como a sua expressão em geral é coletiva, ou seja, se
hostis nos antissemitas. Por exemplo, o fato de os judeus durante o período moderno repete da mesma forma em diversos indivíduos, podemos deduzir que os indivíduos se
terem a sua participação vedada nos processos de produção confinou-os na esfera da apropriam de algumas representações culturais para que, junto à hostilidade dirigida
circulação, no comércio, por um longo tempo, o que leva a identificá-los com essa ao objeto, configurem o preconceito.
esfera, e daí proviriam as características atribuídas a eles de apego ao dinheiro e às
coisas materiais; ou seja, uma situação histórica delimitada é substituída no estereótipo Assim, o preconceito se caracteriza por um conteúdo específico dirigido ao seu
por uma série de características consideradas imanentes ao judeu. As características objeto e por um determinado tipo de reação frente a ele, em geral, de estranhamento
de um povo que foram determinadas historicamente, devido à determinação social, ou de hostilidade. Ao conteúdo podemos chamar de estereótipo, cujo significado inicial
são consideradas inerentes a ele. pode ser remetido à máquina de reproduzir tipos, utilizada pela imprensa que deve,
portanto, reproduzir fielmente as letras, mas que passou a ganhar sentido também
Assim, se não é possível dizer que o preconceito seja proveniente das características
daquilo que é fixo, imutável. No caso do preconceito, é neste último sentido que ele
de seus objetos e se tampouco elas lhe são indiferentes, pode-se dizer que algo é
deve ser entendido.
percebido no objeto que não pertence a ele, mas às circunstâncias que o levam a agir
de determinada forma. Dessa maneira, um dos elementos do preconceito seria dado O estereótipo compõe-se de uma série de predicados fixos que são atribuídos ao
pela atribuição de características, comportamentos, julgamentos inerentes ao objeto, objeto, mas há um principal, do qual os outros são derivados. Assim, o intelectual
quando não o são, o que o configuraria por uma percepção e por um entendimento é visto como alheio ao que ocorre com o mundo material, tem pouco interesse por
distorcidos da realidade. Como veremos mais adiante, essas distorções relacionam-se atividades esportivas, é pedante, julga-se o dono da verdade etc. O predicado principal
com conflitos psíquicos. é, no exemplo, ser intelectual, que, no caso, deriva da própria divisão social do
Outro elemento do preconceito é a generalização das características supostas de trabalho. Obviamente, aquele que é designado por esse termo tem outras qualidades
um determinado grupo para todos os indivíduos que pertencem a ele. A experiência não derivadas e não associadas a ele: é homem ou mulher, religioso ou ateu, esportista
individual, o contato com o particular, são obstados pelo preconceito. As relações ou não, que são eliminadas quando o rótulo aparece.
pessoais dos preconceituosos ocorrem por meio de categorias que permitem classificar
O estereótipo retira o seu predicado principal e os derivados de distinções
os indivíduos, o que impede que a experiência individual possa se contrapor ao
estabelecidas pela cultura entre sexos, ocupações, doenças, raças, povos, religiões,
estereótipo. As experiências, em geral, conforme mostram Horkheimer e Adorno (1986),
idade etc. e assim, de alguma maneira as classificações culturais colaboram com ele.
são pouco úteis para desfazer o preconceito, uma vez que o sujeito preconceituoso não
Mas não é somente com a nomenclatura que a cultura contribui, ela atribui também
precisa de contato com o objeto para desenvolvê-lo. Ou seja, aquilo que é o objeto do
juízos de valores às suas distinções. Assim, historicamente o trabalho intelectual tem
preconceito já está previamente enunciado, de forma que a sensibilidade e a reflexão
sido mais valorizado do que o trabalho manual; o sexo masculino tem sido considerado
próprias das experiências com o objeto são suspensas. Mesmo as experiências, que de
mais adequado ao trabalho na esfera pública e o sexo feminino ao trabalho doméstico;
alguma maneira poderiam ser gratificantes, são racionalizadas para que o estereótipo
os indivíduos com deficiência são desvalorizados por não poder participar, tal como
se mantenha. Em outras palavras, não só a experiência não é necessária para a
os outros, da construção e da manutenção da sociedade; os povos que adentram
constituição do preconceito como este a deforma.

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posteriormente na civilização ocidental são discriminados frente os povos europeus, e Se a mimese – no sentido de imitação – era utilizada, no início da civilização, como
assim por diante. uma forma de se defender da natureza, ao longo do desenvolvimento, quer cultural
quer individual, ela continua a existir apesar de sua proscrição que pode ser notada na
Os valores não têm um papel menor na constituição do preconceito. E, na nossa
perseguição que os ciganos e os artistas tiveram durante longos períodos e no incentivo
cultura, eles até o momento têm sido relacionados com a autoconservação, segundo
dado à criança para que ela não imite os outros, que seja ela mesma.
Horkheimer e Adorno (1986). Neste sentido, os papéis sociais têm sido valorizados
em função da sua importância para a manutenção da ordem social, mas isso só de O rigor com que os dominadores impediram no curso dos séculos a seus próprios
descendentes, bem como às massas dominadas, a recaída em modos de vida
forma aparente, uma vez que na divisão do trabalho todos são importantes, e que a miméticos – começando pela proibição de imagens na religião passando pela
diferenciação por meio da valorização social só pode ser entendida pela existência de proscrição social dos atores e dos ciganos e chegando, enfim, a uma pedagogia
que desacostuma as crianças de serem infantis – é a própria condição da
um poder desigual entre os homens frente à natureza e frente aos outros homens.
civilização... Toda diversão, todo abandono tem algo de mimetismo. Foi se
enrijecendo contra isso que o ego se forjou (Horkheimer e Adorno, 1986, p. 169).
Se esse poder desigual, conforme afirmam Horkheimer e Adorno (1986), é fundado
na vida sedentária, na apropriação da propriedade privada, aquilo que deriva desta Contudo, ao tentar aproximar-se do ideal estabelecido pela cultura, o mecanismo da
situação repõe a dominação inicial, contrapondo-se ao impulso presente, quer no mimese não deixa de estar presente: imita-se aquilo que é valorizado culturalmente;
conhecimento quer na moral que, por sua possível universalização, aponta para a de outro lado, o objeto do preconceito, para exacerbar aquela mimese, é percebido
igualdade entre os homens. Assim, no próprio processo civilizatório está presente uma como a cópia que o ideal nega: aquilo que não se deve ser.
contradição que, ao mesmo tempo em que permite o progresso, indica a manutenção
da ordem social. Os preconceitos serviriam para auxiliar a conservação desta ordem, Enquanto a mimese original continha a possibilidade de o indivíduo ajustar-se ao
na medida em que tendem a fixar e a considerar da ordem da natureza a realidade a mundo externo, tornando o estranho familiar, a imitação de um ideal que postula o
homem como senhor coloca as características de ideal como se fossem propriedades
partir da qual são criados.
do homem para que aquele possa ser realizado, e o que é familiar torna-se estranho.
Com o progresso, muito do sacrifício exigido de todos os indivíduos poderia ser Esta falsa mimese rompe a relação entre o indivíduo e o mundo. Enquanto investido
eliminado, contudo, como o próprio sacrifício contido no trabalho foi interiorizado da posição do senhor, o indivíduo se cinde e se fixa, tendo necessidade de levar essa
como um fim, a liberdade da autoconservação é sacrificada. Assim, embora as condições cisão para o outro, que também deve ser fixado para ser melhor controlado. O controle
objetivas já possam permitir a independência de uma vida calcada na sobrevivência sobre a natureza que o homem teve de desenvolver para a sua própria sobrevivência
diária, esta continua a ser necessária, e todos os elementos que possam indicar a implicou também o controle sobre os outros homens e sobre si mesmo; para controlar
fragilidade humana frente à natureza – que desde os primórdios devia ser conquistada a natureza, ele próprio teve de se transformar em natureza a ser dominada e, assim,
– suscitam a lembrança da nossa impotência e a de nossos antepassados frente a ela, mesmo a matemática, que se baseia na contraposição à mimese – no conceito – guarda
que deve ser ocultada da consciência para que o processo de dominação prossiga. Por em si algo daquela:
isso, também é ensinado aos homens que devem ser fortes, não devem ser frágeis
como uma criança.
A ciência é repetição, aprimorada como regularidade observada e conservada
em estereótipos. A fórmula matemática é uma regressão conscientemente
O estereótipo do homem adulto, forte, empreendedor, independente, funciona manipulada, como já era o rito mágico; é a mais sublime modalidade
como padrão de ideal social. Que ele não possa ser independente, uma vez que do mimetismo. A técnica efetua a adaptação ao inanimado a serviço da
autoconservação, não mais como magia através da imitação corporal da natureza
também depende das circunstâncias sociais; que ele continue frágil quer frente à
externa, mas através de sua transformação em processos cegos (HORKHEIMER
vontade coletiva quer porque, como Freud (1986) mostrou, o passado que é vivido E ADORNO, 1986, p. 16).
como fragilidade frente ao mundo adulto sobrevive no adulto, são dados que devem
ser ocultados de sua consciência. Certamente, os estereótipos que atribui ao outro e a A própria ciência, dessa forma, como substituta e oponente da magia, contribui
si mesmo contribuem para isso. com os processos de criação de estereótipos enquanto mantém a sua função de
dominação da natureza que a leva enrijecer o conceito assim como o seu objetivo.
14 15
Mas, se o ideal pode ser considerado um conceito ao redor do qual os tipos sociais A cólera é descarregada sobre os desamparados que chamam a atenção. E como
as vítimas são intercambiáveis segundo a conjuntura: vagabundos, judeus,
devem ser constituídos, na socialização apresentam-se modelos referidos a este ideal
protestantes, católicos, cada uma delas pode tomar o lugar do assassino, na
que implicam mimese, que não é voltada à natureza, mas a algo que a transcende, e mesma volúpia cega do homicídio, tão logo se converta na norma e se sinta
nem por isso perde o seu caráter original. Se há um ideal, permeado por valores, há poderosa enquanto tal. (p. 160)
também aquilo que se contrapõe ao ideal e, se aquele é fixado em formas próximas ao
O que marca a contraposição contínua entre as minorias sociais, permeada pelo
estereótipo, aquilo que se afasta dele também o é. A estereotipia justaposta ao objeto
preconceito, é a oposição força-fraqueza que é remetida à proximidade que cada qual
do preconceito é concomitante à estereotipia que o sujeito se atribui.
é julgado da natureza que deve ser dominada. Contudo, como a dominação também se
O estereótipo, assim, é um produto cultural que nasce no próprio processo de dá entre os homens, é a própria natureza que continua a estar presente:
adaptação do homem à natureza, que na nossa cultura implicou uma dominação a mais, Hoje, quando a utopia baconiana de “imperar na prática sobre a natureza” se
visto que o poder entre os homens – exercido inicialmente pela força – transformou-se realizou uma escala telúrica, tornou-se manifesta a essência da coação que ele
atribuía à natureza não dominada. Era a própria dominação. É a sua dissolução
em violência sublimada, propagada pelas palavras na própria divisão social do trabalho. que pode agora proceder o saber em que Bacon vê a “superioridade do homem”.
Isso explica porque foi proibida a entrada de mulheres muçulmanas que insistiam em (ADORNOO e HORKHEIMER, 1986, p. 52).
manter um véu sobre o seu rosto em universidades europeias. A explicação econômica
Esta dominação se apresentou no século passado na noção de indivíduo. O
que reduz essa proibição ao medo de enfrentar a concorrência na busca dos escassos
conceito de indivíduo com autonomia de consciência, livre e responsável, defendido
empregos é só parcialmente verdadeira, na medida em que mesmo na época de pleno
pelo liberalismo, transformou-se em ideologia por não se anunciar que as condições
emprego a necessidade de garantir a sobrevivência não é anulada.
objetivas para sua existência são cada vez menos propícias. Se, segundo Marcuse
Da mesma forma que uma presa é observada pelo caçador para que a regularidade (1972), o objeto psicológico vem sendo preparado desde Lutero, o conceito sobre ele
de seus movimentos possa indicar o momento preciso do bote, o objeto do preconceito cede frente às teorias totalitárias de Estado. Essa transformação, de acordo com esse
precisa ser descrito pela sua regularidade, fixidez, para que possa ser contido. autor, ocorreu também com a noção de autoridade que tinha se desenvolvido pelo
A natureza, contudo, não se reduz à mera regularidade pela qual é percebida, e a Iluminismo, desencadeando o surgimento de teorias que, por explicar a coesão social
natureza humana menos ainda. Se o homem, tal como Kant pôde mostrar, contrapõe-se existente ou possível, por fatores quer morais quer psicológicos, auxiliaram a preparar
à causalidade presente na natureza como ser dotado de liberdade, esta não deve ser a o caminho para o surgimento da teoria do estado totalitário.
fiadora da fixação do objeto, mas de sua libertação. E, assim, o ser psicológico preso
Se Kant e Hegel tinham apontado para a possibilidade de uma sociedade constituída
ao mundo da empiria, ao reino da causalidade, deve ser libertado de sua conformação
à base da razão, que pressupõe também indivíduos que ajam racionalmente, as teorias
às leis naturais.
que apontam que a coesão social existente se dá a partir da moral e da psicologia
Allport (1946) verificou em sua pesquisa se os grupos minoritários tendiam a inauguram a possibilidade de dominação se dar por meio dessas esferas. E, de fato,
desenvolver preconceitos em relação a outros grupos minoritários ou se tendiam a segundo ilustram Horkheimer e Adorno (1986), o fascismo pode caracterizar-se como
solidarizar-se com eles. Concluiu a partir de seus dados pelas duas possibilidades, ou totalitário também porque se utiliza dos desejos psíquicos em um sentido contrário
seja, em algumas ocasiões, há solidariedade entre os grupos vítimas do preconceito, aos interesses racionais do indivíduo. Mais à frente teremos outros elementos para
em outras há contraposição. Já Horkheimer e Adorno (1986), na análise que fizeram poder pensar se o preconceito não se refere a essa mesma utilização. Até o momento
do antissemitismo, parecem defender a primeira possibilidade – a da contraposição temos que: 1. o preconceito não é inato, é desenvolvido durante o processo de
-, quer porque o preconceito contra os judeus foi apresentado pelos trabalhadores socialização; 2. o indivíduo que estabelece um determinado tipo de preconceito tende
alemães, vítimas eles mesmos de preconceitos, quer porque, dizem esses autores, as a estabelecer diversos outros; 3. o estereótipo presente no preconceito, se não diz
vítimas e os algozes são intercambiáveis ao longo da história: respeito diretamente ao objeto, mas à percepção dirigida sobre ele, não é totalmente
independente deste; a percepção sobre o objeto o desfigura; 5. o indivíduo predisposto
ao preconceito tende a ser imune à experiência, sendo que, em geral, esta é apropriada

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em função daquele; 6- o estereótipo é constituído por predicados culturais, sendo que sucederam-se na compreensão do preconceito, ora enfatizando aspectos culturais,
um deles – em geral o que nomeia o objeto de preconceito – é o principal e os outros ora aspectos individuais, ora ambos os aspectos. Segundo o autor, até o final do século
são seus derivados; 7. a (des)valorização dos objetos do preconceito provém da divisão XIX, o preconceito não era entendido como uma distorção da realidade, como um
do trabalho, da hierarquia social estabelecida, das necessidades sociais do mundo do fenômeno psíquico ou cultural. A ciência de então buscava encontrar os motivos que
trabalho; 8. o objeto do preconceito é confrontado com o ideal cultural introjetado explicariam as diferenças que eram percebidas entre as raças. Estas explicações, em
pelo indivíduo predisposto ao preconceito; 9. os grupos-alvos do preconceito podem geral, recaíam sobre fatores biológicos e, em última instância, genéticos.
solidarizar-se com outros grupos também vítimas do preconceito ou ser preconceituosos
Com as críticas presentes nos movimentos sociais à dominação colonial, nas
em relação a eles; no Estado fascista, esta última possibilidade é a mais provável, uma
primeiras décadas do século passado, principalmente nos Estados Unidos, passou-se
vez que os grupos excluídos socialmente são lançados uns contra os outros.
a se preocupar com o que levaria algumas pessoas a converter diferenças sociais e
Passemos agora a ver algumas das explicações dadas sobre o preconceito para tentar culturais em diferenças naturais. Por certo, as teorias que atuavam neste sentido
entender a sua constituição, embora parte disto já tenha sido feito. foram consideradas preconceituosas, o que por si só já indica uma crítica à isenção,
pela qual a ciência gera as perguntas que norteiam as suas pesquisas.

EXPLICAÇÕES SOBRE O PRECONCEITO Ainda, segundo Duckitt (1992), as teorias sobre o preconceito, que foram
desenvolvidas no século passado, podem ser agrupadas da seguinte forma:
No passado, outros sentidos foram dados ao termo preconceito. Marcuse (1972)
mostra que no movimento da contrarreforma – que visava restaurar o poder dos nobres e 1. teorias que utilizam conceitos psicanalíticos para explicá-lo como produto de
da igreja que fora tomado pela burguesia – o termo preconceito foi utilizado e defendido mecanismos de defesa que surgem frente à frustração. Os indivíduos preconceituosos
para representar os dogmas que deveriam ser aceitos para que não se gerasse um caos procurariam um objeto para justificar a sua insatisfação com a sua situação de vida;
social. Do lado oposto, Kant (1992) propunha a autonomia da razão como antídoto ao
preconceito que se dirigia ao apego aos dogmas que impediam que cada um pudesse 2. teorias que consideram que o preconceito resulta de perturbações no desenvolvimento
pensar por si próprio e assim sair de seu estado de menoridade. Focault (1978), por de estruturas psíquicas, o que levaria o indivíduo a tornar-se predisposto a ele;
sua vez, mostra como a loucura de fenômeno de significado coletivo se transforma em
3. teorias para as quais o preconceito é fruto da socialização, ou seja, os indivíduos se
doença mental com significado quer médico quer psicológico, ao mesmo tempo em que
adaptariam às normas e aos valores culturais transmitidos;
descreve como o crime, que até o século XIX era basicamente considerado devido às
circunstâncias sociais, passa a ser considerado também como produto da história de 4. teorias que julgam ser o preconceito um produto dos conflitos entre interesses
vida individual (ver Focault, 1977). sociais diversos; e
Ou seja, uma série de fenômenos, que nos séculos passados eram atribuídos à 5. teorias que consideram ser o preconceito um problema cognitivo. Ou seja, os
cultura ou à sociedade, passa, sobretudo a partir do século passado, a ganhar um cunho
indivíduos para poder compreender o mundo, simplificam-no por meio de estereótipos.
individual. É importante darmos ênfase a essa transformação, tendo em vista que o
preconceito, nos nossos dias, é de forma geral percebido como um fenômeno individual, Apesar da variabilidade de explicações, Duckitt (1992) as considera complementares.
isto é, busca-se menos entender as determinações sociais na sua constituição do que E, de fato, esta complementaridade surge ao menos em um estudo que veremos mais
prejulgar o preconceituoso e assim repetir o mesmo procedimento que é criticado. Mas, adiante com um pouco mais de detalhes: o de Adorno et. al. (1965).
ao dizer isso, não se quer eliminar a importância dos estudos que mostrem o fenômeno
de seu lado individual, desde que não o vejam desarticulado de sua mediação social. Como foi visto, o estereótipo é um produto cultural e para existir ele precisa que
os indivíduos se apropriem dele. Mais do que isso, os indivíduos precisariam ter ou
O entendimento de que o preconceito seja uma distorção da realidade e que dependa desenvolver uma estrutura psíquica para incorporá-lo e deixar que ele ocupe o lugar
de necessidades psíquicas para se constituir é recente, conforme mostra Duckitt daquilo que sua experiência poderia lhe proporcionar.
(1992). Esse autor alega que, ao longo do século XX, diversos paradigmas teóricos

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Freud (1986) mostra que no início da constituição do “eu” começa a se formar, Se na infância se estabelecem os mecanismos adequados à apropriação do conteúdo
mediado pelo princípio do prazer, uma cisão, na qual tudo que é considerado prazeroso do preconceito, surge a questão de se esses mecanismos impediriam ou dificultariam
é tido como pertencente a si e tudo que leva à dor, à frustração, à carência, é percebido o surgimento de uma consciência oriunda da experiência, ou se, ao lado desses
como sendo externo ao eu. Cabe, segundo esse autor, à experiência reparar essa falsa mecanismos, a experiência se daria em certa medida sendo mediada por eles, embora
dicotomia. Contudo, como aquilo que se formou no passado é preservado no presente,
os transcendendo.
podemos supor que aquela dicotomia, por vezes, tome o lugar da experiência.
Marcuse (1982) parece apontar para a primeira alternativa, na medida em que afirma
Assim, à partição do mundo em estereótipos variados acresce-se a dicotomia própria
que a cultura se caracteriza pela gratificação “imediata” dos desejos individuais com a
do princípio do prazer e, dessa forma, a cultura não deixa de propor conteúdos e um
modo de se estruturar esses conteúdos que podem suscitar a presença do “eu-prazer”. redução de Eros à sexualidade. Além disso, segundo esse autor, com o enfraquecimento
A experiência é, em ambos os casos, negada. Mas, se é mediante a experiência que o da família patriarcal, o indivíduo passa a ser socializado por diversas instâncias sociais,
eu pode adaptar os juízos aos fatos e estabelecer a consciência, com a sua negação resultando que o indivíduo atualmente é diretamente socializado pela sociedade,
ocorre uma regressão a um ponto anterior à sua formação, como se ela fosse sustada. havendo o surgimento de um eu frágil, que tem dificuldades de perceber a realidade e
quase não tolera o sofrimento:
O estereótipo pode tanto substituir a experiência quanto alterar o seu teor,
conduzindo-a para o resultado previsto por ele. Mas o que pode levar o indivíduo a ... a perda da consciência em razão das liberdades satisfatórias concedidas
abandonar a possibilidade de julgar por si mesmo, que a experiência permite, para por uma sociedade sem liberdade favorece uma consciência feliz que facilita
a aceitação dos malefícios dessa sociedade. É o indício de autonomia e
aderir a julgamento consolidado por parte da cultura? Por que a experiência deve ser compreensão em declínio (p. 85).
negada? Para pensarmos essas questões, podemos fazer uma analogia com a análise que
Freud (1986) fez da adesão por parte dos indivíduos às ilusões presentes na religião. Neste sentido, Adorno (1986) mostra o enfraquecimento do eu em seu objetivo de
mediar entre os desejos individuais e o mundo exterior. Mais do que isso, já como crítica
Segundo esse autor, o conteúdo da religião vai ao encontro da necessidade de um
à psicanálise, esse autor mostra que esse eu enfraquecido incrementa a adaptação do
pai que atenue ou encubra o sentimento de desamparo, de impotência, existente na
indivíduo à cultura e à sociedade. Com o eu frágil, a comunicação se dá diretamente
infância, quando se descobre que o pai pode não oferecer a proteção que inicialmente
entre as instâncias sociais e o inconsciente, sustentando e reforçando no indivíduo as
imaginava:
suas necessidades irracionais do ponto de vista de sua autoconservação, mas racionais
E quanto às necessidades religiosas, parece-me irrefutável que derivam do para a preservação dos interesses dos que mais se beneficiam desta sociedade.
desamparo infantil e da nostalgia do pai que aquele desperta, tanto mais se se
pensa que este último sentimento não se prolonga em forma simples desde a
vida infantil, e sim que é conservado duradouramente pela angústia frente ao
Para que esta hipótese não soe absurda, basta lembrar o quanto os indivíduos
hiperpoder do destino. (pp.31-32). atentam contra a sua própria vida no cotidiano e o quanto eles são levados a esse tipo
de atentado devido às necessidades sociais que lhes são impostas. Os kamikazes da
Em outras palavras, o conteúdo da religião serve para ocultar a possibilidade de se segunda guerra mundial e os atuais homens-bombas são apenas o exagero da situação
experimentar a realidade do desamparo, que é universal na época contemporânea. E, da normalidade. A violência nos estádios de futebol; o prazer com que se assiste uma
ao impossibilitar a percepção do sofrimento, permite que ele possa ter continuidade,
luta de boxe; a satisfação com a desgraça alheia, e o acirramento da competição entre
fazendo com que quanto mais ele aumente mais seja necessária a presença da ilusão.
os indivíduos num mercado caótico não são meramente exemplos.
Assim, a heteronomia e a privação da experiência seriam provenientes da tentativa
Mas, se a primeira hipótese pode ser sustentada, a segunda também é defendida
de se iludir o sofrimento. Isso explicaria porque o conteúdo dos estereótipos não é
por Marcuse (1982) e Adorno (1986), o que mostra que as duas são complementares.
indiferente às necessidades psíquicas, ou seja, não é qualquer conteúdo que se presta
Já Freud (1986) indicou a convivência entre os desejos infantis e a consciência adulta
àquelas necessidades. Se dessa forma a cultura e o psiquismo não se complementam
e criticou a necessidade de ilusões e de restrições sociais que são injustas com a
não é porque a primeira seja adequada às características do último, mas porque ambos
diversidade humana. É verdade que esse autor sofre críticas de Marcuse (1981) e de
impedem o surgimento do indivíduo que pode ser considerado autônomo.
Adorno (1986) por ter entendido o desenvolvimento de nossa cultura em termos de

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filogênese e não de história, além de Adorno alegar que a psicanálise é anacrônica, de massa -, responsáveis pela socialização do indivíduo, se aproximaram em demasia
uma vez que o objeto que analisou, constituído pela relação entre as três instâncias da racionalidade da produção do mundo do trabalho por meio do crescente processo de
psíquicas – id, ego, superego -, já se constitui de outra forma. Contudo, mesmo esses racionalização social, conforme mostraram Marcuse (1981) e Habermas (1983). Assim,
autores não desprezam a possibilidade de que o eu enfraquecido possa se fortalecer e em vez de o indivíduo poder ser libertado do mundo do trabalho e passar a ser dono
perceber o sofrimento e as contradições presentes na sociedade: de seu tempo livre, ele tem de se adaptar à racionalidade da máquina que passa a
impregnar as diversas esferas sociais.
Na verdade, há infelicidade penetrante, e a consciência feliz é bastante
abalável – uma delgada superfície sobre o temor, a decepção, o desgosto.
Essa infelicidade se presta facilmente à mobilização política; sem lugar para Como a racionalidade da produção capitalista é voltada para o lucro e não para as
o desenvolvimento consciente, ela se torna o reservatório instintivo para um necessidades humanas, e como com as transformações sociais ocorridas no século XX,
novo estilo fascista de vida e morte. Mas há meios pelos quais a infelicidade que a racionalidade do mundo do trabalho se propaga às outras esferas de vida, o objetivo
está sob a consciência feliz pode ser transformada em fonte de vigor e coesão
para a ordem social (MARCUSE, 1982, p.86). da sociedade torna-se o de ser um mundo perfeitamente administrado. Ou seja, como
a racionalidade virou o fim do próprio sistema social, mas não mais um meio para que
Ou seja, mesmo a consciência danificada pode ser reconstituída, uma vez que sob todos possam ter uma vida digna, a sociedade tornou-se irracional.
a máscara da felicidade o sofrimento continua a pressionar. Contudo, deve-se atentar
também, na última citação, à ênfase dada pelo autor à possibilidade de o sofrimento Se a cultura que se reduziu à sociedade da sobrevivência torna-se irracional, o seu
transformar-se em violência quando não é consciente, que é o que ocorre, como princípio de realidade contém também algo dessa irracionalidade. E se, no século XIX,
estamos assinalando, quando a realidade insiste em se mostrar harmônica, ocultando, a irracionalidade presente no inconsciente poderia contrapor-se à racionalidade da
ainda que de forma branda, as suas contradições. cultura introjetada pelo indivíduo, atualmente aquela irracionalidade compõe-se com
a irracionalidade da cultura e opõe-se às próprias percepções que tenham um caráter
Se, como alega Adorno (1986), a sociedade favorece os modelos de constituição racional, que apontam para o sofrimento desnecessário dos homens em uma sociedade
de subjetividade que a fortalecem, o eu também se forma a partir do princípio da que visava à sua eliminação.
realidade, que, se não pode ser reduzido à realidade existente, tampouco pode se
desvincular desta. Se, no século XIX, o ideal cultural se calcava em uma sociedade A possibilidade de uma sociedade racional que vise à igualdade de condições de
racional, o princípio da realidade também deveria suscitar a racionalidade individual, existência e a possibilidade de a diversidade poder expressar-se a partir daquela
mas se, no século passado, com o desenvolvimento do capitalismo dos monopólios, igualdade passam a ser consideradas um sonho, uma alucinação, destacados da
a racionalidade do indivíduo não é mais necessária para a manutenção do sistema realidade. A loucura converteu-se em realidade e a realidade em loucura.
produtivo, uma vez que a administração racionalizada e as máquinas pedem ao
Em uma sociedade assim, não é incompreensível que a predisposição psicológica ao
indivíduo somente que siga corretamente regras e instruções, não é mais o mundo do
preconceito seja a regra, uma vez que a realidade existente é fixada como eterna e a
trabalho que pode ser responsável pela constituição de um indivíduo autônomo:
possibilidade de pensar e de agir para que ela se transforme é considerada própria de
A teoria de alienação demonstrou o fato de que o homem não se realiza em seu visionários. Se a cultura atual se mantém pela ênfase na naturalização e na fixação dos
trabalho, que sua vida se tornou um instrumento de trabalho, que seu trabalho fenômenos, esses são elementos básicos do preconceito. Mais do que isso, junto à fixidez
e respectivos produtos assumiram uma forma e um poder independentes dele
como indivíduo. Mas a emancipação desse estado parece requerer não que se da cultura exige-se de cada um de seus membros a fixidez de seus comportamentos
impeça a alienação, mas que esta se consuma; não a reativação da personalidade e a fixação do comportamento dos outros. Certamente é um ambiente oportuno para
reprimida e produtiva, mas a sua abolição. A eliminação das potencialidades surgir o preconceito.
humanas do mundo de trabalho (alienado) cria as precondições para a eliminação
do trabalho do mundo das potencialidades humanas (MARCUSE, 1981, p.103). Assim como os preconceitos tendem a fixar os objetos de uma vez para sempre, a
Se é certo que isso tem um caráter emancipatório, pois o indivíduo poderia já nossa cultura apresenta o que é percebido como imediato, como natural. O pensamento
prescindir de trabalhar para viver ou ao menos diminuir a intensidade de seu trabalho, as é treinado para adaptar-se à realidade tal como se apresenta a não para refleti-la a
outras instâncias sociais - a família, a escola e, ultimamente, os meios de comunicação partir daquilo que a determina:

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Compreender o dado enquanto tal, descobrir nos dados não apenas suas comunicação de massa não se fazem de rogados e fortalecem a apologia da força desde
relações espaço-temporais abstratas, com as quais se possa então agarrá-las,
que as regras sejam seguidas. Mas, assim como no futebol um gol com a mão é validado
mas ao contrário pensá-las como a superfície, como aspectos mediatizados
do conceito, que só se realizam no desdobramento de seu sentido social, e traz satisfações para a torcida, pois o que importa é vencer, no trabalho aquele que
histórico, humano – toda a pretensão do conhecimento é abandonada. Ela não consegue vencer, ainda que com métodos pouco lícitos, é admirado e não deixa de
consiste no mero perceber, classificar e calcular, mas precisamente na negação
determinante de cada dado imediato. Ora, ao invés disso, o formalismo
servir de modelo. Aliás, se é verdade que a administração é independente do sistema
matemático, cujo instrumento é o número, a figura mais abstrata do imediato, social ao qual serve, os traficantes de drogas e os mafiosos mostram a essência dessa
mantém o pensamento firmemente preso à mera imediaticidade. (Horkheimer verdade, pois são tão organizados quanto os monopólios industriais.
e Adorno, 1986, pp.38-39).
Para o preconceituoso, segundo mostra o estudo de Adorno et al. (1965), a dicotomia
Mas se a sociedade tende a tornar-se autônoma em relação aos homens, ou seja,
força/fragilidade está sempre presente com o concomitante respeito à primeira e o
pode prescindir deles para o seu funcionamento reprodutivo, aos homens não resta
desprezo à segunda. Os líderes fascistas em seus discursos, segundo Horkheimer e Adorno
outra alternativa para atenuar o seu sofrimento, as suas carências, que se voltar para
(1978), apoiam-se nesta dicotomia, inicialmente colocando-se no lugar dos perseguidos
si, afastando-se dos outros. Se não encontram amparo nas relações sociais, devem
por aqueles que exercem influência sobre o poder, os quais seriam os responsáveis
apropriá-las para si conforme as suas necessidades. Devem atuar como um ser social
pela exclusão social de que se sentem alvos. Como a audiência é identificada com o
que no fundo despreza essa sua característica. A sociedade que deveria poder, por
líder, não deixa de haver, segundo os autores, um ganho narcísico nesta identificação
meio do trabalho, mitigar o sofrimento humano torna-se adversária do indivíduo, tal
que encontra uma explicação para as suas frustrações, ou seja, para a sua própria
como pode ser notado na descrição que Freud (1986) faz da hostilidade dos homens em
fragilidade. Mas se aqueles que exercem o poder usurparam-no, cabe, segundo os
relação à cultura.
supostos expropriados, reapropriá-lo pela força. Assim, nessa percepção distorcida,
Em um texto anterior, Freud (1976) já havia apontado que, quando os ideais coletivos os inimigos devem ser despossuídos de seu lugar, que se sustenta por uma ordem que
desmoronam, surge o pânico que leva os indivíduos a atuarem contrariamente às regras privilegia a fraqueza daqueles que não deveriam ocupar o poder. Pela impossibilidade
a que antes obedeciam. Como, atualmente, os ideais coletivos são escassos, o pânico de perceber que o lugar que ocupam de subalternos na estrutura social é devido a
surge, mas as ações contrárias à ordem social são mantidas pela ameaça direta. Ou seja, esta e não a outros grupos sociais, voltam-se contra estes últimos para reproduzir a
se no passado os ideais coletivos poderiam justificar os sacrifícios individuais desde que exclusão de que se julgam vítimas. Ou seja, por mais que aparentemente a violência
fossem racionais, possibilitando a adesão não só pela supremacia da vontade coletiva, fascista seja imediata, ela se vale de categorias sociais mediadas por necessidades
mas também pela racionalidade desta, com o ruir daqueles ideais, só a ameaça de um psíquicas individuais.
poder coletivo é capaz de conter o caos.
Até o momento temos acentuado, predominantemente, os aspectos culturais e
Contudo, junto à ameaça existe a percepção do sofrimento que obriga a consciência sociais presentes na constituição do preconceito que não podem ser dissociados das
a cada vez mais se encolher frente à realidade e a procurar objetivos externos sobre individuais. Passemos agora a ver quais são as necessidades psíquicas subjacentes ao
os quais possa projetar a sua própria impotência. Os preconceituosos veem no objeto preconceito. O estudo de Adorno et al. (1965) traz dados sobre isso.
aquilo que eles têm de negar em si mesmos: a fragilidade, o desamparo. Não é à toa
que os objetos do preconceito sejam, em geral, considerados frágeis socialmente: CARACTERÍSTICAS DOS INDIVÍDUOS PREDISPOSTOS AO PRECONCEITO
os judeus, os negros, as mulheres, os indivíduos com deficiências, os indivíduos com
doenças mentais. O estudo de Adorno et al. (1965) visava saber qual era a predisposição dos americanos
na década de 1940 a aderir a uma ideologia fascista. Os autores partiram da hipótese
Se, no mundo da concorrência, os indivíduos são levados a disputar entre si, as suas de que a adesão à determinada ideologia pode ser mediada por necessidades psíquicas
habilidades devem se transformar em instrumentos para derrotar o mais frágil, e os profundas, e não necessariamente pela sua racionalidade. Utilizaram diversos
outros homens devem ser percebidos como inimigos à sua sobrevivência. Os meios de instrumentos para atingir seu objetivo. Quatro escalas de atitudes, o Teste de Apercepção

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Temática e perguntas de caráter projetivo foram aplicados a alguns poucos milhares de individuais e a ideologia que apontaria para uma relação análoga àquela presente
sujeitos de diversos grupos sociais e vários sujeitos foram submetidos a entrevistas. entre o preconceituoso e seu objeto.

Uma das escalas de atitudes visava verificar a tendência dos sujeitos em relação Assim, se há relação entre os preconceitos avaliados diretamente pelas escalas
ao etnocentrismo (E) e outra delas ao antissemitismo (AS). Uma terceira escala foi de Etnocentrismo e de Antissemitismo e indiretamente pela Escala F, de um lado,
construída para verificar a presença de tendências autoritárias nos sujeitos (F) e outra e a posição político-econômica, avaliada pela escala de conservadorismo político-
para verificar as suas atitudes em relação ao ideário político-econômico (PEC). econômico, de outro lado, é porque há um mesmo movimento presente em ambos
– tanto o objeto do preconceito como o ideário político responderiam a necessidades
As altas correlações obtidas entre as duas primeiras escalas (AS e E) comprovam o que
psíquicas. Os sujeitos com altas pontuações nos dois tipos de escala não estariam
foi dito no início deste texto sobre haver uma tendência no indivíduo preconceituoso a
respondendo pela sua experiência ou pela reflexão sobre o objeto.
desenvolver o preconceito em relação a diversos objetos, uma vez que a escala sobre
o etnocentrismo continha questões sobre diversos tipos de minorias. As correlações A relação entre preconceito e ideologia pôde ser claramente associada pelos
também altas entre as duas primeiras escalas com a terceira (escala F) mostram que as autores, como hipótese, pela clareza da evocação de preconceitos presentes na
atitudes diretamente voltadas ao preconceito se relacionam com atitudes autoritárias. ideologia fascista. Como para Horkheimer e Adorno (1986), o fascismo não ocorreu por
Já as correlações de magnitudes medianas, embora significantes, entre as três primeiras acaso na história, mas foi produto da própria forma de evolução de nossa cultura, essa
escalas e a escala sobre o conservadorismo político-econômico mostram que, se de movimentação não foi percebida separadamente da sociedade capitalista.
fato os sujeitos preconceituosos tendem a aderir a uma ideologia conservadora e os
Isso nos leva a pensar a relação entre a consciência individual e a consciência social.
sujeitos sem preconceitos tendem a aderir à ideologia liberal, existem outras relações
Em “A Personalidade Autoritária”, Adorno et al. (1965) afirmam que uma remete à
entre as duas variáveis.
outra, o que não significa que sejam redutíveis uma à outra, isto é, o conhecimento dos
Uma delas é que alguns sujeitos isentos de preconceitos aderiram à ideologia conflitos não leva necessariamente à consciência social, caso contrário, todos aqueles
conservadora, outra delas, é a de que indivíduos autoritários defenderam o ideário que se submeterem a um bom tratamento analítico estariam necessariamente associados
político-econômico liberal, o que os levou a concluir que a adesão à ideologia se dá por com posições sociais progressistas, o que parece não ser verdadeiro. De outro lado,
motivos psíquicos ou pela própria racionalidade perceptível na ideologia. Em outras a consciência das contradições sociais não conduz necessariamente à autopercepção,
palavras, em alguns sujeitos a adesão à ideologia se dá devido ao reconhecimento caso contrário, aqueles que defendem ideias progressistas não utilizariam de métodos
de sua racionalidade por um ego maduro; em outros, por necessidades psíquicas não de controle da opinião alheia, que são facilmente visíveis nos movimentos sociais.
imediatamente apreensíveis. Este último dado é importante por mostrar que a relação
Mas não se trata de objetos separados e sim de um objeto cindido, cujo isolamento
entre a adesão a ideários político-econômicos e os conflitos individuais não é imediata,
recíproco de suas partes não desfaz o seu entrelaçamento, uma vez que o indivíduo
ou seja, há outros elementos na escolha individual que apontam tanto para a possível
para se constituir, precisa incorporar a cultura. Assim, a distância entre o indivíduo e
racionalidade presente na ideologia quanto para o emprego da razão por parte do
a sociedade é menos fruto da busca de idiossincrasias pessoais do que do impedimento
indivíduo, assim como indica que a defesa de certos ideários emancipatórios nem
de o indivíduo se desenvolver pela apropriação daquilo que a cultura pode lhe oferecer.
sempre se dá com a intenção da emancipação. Assim, no ideário político-econômico
E é uma cultura empobrecida, que tem dificuldades de superar a si mesma, que afasta
conservador examinado podem estar presentes elementos considerados importantes
o indivíduo de si.
para uma sociedade justa, e no ideário liberal, elementos que possam satisfazer
impulsos autoritários. Se o indivíduo se vê impossibilitado de pensar as suas experiências por meio de
instrumentos culturais que não incorporou, ele só pode desenvolver uma relação de
Se esses autores associaram os preconceitos com ideologias políticas é porque
estranheza frente à cultura. É esse estranhamento que o faz tomar segundo os seus
supunham que não só o indivíduo desenvolve o preconceito, mas que a sociedade desejos o que a cultura dispõe como objetos, ficando a consciência impedida de se
colabora para esse desenvolvimento. Contudo, seria a relação entre os conflitos desenvolver, ou ao menos, de se firmar. Para evitar perceber a irracionalidade na

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cultura, com a qual é obrigado a conviver para sobreviver, o individuo deve renunciar Outro tipo propício a apropriar-se de estereótipos foi denominado convencional. Os
à possibilidade de crítica. O que significa que mesmo em uma cultura marcantemente indivíduos descritos como convencionais incorporam os estereótipos do grupo ao qual
irracional a racionalidade individual pode se desenvolver negativamente, isto é, a querem pertencer sem refletir sobre eles. O ódio voltado ao objeto de preconceito
partir de alguma racionalidade que consegue perceber no mundo. Segundo Horkheimer não tem motivos próprios além daqueles presentes na identificação com o grupo a que
e Adorno (1986), esse paradoxo pode ser explicado pela contradição presente no desejam pertencer. Em geral, não demonstram impulsos hostis, são “bem-educados”.
movimento do esclarecimento: ao mesmo tempo em que este movimento, por não poder Se o grupo a que pertencem recrimina o preconceito, eles não o desenvolvem. Contudo,
avançar, esteja levando o indivíduo à regressão, não deixa de manter a possibilidade costumam introjetar rigidamente as normas e têm facilidades de criar dicotomias que
de libertação. dão suporte ao preconceito.

Contudo, se a experiência e o pensamento levam à percepção do sofrimento, eles O tipo autoritário, devido à sua ambivalência frente ao ‘pai’, que representa a
devem ser escamoteados e a relação com o mundo deve se dar de forma preconcebida. autoridade, cinde os seus afetos, dirigindo o seu amor ao ‘pai’ e o ódio àqueles que
Os objetos passam a ser aquilo que se diz sobre eles, indicando o caminho que não representam uma ameaça imaginária ao grupo que pertence. O ódio que sente também
devemos seguir. Neste sentido, está presente no preconceito aquilo que devemos
é cindido em uma parte masoquista, que emprega para submeter-se à autoridade, e
abandonar no desenvolvimento. Dotamos o objeto do preconceito de características
em uma parte sádica, utilizada para submeter aqueles que julgam mais frágeis a si. A
que devemos esquecer em nós mesmos. Assim, aquele que evoca a fragilidade, a
experiência e a razão pouco podem fazer para atenuar ou eliminar o seu preconceito
natureza, deve ser perseguido para que a nossa força natural beire a onipotência.
e, de outro lado, como a nossa cultura preza a hierarquia, a obediência e a força, não
Dessa forma, os preconceitos são por nós desenvolvidos em conjunto com uma série se sente inadaptado a ela.
de valores e ideias. A forma como se dá a incorporação desses valores e ideias já foi
Já o rebelde, ao contrário do autoritário, identifica-se com a autoridade
descrita por Freud (1986). Ela se dá por meio da ameaça que vemos a nós dirigida por
inconscientemente, mas manifestamente se contrapõe a qualquer tipo de poder. É
nossos pais, ou quem os represente, para que não percamos o seu amor, ou seja, a
niilista e preza o presente. O alvo de seu preconceito não é especificamente elaborado,
sua proteção. Nessa linha de raciocínio, um forte determinante do preconceito já se
serve, apenas, para dar vazão aos seus impulsos hostis. A sua agressividade, em
apresenta na infância.
geral, é dirigida aos mais frágeis, e ocorre, segundo os autores, devido a uma aliança
Adorno, em Adorno et al. (1965), estabeleceu uma tipologia composta de uma inconsciente com a autoridade que representa a força. Não consegue identificar-se com
variabilidade de constituições de indivíduos predispostos aos preconceitos e de a hierarquia do mundo do trabalho, pois não quer seguir regras; quando trabalha, a sua
indivíduos menos afeitos a ele. Fizeram isso a partir das entrevistas realizadas com realização não se dá como uma forma de sublimação, mas pela satisfação direta de
os sujeitos que obtiveram respectivamente os escores mais altos e os mais baixos seus impulsos hostis. Ainda segundo esse autor, o rebelde é um tipo de indivíduo comum
na escala sobre o fascismo, ou em suas congêneres. Foram descritos seis tipos de nas camadas mais pobres da população e se adapta bem ao trabalho de torturador nos
indivíduos com altos escores e cinco tipos de indivíduos com baixos escores. regimes manifestamente fascistas. A cultura não deixa de fortalecer as características
deste tipo de indivíduo:
Os tipos descritos no primeiro grupo foram denominados de: ressentido superficial;
convencional; autoritário; rebelde e psicopata; lunático e manipulador. Não é possível deixar de mencionar em relação a esse tipo, o incentivo que
a cultura dá. O culto ao corpo, a crítica ao espírito, a autoridade desprezada
Os indivíduos considerados ressentidos superficiais são os que utilizam o objeto do enquanto representante de um saber acumulado, a ênfase nos esportes
perigosos e violentos, a necessidade de o indivíduo se defender por si mesmo, a
preconceito para justificar os seus fracassos pessoais, uma vez que não conseguem valorização do momento se contrapondo à possibilidade de um projeto de vida,
encontrar os motivos destes fracassos nos condicionantes sociais de sua vida. são marcas da cultura atual (CROCHÍK, 1995, p.131).
Diferentemente de outros indivíduos preconceituosos, não projetam sobre a sua vítima
os seus impulsos agressivos, limitam-se a utilizar o preconceito como uma forma de O psicopata tem a mesma dinâmica que o rebelde, mas deseja a plena gratificação
racionalização. Têm o pensamento estereotipado e pouca consciência crítica. de seus desejos.

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O tipo lunático diz respeito ao indivíduo que frente aos conflitos entre os desejos violência; atua como se já estivéssemos vivendo em uma sociedade verdadeiramente
e a realidade modifica ilusoriamente esta última para suportá-los. Abrange aqueles humana (conforme ADORNO et al.,1965, p.725).
indivíduos que criam ou seguem as seitas fanáticas. Eles substituem o mundo externo
Por fim, o liberal genuíno aproxima-se do ideal freudiano e apresenta um bom
por vozes internas ou por forças sobrenaturais.
equilíbrio entre as três instâncias psíquicas. Introjeta os valores e ideais paternos, mas
O último tipo descrito entre aqueles que apresentaram altos escores na escala não de forma rígida, o que lhe permite dar vazão a alguns impulsos provenientes do id.
sobre o fascismo ou nas escalas sobre o etnocentrismo e sobre o antissemitismo é Identifica-se com as minorias sem deixar de diferenciá-las. Percebe a realidade não por
o manipulador. Para esse tipo, os estereótipos deixam de ser meios e passam a ser meio de classes ou de categorias, mas de indivíduos.
fins. A realidade e os seus objetos devem ser classificados seguindo dicotomias. Quase
Os indivíduos com baixos escores são pouco propensos, como vimos, a desenvolver
não apresenta vinculação e afetos em relação às pessoas. Aprecia o trabalho quando
preconceitos, embora alguns deles não deixem de apresentar a estereotipia de
este lhe permite exercer um controle eficaz, sem que o conteúdo do trabalho em si
pensamento ou mesmo um pensamento pouco elaborado.
mesmo importe. Se não há afetos em relação às pessoas, esses são deslocados para a
técnica. Segundo dizem os autores, é de se esperar um número crescente deste tipo de Em geral, a descrição dos tipos feita por Adorno et al. (1965) calca-se também
indivíduo em nossa cultura, pois esta preza a eficácia do emprego da técnica de forma no fenômeno descrito pela psicanálise como o Complexo de Édipo e, portanto, dá
desarticulada dos fins visados. importância à família. No caso do liberal genuíno, é dito que a família conseguiu
transmitir compreensão e carinho de forma a facilitar a superação daquele complexo.
Os indivíduos entrevistados que tiveram baixos escores na escala sobre o fascismo
Ou seja, se o conflito edipiano envolve basicamente dimensões psíquicas, essas não são
foram divididos em cinco tipos: rígido, protestador, impulsivo, despreocupado, e liberal
imunes à influência que a família exerce sobre ele. Um pai autoritário não é semelhante
genuíno.
a um pai indulgente, embora em ambos os casos, seja possível encontrar prejuízos à
O tipo rígido apresenta também a estereotipia do pensamento e a sua rigidez, tal formação da consciência individual, segundo Freud (1986). Um pai autoritário pode
como os sujeitos de alto escore. No entanto, o conteúdo básico que defende é o de um gerar a submissão e a ambivalência a toda autoridade; um pai brando e indulgente
ideal coletivo indiferenciado; as minorias são defendidas em nome desse ideal. Não pode levar a criança a desenvolver um superego rígido, por não ter a quem dirigir a sua
deixa de apresentar desejos de punição em relação a elas, mas esses são racionalizados. hostilidade, sendo obrigada a voltá-la novamente a si.

O tipo protestador tem um superego bem desenvolvido, tem uma consciência As mudanças na configuração da família nuclear durante o século XX e a socialização
interna que se opõe à autoridade externa e tenta reparar as injustiças contra as cada vez mais direta do indivíduo por agências extrafamiliares enfraqueceram a figura
minorias. Apresenta, tal como o rígido, um ideal coletivo que parece aproximar-se do pai. Esse quase não tem mais a possibilidade de se apresentar como um ideal, uma
de um ideal, de um mundo perfeito, o que talvez o afaste da experiência que lhe vez que a sua impotência frente à realidade é palpável e, devido à própria instabilidade
permitiria fortalecer o ego. dos valores e regras sociais, torna-se cada vez mais difícil para ele se constituir como
um modelo:
O indivíduo impulsivo tem um superego e um ego frágeis e, assim, é dominado pelos
impulsos do id, mas, ao contrário do rebelde, quase não apresenta impulsos agressivos. Os especialistas dos meios de comunicação com a massa transmitem os valores
requeridos; oferecem o treino perfeito em eficiência, dureza, personalidade,
Simpatiza com as minorias pela diversificação de prazer que essas podem proporcionar. sonhos e romance. Com essa educação, a família deixou de estar em condições
Se ele é imune ao estereótipo, não se preocupa em conceituar, o que, segundo os de competir... A sua autoridade (do pai) como transmissor de riqueza, aptidões
e experiências está grandemente reduzida; tem menos a oferecer e, portanto,
autores, é problemático por não possibilitar o pensamento sobre a realidade e a sua
menos a proibir (MARCUSE, 1981, p.97).
modificação.
Além disso, o fato de ter de preparar o filho para um mundo competitivo e sem
Ao contrário do tipo impulsivo, o despreocupado tem controle sobre sua experiência
perspectivas leva a própria educação a não ter quase outros valores que não sejam os
e evita a todo custo molestar o outro. Não emprega a violência nem para deter a

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da sobrevivência. A culpa de se colocar um filho em um mundo no qual vive as injustiças De um lado, a experiência é fortemente impedida pelos riscos que enuncia de
e se vê impotente para mudá-lo torna o pai permissivo e submetido à vontade daquele, conhecer algo que é distinto daquilo que se formou, ou daquilo a que se reduziu o
impedindo o filho de perceber adequadamente os sofrimentos presentes na realidade, objeto preconcebido, de outro lado, o pensamento é reduzido a tarefas também já
aos quais não está imune. preconcebidas pelas necessidades industriais. A realidade, não se mostrando em sua
diversidade, impede o movimento da consciência em direção ao combate ao sofrimento
Para viver aparentemente sem conflitos, o indivíduo deve desenvolver uma
existente, pois este é iludido sem por isso deixar de existir. Do mal-estar resultante
insensibilidade ao próprio sofrimento, que logo se estende ao sofrimento do outro.
provém o preconceito.
Allport (1946) mostra que os indivíduos que incorporam preconceitos não sentem
nem culpa nem vergonha por eles; Adorno et al. (1965) indicam que esses indivíduos Evidentemente, neste texto, o preconceito foi concebido em diversos aspectos
são contrários à intracepção, ou seja, a tudo aquilo que seja pessoal e subjetivo. A e poderia ser considerado em vários outros, mas isso não nos deve levar a pensar
hostilidade que voltam contra a vítima, de forma manifesta ou não, não é associada que eles devam ser analisados isoladamente, sem que isso signifique que as suas
por eles à sua própria subjetividade, mas àquilo que julgam que impede a realização de particularidades sejam abandonadas. Antes, o preconceito deve ser concebido quanto
seus desejos, mesmo que esses sejam contrários a seus próprios interesses racionais, aos seus diversos elementos e na configuração que assume na nossa cultura. Se a
como a preservação da vida, por exemplo. A autoridade é amada ou odiada não em sobrevivência quer cultural quer individual parece ser a base mais importante para
função de sua racionalidade, mas em si mesma. O preconceito formulado pelo ódio é que ele seja desenvolvido, é só com a superação dessa necessidade que poderíamos
tão indiferenciado quanto o conceito elaborado a partir do desprezo do objeto.
viver sem ele. Como tal possibilidade parece distante, resta-nos poder favorecer a
Neste sentido, como mencionamos antes, mesmo a ciência, apesar de toda a sua experiência e a razão para que o preconceito possa ser, ao menos, atenuado.
potencialidade emancipatória do mundo do sofrimento, não é imune ao preconceito. A
separação entre fato e valor (ver HORKHEIMER, 1976), destinado o primeiro à ciência
e o segundo a uma sociedade desigual, possibilita que a própria neutralidade científica Referências Bibliográficas
possa prescindir de conceitos que permitam pensar a sua produção. Além disso, na
idealização dos fatos esquece-se de buscar as determinações sociais presentes na ADORNO, T.W. (1986) Acerca de la relación entre sociologia y psicologia. Em H. Jensen
percepção do próprio objeto, eliminando-se a possibilidade de pensar a si mesmo como (Org.) Teoria Crítica del Sujeito. Buenos Aires: Ed Sigilo, XXI.
objeto, ou seja, como ser determinado.
ADORNO, T.W.; FRENKEL-BRUNSWIK, E.; LEVISON, D.J. e SANFORD, R.N. (1965). La
Mas se o próprio sujeito é determinado, ele não deixa de trazer consigo ideais, Personalidade Autoritária. Buenos Aires: Editorias Proyéccion.
valores que sejam anteriores ao objeto percebido, que podemos denominar de pré-
ADORNO,T.W. e HORKHEIMER,M. (1978). Temas Básicos de Sociologia. São Paulo: Cultrix.
conceitos para distingui-los dos preconceitos. Ou seja, toda experiência é mediada por
aquilo que já se estabeleceu no indivíduo, que pode se transformar em conceito quando ADORNO,T.W. e HORKHEIRMER,M. (1986). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro:
pode ser refletido naquilo que o objeto fornece, ou pode não se alterar. Se o objeto Jorge Zahar Editor.
oferece novos atributos ao sujeito, mas este mantém os seus pré-conceitos, esses se
tornam preconceitos; de outro lado, se a concepção anterior não é considerada na ALLPORT, G.W. (1946) Some roots of prejudice. Journal of Psychology, 22, 9-39.
produção do conhecimento, é esse mesmo que é eliminado (ver CROCHÍK, 1997). Há,
CROCHÍK, J.L. (1990) A personalidade narcisista segundo a Escola de Frankfurt e a
portanto, dois perigos a serem enfrentados; o impedimento da percepção do objeto
ideologia da racionalidade tecnológica. Psicologia, I(2). 141-154.
por aquilo que é preconcebido, que diz respeito diretamente ao preconceito, e a ideia
da experiência pura, não mediada pela constituição do próprio sujeito, que impediria CROCHÍK, J.L. (1997) Preconceito, Indivíduo e Cultura. São Paulo: ROBE Editorial.
a própria construção da teoria. Neste último caso, devemos lembrar que o pensamento
deveria ser um dos antídotos ao preconceito e o quanto a nossa cultura o despreza, DUCKIT, J. Psychology and prejudice: a historical analysis and integrative framework.
desprezando, entre outros elementos, o passado. American Psychologist, 47, 1182-1193.

32 33
FOUCAULT, M. (1977) Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes. 2
FOUCALT, M. (1978). História da Loucura. São Paulo: Perspectiva.

FREUD, S. (1976) Psicologia de Grupo de Análise do Ego. Rio de Janeiro: Imago Editora. Teoria crítica da sociedade e estudos sobre o preconceito3
FREUD, S. (1986) El malestar em la cultura. Em, N. Braunstei (Org.) A Medio Sigilo de
el Malestar em la Cultura de Sigmund Freud. México: Siglo XX1 Editores.
José Leon Crochík
HABERMAS, J. (1983) Técnica e ciência enquanto ideologia. Em W. Benjamin, M.
Horkheimer, T.W. Adorno e J. Habermas. São Paulo: Abril Cultural.

HORKHEIMER, M. (1976) Eclipse da Razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor. O objetivo deste texto é o de pensar os resultados de algumas pesquisas
empíricas sobre o preconceito à luz dos estudos de Adorno e Horkheimer. Defende
KANT, E. (1992) Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições,70. a necessidade da continuidade de estudos na perspectiva utilizada no trabalho
JAHODA, M e ACKERMAN, N.W. (1969) Distúrbios Emocionais e Anti-Semitismo. São realizado sobre a personalidade autoritária, em Berkeley, na década de 40 do século
Paulo: Perspectiva. passado. Nesse estudo, do qual Adorno foi um dos autores principais e Horkheimer
um dos coordenadores do conjunto de pesquisas financiadas pelo Comitê Judaico de
MARCUSE, H. (1972) Estudo sobre a autoridade e a família. Em, H. Marcuse. Ideias Nova York, entre elas a pesquisa em questão, foram utilizadas diversas técnicas das
sobre uma Teoria Crítica da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar. ciências humanas para se compreender a relação entre a adesão a diversas ideologias
sintetizadas nas ideologias conservadora e liberal -, a configuração da personalidade
MARCUSE, H (1981). Eros e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar.
– se propensa ou não ao fascismo – e o preconceito – presente quer no anti-semitismo,
MARCUSE, H. (1982) Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar. quer no etnocentrismo.
Para se estabelecer a relação entre a personalidade e a ideologia, presente
ROUANET, S.P. (1989) Teoria Crítica e Psicanálise. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. também nas escalas sobre o preconceito, e para analisar e interpretar os dados
obtidos, os autores – Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson, Sanford e outros - adotaram
a Psicanálise, para o estudo da configuração psíquica, e uma teoria da sociedade de
matiz marxista, visível nos capítulos assinados por Adorno e Levinson. Apesar das
diferentes especialidades que caracterizavam os coordenadores do trabalho, a posição
política – crítica ao conservadorismo político-econômico e defesa da democracia – e a
metodológica, não os diferenciavam de forma marcante, o que permitiu a vários deles
escrever alguns capítulos em conjunto, além de se referirem, nos capítulos que cada
qual escreveu, aos dados e/ou análises contidos nos capítulos escritos pelos outros.
A forte presença da psicanálise nesse estudo, por sua vez, não destoa da perspectiva
dos frankfurtianos, antes é inerente a ela. Adorno (1986) defende a psicanálise como:
“...la única que investiga seriamente las condiciones subjetivas de la irracionalidad
objetiva”(p.36)4, ou seja, a psicanálise, segundo esse autor, permite compreender as
bases psíquicas da servidão voluntária.

3 Artigo originalmente publicado na Revista Psicologia Política, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 67-99, 2001.
4 Para a discussão sobre a intensa presença da psicanálise nos escritos dos frankfurtianos ver Rouanet (1989).

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Este ensaio está dividido em alguns fragmentos. Esses fragmentos são breves, grupo de Berkeley, sem que essa proposta signifique que outras formas de investigação
mas procuram fazer justiça ao seu objeto e se implicam mutuamente; o eixo que sobre o preconceito sejam inócuas.
os relaciona é a contraposição entre a teoria da sociedade e a investigação social
empírica, feita por Horkheimer e Adorno (1978b), que defendem, no estudo sobre Em suma, defende-se, neste ensaio, não só a continuidade dos estudos da
o fascismo moderno, o uso de técnicas experimentais, com a concomitante reflexão relação entre personalidade e ideologia, o que têm sido desenvolvido até hoje (ver
sobre os seus limites; da psicanálise, para interpretar a dinâmica psíquica; e da teoria Schaller et al. , 1995 e Altemeyer, 1999, por exemplo), como a presença da psicanálise,
da sociedade, para pensar a constituição da sociedade, do indivíduo e da relação entre para a interpretação das configurações psíquicas, e da teoria crítica da sociedade, para
ambos. Como o intuito deste ensaio é o de defender a continuidade de estudos na pensar a relação entre a ideologia e a propensão ao preconceito, que não dispensa a
perspectiva adotada no trabalho sobre a personalidade autoritária, deve-se, ainda que ciência erigida por Freud e seus seguidores.
brevemente, responder algumas das principais críticas feitas a esse trabalho, o que
será feito na primeira parte, e apresentar a dois tipos de interlocutores – alguns dos 1- Considerações sobre as críticas ao trabalho ‘A personalidade
seguidores da teoria crítica da sociedade, que abrigam certa aversão à investigação autoritária’
social empírica, por supor que essa reduz os objetos às suas técnicas, e os defensores
da investigação social empírica, que elegem a análise dos fatos coligidos na realidade A pesquisa sobre a personalidade autoritária, desenvolvida por Adorno et al.(1950),
estabelecida como o fórum último de suas conclusões – parte da argumentação de ensejou vasta literatura que ora deu continuidade a essa pesquisa, ora, a partir de
Horkheimer e Adorno (1978b), autores que defendem o uso de ambas as perspectivas críticas, buscou outras formas de avaliação e de interpretação das variáveis estudadas
para o estudo sobre as tendências fascistas contemporâneas, desde que confrontadas (Carone, s/d e Vagostelos, 1997). Considerada por muitos já um clássico da literatura da
uma com a outra, o que será exposto na segunda parte deste trabalho. Esses dois tipos área, tem sofrido várias críticas; talvez a mais importante seja a de que esses autores
de consideração estarão presentes na análise dos estudos sobre a hipótese do contato, não deram ênfase às condições sociais em sua análise, privilegiando a configuração
que constará da terceira parte deste ensaio; esses estudos, que pertencem ao que se da personalidade na análise da predisposição individual ao preconceito. Essa crítica
considera Investigação Social Empírica, parecem carecer de uma teoria da sociedade parece desconsiderar uma série de fatores, desconsideração esta que, certamente,
e de uma teoria dinâmica da personalidade que lhes assinalem os limites de suas não diz respeito a todos os críticos. Dentre esses fatores, destacamos:
possibilidades. Nessa parte do trabalho, refletiremos sobre esses limites, tentando a) O livro ‘A Personalidade Autoritária’ acentua, em sua conclusão, que se supõe
evidenciar que os referenciais teóricos presentes no estudo sobre a personalidade representativa de todos os seus autores, que a ênfase em características psicológicas não
autoritária e em diversas obras dos frankfurtianos poderiam levar a análises mais significa o entendimento do preconceito como um fenômeno meramente psicológico,
aprofundadas. Na parte seguinte deste trabalho, serão apresentados alguns resultados como alguns dos seus críticos argumentam. Nas suas palavras:
de uma pesquisa desenvolvida pelo autor, que intenta prosseguir os estudos do grupo It seems obvious therefore that the modification of the potentially fascist
de Berkeley, mas que por isso mesmo, respeitando a perspectiva histórica, analisa a structure cannot be achieved by psychological means alone. The task is
relação entre um tipo de ideologia, que, por hipótese, está substituindo as estudadas comparable to that of eliminating neurosis, or delinquency, or nationalism from
the world. These are products of the total organization of society and are to be
por eles – a ideologia da racionalidade tecnológica –, que foi delimitada por meio de changed only as that society is changed. It is not for the psychologist to say how
textos de Adorno (1986, 1995 a e 1995b), Horkheimer e Adorno (1985), Marcuse (1981 e such changes are to be brought about (p.975).
1982) e Habermas (1983), as características narcisistas de personalidade, que segundo
indicam alguns ensaios de Adorno (1986, 1995 a), pertencem à mesma constelação Essa consciência dos limites da explicação psicológica se apresenta de
de fenômenos que a personalidade autoritária, que, como pode ser notado em seu forma nítida, sobretudo nos capítulos sobre a construção das escalas e nos que são
capítulo sobre tipos e síndromes do livro ‘A Personalidade Autoritária’, não se configura assinados somente por Adorno. De outro lado, os que contêm basicamente a análise
de uma única forma, e a predisposição ao preconceito, avaliada pela escala F. Esse psicanalítica – os capítulos elaborados por Else Frenkel-Brunswik, por exemplo – não
último fragmento, além dos dados e análise que apresenta sobre o tema em questão, são desconsiderados naqueles que analisam a ideologia.
serve como ilustração do que o autor propõe como prosseguimento dos estudos do
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b) A ênfase dada nessa pesquisa não é unicamente voltada para a personalidade, caracterizam uma epistemologia distinta da utilizada pelos defensores da investigação
mas também para a ideologia, que se apresenta nas escalas de Antissemitismo e social empírica. Essa epistemologia, que se vale dos fatos, mas permite a especulação
Etnocentrismo e na escala de conservadorismo político-econômico. Nessa última, no sentido hegeliano, contrapõe-se àquela adotada pela investigação social empírica,
apresenta-se a ideologia política, nas primeiras, a contida em estereótipos. É a Escala que parece ser a posição dos críticos em questão; ou seja, como argumenta Carone
F que verificará com maior profundidade a personalidade. A esse respeito, argumenta (s/d) esses críticos parecem representar a teoria tradicional, à qual a teoria crítica
Rouanet (1989): se contrapõe. De outro lado, esse fator não deve ser considerado isoladamente, pois,
como foi explicitado, o próprio livro A Personalidade Autoritária traz elementos
As escalas (AS, E e PEC), em outras palavras, mediam apenas os valores ostensivos,
e não os determinantes profundos, enraizados na estrutura da personalidade. que respondem às críticas. Mais do que isso, se o debate científico necessita de uma
Não seria possível construir uma escala que atingisse, precisamente, esse nível revisão ampla da literatura da área, como se justifica então, por exemplo, o ‘pretenso’
profundo?...Essa escala mediria algo como uma síndrome F – uma estrutura desconhecimento do texto ‘Elementos do Anti-semitismo’, que permitiria uma melhor
latente de personalidade que determinaria a receptividade do sujeito a
ideologias racistas e etnocêntricas (p.165). interpretação pelo menos das partes escritas por Adorno no trabalho de Berkeley?

c) As relações que estabeleceram entre o potencial fascista, de um lado, e a religião A partir da explicitação desses fatores, passemos a verificar como alguns autores
e a educação, de outro, em capítulos ora assinados por Levinson, ora por Adorno, consideraram o estudo sobre a personalidade autoritária.
encaminham-se nesse mesmo sentido, ou seja, a ideologia, a sociedade e a personalidade Monteiro(1996), após citar estudos que fortalecem as conclusões do trabalho
não podem ser entendidas separadamente, mesmo porque essa última é considerada em questão, apresenta algumas críticas feitas a ele. A crítica de Tetlock é direcionada
como produto social, conforme é explicitado em alguns textos de Adorno (1986 e 1995 à hipótese de que o estilo autoritário esteja confinado às ideologias de direita. Ora, as
a) e de Horkheimer e Adorno (1978 a, 1985). correlações medianas encontradas entre a escala F e a escala PEC indicam que a relação
nem sempre se dá no sentido esperado. Assim, o tipo denominado de ‘conservador
d) Outros textos sobre essa temática escritos por Adorno e/ou Horkheimer, na mesma genuíno’ mostra que há indivíduos que são politicamente conservadores, mas não têm
época, ou próxima do período do desenvolvimento da pesquisa em questão, raramente tendência fascista, ao contrário do pseudoconservador, que é favorável ao ideário
são citados pelos críticos. Entre esses textos, cabe destacar: “Elementos do Anti- conservador, mas não à democracia. Ainda que quase não tenham sido encontrados
semitismo”, de Adorno e Horkheimer, publicado na Dialética do Esclarecimento, em na amostra sujeitos que possam ser definidos como pseudoliberais, Adorno, no estudo
1947; Mínima Moralia: Reflexões a partir da vida danificada, de Adorno, de 1951; sobre a ideologia, presente nesse trabalho, argumenta que quase não há distinção
Eclipse da Razão, de Horkheimer, de 1946. Esses textos, de uma forma geral, consistem entre eles e o pseudoconservador, posto que em ambos os tipos o que se apresenta
em crítica contundente às condições sociais que geraram o fascismo e, dentro é a tendência antidemocrática; a adesão à ideologia, nesses casos, não se dá por sua
desse, à personalidade predisposta a preconceitos, e pelo menos levantaria dúvidas racionalidade, mas por outros fatores. Certamente, os autores argumentaram que os
sobre a questão de se a abordagem adotada na personalidade autoritária baseia-se conservadores genuínos, com o acirramento das contradições sociais, tenderiam a se
principalmente em questões psicológicas. tornar liberais, mas isso mostra que os fatores sociais são fundamentais para eles. De
outro lado, um tipo de pseudoconservador – escore alto na escala de etnocentrismo
Esse fator nos parece importante, pois ainda que consideremos que o trabalho e médio na escala de conservadorismo político-econômico – pode evidenciar, segundo
do grupo de Berkeley não envolveu somente Adorno, esse fazia parte da equipe, e Levinson escreve no capítulo “Estudo da ideologia etnocêntrica”, que a manifestação
continuou a citá-lo em outros trabalhos seus e em conjunto com Horkheimer, tais como de ideais democráticos não é suficiente para dizer que o indivíduo não tenha tendências
“Preconceito”, “Educação Após Auschwitz”, “Notas marginais sobre Teoria e Práxis”, fascistas, pois, ao contrário, como argumenta, alguns sujeitos poderiam ter concordado,
de sorte que não se pode entender, a nosso ver, como uma pesquisa separada da obra por exemplo, com a interferência do Estado na economia, não porque julgavam que
desses pensadores, mas como parte importante dela. O que nos pareceu problemático essa interferência pudesse acarretar maior justiça social, mas porque eram contrários
é que essa desconsideração de outros trabalhos dos frankfurtianos possivelmente tenha à livre manifestação dos sindicatos dos trabalhadores e de outros grupos sociais. Há
contribuído para a não explicitação de um dos principais desconfortos dos críticos em que se referir também ao tipo analisado por Adorno, no capítulo ‘Tipos e Síndromes’,
relação a ele: o uso da teoria, quer o da psicanálise, quer o da teoria da sociedade, que denominado Baixo Rígido. É um tipo de indivíduo que, apesar de baixos escores em
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ambas as escalas (F e PEC), apresenta uma visão estereotipada do mundo, ou seja, no “Tipos e Síndromes”. A estruturação psicológica é fruto das condições históricas da
intuito de julgar que todos são iguais, não percebe as diferenças que de fato, e não sociedade. Se, no fenômeno estudado, a configuração psíquica fosse desconsiderada,
imaginariamente, existem entre as pessoas e entre as culturas. ele dificilmente poderia ser entendido e, portanto, combatido.
Monteiro (1996) cita também a crítica de Billig:
O trabalho do grupo de Berkeley contrapõe-se a dois tipos de reducionismos:
Esta implicação (de que um preconceito podia ser erradicado se os indivíduos
o ‘psicologismo’ e o ‘sociologismo’. Quanto ao primeiro, os autores, por diversas
autoritários fossem ‘tratados’ e se curassem das suas preferências irracionais)
está em profunda contradição com a perspectiva de que existem profundas vezes, algumas enunciadas neste ensaio, mostram que o fenômeno é social, quanto
razões históricas para o desenvolvimento de ideologias preconceituosas à segunda forma de ‘reducionismo’, os autores, ainda que não ignorem outras fontes
em determinados lugares e em determinadas épocas; e está também em
sociais importantes, tais como as instituições: família, escola, igreja, contrapõem-se
contradição com a perspectiva segundo a qual o preconceito em relação a
grupos de estranhos é uma mera conseqüência de uma perturbação psicológica a uma forma abstrata e, portanto, ideológica, de entender o fenômeno estudado,
de alguns indivíduos, estando antes vinculado a forças sociais básicas (p.316). que desconsidera o papel que o indivíduo, como produto social, tem na reprodução,
mas também na resistência, ao totalitarismo. A idéia de que só o todo é verdadeiro
O primeiro comentário em relação às considerações de Billig é que os autores e que o indivíduo é somente seu representante, que deve se sacrificar por ele, faz
do livro “A Personalidade Autoritária” não disseram que o preconceito poderia ser parte do ideário fascista. Neste sentido, mesmo a ideologia liberal do século XIX
erradicado com o tratamento das personalidades autoritárias, conforme se pode concluir (ver o capítulo “Tipos e Síndromes”) está mais próxima da liberdade, por reconhecer
da leitura da citação da conclusão desse trabalho, que apresentamos anteriormente. O a importância do indivíduo, do que as ideologias estudadas por eles. Assim, a
segundo comentário diz respeito à primeira contradição apontada por Billig. Levinson desconsideração pelo estudo do indivíduo, na área do preconceito, é, dos pontos de
inicia o capítulo sobre o estudo da ideologia antissemita, caracterizando-a como vista político e científico, problemática, porque a ausência de preocupação com os
ideologia social e como um movimento social organizado que representa uma séria obstáculos ao pleno desenvolvimento do indivíduo impede também o conhecimento
ameaça à democracia; além disso, diz que ela é devida, em grande parte, a razões de alguns fatores que obstam o surgimento de uma sociedade livre, pois, o estudo do
político-econômicas, que não cabia, nesse texto, analisar. De outro lado, deve-se indivíduo e a constatação de seu desamparo, de sua falta de autonomia, denuncia a
lembrar que a funcionalização dos conceitos de ideologia e de personalidade, adotados sociedade fascista. Considere-se também que a filosofia social de Hegel (1992), que
em A Personalidade Autoritária, é resultado de sua necessária operacionalização, para influenciou decisivamente o pensamento de Marx (1978), conforme ele mesmo atesta
que possam ser avaliados por escalas; se essa redução é necessária para a realização da nos seus Manuscritos Econômicos-Filosóficos, e se apresenta de maneira marcante no
pesquisa, ela não corresponde, necessariamente, ao entendimento teórico que esses pensamento dos frankfurtianos, enfatiza constantemente a relação entre o particular
autores têm deles. Conforme se argumentou antes, a postura política deles é marcada e o todo, e Marx, ao que parece, não pode ser acusado de desconhecer a história.
pela crítica ao conservadorismo político-econômico e pela defesa da democracia. Além
disso, a referência que Adorno faz sobre a educação no capítulo ‘A política e a economia Duckitt (1992) também apresenta o estudo de Adorno et al., como sendo
nas entrevistas’, dizendo que o fato de ela dar muita atenção a cifras e números auxilia basicamente voltado para características individuais. Analisando o paradigma sobre
na criação de uma mentalidade preconceituosa, mostra que eles não simplificaram o o preconceito na década de 50, na qual o trabalho mais influente foi o sobre a
fenômeno da forma que Billig, tal como seu pensamento foi apresentado na citação, personalidade autoritária, nos diz o autor: “The most influential answer to this question
entende. Por fim, a última contradição explicitada pode ser respondida também com was the theory of the authoritarian personality..., wich described a basic personality
a citação dos autores em sua conclusão, enunciada anteriormente. A ênfase que os dimension determining the degree to which individuals would be generally prone to
autores dão nesse trabalho é à relação que existe entre as necessidades psicológicas prejudice. This theory was formulated partly in psychodynamic terms and concepts”
e a adesão à ideologia, ou seja, o estudo de características psicológicas individuais é (p. 1186).
importante, não como elemento isolado para se entender uma questão que os autores
insistem ser de gênese social, mas para evidenciar como a ideologia se reproduz a Ainda que Duckitt (1992) argumente nesse texto que os diversos paradigmas sobre
partir da incorporação individual, mediada por necessidades psíquicas. Mesmo essas o preconceito sejam complementares, não deixou de definir o trabalho desenvolvido
necessidades psíquicas são históricas, como mostra o capítulo de Adorno denominado em Berkeley como um estudo da personalidade. Claro que o trabalho em discussão se
40 41
refere também à personalidade, mas isso não significa que essa seja a única ou mesmo
a principal variável em questão. Além disso, a personalidade, segundo Adorno (1986), Quem sente uma responsabilidade teórica deve fazer frente, sem meios termos,
às aporias da teoricidade e à insuficiência do simples empirismo; e o fato de se
não pode ser abstraída do contexto social, tal como a filosofia liberal, da qual os atirar alegremente nos braços da especulação só poderá servir para agravar a
frankfurtianos são críticos, pregava. situação atual. Diante da investigação sociológica empírica, é tão necessário o
conhecimento profundo dos seus resultados quanto a reflexão crítica sobre os
seus princípios (p. 122).
Brown (1995) apresenta o estudo de Adorno et al. também centrado na
personalidade e descreve vários estudos que fortalecem as hipóteses desses autores. A teoria da sociedade é caracterizada, pelos autores, por um elemento imanente:
Indica, no entanto, outros estudos que apontam o sentido contrário. Ao dizer do grande a crítica social; ela é herdeira da filosofia política da sociedade. A análise da estrutura
interesse apresentado por esse estudo, elenca críticas metodológicas e teóricas. Uma social e sua relação com diversas instituições tem sido o seu objeto de reflexão. Já
delas se refere às correlações obtidas entre o autoritarismo, de um lado, e inteligência, a investigação social empírica não é considerada como um setor da sociologia, mas
escolaridade, classe social, de outro, que obtiveram valores ainda mais altos em como um método, assemelhado ao das ciências naturais; nesse sentido, busca, em
pesquisas posteriores. Isso leva o autor a perguntar se essas variáveis não explicariam suas pesquisas, o caráter exato e objetivo de seus dados, tentando eliminar o que é
melhor o autoritarismo do que os problemas de personalidade. Quanto a essa crítica, considerado como subjetivo – a especulação contida nas teorias e a subjetividade do
cabe pensar na introdução de Horkheimer e Flowerman a esse trabalho, que indica a investigador que, por sua vez, não difere do objeto estudado. Uma das críticas que
educação como sendo uma área importante para auxiliar no combate ao preconceito, fazem à investigação social empírica é exposta a seguir:
algo que também foi sugerido por Adorno (1995a), em seu texto “Educação após
Auschwitz”, da década de 1960. Além disso, em outro texto de Adorno (1971) – ‘Teoría Com efeito, a investigação social empírica, diante dos principais problemas
da estrutura social, de que depende a vida dos homens, nada mais tem sido,
de la seudocultura’ – o autor define a formação do indivíduo, de sua subjetividade, até agora, que o estudo de setores bastante limitados. A restrição a objetos
como a apropriação individual da cultura. Ou seja, formação e educação não podem extraídos do contexto social e rigorosamente isolados – o que, justamente,
ser dissociadas e, assim, os autores da pesquisa não desconsideraram a escolaridade, constitui a aproximação da investigação social às ciências naturais, inspirada
pela sua exigência de exatidão e tendente a criar condições de investigação
a classe social e a inteligência, mas não as tomaram como variáveis desvinculadas da laboratorial – faz com que o tratamento da sociedade, como totalidade,
personalidade. Por fim, Brown (1995) faz a seguinte questão: “A second theoretical continue excluído, não só temporariamente mas por uma questão de princípio.
Daqui deriva o caráter periférico e de relativa infecundidade, ou de informação
criticism of The Authoritarian Personality was that it dealt with only one variant of
útil para meros fins administrativos, de que se revestem os resultados da
authoritarianism – namely, right-wing authoritarianism. Could it not be that people investigação social empírica, quando não se inserem, desde o início, numa
with other political views are also authoritarian and hence prejudiced” (p. 26). Como problemática teoricamente relevante (p.123-124).
dito antes, o fato de sujeitos etnocêntricos defenderem alguns ideais liberais implica
a possibilidade da existência do autoritarismo de esquerda. A teoria da sociedade pode ter confrontados os conceitos formulados na academia
com os dados obtidos pela investigação social empírica; essa última, por sua vez, pode
Certamente, os autores referidos também tecem elogios ao trabalho em questão, ser claramente delimitada por aquela, evidenciando que os dados obtidos representam
mas a forma que apresentam a pesquisa, calcada basicamente na personalidade, e as além da consciência imediata, e que essa mesma consciência é determinada por outros
críticas formuladas a ela parecem-nos pouco adequadas, o que pode acarretar um uso fatores, que só podem ser apreendidos pela especulação teórica, mas especulação no
inadequado dos resultados encontrados pelo grupo de Berkeley. sentido hegeliano.
2- Sobre a investigação Social Empírica
Horkheimer e Adorno (1978c) escreveram sobre o papel que a utilização de
Conforme foi escrito, na introdução deste ensaio, Horkheimer e Adorno (1978b) métodos empíricos racionalmente entendida pode ter na compreensão e combate
defendem a presença da teoria da sociedade e da investigação social empírica nos a fenômenos regressivos presentes na nossa cultura, sem deixar de apresentar a
estudos sobre o preconceito e outras atitudes. Não é mero ecletismo o que os autores contradição envolvida:
defendem, mas a contraposição entre as duas perspectivas:

42 43
..., quem deseja oferecer a ajuda da ciência na sociedade atual, deve usar nos atos que levam à desumanização, é a crítica, a auto-reflexão, e não a consideração
tais métodos, alheados do imediatamente humano, entrincheirados atrás dos
de que aquilo que se obteve deva ser fruto exclusivamente dos indivíduos examinados,
grandes números, das leis estatísticas, dos questionários e dos testes, entre
outros símbolos semelhantes de desumanização. Mas este paradoxo não pode pois, como visto, Adorno (1972) defende que os dados obtidos pela investigação
ser evitado, melhor dizendo, é necessário reconhecê-lo na prática (p. 172-173). social empírica devam ser pensados à luz das condições sociais que os geraram. Neste
sentido, observa-se que, no trecho citado, o próprio objeto estudado – o indivíduo –
Esse uso, segundo esses autores, deve visar a uma consciência crítica da transformou-se. A consciência que, segundo o Liberalismo, caracterizava e dignificava
sociedade e ao conseqüente combate à violência. Essa consciência crítica, portanto, o indivíduo, no limite, cedeu lugar a uma ação de adesão imediata, de não reflexão,
não se limita a ser objetivo da teoria da sociedade, mas deve ser, ao menos, de todas e isso ocorreu devido às mudanças sociais, principalmente, à transformação do
as ciências humanas. capitalismo concorrencial em capitalismo dos monopólios, e à concomitante perda da
relativa autonomia que as instituições da superestrutura social tinham no século XIX.
Quanto à teoria da sociedade, Adorno (1972) indica a sua tendência a tornar-se Assim, não é o método que reduz o entendimento do objeto, mas é o próprio objeto
dogmática: que foi reificado. (Adorno também faz essa discussão no capítulo “Tipo e Síndromes”,
contido no livro “A personalidade Autoritária”).
Si la teoría no quiere, de todos modos, caer en ese dogmatismo cuyo
descubrimiento llena siempre de júbilo al escepticismo, un escepticismo que se
Nesse mesmo sentido, Adorno (1972) combate a dissociação entre a análise
considera en suficiente grado de progreso como para prohibir el pensamiento,
deberá procurar no darse por satisfecha con ello. Debe convertir los conceptos qualitativa e a quantitativa:
que traía de fuera en conceptos que la cosa tenga de sí misma, en lo que la cosa
quisiera ser por sí, confrontándolo con lo que la cosa es. Tiene que disolver la La contraposición entre análisis cuantitativo e cualitativo no es absoluta; no es
rigidez del objeto fijado hoy y aquí en un campo de tensión entre lo posible y ningún limite, ninguna frontera última de la cosa. En la cuantificación hay que
lo real: cada uno de ellos remite al otro simplemente para poder ser. (p. 82). comenzar siempre por prescindir, como se sabe, de las diferencias cualitativas
de los elementos; y todo particular social lleva en sí las determinaciones
generales válidas para las generalizaciones cuantitativas. Sus propias categorías
Ao que parece, parte da análise do que a coisa é deve ser feita pela investigação son, de todos modos, cualitativas. Un método que no les haga justicia y que
social empírica. Essa deve coligir dados sobre a configuração atual do sujeito e sobre rechace, por ejemplo, el análisis cualitativo como incompatible com la esencia
sua consciência, não os considerando como sendo o próprio objeto, mas um de seus del campo plural, hace violencia a aquello, precisamente, que debería someter
a estudio. (p.89).
momentos. E por ser um dos momentos do objeto, a crítica à desumanização presente
nos métodos empíricos é refletida por Adorno (1972): Parece-nos que são visíveis, ao menos, duas possibilidades, apontadas nesse
trecho, de relação entre as análises qualitativa e quantitativa. A primeira, ainda que
Allí donde a consecuencia de la presión de las condiciones los hombres se ven
obligados, de hecho, a reaccionar ‘como batracios’, reducidos a consumidores
absorva dados das duas análises, separa-as, ou seja, são feitas com dados coligidos
forzosos de los medios de masas y de otros goces no menos regulados, la separadamente, utilizando-se, por exemplo, de escalas para a parte quantitativa
investigación de opiniones, que tanta indignación provoca en el humanismo e entrevistas para a parte qualitativa. Aquilo que se perde nas análises realizadas
lixiviado, resulta, en realidad, más adecuada que una sociología ‘comprensiva’,
por ejemplo, en la medida en que en los propios sujetos el substrato de la separadamente é reposto em uma análise posterior que considera os dados em
comprensión, es decir, la conducta humana unívoca y con sentido, es sustituida conjunto. A segunda percebe a qualidade na quantidade, possível desde que se constate
por un mero y simple ir reaccionando. Una ciencia social a un tiempo atomista y
a mediação universal presente em cada particular, o que permite a generalização e a
clasificatoriamente ascendente desde los átomos o generalidades es el espejo de
medusa de una sociedad simultáneamente atomizada y organizada de acuerdo quantidade na qualidade, posto que a análise do particular permite o aprofundamento
con unos principios classificatorios abstractos: los de la administración. (p.87). do entendimento do universal. Como Adorno (1972), nesse trecho, utiliza o termo
‘análise’ e não ‘método’, a segunda interpretação nos parece mais adequada. Ao que
O método, proveniente da investigação social empírica, detém algo similar ao tudo indica, essa consideração vale também para o trabalho conjunto dos diversos
objeto estudado, isto é, a ‘coisificação’, devida à sociedade administrada. O antídoto autores sobre a personalidade autoritária, uma vez que nos estudos sobre a ideologia,
para que, mediante seu uso, não se perpetuem as condições a ser combatidas, presentes por meio das escalas, buscava-se também uma análise qualitativa.
44 45
Em síntese, não há incompatibilidade entre o referencial teórico adotado do preconceituoso com o objeto, real ou potencial, de seu preconceito, não pode
nesse trabalho e o emprego de métodos experimentais, ainda que a contradição ser plenamente satisfatório, ainda que sejam seguidas as condições favoráveis a
entre a defesa do particular e a não diferenciação entre particulares, presente nos ele, conforme apresenta a literatura da área. As necessidades psíquicas das pessoas
métodos experimentais, sobretudo, os quantitativos, permaneça. Mais do que isso, envolvidas, assim como fatores associados mais diretamente à contradição social,
segundo esses autores, a ação isolada de ambas as perspectivas – teoria da sociedade podem impedir que a diminuição do preconceito ocorra. Certamente, características
e investigação social empírica – empobrece o entendimento do objeto, pois a primeira de personalidade são consideradas como um fator importante nos estudos sobre a
tende ao dogmatismo e a última, ao relativismo, por não ter uma perspectiva hipótese do contato, mas essas, segundo o referencial frankfurtiano, não devem ser
dialética da história, que permita compreender que os dados obtidos por suas técnicas consideradas independentemente da sociedade.
representam parcela do objeto estudado, que só pode ser entendido à luz de suas
Na literatura portuguesa da década passada sobre o preconceito5, dois temas são
modificações históricas.
predominantes: o preconceito contra migrantes e o preconceito contra pessoas com
3- Estudos sobre o preconceito e a hipótese do contato deficiência.

Esta parte do texto, conforme referido na introdução, intenta examinar estudos O primeiro tipo de preconceito tem sido estudado em vários países da Europa,
sobre a hipótese do contato, que consideramos representantes da investigação social tendo entre outros o trabalho de Meertens e Pettigrew (1999) sobre o racismo sutil, que
empírica, tendo em vista as formulações da teoria crítica da sociedade. Lembremos que abrange diversos países europeus. Com o fim dos impérios coloniais e com o movimento
Horkheimer e Adorno (1978 b) caracterizam a investigação social empírica como um da globalização, a migração de grandes camadas da população de ex-colônias e de
método assemelhado ao das ciências naturais, que busca a exatidão e objetividade de países pobres tem aumentado, gerando problemas de preconceito e discriminação. Vala
seus dados; isso não implica, todavia, que, nas pesquisas a que se aplica, a teoria esteja et al.(1999) expõem dados do Eurobarómetro, n.º 41, de 1997, que são preocupantes:
ausente, mas que ela é secundária frente aos dados obtidos. Nas palavras dos autores:
... apenas 55% dos europeus consideram que os imigrantes legalizados, de
países não-europeus, devem ter o direito a ter consigo a sua família, 59%
Nenhum representante sério da investigação social empírica sustenta, por
consideram que as minorias (de outra raça, religião ou cultura) abusam do
certo, que o seu trabalho seja possível sem teoria, que o instrumental da
sistema de segurança social, 63% consideram que contribuem para aumentar
investigação esteja reduzido a uma tabula rasa isenta de todo o ‘preconceito’ e
o desemprego, e 45% que são uma das causas de insegurança. Portugal (76%),
colocada ante os fatos que terá de coletar e classificar...Entretanto, a teoria é
Irlanda (77%), Bélgica (76%), Áustria (75%), Alemanha (73%), Luxemburgo (72%),
admitida como um mal necessário, como ‘hipótese figurada’, não reconhecida
e o Reino Unido (70%) são os países onde um maior número de pessoas concorda
plenamente como instância legítima. São considerações apologéticas,
com a seguinte proposição: ‘Todos os imigrantes ilegais, sem excepção, devem
admissões forçadas, as que se apresentam habitualmente à investigação social
ser enviados para os seus países de origem’. (p.9-10).
empírica, no tocante ao papel que deve caber à teoria. (p. 123).

No estudo desenvolvido em Portugal por Vala et al.(1999), foram construídas


Se associarmos, ao conteúdo dessa citação, a ausência da análise da estrutura duas escalas para avaliar a percepção que portugueses brancos tinham dos negros como
social como própria a esse tipo de pesquisa, não nos parece inadequado considerar uma ameaça social, sendo que uma delas referia-se à ameaça econômica e outra à
a perspectiva adotada pelos estudos sobre a hipótese do contato como sendo,
ameaça à segurança individual e pública. Essas escalas foram aplicadas a uma amostra
basicamente, caracterizados pela investigação social empírica, o que não é
representativa de Lisboa composta de 600 pessoas e os resultados indicaram que se a
incompatível com o fato de os seus autores poderem ser críticos da injustiça social
média das respostas à escala de segurança econômica estava abaixo do ponto médio, o
existente; suas críticas, contudo, não visam, em geral, à transformação social, mas,
contrário ocorreu em relação à outra escala, ou seja, os sujeitos tenderam a perceber
no sentido liberal, à luta por reformas sociais, que, se são desejáveis, não combatem
o negro mais como uma ameaça à segurança do que como ameaça econômica, o que
a fonte objetiva da violência: a própria estrutura social.
também é um dado preocupante.

Segundo Horkheimer e Adorno (1985), o preconceito não se relaciona imediatamente 5 Em janeiro de 2000, fiz uma pesquisa bibliográfica dos estudos sobre o preconceito em Portugal, no Laboratório de Psicologia
Social do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Essa pesquisa limitou-se à publicação da década passada. Devido a
com o seu alvo, pois é mediado por necessidades psíquicas e sociais, assim, o contato isso, a literatura portuguesa sobre esse tema terá relevo neste trabalho.

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A questão em relação aos negros é distinta em Portugal e em países como o da história e da cultura dos migrantes são valorizados, trabalhos conjuntos são
Brasil e os EUA. Segundo Bastos e Bastos (1999), em Portugal: incentivados, e está implantando o projeto de educação inclusiva da UNESCO, que
incentiva também os trabalhos em conjunto de crianças com necessidades especiais e
Entre o século XVI e o século XIX, o comércio de escravos deu origem à formação crianças sem essas necessidades (Ainscow et al., 1997), assim como um ensino voltado
de minorias étnicas africanas que parecem ter-se ‘dissolvido’ na massa geral da
população, durante o século XIX, ao contrário do que aconteceu nos Estados para o cumprimento dos objetivos do currículo que deixa de se centrar nas dificuldades
Unidos ou no Brasil, onde se mantiveram (ou foram mantidas) como minorias individuais, ainda que essas não sejam negligenciadas.
étnicas culturalmente organizadas ou susceptíveis de auto-reorganização
identitária. (p.15). O primeiro desses projetos já tem uma avaliação, que mostra que o rendimento
dos alunos migrantes melhorou, enquanto os dos não migrantes não se alterou. O outro
Ou seja, o problema deles em relação aos negros parece ser mais proveniente projeto não tem ainda uma avaliação formal, mas análises realizadas em outros países
das relações entre colonizador e colonizado do que da relação escravo-senhor. De mostram o acerto da proposta. Nos dois projetos, nota-se a presença da idéia de que
outro lado, mesmo um país, de algum modo semelhante ao Brasil, no que se refere o convívio de pessoas com características distintas pode diminuir o preconceito, que é
às desigualdades regionais, como a Itália, passou, na última década, a ter um novo a idéia subjacente à hipótese do contato.
problema: “O recente fluxo de imigração proveniente de África alterou dramaticamente
A hipótese do contato surge, segundo Monteiro (1996), do pressuposto da
a situação. Os italianos descobriram o seu racismo: a ‘etnia’ tornou-se rapidamente
atração interpessoal, ou seja, o contato entre membros de grupos distintos permitiria
numa dimensão importante de categorização, e as distinções internas tornaram-se
verificar as semelhanças existentes quanto aos valores, ideias, emoções, permitindo
menos evidentes” (Arcuri e Boca, 1999: 63). reelaborar a percepção inicial de diferenças. Essa hipótese implica que o preconceito
é um julgamento estabelecido na ausência da experiência, o que fortalece a tese
Já o segundo tipo de preconceito – contra pessoas com deficiência – parece mais
de Horkheimer e Adorno (1985), a qual sustenta que o antissemitismo não decorre
uniforme nos diversos países. O estudo de Monteiro et al. (1999) compara atitudes de
do contato do antissemita com o judeu e que esse é um objeto, de certa forma,
crianças sem deficiência em relação a crianças com deficiências, quando estão em
imaginário para o preconceituoso, criado sem nenhuma base na realidade. Esses
escolas segregadas – escolas que não aceitam alunos com deficiências - e em escolas
autores, no entanto, fornecem dados para evidenciar que esse fenômeno pode ser
integradas – escolas que aceitam alunos com deficiência. As autoras concluíram que
também ilusório, ou seja, pode consistir numa deformação da percepção do objeto:
as crianças das escolas segregadas têm um conceito de si mais próximo do aluno
características adquiridas por motivos sociais seriam naturalizadas e universalizadas
com deficiência do que as crianças da outra escola, assim como uma avaliação mais
para todos os indivíduos que pertencem a determinado grupo, o que explicaria, em
positiva desse aluno do que as crianças da escola integrada. As autoras consideraram
parte, as concepções dos nazistas de raça e de anti-raça.
que o simples contato com crianças com deficiência, sem nenhum apoio institucional,
aumenta as atitudes contrárias a elas. Retomaremos essa questão mais adiante, pois O estudo citado de Monteiro et al.(1999), contudo, mostra que o mero contato
aborda diretamente a hipótese do contato; no momento, contudo, queremos realçar não basta, e, de fato, Allport já salientava as condições para que ele fosse frutífero:
que a problemática desse estudo não é estranha a nós, brasileiros, pois possuímos os freqüência, diversidade, duração, o estatuto dos grupos dos membros em relação, se
dois tipos de escola e uma legislação como a de lá que possibilita a inclusão de crianças essa é competitiva ou cooperativa, se é de dominação ou de igualdade, se é voluntária,
com deficiência em classes regulares6. se é real ou artificial, o tipo de personalidade dos indivíduos e as áreas do contato.(Cf.
Monteiro, 1996). Amir (1969) e Vala et al.(1999) dizem que, quando essas condições
Em relação a esses dois problemas, os portugueses, e os demais europeus de não existem, o contato pode ser ineficaz para a redução do preconceito ou ainda
uma forma geral, têm feito esforços que passam principalmente pela educação. Em apresentar efeitos negativos.
Portugal, o Ministério da Educação tem o projeto ‘entreculturas’ (Cotrim, 1997),
que consiste em classes compostas por migrantes e não migrantes, nas quais dados Duas dessas condições, ao menos, chamam a atenção, em relação ao estudo da
personalidade autoritária: relação de dominação-dominado e relação de competição
6 A legislação brasileira tem se modificado nos últimos anos em relação a essa questão, e, no momento, há a tendência das
instituições especiais servirem de apoio, de reforço, ao aprendizado dos aluno com deficiência; deve-se também pontuar que boa parte ou de cooperação. A primeira evoca parte da estrutura da personalidade autoritária:
das instituições especiais está lutando para prosseguir em seus objetivos escolares anteriores.

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a necessidade da hierarquia, da heterodeterminação; claro, ao que parece, Allport -, do estatuto social relativo e da agradabilidade das relações sobre as emoções e os
se refere à dominação real, mas é interessante pensar na necessidade da dominação estereótipos sobre o negro. Verificaram, inicialmente, que o fato de os sujeitos terem
desenvolvida por indivíduos que vivem em uma sociedade na qual a adaptação é quase vivido na África não afetou os resultados. Concluíram que ter ou não vizinhos negros,
sinônimo de dominação, conforme Horkheimer e Adorno (1985) desenvolveram na por si só, não afetou a atribuição de emoções e estereótipos aos negros. Contudo,
Dialética do Esclarecimento. para aqueles que tinham vizinhos negros e declararam que o estatuto social do negro
Um exemplo drástico disso é o campo de concentração de Theresienstadt, é semelhante ao seu, a atribuição de emoções positivas era maior, o mesmo ocorrendo
descrito por Bosi (1997), que serviu como propaganda para os nazistas da forma como para aqueles que tiveram boas relações com os vizinhos. Na atribuição de traços
tratavam os judeus. Esse campo de concentração abrigava intelectuais, artistas, positivos –estereótipo-, só a variável estatuto revelou ser significante. Já o contato por
cientistas e outras pessoas eminentes, principalmente, mas não só, judeus. Era amizade, é efetivo quer na atribuição de emoções quer na de traços positivos. Entre
administrado pelos judeus que desenvolveram uma comunidade na qual a presença aqueles que têm amigos negros, o estatuto atribuído ao negro não teve importância,
da arte e da justiça interna era notável. Tal como nos outros campos, contudo, o pois a quantidade de emoções e de traços positivos atribuídos a ele não diferiam,
extermínio estava presente, e o que se mostrou mais cruel é que um judeu tinha tendo em vista essa variável. Esses resultados levaram os autores a concluir que: na
de ser designado para fazer a lista daqueles que deveriam ser deportados, ou seja, relação de vizinhança, o estatuto atribuído ao negro – semelhante ou inferior ao do
assassinados. A necessidade da sobrevivência, ao que parece, leva-nos a sermos cruéis. sujeito – foi significante, assim como a qualidade das relações; na relação de amizade,
No limite, o poder de escolha de quem vai morrer se relaciona à própria sobrevivência. não há importância do estatuto atribuído. Interpretam esses dados à luz das hipóteses
No nível social, como a conclusão do estudo da personalidade autoritária indica, só a de Smith, alegando que a amizade está integrada na representação do self e assim:
transformação social que elimine ou, ao menos, minimize a necessidade de competição “... se o endogrupo do amigo é uma parte do seu self, ter um amigo de um exogrupo
e fortaleça a cooperação é capaz de eliminar o preconceito. Assim, um dos limites incorpora indirectamente esse grupo no self do próprio, facilitando uma imagem
importantes à tentativa de diminuição do preconceito por meio do contato é o fato de positiva do mesmo grupo”(p.99). Mais do que isso, o que deveria ser considerado é
que a necessidade de dominação é imanente ao nosso sistema social; dominação essa que se a competição pela sobrevivência está na base de nossa sociedade, a própria
que, segundo Horkheimer e Adorno, é resposta à ameaça constante que paira sobre atribuição de estatuto lhe é necessária; assim, dificilmente, mesmo a amizade, tem
nós, caso não nos adaptemos aos preceitos vigentes, sendo que um desses preceitos é chances de sobreviver por muito tempo; a ilustração, feita acima, do campo de
a constante competição. concentração, mostra essa situação, que se aos nossos olhos parece exagerada, em
Monteiro (1996) cita o estudo de Worchel et al que testa o efeito de trabalho condições de exceção não o é, indicando um estado psíquico que provavelmente se
cooperativo ou competitivo e fracasso ou sucesso em atividade cooperativa sobre apresenta de forma latente mesmo em tempos considerados normais.
a redução do preconceito. Os autores concluem que se os indivíduos trabalharam
anteriormente em situação cooperativa, um novo trabalho nessa mesma situação Rofé e Weller(1981) analisaram a hipótese do contato em relação com a
independe do fracasso ou sucesso da atividade, no que se refere à alteração das ameaça que é percebida no exogrupo. Partiram da hipótese, estudada já por outros
relações grupais, enquanto que se em uma primeira situação os indivíduos trabalham autores, de que o contato pode ser positivo se a ameaça representada for pequena e
em um contexto competitivo, o sucesso ou o fracasso de uma atividade realizada que não reduz o preconceito se for grande. Construíram um diferencial semântico e
posteriormente em conjunto afeta a atração pessoal. Certamente, só a situação de uma escala de distância social para verificar a atitude de estudantes israelenses em
cooperação não garante a não violência em relação ao outro. Primo Levi (1971), ao relação a árabes que vivem pacificamente e trabalham no país, a árabes que vivem em
descrever a sua experiência em Auschwitz, mostra que a cooperação forçada para seus países, aos inimigos árabes, aos árabes em geral. Verificaram que há diferenças
atingir objetivos alheios não impede a competição entre os indivíduos na luta pela significantes no sentido esperado, ou seja, os sujeitos atribuíram características mais
sobrevivência. positivas e a possibilidade de um contato mais próximo aos árabes que vivem em Israel,
apresentando o inverso em relação aos outros árabes, particularmente em relação aos
Vala et al. (1999), em seu estudo sobre o racismo em Portugal, observaram o árabes inimigos e aos que vivem em territórios árabes. Além disso, pesquisaram se o
efeito do grau de intimidade do português branco com o negro - vizinhança, amizade tipo de personalidade – se tem uma ‘abertura’ ou não para a humanidade – afeta as
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variáveis dependentes. Os resultados também confirmaram o que era esperado. Tal na igualdade de estatuto e na cooperação. O estudo de Luiz e Krige (1981), com alunas
como no estudo de Vala et al.(1999), citado anteriormente, a percepção da ameaça adolescentes sul-africanas brancas e negras, considerando as condições adequadas
é uma variável preditora da manifestação de atitudes frente ao exogrupo, mas as para estabelecer o contato, trouxeram resultados confirmatórios dessas condições.
características de personalidade também. De todo modo, esses dados fortalecem a Reuniram alunas de colégios segregacionistas, um basicamente só de alunas brancas e
hipótese da ameaça ligada à dominação, tal como desenvolveram Horkheimer e Adorno outro, de negras. Estabeleceram três tipos de pares para trabalhar, conversar e comer
(1985), na Dialética do Esclarecimento. juntas: branca-branca, branca-negra e negra-negra. Formaram pares de acordo com
a idade e com a inteligência. Verificaram que, após o contato do tipo branca-negra,
Outra questão relacionada à hipótese do contato é a de saber se as condições alterou-se a atitude racial positivamente, não havendo nenhuma alteração de atitude
adequadas devem dizer respeito ao contexto social alargado ou à situação delimitada em relação ao próprio grupo.
em que ele ocorre. As posições dos pesquisadores se dividem. De um lado, segundo
Monteiro (1996), Allport, Krammer e Pettigrew defendem que o contato em situação Paralela a essa dicotomia, Monteiro (1996) apresenta a que foi explicitada por
delimitada permite que o preconceito diminua, enquanto Riordan e Cohen defendem Sagar e Schofield, entre outros: assimilação e pluralismo. A primeira se refere a que
a outra alternativa. Apesar das posições e dos resultados experimentais distintos, o grupo minoritário se assemelhe à maioria dominante (que nem sempre é a maioria
ora fortalecendo uma ora outra hipótese, parece cabível afirmar que ambas são numérica), a segunda afirma a diversidade cultural. No que se refere aos dois tipos de
procedentes, ou seja, deve-se trabalhar teórica e experimentalmente nos dois níveis, preconceito, assinalados anteriormente – contra os migrantes e contra as pessoas com
mas cabe lembrar que, segundo Adorno(1995 a), se tentativas podem e devem ser feitas deficiência -, parece que a tendência em relação ao combate ao primeiro é empregar a
para atenuar a violência existente, voltando-se sobretudo para os aspectos subjetivos diversidade cultural e em relação ao segundo, a assimilação. Ou seja, o indivíduo com
do problema, como a violência é fruto de fatores objetivos, isto é, sociais e políticos, deficiência deve ser ‘normalizado’ e o migrante apreciado por sua diversidade. Se as
somente a transformação social poderia eliminá-la. propostas de combate ao preconceito contra o migrante voltam-se para a valorização
da cultura e da história do povo em questão, a defesa do estudo inclusivo, em geral,
Monteiro (1996) ilustra a importância do apoio social envolvente, mediante a acentua as vantagens do indivíduo com deficiência, mas muito pouco as dos que não têm
crítica ao nazismo e à segregação racial sul-africana. Segundo a autora: deficiência, que se beneficiam, segundo aquela defesa, basicamente, por aprenderem
mais cedo a lidar com a difícil realidade.
A percepção de semelhança necessária à emergência da atracção ficaria, como
afirma Allport (1954).... basicamente comprometida se, apesar da equivalência No estudo de Monteiro et al.(1999) sobre as crenças das mães de crianças sem
de estatuto ou dos papéis sociais na situação, e da existência de um objetivo
comum a alcançar, as normas sociais externas reguladoras dos valores e das
deficiência sobre o ensino integrado, que como foi dito inclui crianças com deficiência
atitudes em relação ao outro grupo fossem contrárias à redução do preconceito. e sem deficiência , encontram-se as seguintes expectativas positivas para os seus
(p.337). filhos: 1 - aumentam a sua auto-estima ao se compararem com a criança portadora de
deficiência; 2 - diversificam precocemente o contato com pessoas diferenciadas; 3 -
Mas se a segregação ou a ausência do apoio social ao contato dificultam a alargam as suas competências, a partir do apoio, da ajuda e proteção; 4 - aprendem
diminuição do preconceito, a presença desse apoio não necessariamente implica essa o respeito pela diferença. Como se vê, não há nenhuma indicação para essas mães do
diminuição. Adorno et al.(1950) enfatizaram que o clima cultural geral americano era que a criança portadora de deficiência possa trazer de si própria que possibilite um
contrário ao antissemitismo, devido ao seu caráter democrático e, no entanto, nem ganho para a criança normal; todas as vantagens se dão pela desigualdade, ou seja, o
por isso a tendência ao fascismo deixou de existir. estatuto entre os grupos não é igual, mesmo após o convívio. Em síntese, se o branco
pode aprender com o negro, o não judeu com o judeu, o alemão com o turco, o indivíduo
A dessegregação entre os grupos em conflito, por si só, segundo Monteiro sem deficiência não tem o que aprender com o que a tem, a não ser desenvolver
(1996), parece não resolver o problema. Pettigrew, citado por essa autora, diferencia habilidades que marcam a distinção, que pode ser propensa ao preconceito.
dessegregação de integração. A primeira refere-se ao apoio legal e institucional ao
contato entre os grupos, a última, a um apoio efetivo na relação entre os grupos baseado
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Nos estudos em questão, o conceito de identificação com o mais frágil não é A luta pelo direito à diferença é legítimo. Adorno (1986) defende que a essência
adotado, tal como o é por Adorno (1995 a), em seu texto ‘Educação após Auschwitz’, no é a diferença, mas ao mesmo tempo mostra que a sociedade existente não é propícia a
qual argumenta que se o algoz se identificasse com a vítima não haveria nem algoz nem ela; em 1944, em conjunto com Horkheimer, afirma que as condições objetivas existentes
vítima. É a hipótese da atração pessoal, com base na semelhança da condição humana ligadas às forças produtivas já poderiam prescindir da dominação, exercida, sobretudo,
que permite a sua diversificação, que precisaria ser ressaltada; todavia é difícil em uma na relação entre as classes sociais por meio da obrigatoriedade do trabalho. Ou seja,
sociedade que valoriza a força, identificar-se com o que é frágil, ainda mais quando está já existem condições técnicas e econômicas suficientes para eliminar a miséria da face
em questão a competência que remete novamente à adaptação para a sobrevivência da terra; mas para a perpetuação da dominação, os principais beneficiados defendem
e, portanto, para o fortalecimento da estrutura de nossa sociedade. O conceito de a necessidade da manutenção das condições de trabalho e de vida estabelecidas. Ora,
identificação com o mais frágil permitiria ao preconceituoso, real ou potencial, refletir uma das questões principais relacionadas ao trabalho é a adaptação da espécie e do
sobre a sua própria fragilidade e assim fazê-lo renunciar à necessidade de sempre ter indivíduo, a partir da criação de riquezas sociais e de reprodução da vida individual;
de aparentar ser forte, o que em geral leva à violência, ainda que sutil. A necessidade se a riqueza e a técnica existentes já poderiam reduzir o trabalho a um mínimo,
de ter de ser melhor do que os outros, que responde à necessidade de sobrevivência, sem comprometer a existência da humanidade, continuamos a viver sob a égide da
pode ser refletida no contato com o indivíduo que tem deficiência, e assim tornar mais necessidade do trabalho. Em uma sociedade de carência de produção, o trabalho é
humano aquele que reflete. Mais do que isso, o contato com a pessoa com deficiência necessário, em uma sociedade de abundância, não o é. Assim, se a diferença é possível
pode fortalecer uma das marcas da humanidade: a superação dos limites dados pela e desejável numa sociedade que conseguiu superar a necessidade de sobrevivência
natureza; superação essa que, se pode ser visível no indivíduo – com ou sem deficiência imediata, sob a marca da dominação existente pela exigência do trabalho que fortalece
– , é sempre uma façanha coletiva. cada vez mais o capital e não a vida humana, a defesa da diferença só deveria existir
como negação determinada, contudo, atualmente, sob a forma de pluralismo, ela
Segundo Duckitt (1992), o preconceito contra os negros passou a ser entendido pode se tornar parte da ideologia, ou seja, a ocultação das condições já existentes
como um problema social e psíquico no início do século XX, o que fortaleceu o seu para o verdadeiro pluralismo: a igualdade social na ausência de dominação. A atual
combate, e isso se deveu, em parte, à luta dos negros por direitos civis; poderíamos defesa do pluralismo, em algumas de suas formas de expressão, implica em igualdade
pensar que algo semelhante está ocorrendo com os homossexuais que passam a lutar de poder, mas assim mantém o poder que é contrário à existência das diferenças, e a
por seus direitos. Se assim é, caberia aos indivíduos com deficiência e às pessoas de seu necessidade de dominação, de poder, segundo Horkheimer e Adorno (1985), deveria
convívio também ampliarem o movimento contra o preconceito, para que não sejam ser dissolvida:
considerados como menores de idade, mas claro que mesmo essa luta, assim como a dos
negros e a dos homossexuais, esbarra nos limites de uma sociedade, cuja organização, Hoje, quando a utopia baconiana de ‘imperar na prática sobre a natureza’
se realizou numa escala telúrica, tornou-se manifesta a essência da coação
voltada mais aos interesses do capital que aos dos homens, leva à constante luta de que ele atribuía à natureza não dominada. Era a própria dominação. É à sua
todos contra todos. dissolução que pode agora proceder o saber em que Bacon vê a ‘superioridade
dos homens’. Mas, em face dessa possibilidade, o esclarecimento se converte,
a serviço do presente, na total mistificação das massas. (p.52).
Certamente, os dois tipos de alvo em questão – os migrantes e os indivíduos
com deficiência – implicam situações diversas, mas no limite ambos se referem à A luta pelo direito à diversidade acusa a sociedade intolerante, e nesse sentido é
questão da adaptação. Se a cultura, que é fundamental no conflito com os migrantes, uma luta necessária, mas não se deveria desconhecer que ela não pode existir em uma
pode ser considerada como um conjunto de valores, crenças, hábitos que se destina a sociedade calcada na dominação, e que essa deve ser combatida e não reproduzida,
normatizar os comportamentos e explicar os fenômenos da vida, ela não é independente caso contrário, a luta pela liberdade auxilia a perpetuação das condições de opressão,
das condições sociais, que estão mais imediatamente associadas com as questões de ou seja, conforme foi dito, torna-se ideológica.
sobrevivência, isto é, de adaptação. Em relação aos indivíduos com deficiência, por
sua vez, a questão que mais diretamente se põe é a da dificuldade de adaptação, de Em síntese, os dados experimentais dos estudos citados indicam que o
autonomia para a sobrevivência. contato entre grupos conflitantes tende a ser profícuo, desde que garantidas algumas
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condições: cooperação, amizade, ilustração, um clima cultural geral adequado... Mas Habermas (1983). Esses itens tentam expressar os conceitos e as características que
será que, uma vez cumpridos esses requisitos, as determinações objetivas e subjetivas serão descritas a seguir. A ideologia da racionalidade tecnológica traz como paradigma
não continuarão incidindo sobre essas relações permitindo um tipo de discriminação a razão subjetiva ou instrumental, tal como a define Horkheimer (1976), e se expressa
mais sutil? O otimismo de Allport e o pessimismo de Amir, que poderiam ser aplicados, na ciência positivista e na técnica, que desde o século XIX, segundo Marx (1984), já
alternadamente, aos diversos estudos sobre a hipótese do contato, em conformidade contribuíam para a substituição de mão-de-obra viva pelas máquinas. O que rege essa
com seus resultados, por prescindirem de uma análise mais aprofundada da sociedade ideologia é a lógica formal ou lógica da identidade, que abstrai de diversos particulares
e de sua relação com os indivíduos, não estariam delimitados por uma concepção de os seus elementos comuns em busca da classificação, ordenação, quantificação etc.
objeto que lhes retira a sua constituição histórica, ou seja, não estariam nos limites, A ausência da percepção das contradições e a tendência a sistematizar os fatos são
indicados por Horkheimer e Adorno, da Investigação Social Empírica? De outro lado, características dessa ideologia. A realidade tal como pode ser captada é tida como o
Freud (1986) argumentou que a cultura consegue dar conta da violência mais visível, referente último, sem se perguntar pela sua gênese e potencialidades de transformação;
mas não da mais sutil, e Horkheimer e Adorno (1985) localizam marcas de Auschwitz ela é considerada natural e eterna; disso resulta um hiper-realismo que se alia com a
em aquisições culturais, o que dificulta ser otimista em relação à diminuição do
busca pragmática dos resultados, e a percepção imediata passa a se destacar da realidade
preconceito por meio do contato, ainda que esses autores não deixem de defendê-lo,
como a sua verdade. A ênfase na competência e, portanto, na solução dos problemas
pois a formação envolve a experiência das contradições existentes.
imediatos, passa a ser a tônica para a adaptação ao mundo atual. Assim, os problemas
Se o otimismo e o pessimismo dos estudiosos da hipótese do contato é alternado e políticos tornam-se problemas administrativos; os problemas sexuais, disfunções que
varia, também, em função dos resultados obtidos nas pesquisas, Freud e os frankfurtianos, apontam para falhas do desempenho individual; as questões educacionais tornam-se
a partir da análise dos conflitos psíquicos e das contradições sociais, podem delimitar a falhas do sistema de ensino ou do aprendiz; os problemas econômicos convertem-se
experiência possível no mundo existente e afirmar a sua necessidade para a constituição em falhas do sistema; os problemas familiares são reduzidos à psicologia; os valores
de uma consciência crítica, posto que a formação em nossos dias alcança o seu auge e o se conformam à realidade estabelecida, não são refletidos, a não ser pelo grau de
seu limite na resistência aos falsos apelos, mas também na percepção do que já poderia adaptação que permitem; o lazer e o trabalho devem ser organizados tendo em vista
ser possível, como liberdade, e ainda não o é: a possibilidade de viver num mundo no a perpetuação do existente.
qual o preconceito não precise existir. Os estudos sobre a hipótese do contato trazem
essa perspectiva, mas não expõem os seus limites. O conceito de narcisismo baseou-se em alguns trabalhos dos frankfurtianos (Adorno,
1969, 1986; Marcuse, 1981 e 1982), em alguns textos de Freud (1959, 1974a ,1974b,
4- Relação entre ideologia, personalidade e predisposição ao 1976 e 1986), nos textos de Lasch (1983), de Green (1988) e de Costa (1984). Para a
preconceito construção da escala de características narcisistas da personalidade, elaborada em
conjunto com Maria de Fátima Severiano, os itens foram apresentados na primeira
Baseado no estudo da personalidade autoritária, Crochík (1999) pesquisou a relação pessoa do singular, para que os sujeitos pudessem se posicionar mais diretamente
entre a ideologia da racionalidade tecnológica - que, se já era visível e delimitada frente a eles. Algumas questões apresentam a idéia do tempo: se o narcisismo tende
naquele estudo, parece cada vez mais se sobrepor às ideologias tradicionais- , a abolir a noção do tempo, o presente deve ser mais valorizado do que o passado e
características narcisistas de personalidade, pois julgou-se que a regressão psíquica o futuro; de forma similar, a morte deve ser negada, assim como a velhice ou tudo
que Adorno et al. estudaram estivesse relacionada com o narcisismo, analisado por aquilo que possa implicar mudança. Outras questões apresentam a valorização do
Adorno nesse e em outros trabalhos posteriores (Adorno,1986, 1995) e a predisposição corpo saudável, a afirmação da aparência, posto que para o narcisista a apreciação
ao preconceito, avaliada pela escala F. dos outros é importante. Outras dizem respeito aos seguintes temas: relacionamentos
superficiais; o consumo desenfreado, que indica uma tentativa de resposta ao
O conceito de ideologia da racionalidade tecnológica e a elaboração dos itens da sentimento de vazio interior; a necessidade de modelos, ensejada pela ausência de
escala que avaliou a adesão a essa ideologia tiveram como base os textos de Adorno um eu bem estabelecido; e sentimentos de inadequação e insatisfação.
(1972, 1991, 1995ae 1995c), Horkheimer e Adorno (1985), Marcuse (1981 e 1982) e

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Os sujeitos dessa pesquisa foram primeiro-anistas de cursos da Universidade de São pontos); a menor média de escores obtida nas três escalas foi a da amostra da Psicologia
Paulo. Foram feitas duas coletas de dados de alunos do curso de enfermagem, uma (escala I= 3,4; escala N=3,3; e escala F=2,9); os alunos do curso de Fonoaudiologia
em 1996 e outra em 1997, obtendo-se respectivamente amostras de 39 e 43 sujeitos. tiveram as maiores médias nas duas escalas construídas nessa pesquisa (Escala I= 4,3 e
Outras duas amostras foram obtidas, em 1997: no curso de Psicologia, 62 sujeitos - e no escala N= 3,6); por fim, os estudantes de enfermagem – amostra de 1997 – obtiveram, em
curso de Fonoaudiologia - 18 sujeitos. Ao todo, fizeram parte da pesquisa 162 sujeitos. média, maiores escores que os da psicologia na escala sobre o fascismo (Escala F= 3,9).
A idade média dos sujeitos foi a de 21 anos, com desvio padrão de 2 anos. Com exceção
da amostra da Psicologia, que continha sujeitos de ambos os sexos ( 20 sujeitos do sexo As correlações entre ideologia da racionalidade tecnológica e características
masculino e 42 sujeitos do sexo feminino), as demais eram compostas unicamente de narcisistas de personalidade variaram, em função das amostras, entre 0,45 e 0,54,
sujeitos do sexo feminino. Nessa amostra, não houve diferenças significantes entre sendo que a menor delas se refere aos estudantes de enfermagem da amostra de 1996
os dois sexos em relação aos escores obtidos nas duas escalas construídas: escala e a maior, aos estudantes de enfermagem de 1997. As outras correlações variaram
da ideologia da racionalidade tecnológica (t = 0,51, 60 g. l. e p <0,01) e escala de pouco entre si; as correlações obtidas entre a escala F e a escala da ideologia da
características narcisistas de personalidade (t= 0,95, 60 g. l. e p< 0,01), razão pela racionalidade tecnológica foram 0,64 e 0,66; e as obtidas nas correlações entre a
qual foi possível analisá-los conjuntamente. escala de características narcisistas de personalidade e a Escala F, 0,56 e 0,58. Todas
essas correlações são significantes ao nível de 0,01.
As duas escalas - ideologia da racionalidade tecnológica (escala I) e características
narcisistas de personalidade (escala N) – foram construídas com itens tipo Likert; Assim, as hipóteses da pesquisa foram confirmadas. Os sujeitos que aderem à
cada item tem seis alternativas de resposta e, de forma similar às de Adorno et al. ideologia da racionalidade tecnológica tendem a ter um maior número de características
(1950), a pontuação varia de um a sete pontos; quanto maior for a pontuação, maior, narcisistas e vice-versa. A percepção do mundo de forma sistemática, técnica, visando
respectivamente, a adesão à ideologia da racionalidade tecnológica e maior o número à eficiência e à perfeição de diversas esferas da realidade é, em certa medida, o
de características narcisistas de personalidade. A escala da ideologia da racionalidade contraponto do desvio da atenção por parte do indivíduo do mundo para si mesmo,
tecnológica foi composta de 46 itens e a escala de características narcisistas de possibilitando a hipótese de que a visão tecnológica da realidade pretende evitar
personalidade, de 42 itens. Para as amostras consideradas em conjunto foram obtidos a percepção do sofrimento, gerado constantemente pela nossa cultura, tal como o
os seguintes Alphas de Cronbach: Escala I: 0,92 e Escala N: 0,91. A estabilidade descreveu Freud em Mal-estar na civilização. Em outras palavras, a técnica, e suas
temporal dessas escalas foi verificada em duas aplicações feitas a 49 primeiro-anistas características, tomada como fim e não como prolongamento das capacidades humanas,
de Enfermagem, no intervalo de três semanas; obtivemos as seguintes correlações permite desconhecer que os objetos aos quais ela se aplica não se identificam com
de Pearson: escala I: 0.90; escala N: 0,94. Para o cumprimento dos objetivos desta ela. Mais do que isso, o apego a si mesmo e a quase ausência de afetos dirigidos aos
pesquisa utilizamos também a escala F, que segundo pode-se inferir das correlações outros se coadunam com a catexia da técnica, tal como Adorno alegou no estudo sobre
obtidas, por Adorno et al. (1950), entre essa escala e as escalas de antissemitismo a personalidade autoritária a respeito do tipo descrito por ele como Manipulador. Se
e etnocentrismo, avalia a predisposição ao preconceito. Foi aplicada à amostra da esse autor dizia que a tendência era a de que esse tipo fosse cada vez mais freqüente,
psicologia (62 sujeitos) e a uma das amostras da enfermagem (43 sujeitos). Adotamos devido à racionalização técnica das diversas esferas da vida, os dados obtidos nessa
a última configuração da Escala F (forma 40/45) formulada e testada por seus autores. pesquisa tendem a confirmar a sua previsão. As correlações obtidas entre as escalas F
Ela foi traduzida para o português, mas não precisou ser adaptada, pois quase todos e de características narcisistas de personalidade também evidenciam essa tendência,
os seus itens fazem sentido para a nossa cultura. O item 22 - ‘It is best to use some e assim, em nossa época, há indivíduos, cujo apego à técnica responde a necessidades
prewar authorities in Germany to keep order and prevent chaos” - não foi utilizado por sadomasoquistas, também avaliadas pela escala F, segundo Rouanet (1989), e/ou
requerer conhecimento histórico que lhe dê sentido. Assim, a escala compôs-se de 28 narcisistas. A nossa sociedade valoriza o desenvolvimento desse tipo de indivíduo
itens. O alpha de Cronbach obtido nesse estudo para a escala F foi o de 0,81. quer pela ideologia da racionalidade tecnológica, quer pela ênfase na competência
técnica, que se é necessária, pode trazer consigo não só a solução de problemas, mas
Os desvios padrões médios obtidos nas três escalas não diferenciaram as amostras
também o desejo de destruição. Além disso, se é próprio do preconceituoso utilizar
e tiveram magnitude próxima a dois pontos (deve-se lembrar que a escala possuía sete
categorias de classificação para discriminar os seus alvos, a tecnologia também opera
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por categorias lógicas de classificação. Evidentemente, a tecnologia e o preconceito de nossa cultura e não como um acidente da história, ou seja, de mostrar a presença
não se constituem num único objeto, mas têm aspectos comuns que podem levar a da violência mesmo no movimento que tenta extirpá-la.
uma aproximação perigosa.
Conforme podemos concluir dos resultados obtidos, mesmo após meio século,
Os resultados mostram, também, a relação entre a adesão ou não à ideologia da o preconceito continua a estar associado à ideologia que o indivíduo defende e às
racionalidade tecnológica e a predisposição aos preconceitos, avaliada pela escala F. características de personalidade. Assim, essas variáveis não só não deveriam ser
Por trás da idéia da neutralidade da técnica e da sistematização de diversas esferas da ignoradas nos estudos sobre o preconceito, como serem entendidas como marcas
vida pelas categorias da lógica formal, parece que se mantêm os impulsos destrutivos substanciais desse fenômeno. Só a presença delas, contudo, não é suficiente,
que se expressariam, entre outras formas, por essas categorias, que, além disso, por conforme vimos argumentando neste ensaio, é necessário também um entendimento
serem formas, prescindem do contato com o objeto para se constituírem. Assim, o desses conceitos à luz das contradições sociais e dos conflitos psíquicos. Por fim, cabe
afeto, destituído de vazão imediata, que caracteriza a paixão, reapareceria em uma mencionar que as correlações obtidas, ainda que significantes ao nível de 0,01, são de
forma socialmente aceita e, mais do que isso, necessária para a sobrevivência social magnitude mediana e que as amostras estudadas não são representativas da população,
e individual, como preconceito. A apatia, a neutralidade, seriam a sombra da paixão, o que leva à necessidade de outros estudos que confirmem, ou não, os encontrados
ou, de outro modo, a ausência da racionalidade ou o seu excesso estariam implicados, nessa pesquisa. Isso, no entanto, não invalida o que estamos defendendo neste ensaio.
ainda que de maneiras diversas, no preconceito. Desse modo, além de se dar ênfase ao
narcisismo contemporâneo, o que tem sido feito por alguns pesquisadores (Lasch, 1983;
Costa, 1984), caberia continuar a refletir sobre o sadomasoquismo e a sua relação com Considerações Finais
a exacerbação da técnica em nossa cultura. De um jeito ou de outro, dever-se-ia pensar
em medidas que, sem prejuízo do aprendizado de técnicas, pudessem contemplar a As conclusões dos estudos, que se referem à hipótese de contato, têm sido e
reflexão sobre elas, no que têm de determinante na (de)formação7 individual e social. devem continuar a ser postas em prática. Ainda que o preconceito possa ser estabelecido
na ausência do objeto, ou se configure como uma deturpação da experiência, o contato
Certamente esses dados devem ser refletidos a partir da contradição presente com o alvo da violência, real ou potencial, talvez possa, ao menos, atenuá-lo, ou
no progresso, indicado por Horkheimer e Adorno (1985). Os avanços tecnológicos, alterar a sua forma mais violenta. Essas conclusões, no entanto, precisam ser pensadas
se têm possibilitado, cada vez mais, as condições da libertação humana do reino também à luz da ideologia e dos medos e desejos que constituem o indivíduo, para que
da necessidade, mantêm as condições que geram a injustiça social. Nesse sentido, não se obtenha o efeito contrário ao que é esperado, isto é, fortalecer a ideologia que
defender o desenvolvimento da tecnologia, do progresso, como fim em si mesmo, colabora com a discriminação, ainda que manifeste o oposto, e dar novos conteúdos e
contribui para a perpetuação das contradições sociais existentes. De outro lado, formas para os desejos se manifestarem, sem que sejam modificados.
se, como Adorno (1986) afirmou, em cada época, a sociedade leva os indivíduos às
regressões psíquicas que necessita para a sua reprodução, os desejos e as características Assim, se o preconceito independe da experiência, ou seja, do contato com o
narcisistas e sadomasoquistas, que podem estar associados com a defesa ideológica da alvo, a mera aproximação entre o potencial ou real algoz e a sempre vítima, mesmo com
técnica, implicam as configurações individuais necessárias para a reprodução social. as condições adequadas, pode não resolver o problema. O arrolamento das condições
O combate a essas configurações psíquicas que as concebe como falhas individuais e propícias para um bom contato e a sua realização parecem não ser suficientes no
não determinadas socialmente, determinação essa que não ocorre de forma imediata, combate ao preconceito, pois a ênfase em condições circunstanciais – situações de
colabora também para a manutenção social. Mais do que isso, segundo Adorno (1969), cooperação, apoio social e institucional contra a violência -, arbitrariamente criadas,
as críticas ao narcisismo individual podem levar ao narcisismo coletivo. Além disso, a deixa de lado a estrutura social que as impede de surgir espontaneamente, e a ênfase no
ideologia da racionalidade tecnológica pode auxiliar a expressar o preconceito, em sua estatuto, nas informações, no sentimento de ameaça, nos estereótipos, desvinculada
forma asséptica, conforme indicam os dados acima apresentados, o que fortalece a tese da ideologia e de características de personalidade, impede que sejam percebidos e
de Horkheimer e Adorno (1985) de localizar o fascismo na gênese e no desenvolvimento combatidos os determinantes sociais e psíquicos da violência.
7 Uma análise mais detalhada da presença das contradições sociais e dos conflitos psíquicos no fenômeno estudado pode ser
encontrada em Crochík (1999).

60 61
Claro, como Horkheimer e Adorno (1978b) afirmaram, é melhor algum ______(1995a) ‘Educação após Auschwitz’ In: Adorno, T. W. Palavras e Sinais. Petrópolis,
esclarecimento do que nenhum, e certamente os estudos em questão indicam variáveis Vozes, 104-123.
importantes na constituição do preconceito, mas esse esclarecimento não pode ser ______(1995b) ‘Notas marginais sobre teoria e práxis’ In: Adorno, T.
entendido como resolução do problema. Nas palavras desses autores: W. Palavras e Sinais. Petrópolis, Vozes, 202-229.
______, Frenkel-Brunswik, E, Levinson, D.J e Sanford, R. N. (1950) The Authoritarian
Oferecer receitas tem escassa utilidade. Mas quem teve em conta os feitos a que
Personality, Nova Iorque, Harper and Row.
os agitadores são propensos e adquiriu consciência disso talvez já não sucumba
igualmente aos seus falsos apelos; e o que conhece as motivações ocultas do AINSCOW, M, PORTER, G. e WANG, M. (1997) Caminhos para as escolas inclusivas.
preconceito resistirá a ser um joguete nas mãos dos que, para libertarem-se do Lisboa, Instituto de Inovação Educacional.
peso que os oprime, voltam-se contra os que são mais débeis do que eles...A
luta eficaz contra os movimentos totalitários não é possível, certamente, sem o ALTEMEYER, B. (1998) The other ‘authoritarian personality’. Advances in Experimental
conhecimento das suas causas, sobretudo se quisermos que essa luta atinja as social psychology: 47-92.
raízes do totalitarismo, as condições que lhe são propícias na sociedade. Uma AMIR, Y. (1969) Contact Hypothesis in ethnics relations. Psychological Bulletin, V.71(5):
concepção acertada e capaz de ser, ao mesmo tempo, interpretada de forma
racional das estruturas essenciais em jogo, que é missão da ciência formular, 319-342.
não bastará por si só para fazer o necessário mas constitui, sem dúvida, uma ARCURI, L e BOCA, S. (1999) ‘Posicionamentos políticos: racismo subtil e racismo
contribuição insubstituível à resolução do problema. (p. 182).
flagrante em Itália’. In: Vala, J. (org.) Novos Racismos: Perspectivas Comparativas.
Oeiras, Celta editora, 61-75.
A crítica aos estudos sobre a hipótese do contato não visa, assim, retirar a sua
BASTOS, J. G. P. e BASTOS, S. P. (1999) Portugal Multicultural. Lisboa, Fim de Século
importância, mas mostrar os seus limites; sem a percepção desses limites, como foi
Edições.
dito, correm o risco de fortalecer o que estão combatendo, uma vez que os obstáculos
a ser enfrentados, por não serem visíveis, continuam a alimentar as tentativas que BOSI, E. (1997) ‘O campo de Terezin’ Estudos Avançados, 13 (37), 7-32.
combatem os seus frutos, mas não esses obstáculos. As propostas de combate à violência BROWN, R. (1995) Prejudice: its social psychology. Oxford, Blackwell Publishers Ltd.
enunciadas por Adorno não fogem às determinações sociais, e, dessa maneira, pode CARONE, I. Teoria Crítica e Psicologia Social. São Paulo, EDUC, s/d.
parecer contraditório utilizar de seu pensamento para a crítica daqueles estudos. Essa COSTA, J. F. (1984) Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro, Graal.
contradição, contudo, não é do pensamento, mas da realidade, e como tal deve ser COTRIN, A. M. (1997) Educação Intercultural: abordagens e perspectivas. Lisboa,
entendida; a sua superação só parece ser possível, tal como defenderam Adorno et Ministério da Educação.
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T. W. Temas Básicos de Sociologia. São Paulo, Editora Cultrix, 120-131. movimento de inclusão social, e, sobretudo, da inclusão escolar, que se fortaleceu
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______(1982) A Ideologia da Sociedade Industrial. 6a. ed. Rio de Janeiro, Zahar pesadelo não forem mais plantadas. O texto será exposto por meio de fragmentos.
editores, 238p.
MARX, K. (1978) Manuscritos Econômicos-Filosóficos. In: Marx. São Paulo, Abril Cultural, 7-48;
I – O preconceito e sua vítima
______(1984) O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I, volume 1. São Paulo: Difel.
MEERTENS, R. W. e PETTIGREW, T. F. (1999) ‘Será o racismo subtil mesmo racismo?’ In: Conforme a pesquisa de Theodor W. Adorno et al. (1950) e a de José Leon
Vala, J. (org.) Novos Racismos: Perspectivas Comparativas. Oeiras, Celta editora, 11-29. Crochík (2004) indicam, o preconceito não tem relação direta e imediata com
MONTEIRO, M. B. e CASTRO, P. (1999) Cada cabeça sua sentença. Oeira, Celta Editora. a vítima, mas com quem não consegue deter o ódio a si mesmo e à sua condição
MONTEIRO, M. B. (1996) ‘Conflito e cooperação nas relações intergrupais’. In: Vala, J., social e psíquica, dirigindo-o para outros grupos e pessoas; esse ódio é marca do
Monteiro, M. B.(coord.), Psicologia Social, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian: 309-352. preconceituoso, mesmo que apareça em suas formas aparentemente mais inofensivas:
PRIMO LEVI. (1971) É isto um Homem. São Paulo, ed. Record. o desprezo e a indiferença. Como tem relação com necessidades psíquicas, uma pessoa
ROUANET, S. P. (1989) Teoria Crítica e Psicanálise. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. que tem preconceito contra o judeu tende a tê-lo também em relação ao negro, às
ROFE,Y. e WELLER, L. (1981) Attitudes toward the enemy as a function of level of pessoas com deficiência, enfim, às minorias, cuja existência representa fragilidade e,
threat. British-Journal-of-Social-Psychology. Vol 20(3), 217-218. paradoxalmente, felicidade.
SCHALLER, M., BOYD, C, YOHANNES, J. e O’BRIEN, M. (1995) The prejudiced personality
revisited: personal need for structure and formation of erroneous group stereotypes. Certamente, o preconceituoso precisa justificar a perseguição de seus alvos,
Journal of personality and Social Psychology, 68(3), 544-555. e para isso, reduz características que um grupo obteve historicamente à natureza. O
VAGOSTELLO, L. (1997) A Ideologia Involuntariamente Sincera: uma análise da literatura fato de os judeus, por exemplo, segundo Hannah Arendt (1979) e Max Horkheimer e
científica inspirada em A Personalidade Autoritária nos últimos 16 anos (1980-1996). Theodor W. Adorno (1985), terem sido confinados por séculos à esfera do comércio, por
Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia da USP. lhes ser vedado o acesso a outras possibilidades de sobrevivência, é interpretado pelo
VALA, J., BRITO, R e LOPEZ, D. (1999) Expressões dos racismos em Portugal. Lisboa, ISCTE. preconceituoso como sendo o judeu naturalmente voltado aos interesses materiais. O
que, dessa forma, leva a justificar o preconceito não é o alvo, mas algo que é atribuído
a ele pelo preconceituoso. Esse algo pode ser inteiramente inventado ou deformado.
8 Artigo publicado originalmente na Revista WebMosaica, v.3 n.1 - janeiro-julho de 2011.

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Como o referido movimento de inclusão escolar, assim como o que o engloba Essa ambiguidade em relação às pessoas, aos bens materiais, ao que é próprio à
– a inclusão social – defende a convivência entre as diversas minorias e entre elas e cultura é, segundo a psicanálise, algo próprio da socialização, que nos impele a apreciar
os que são julgados como pertencentes à maioria, o preconceito é, como assinalado o que na melhor das hipóteses é, para nós, indiferente (FREUD, 1986). Passamos a ter
antes, um de seus obstáculos. Pesquisas das últimas décadas têm mostrado que a forma de atribuir valor favorável ao que não nos diz respeito, ao que não tem significado
de expressão do preconceito tem se alterado. No início do século passado, havia o a não ser por intermédio de outrem. Desde cedo, as crianças aprendem que devem
preconceito flagrante, pelo qual o ódio se exprimia diretamente; mais recentemente, seguir o que as autoridades lhes orientam, e que se isso não for feito, algo de grave
devido também ao combate ao preconceito, ele assume formas mais sutis (MERTEENS pode acontecer. De fato, o medo é a base de nossa formação: caso não ajamos como
e PETTIGREW, 1999). Em vez de atribuir aspectos depreciativos a seus alvos, os nossos pais gostariam, tememos perder seu amor e com isso a defesa que temos contra
preconceituosos elogiam menos os que intimamente desprezam. Aliás, o desprezo a sua própria violência: tememos ser destruídos. Se a relação com os objetos tem por
também se encontra na pior forma de preconceito: a frieza, sobre a qual mais à frente base a ameaça e o medo, ela não é espontânea e, certamente, esses objetos que antes
nos deteremos. poderiam ser indiferentes, podem se tornar alvos de ódio. Nesse caso, não se odeia
o objeto por características suas, e sim porque somos obrigados a aceitá-lo e a nos
Como o preconceito é um fenômeno que tem raízes sociais e implicações
relacionar com ele.
psicológicas, daremos ênfase neste texto aos determinantes sociais e psíquicos. Para
pensarmos o convívio social pacífico entre os homens, como exposto anteriormente, O modelo que incorporamos de apreciarmos algo, apesar de nos ser indiferente
serão fundamentais os trabalhos dos frankfurtianos, entre eles Theodor W. Adorno, ou desagradável, nos força a exagerarmos o apreço. Theodor W. Adorno e George
Max Horkheimer e Walter Benjamin, e o trabalho de Sigmund Freud. Simpson (1986), em sua análise sobre a música popular estandardizada, evidenciam
como as pessoas se tornam fanáticas por composições às quais não atribuem nenhum
O fenômeno do preconceito não deve ser reduzido às determinações psíquicas;
valor estético: quanto mais detestam a música, mais são obrigadas – e se obrigam - a
assim, não é possível pensar o antissemitismo somente pelo ódio direcionado ao
dela gostar, tendo em vista a pressão social presente nos movimentos de massa. Esse
judeu: há de se marcar suas entranhas históricas; sem a compreensão dos mecanismos
mecanismo se aproxima do que a Psicanálise nomeia de formação reativa.
psíquicos, contudo, esse ódio fica sem referência real e conceitual. Não vamos, no
entanto, nos ater a uma minoria em específico para estabelecer sua relação com o Assim, muitas vezes, a defesa da inclusão pode não significar ausência de
movimento da sociedade, mas apresentar determinações quer sociais, quer psíquicas, preconceito, mas uma forma de negá-lo e realizá-lo de outra maneira. Para a discussão
que julgamos dizer respeito a todos os tipos e formas de preconceito. sobre a educação inclusiva, isso não é de menor importância, uma vez que se os
educadores, os alunos e os funcionários de uma escola forem obrigados a aceitar os
alunos que pertencem a minorias às quais se volta esse tipo de educação, e nutrirem
II- Preconceito compensatório
preconceito em relação a elas, dificilmente teremos um bom resultado. Mais do que
A primeira relação a ser feita entre os dois termos que intitulam este texto – isso, parcela dos que defendem a inclusão escolar pode também estar agindo sob a
preconceito e inclusão - é a de oposição: o preconceito é contrário à inclusão. Numa forma do exagero compensatório e se isso acontece, mais cedo ou mais tarde, essas
sociedade contraditória como a nossa, no entanto, o preconceito pode favorecer minorias se tornarão suas vítimas.
determinado tipo de inclusão e a inclusão pode favorecer o preconceito. O preconceito
arraigado e oculto à própria pessoa que o desenvolveu pode levar à ambiguidade de
III- Preconceito e Idealização
sentimentos frente a seu alvo, que deveria ser aceito, respeitado, mas que no íntimo
sabe que não o é. Assim, como uma maneira de ocultar ainda mais de si mesmo essa não Os motivos que nos dão, quando somos crianças, para respeitarmos, admirarmos
aceitação do outro, exagera-se a defesa do que é hostilizado, forçando a sua inclusão e gostarmos de adultos ou para termos determinados comportamentos, em geral,
em um grupo do qual o preconceituoso julga, sem poder afirmar manifestamente, que são externos às pessoas; dizem respeito à boa educação, à convivência. Mas se os
não deveria tomar parte. adultos, sobretudo as autoridades, e determinados comportamentos devem ser

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valorizados, outros, em contrapartida, nos ensinam – direta ou indiretamente – que Desse modo, se o preconceito já é, em si mesmo, violência, quando é negado e o que
devemos desprezar. Uns e outros são apreciados ou depreciados independentemente o gera – o medo - não é elaborado, outras formas de violência podem surgir.
da experiência. Assim, a idealização positiva ou negativa permeia as relações entre
os indivíduos. Grosso modo, são reações preconceituosas: dada a obrigatoriedade de IV- Idealização Negativa
aceitação e de não aceitação, mesmo o afeto que incluem não é verdadeiro.
O preconceito como forma de defesa frente ao medo do desconhecido
Na identificação, a idealização também está presente e nos identificamos com pode ocorrer também por meio da hostilidade imediata, que é permeada por uma
alguém mediados por nossos desejos, que não são independentes das expectativas ‘idealização’ negativa, a oposta à explicitada anteriormente. Uma pessoa diferente
incorporadas dos adultos: desejamos através de seu ‘olhar’ incorporado. A identificação põe em questão a própria constituição pessoal do preconceituoso. Se o conceito de
com as pessoas próximas, no entanto, permite a experiência que combate a idealização: narcisismo está presente em todas as formas de preconceito, nessa, ele se exprime
os outros não são quem nós gostaríamos que fossem e nós não somos obrigados a ser como ‘narcisismo das pequenas diferenças’. Sigmund Freud (1986) enuncia isso da
o que os outros querem, e nisso há um tanto de liberdade. A identificação também seguinte forma: somente com um inimigo comum, um grupo se une estabelecendo suas
anuncia a possibilidade de em cada particular encontrar o que é universal; ao contrário identificações. Um alvo em comum pode canalizar a hostilidade de vários indivíduos que
da idealização, que não é acompanhada da experiência, essa experiência é fundamental se identificam entre si justamente por esta hostilidade. Uma criança imigrante pode
para que o que é comum a todos – a possibilidade de representar diversamente o que ser estranha para seus colegas se esses não tiverem alguns elementos que reconheçam
é ser humano - seja constituído. Pois em cada particular, a diferença enuncia outra nessa criança para se identificar. Os alunos regulares podem não se relacionar com um
possibilidade de ser, o que fortalece a individuação e a sociedade. aluno com deficiência intelectual ou hostilizá-lo, se esse não apresentar elementos
para identificação.
Ao longo da socialização, as idealizações são incentivadas; as identificações,
não. As idealizações são identificações a distância e, assim, sem a experiência não são Ocorre que se pela idealização, discutida anteriormente, não se percebe o que
propriamente identificações. Na idealização, os indivíduos são excluídos da própria há de diferença naqueles que parecem ser iguais, o mesmo ocorre com aqueles que
experiência e não deixa de ser uma forma de preconceito, pois, os desejos, as fantasias ou idealmente são tidos como diferentes, ou com aqueles que são diferentes: nesses
e as expectativas antecedem o contato com os outros. Se a identificação é negada, o é difícil de perceber a igualdade. Incluir em um lugar ou em uma situação que todos
desejo de ser como o outro para depois dele se diferençar também o é, assim como devem ser idealmente iguais pode propiciar o preconceito.
a possibilidade de um universal constituído pela diversidade humana; em seu lugar,
aparece a necessidade de ser igual ao que se (im)põe de forma abstrata. O que é V- Inclusão e Exclusão
abstrato, externo a nós, se torna concreto e familiar, o que é concreto e próximo se
torna distante e estranho. O termo ‘inclusão’ apresenta, em nosso meio, algumas controvérsias. Bader
Sawaia (2006) o define em conjunto com seu antônimo ‘exclusão’, num par dialético.
Pelo que foi escrito até aqui, pode-se dizer que o preconceito pode levar José de Souza Martins (1997) entende que a discussão sobre inclusão/exclusão contém
também à inclusão, mas à inclusão de seres idealizados. A inclusão, por sua vez, também uma falsa questão, pois só existe inclusão precária, marginal. De fato, o sistema
pode, por vezes, gerar violência. Temos dificuldades em nos relacionar com pessoas capitalista, ou mais amplamente, a sociedade administrada, a tudo inclui, a todos
idealizadas; quando essas não correspondem à idealização, essa não correspondência integra: nada pode ficar de fora, porque o que está fora gera medo, daí que os
gera hostilidade, pois desequilibra o conceito formulado que permitia amenizar o diferentes são reduzidos aos conceitos prévios, o que ocorre no preconceito. Em termos
medo frente ao desconhecido. Segundo Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985), econômicos, o exército industrial de reserva – a legião de desempregados procurando
o medo frente ao desconhecido gera a tendência a dominar esse desconhecido a partir emprego – tem função importante: regula o preço da mercadoria humana – a força
da atribuição de regularidade aos seus comportamentos; quando essa regularidade, de trabalho; em uma sociedade funcional, nada existe que não tenha função. Por
que o preconceituoso percebe em seu objeto, é posta em questão, outras formas de mais precárias que sejam as condições de vida desses trabalhadores, estão marginal e
dominação devem aparecer para enfrentar o medo, não raro como violência imediata. precariamente incluídos.
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O sistema de direitos associado à saúde, à previdência social, à educação, à Se a igualdade de condições de vida para todos deve ser o objetivo, as condições
justiça se torna cada vez mais universal e ninguém tem mais o ‘direito’ de não ter a serem oferecidas para os indivíduos para atingi-la são distintas; os que têm deficiência
saúde, de não estudar, de não ter auxílio da previdência e de não ter um advogado visual, auditiva, física ou intelectual precisam de recursos distintos para fazer atividades
constituído. Essa sociedade integral, de tempo e espaço integrais, contudo, integra escolares e para o trabalho, que os indivíduos sem deficiência não precisam. Como se
desintegrando. Só é integrável o que não resiste; assim, quem é incluído não é trata também da cidadania e um dos direitos do cidadão é o de deslocamento, deve-se
necessariamente o indivíduo, mas sua negação, dada pela adaptação exigida: para enfatizar que as cidades devem ter meios adequados para que todos possam circular
sobreviver, deve-se negar os desejos, os princípios (ADORNO, 1991). Assim, no mesmo sem correr riscos; o mesmo cabe dizer sobre as diversas instituições existentes. Não há
ato de inclusão, a exclusão se apresenta. Dessa forma, a controvérsia entre Bader como falar em inclusão na escola se não há banheiros adaptados para cadeirantes, ou
Sawaia (2006) e José de Souza Martins (1999) é inexistente: todos são incluídos, porque se há obstáculos que impeçam alguém que tenha deficiência visual de se locomover. Dá
quando o são, são excluídos. para se pensar no grau de humilhação que sofre aquele que tem de ser carregado por
colegas pelas escadas, em lugares que não haja elevadores ou rampas; ou daquele que
Visto de outra forma, se a educação, a saúde, a previdência, a justiça, se tornam
dependa de outros para poder caminhar seguramente. Igualmente pode-se imaginar o
universais, elas o são desde que precárias para a maior parte da população, ou não
sofrimento de quem, por ter deficiência auditiva, não consegue tentar entender o que
existe saúde, educação e justiça distintas para pobres e ricos? Para Theodor W. Adorno
o professor diz por meio de leitura labial, uma vez que esse, quando escreve na lousa,
(2004), quase não há mais distinção entre pobres e ricos nos países desenvolvidos, no
dá as costas aos alunos.
que se refere às características psicossociais, mas continua a haver entre os que detêm
e os que não detêm os meios de produção social. A formação, antes possível a uma Não bastam adaptações arquitetônicas e atitudes favoráveis dos que convivem
pequena parcela da população, ao se ampliar para todos torna-se pseudoformação, na escola, no trabalho, com as pessoas que têm deficiência, para que essas não sofram
pois não há formação verdadeira que possa conviver com a injustiça social. A saúde preconceito, mas a ausência dessas adaptações e atitudes indica uma negligência, uma
para todos, segundo esse autor, é saúde para a morte; Theodor W. Adorno (1975) indiferença, que já é ofensiva a quem é esquecido; esse tipo de negligência é uma
retorna a questão freudiana: de que adianta ter uma vida mais longa se ela perdeu forma de preconceito expressado pela frieza das relações existentes.
substancialmente o prazer? Tudo deve ser evitado para se manter a vida, mas o que
é evitado é uma vida digna de ser vivida. Mesmo a liberdade sexual alcançada que
VI- Frieza: Negação da Identificação
deveria possibilitar a felicidade foi somente liberdade da realização do ato sexual, mas
não da pulsão sexual: o sexo foi liberado, seu caráter subversivo, não (ADORNO, 1969). Se a identificação pode ser definida como a busca do universal no particular, a sua
negação diz respeito a esse universal: o outro não é reconhecido em sua humanidade.
E a educação inclusiva, as quotas para empregos para pessoas com deficiência,
Mas essa negação é ilusória, pois claramente o que há de humano pode ser reconhecido
também excluem? Antes de tentar responder essa questão, caberia salientar que a
em todas as pessoas; quem nega a identificação tem de forçar o desconhecimento de
universalização da educação, da saúde, da previdência, da justiça e da liberdade sexual
que algo em si mesmo é comum ao outro e vice-versa. Tal negação deve ter sua base
também é importante; é efetivamente parte do progresso. Não é de pouca importância
em processos cognitivos, perceptivos e na sensibilidade: o que tem a identificação
que o Sistema Único de Saúde seja para todos, que a escolarização atenda a quase todas
negada deve ser excluído do conceito, da percepção e de nossos afetos. Se antes foi
as crianças e jovens, que a previdência também atenda as pessoas do campo. Da mesma
discutida a noção de exclusão no sentido social, agora ela aparece no campo pessoal.
forma, a educação inclusiva, as quotas para emprego, são modalidades importantes
A exclusão do outro em nossa psique só pode ocorrer por que antes teve presença: o
para uma sociedade que pretenda ser justa. Devemos, contudo, perguntar se essas
esquecido para ser mantido fora da consciência precisa de força suplementar para
formas de inclusão propõem efetivamente igualdade de oportunidades e condições
não ser lembrado; ser frio, no entanto, é esquecer, a frieza necessita de esforço,
aos cidadãos para que os obstáculos existentes possam ser superados. As críticas que
não é simplesmente a ausência da experiência, mas sua negação: algo que o outro
podem e devem ser feitas não devem significar a negação dessas modalidades.
evoca e que não deve ser lembrado. Para alguns, não basta ter identificações negadas
– odiar ou aceitar exageradamente quem apresenta algo que desejam ou temem – é
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necessário negar a existência de qualquer sentimento em relação àqueles com os quais estudos que testam a hipótese do contacto (ver CROCHÍK, 2000). Essa teoria defende
a identificação traria sofrimento. que o contato entre o preconceituoso e seu alvo, em condições adequadas, poderia
diminuir ou eliminar o preconceito. Alguns estudos indicam que de fato isso ocorre,
Walter Benjamin (1989) diferencia experiência de vivência. A primeira diz
outros, não. Isso já mostra que não basta derrubar os muros que segregam para
respeito a algo que deixa marcas, a última não. A lembrança faz parte da experiência
eliminar o preconceito; são necessárias também condições favoráveis para isso. Se ao
que não pode fazer parte do progresso: tudo se deve esquecer para que a produtividade,
preconceituoso, no entanto, falta a possibilidade da experiência, o mero contato com
a eficiência, não sejam atrapalhadas. Faz, por meio de Theodor Reik, a distinção entre
o outro, mesmo em condições favoráveis, pode não ser suficiente.
memória e lembrança; a primeira organiza, a última destrói, desorganiza, mas ao fazer
isso traz de volta o que efetivamente teve importância para o indivíduo. Isso significa O estudo sobre a personalidade autoritária, desenvolvido por Theodor W. Adorno
que para que a negação da identificação ocorra, antes teve de existir identificações et al. (1950) na década de 1940, mostra que há diversos tipos de preconceituosos, que
que foram negadas. Algo que o outro expressava de igualdade do desejo ou de temor expressam maior ou menor dificuldade de se relacionar, ter contato e experiência
teve de ser negado. O homossexual pode suscitar o desejo homossexual do outro, que com os outros. Adorno definiu seis tipos de preconceituosos e cinco tipos de não
tem de fortalecer a repressão anterior; o idoso pode suscitar a sensação de fragilidade, preconceituosos. Entre os primeiros, encontram-se indivíduos que desenvolvem
de dependência dos outros, que também deve ser reprimida, dado o incentivo cultural preconceitos quer para justificar uma situação ruim pela qual passam ou para ser aceitos
para que sejamos fortes e autônomos. A pessoa com deficiência pode lembrar o mesmo em determinados grupos; esses tipos são suscetíveis a argumentos, os preconceitos não
que o idoso: a fragilidade e a dependência. Desse modo, o preconceito pode ser estão arraigados. Já o tipo denominado autoritário não é suscetível a argumentos e
associado com a vivência – uma experiência que não deixa marcas – e a recordação, à experiência; é o que ilustra o que acima desenvolvemos acerca das identificações
como experiência propriamente dita, pode ser atrelada à superação do preconceito. negadas. Ele possui uma consciência moral rígida não plenamente incorporada; essa
consciência é quase que externa a ele, age como se ditasse mandamentos que não são
Assim, como hipótese, poderia se afirmar que as identificações negadas, cujos
refletidos. Como essa consciência representa o pai amado e odiado, deve segui-la para
desejos e temores que representam não são recordados, tendem a ser substituídas
evitar perder o seu amor e evitar seu ódio; para resolver a questão da ambivalência de
pela negação de identificações, pela frieza, propiciadas pela vivência, que fortalece
afetos separa-os: conscientemente admira seu pai – a autoridade –, inconscientemente
o esquecimento. O preconceito, dessa forma, poderia ser expresso quer por uma
o detesta por impedir que realize alguns desejos, que são projetados sobre grupos
compensação exagerada do que se sente em relação a alguém: tenta-se defender,
que passa a perseguir para deles se proteger. Outro tipo foi nomeado ‘manipulador’;
proteger, quem se pretende destruir, ou por hostilidades devidas a essas identificações
é descrito como aquele que desviou a possibilidade de ter prazer na relação com os
negadas, ou pela frieza resultante da negação das identificações.
outros para o ‘fazer coisas’; transforma a todos, inclusive a si mesmo, em objeto a
Quanto à inclusão, poderíamos dizer que o primeiro tipo de preconceito – ser manipulado. Esse tipo é propício ao que discutíamos antes sobre a frieza, ele nega
compensação do desejo de exclusão – seria uma inclusão sombreada pela exclusão; qualquer forma de identificação.
o segundo tipo – a hostilidade – pregaria a exclusão, para fortalecer a exclusão dos
O preconceituoso que inverte seus sentimentos em relação a seu alvo não se
próprios desejos e temores do preconceituoso; e o terceiro tipo – a frieza – implicaria
encontra entre os tipos descritos por Adorno como preconceituosos, mas em um que
a pior forma de exclusão, pois se negaria presença ao que está presente.
seria não preconceituoso, segundo as escalas utilizadas. Esse tipo, avesso à violência,
à discriminação, não é propício à experiência; prega que todos são iguais, que o amor
VII- Hipótese do Contato e Tipos de Personalidade Autoritária é universal; aqui devemos lembrar a crítica de Sigmund Freud (1986) sobre o amor
universal: nem todos são dignos de amor, além do que, se amarmos igualmente a todos,
A luta contra os manicômios, contra as escolas especiais e contra as classes aqueles que merecem o nosso amor serão injustiçados pela pequena parte que lhes
especiais tenta evitar a segregação espacial e promover a convivência; diminuiu a caberá. Dentro de nossa discussão, devemos acentuar que o amor é uma experiência
segregação física, também com a esperança de que a convivência entre a população e particular que não pode ser idealizada como o amor ao distante. Podemos e devemos
aqueles que eram segregados pudesse demolir os tabus, os preconceitos. De fato, há condenar ações bárbaras contra pessoas e povos que não conhecemos pessoalmente,
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mas devemos fazer isso, não por amor, e sim pela possibilidade da universalização pode-se dizer que aos segregados não se dá o reconhecimento de pertença ao mesmo
da civilidade e do que é civilizado. Devemos lutar por uma sociedade racional, que grupo; na marginalização, esse reconhecimento é acompanhado da desconfiança de se
regulamente as relações entre todos, mas isso não significa o amor universal. Enfim, é merecedor ou não desse reconhecimento. Em relação ao segregado, parece haver
nesse tipo, a experiência é evitada pela negação das diferenciações individuais. o que nomeamos de negação de identificação – pertence à outra espécie -; quanto ao
Dessa maneira, mesmo pessoas que, aparentemente, são favoráveis e defendem alvos marginalizado, parece haver a hostilidade própria da identificação negada.
de preconceitos podem ser preconceituosas, quer por ter dificuldades nas relações
Apesar disso, a inclusão social vem se ampliando nos últimos tempos. Claro
pessoais, quer por negar os sentimentos que têm contra seus alvos e que são contrários
que o preconceito presente nas discriminações pessoais ou institucionais é contrário a
aos ideais que difundem.
ela. Verificamos que ele pode se manifestar de várias maneiras. Se a experiência é seu
Voltando à teoria da hipótese do contato, podemos dizer que quando o antídoto, é para as condições dessa que devemos nos voltar.
preconceito não é devido a defesas psicológicas, quando é superficial, o contato e a
experiência podem bastar para eliminá-lo; quando funciona como um mecanismo de
IX – Formação e Experiência
defesa psíquica que torna o indivíduo refratário à experiência, somente o contato não
é suficiente. Por isso, ao derrubar os muros dos hospitais psiquiátricos, das escolas A formação tem como objetivo a diferenciação individual. Por meio dela,
especiais, pode passar a existir ou continuar a haver uma forma de segregação simbólica deveríamos ser capazes de expressar nossas diferenças, que só se tornam tais quando
ou de marginalização. nomeadas: são natureza que ganham voz. Para que as inúmeras experiências possam
ser expressas, é necessário que o vocabulário seja amplo; cada vocábulo indica uma
experiência distinta. Assim, quanto mais uma cultura permite seus indivíduos se
VIII – Segregação e Marginalização expressarem, mais esses se diferenciam. Ocorre que nossa cultura, apesar de ter um
acervo linguístico considerável, o restringe ao que pode ser entendido por muitos,
O preconceito é, usualmente, definido como uma atitude, cuja ação
reduzindo também a possibilidade de enunciar experiências e, portanto, diferenciar
correspondente é a discriminação. A discriminação, por sua vez, entre outras formas de
os indivíduos.
manifestação, se apresenta na segregação e na marginalização. A segregação significa
separação real ou imaginária de alguém ou de um grupo da maioria ou de outros O indivíduo diferenciado é o que não precisa desenvolver preconceitos, pois se
grupos; a marginalização implica pôr esse alguém ou grupo na beira. O segregado não aproxima do universal por meio de experiências particulares, assim, se há concepções
faz parte; o marginalizado o faz de maneira precária. Certamente, há segregação na e conhecimentos que são anteriores ao contato com os outros, essas concepções e
marginalização, mas isso ocorre não criando um abismo entre grupos. Somente para conhecimentos não reduzem esses outros a eles; conceitos pré-existentes não são
ilustrar: a classe trabalhadora é segregada da posse de bens de produção e é marginal necessariamente preconceitos, só o são quando não se modificam após o contato com
quanto ao consumo. Dentro da discussão da educação inclusiva, pode-se pensar que o objeto. Preconceito é a fixação de conceitos prévios que impedem a experiência.
os alunos que não têm bom desempenho acadêmico podem estar, pelos critérios
O indivíduo se constitui por meio de experiências que não podem prescindir de
acadêmicos, à margem do sistema, mas estão nele – a margem faz parte do rio, no que
continuidade e de referencial social e cultural estável nos quais pode se sustentar. Nessa
o delimita; já alunos com deficiência intelectual, quando são avaliados por critérios
continuidade, o passado sempre se atualiza – torna-se atual – e, portanto, se modifica;
distintos dos demais alunos são segregados (o que não significa que a avaliação não
a ideia de que o passado pode ser recuperado tal como aconteceu não é verdadeira,
possa ser adaptada para um grau de dificuldade mais adequado). Da perspectiva da
o que não implica que ele tenha sido produto da fantasia ou da ilusão. O passado,
inclusão, é melhor ser marginalizado, ainda que nem de longe isso signifique inclusão.
no que se refere à experiência, deixa marcas no indivíduo. Essas marcas podem ser
Retomamos, dessa forma, a discussão sobre a relação entre inclusão e exclusão. atualizadas constantemente, desde que confirmadas na experiência simultaneamente
Parece haver inclusão marginal e exclusão. A primeira ocorre quando a inclusão é individual e coletiva, como existia antes do surgimento das grandes cidades como
precária: as condições limitadas do exercício da cidadania quase que a invalidam; na expositoras de mercadorias.
segregação, essas condições, em boa parte, não são dadas. Da perspectiva inversa,
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O calendário, segundo Walter Benjamin (1989), unificava, nas festas, a Conforme discutido antes, a identificação com os outros não é incentivada ao
experiência individual e coletiva. A tradição deveria ter sua base nisso e não seria longo da formação: a expressão ‘seja você mesmo’ é repetida frequentemente. Mas
aprisionante desde que não impedisse o que contraria seus cultos. se só somos por meio dos outros, ao negar a identificação, negamos a nós mesmos: o
auge da socialização burguesa é a solidão: o não reconhecimento de sentido em nada
Com as grandes cidades, a continuidade é ameaçada pela mudança constante
que exista. Isso é coerente com uma sociedade que retira o sentido de tudo: a solidão
dos estímulos que obedecem a um tempo e a um espaço externos ao homem, mas
neste sentido é crítica, indica a resistência a ter de participar. A participação, dessa
propícios à produção. Os indivíduos passam sem deixar vestígios; a imensa estimulação
forma, mesmo que aparentemente progressiva e crítica, pode ser o seu oposto. “Só há
não permite que seja elaborada de forma a possibilitar a continuidade da experiência.
esperança nos desesperados”, nos diz Walter Benjamin. Alguém que ainda nutra alguma
Na grande cidade, devemos sempre começar de novo: nada nos é conhecido, tudo é
esperança nesta sociedade trai a confiança necessária à constituição da humanidade,
apropriado por técnicas. O que faz sentido, o que marca o indivíduo, não convive mais
possível em outra forma de sociedade que prescinda da exploração entre os homens.
na consciência com o que é necessário para a adaptação.
Se é assim, a inclusão, que deve continuar a ser promovida e defendida, também
A experiência se torna, conforme dito antes, vivência, experiência empobrecida.
encontra seus limites. Ao contrário do que argumenta José de Souza Martins, não é a
Os sentidos ficam amortecidos e é necessária uma estimulação cada vez mais intensa
inclusão que é marginal, pois, todos nós estamos à margem sem nunca sermos incluídos.
para que a atenção possa ser despertada. É isso que Charles Baudelaire, segundo
Não reconhecemos esta sociedade como nossa; não nos reconhecemos nela, mas na
Walter Benjamin (1989), tentou por meio de seus choques contidos em seus poemas
imagem de liberdade, felicidade, justiça e paz que ela também promete. A imagem
sobre as flores do mal. Marcel Proust (2006), por sua vez, localizou a experiência na
que Narciso viu no lago era um ‘si mesmo’ oscilante, mas vivo, em contraste com as
memória involuntária e propôs diversos exercícios para recuperá-la. Sigmund Freud
regras que não compartilhava. A oscilação e a dúvida são o nascedouro da experiência;
(1975) encontrou a experiência no contraste entre o consciente e o inconsciente. No
a pergunta das crianças que se repete e nunca se responde guia a curiosidade para
século XIX, dessa forma, havia algo a ser recordado que se mostraria contínuo por meio
o que não conhecemos. São elas – a oscilação, a dúvida e a pergunta - que podem
de outro tempo que não o do relógio, mas o do aperfeiçoamento da recordação e da
reestabelecer a experiência por negar a certeza do preconceito.
compreensão.

Frente aos horrores que o século XX assistiu e que continuamos a assistir, Referências
cabe pensar na seguinte alternativa: há ainda algo que possa ser recordado ou, como
insiste Theodor W.Adorno (1996), há uma consciência contraditória que nos indica ADORNO, Theodor W. Los Tabús sexuales y el Derecho hoy (R. J. Vernengo, Trad.). In:
claramente o que deveríamos defender e a resistência a isso, devido às ameaças à ______ Intervenciones. Caracas: Monte Ávila, 1969, p. 91-115.      
autoconservação. Se não é quase mais possível a continuidade em nossos dias, se é ______ . Minima Moralia. Caracas: Monte Avila, 1975.
difícil nomear o horror existente, se é difícil defender o que é universal – a possibilidade ______. De la relación entre sociología y psicología. In: ______. Actualidad de la
de expressar diferentemente o que é humano -, resta a crítica à situação que impede filosofia. (Jose L. A. Tamayo, trad.). Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica S.A., 1991,
a experiência. Se é difícil a identificação com as pessoas que conhecemos, tendemos 135-204.
a nos fechar nos pequenos grupos que nos acolhem; a segregação desses pequenos ______. Introduccion a la Sociología (E. R. López, Trad.). Barcelona: Gedisa, 1996.       
______.Teoría de la pseudocultura In: ______. Escritos Sociológicos I, obra completa.
grupos entre si promove o estranhamento; talvez as identificações entre as pessoas
8 (A. G. Ruiz, trad.). Madri: Edicciones Akal, S.A., 2004, p. 39-78.
nesses pequenos grupos pudessem servir de modelo para as outras identificações, tal
______. & SIMPSON, George. (1986). Sobre música popular (Flávio. R. Kothe, Trad.). In
como Sigmund Freud (1986) entendia que acontece para que a cultura se expanda.
______. Sociologia (pp. 115-146). São Paulo, SP: Ática.         
Mas se esses grupos tendem a se fechar é porque são ameaçados, e são ameaçados
______., FRENKEL-BRUNSWIK, E., LEVISON, D. J., & SANFORD, R. N. (Eds.). The
para continuarem a lutar por interesses que não são os seus, mas daqueles que se
Authoritarian Personality, Studies in Prejudice Series, New York: Harper & Brothers,
beneficiam da sua exploração. O isolamento do indivíduo, ou dos pequenos grupos,
Copyright American Jewish Committee, 1950.
promovido pela formação burguesa não é um efeito colateral, mas produto necessário.
ARENDT, Hannah As origens do totalitarismo: anti-semitismo, instrumento do poder.
76 77
2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1979.BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas
em Baudelaire. In______. Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo. (J. M.
Barbosa & H. A. Baptista, trad.). São Paulo: Brasiliense, 1989, p.103-149.
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E PRECONCEITO

78
4
NORMALIZAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DO INDIVÍDUO COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL: UMA ANÁLISE DO FILME ‘OS DOIS MUNDOS DE CHARLY’9

José Leon Crochík

Este ensaio tem como objetivo discutir as tendências de normalização e de


diferenciação do indivíduo com deficiência intelectual em nossa sociedade. A tendência
de normalização busca tornar o indivíduo com deficiência intelectual o mais próximo
possível dos que não a têm, e a tendência de diferenciação defende que os indivíduos
devem ser aceitos com os seus limites, não sendo nem melhores nem piores que os
outros, mas diferentes. Para essa discussão, o texto é dividido em três partes. Na
primeira, os conceitos de normalização e diferenciação são apresentados em conjunto
com algumas de suas implicações, tendo em vista a sociedade atual; além disso,
discute-se o anacronismo de uma educação voltada para as competências destinadas
ao mundo do trabalho, que não deixa de se pautar em normas para a adaptação deste
momento histórico10. Na segunda parte, a partir de análise do filme “Os dois mundos de
Charly”, a discussão acerca da normalização e diferenciação é retomada, e na última
parte são expostas as considerações finais.

1. Os conceitos de normalização e diferenciação

O termo normalização se refere às normas, à padronização, à uniformização.


Designa também a adaptação a um modelo que permite ao indivíduo se constituir por
sua incorporação. Há normas para a linguagem, para o pensamento, para a ação, as
quais se formam e se transformam historicamente. Se elas não são incorporadas, não
há como se comunicar, pensar, agir; não há como expressar as próprias diferenças
individuais. Se a normalização, porém, for a meta e não um meio, a diferenciação,
ou seja, a constituição de um indivíduo, no sentido liberal do termo, também não
ocorre. Assim, neste texto, apresenta-se a concepção de que não há diferenciação sem
normalização, quando essa é entendida como a internalização das normas, e que se
esse processo se torna um fim em si mesmo também não há diferenciação. Essa questão
é inerente à formação do indivíduo, e se torna mais nítida quando se tenta incluir os
que mais distam da normalidade, considerada como o conjunto de características e
competências para ser normal.
9 Artigo originalmente publicado na Revista da FAEEBA Contemporaneidade e Educação, Salvador, v. 16, p. 19-29, 2007.
10 A questão do desempenho escolar e sua relação com o mundo do trabalho é mais amplamente discutida no capítulo 5 deste livro.

81
A discussão acerca da normalização e/ou diferenciação do indivíduo com perder. Não se trata de abstrair a diferença entre os homens dada pela natureza,
deficiência intelectual está presente nas atuais propostas de educação inclusiva, ainda mas que essas são significadas socialmente, e que, independentemente da deficiência,
que nem sempre de forma explícita, e na distinção dessa da educação integrada. Na todos devem incorporar a cultura para poder melhor expressar essa diferença como
educação integrada, grosso modo, a criança com deficiência ocupa um lugar na sala de universal, expressando também a diversidade humana, que é essência da humanidade.
aula regular sem que nada mais seja alterado, além da especificidade de métodos e Segundo Adorno (1991), “...lo esencial no es lo abstractamente repetido, sino lo general
avaliações dirigidas a ela; na educação inclusiva, a própria escola é discutida, incluindo en tanto que diferenciado. Lo humano se forma como sensibilidad para la diferencia
seu currículo, métodos, avaliações, relação dos educadores com os alunos etc. Em um sobre todo en su experiencia más poderosa, la de los sexos.” (p. 203).
dos casos - o da educação integrada - , a questão da normalização está no centro; no
outro – o da educação inclusiva – além do reconhecimento das diferenças do aluno com Kant, ao se referir à natureza humana como sendo a da sociabilidade
deficiência intelectual, são propostas modificações na própria escola e em sua relação insociável, defende a formação que deve ‘domar’ os impulsos, mas ao mesmo
com a sociedade (ver AINSCOW, 1997, e MITTLER, 2003)11·. Segundo Mittler (2003): tempo preservar a natureza do avanço da civilização (ver ADORNO, 1971). Segundo
Adorno (1971), a diferenciação individual ocorre pela incorporação da cultura: “...
A inclusão não diz respeito a colocar as crianças nas escolas regulares, la formación no es otra cosa que la cultura por el lado de su apropiación subjetiva”
mas a mudar as escolas para torná-las mais responsivas às necessidades de
todas as crianças; diz respeito a ajudar todos os professores a aceitarem a (p. 234). Assim, a diferenciação parte da natureza, mas se constitui pela cultura que
responsabilidade quanto à aprendizagem de todas as crianças nas suas escolas e a permite se desenvolver: “En tanto que se cancelan los momentos de diferenciación
prepará-los para ensinarem aquelas crianças que estão atual e correntemente
– originariamente sociales – en que residía la formación, pues formación cultural y
excluídas das escolas por qualquer razão. (p. 16)
estar diferenciado son propiamente lo mismo, en lugar suyo prospera un sucedáneo.”
Abramowicz (2002) discute a distinção entre normalização e diferenciação nas (p. 251). Se a formação cultural se modifica historicamente, suas normas, valores,
propostas de educação inclusiva, sem a diferençar da educação integrada. A partir dos princípios – que estão associados às necessidades e conflitos sociais – são imanentes
estudos de Deleuze e de Pelbart, a autora evidencia a transformação da sociedade ao desenvolvimento do indivíduo, isto é, à sua diferenciação. Com o desenvolvimento
disciplinar para a de controle e se pergunta pela possibilidade de exterioridade nas da cultura, e a consequente geração de novas formas de expressão, a possibilidade
propostas de educação inclusiva, uma vez que a possibilidade de novas vozes na de diferenciação individual aumenta. Essas novas formas de expressão não são
sociedade de controle é sufocada. Ela não se contrapõe ao movimento de educação independentes do desenvolvimento de novas técnicas, que por sua vez são atreladas
inclusiva, mas pergunta pelos seus objetivos, e até que ponto a voz diversa dos incluídos ao desenvolvimento social.
não poderia apontar novas possibilidades sociais. A inclusão, nesse sentido, assim como
as alterações das instituições prisionais, psiquiátricas, comportaria a possibilidade de No progresso social estão envolvidos quer a melhoria das condições objetivas
uma prisão ‘a céu aberto’. Ao contrário dessa prisão, a autora propõe: de vida – alimento, moradia, remédios, meios de locomoção – quer o estabelecimento
de relações sociais justas. O progresso, contudo, não é linear, contém a contradição
... nem aceitar, muito menos tolerar diferenças, mas sim produzir diferenças.
social entre aqueles dois objetivos, de forma que a libertação dos grilhões da natureza
Há uma incessante forma de vida que é produzida pelos diferentes que é preciso
estar atento para aproveitar. Ou seja, a educação só será inclusiva se prestar é contida pelos grilhões da natureza humana sob a forma de dominação, e assim:
a exterioridade, ou seja, se ‘estes novos alunos’ envergarem a escola com
suas diferenças, e a modificarem. E ao mesmo tempo, teremos uma educação ... quando a utopia baconiana de ‘imperar na prática sobre a natureza’ se
inclusiva quando tais crianças e jovens puderem passear a céu aberto com toda realizou numa escala telúrica, tornou-se manifesta a essência da coação
a exuberância de suas diferenças. (p, 310) que ele atribuía à natureza não dominada. Era a própria dominação. É à sua
dissolução que pode proceder o saber em que Bacon vê a ‘superioridade dos
As diferenças a serem produzidas pelos já diferentes devem se contrapor à homens’. Mas, em face dessa possibilidade, o esclarecimento se converte, a
serviço do presente, na total mistificação das massas. (HORKHEIMER; ADORNO,
normalização. Nessa citação, contudo, essas diferenças não são negadas nem a
1986, p. 52)
princípio, nem a posteriori, e assim a relação entre natureza e cultura parece se
11 Há diversas propostas e entendimentos do que seja educação inclusiva; não é, contudo, objetivo deste texto apresentá-los.

82 83
Mesmo com condições objetivas suficientes, a libertação dos homens ainda se La experiencia, la continuidad de la conciencia en que perdura lo no presente y
encontra subjugada ao desejo de dominação, cuja superação implica liberdade. Frente en que el ejercicio y la asociación fundan una tradición en el individuo singular
del caso, queda sustituida por un estado informativo puntual, deslavazado,
a essa possibilidade, nas palavras dos autores, o esclarecimento se torna regressivo intercambiable y efímero, al que hay que anotar que quedará borrado en el
como mistificação das massas. Nessa mistificação, a liberdade que seria possível é próximo instante por otras informaciones; ... (ADORNO, 1971, p. 260)
delimitada pela existente, que ainda é dependente das formas de produção, quando
Assim, não só em relação aos indivíduos com deficiência, a diferenciação
não mais precisaria ser. Um dos elementos dessa liberdade seria a autodeterminação,
individual tem sido obstada pela tendência regressiva do progresso, que torna a
a diferenciação segundo os próprios interesses substanciais conjugados com o
formação aquém do que poderia ser, posto que ela tende a ocorrer externamente
reconhecimento de outra autoconsciência. A diferenciação individual preservaria a
ao indivíduo, sem uma relação imanente com os conteúdos que são apreendidos. Se
diferenciação de nossa espécie tornando-a distinta da vida puramente natural, para a
as normas da modernidade se associam ao trabalho e à técnica, os indivíduos com
qual a regra é a reprodução; o indivíduo, isto é a diferenciação, seria um resultado e
deficiência são diferentes também devido a elas, e têm, em geral, dificuldades de ser
não existente a priori:
tão eficientes como os que não a têm. Mas na sociedade de abundância de produção,
É inverossímil que no princípio tenha surgido, primeiro, arquetipicamente, real ou potencial, em que vivemos, há que se perguntar se a vida ainda precisa ser
um homem individual qualquer. A crença nisso projeta miticamente para o
passado, ou para o mundo eterno das ideias, o ‘principium individuationis’
centrada no trabalho voltado à produção, e se o valor dos homens deve ainda ser
já plenamente constituído na história. A espécie talvez se tenha individuado aferido pela sua capacidade de ser eficiente.
por mutação para, logo, através de individuação, reproduzir-se em indivíduos,
apoiando-se no biologicamente singular.
Como dito no texto anterior, com o avanço da tecnologia e da ciência, há
(ADORNO, 1995, p. 200)
muito a miséria poderia ser eliminada da face da Terra, se não o é, isso se deve a
Pela mediação social o indivíduo se constitui, e ele se define como diferenciação motivos políticos e não propriamente econômicos12 (ver HORKHEIMER; ADORNO, 1985,
dos demais; assim, as regras, as normas, os princípios são fundamentais, e a objetividade e MARINI, 1997). Os economistas constatam, já há algum tempo, que o desemprego
do indivíduo é sua subjetividade. Quanto mais sujeito for, mais objetivo e capaz de que temos é estrutural e que, assim, a lei da compensação, descrita também por Marx
exterioridade será. Claro, se a normalização se refere às necessidades sociais, e (1978), pela qual se a tecnologia suprimia alguns empregos num setor gerava outros
se esta sociedade tem o trabalho como base, real ou ideológica, as normas devem em novos setores, quase não vige mais. Com a automação cada vez mais desenvolvida,
também se referir às questões das relações de produção. Não se pode esquecer que a necessidade do trabalho diminui (ver MARCUSE, 1981). Se for assim, o que significa
em uma sociedade de classes a formação é distinta para os proprietários dos meios de a escola propor, entre os seus objetivos, a preparação para o trabalho? Significa a
produção e para os trabalhadores, ainda que, com a homogeneização sociopsicológica, possibilidade de que com a escolarização os indivíduos tenham mais chances de
todos tendem a ter uma formação semelhante e, mais do que isso, com a redução da encontrar um trabalho, numa competição acirrada. A pesquisa de Lessa et al. (1997)
cultura à civilização, esta tende a ser técnica e instrumental (ver ADORNO, 1971). mostra, no entanto, que nos anos 1990 o deslocamento da mão-de-obra empregável
Tal formação instrumenta os indivíduos, não os forma. Nesse sentido, a educação da indústria para o setor de serviços13 foi acompanhado da escolha, por parte dos
predominantemente técnica não forma, mas adestra, não permitindo a diferenciação empregadores, de pessoas com maior escolaridade para cargos em que conhecimentos
individual. Assim, o avanço objetivo não tem possibilitado a diferenciação individual,
básicos seriam suficientes.
mas a sua regressão; ao invés do avanço técnico garantir a base da sustentação
individual e permitir ao indivíduo se diferenciar por suas experiências, a técnica se A escola, para desenvolver habilidades e competências, como hoje é
torna o modelo da não diferenciação. Na análise de Benjamin (1989), o modelo de fortemente defendido, encontra-se algo ultrapassada se consideradas as necessidades
produção em série, no qual cada movimento não se associa ao anterior, é independente sociais. Quando essas habilidades e competências não se referem ao convívio social
dele, expressa a experiência restrita dos homens a partir do século XIX nas cidades
e à incorporação da cultura, pela qual a subjetividade se constitui, conforme foi
mais desenvolvidas. Pela ação técnica que finda em seu resultado, deixa de haver
continuidade entre as ações do homem. Isso ocorre também devido o predomínio das 12 Se a sociedade analisada por Marx (1978), constituída por classes sociais, tinha na economia um forte alicerce na sua
estrutura, isso indicava a passagem de uma sociedade de carência de produção para outra de produção abundante. Como a atual
informações sobre a formação, que são destacadas dessa, impedindo a continuidade, sociedade resolveu economicamente essa questão, resta o problema político: o usufruto dos bens por todos; se os motivos econômicos
continuam preponderantes em nossos dias, os são em função da dominação política.
a experiência, o tempo: 13 Área que também está sendo automatizada, podendo prescindir de empregos.

84 85
assinalado, mas ao preparo para o trabalho, devemos considerar que esse último já Há aproximadamente meio século Adorno (1995) enfatizou que a educação só
não é imprescindível, mesmo sob a forma de emprego, para a produção dos bens faz sentido se for para a auto-reflexão, para o combate à barbárie. Se a escola não
necessários para todos, como o era em outros tempos. Se a quantidade de trabalho se modificou substancialmente no intento de cumprir esses objetivos, implica que
necessário para a produção diminuiu e se a exigência para o trabalho é objetivamente continua a reproduzir, sem ter consciência disso, o que socialmente produz a violência:
menor, volta a pergunta: que significa educar para o trabalho? Este é um objetivo a necessidade da sobrevivência aliada à competição. Isto é, a escola contemporânea
anacrônico, e se ele se mantém é como crença, como ilusão. Poderíamos já, tendo tem uma limitada contribuição para formação de indivíduos que transcenda a luta pela
em vista as condições objetivas, ter uma educação que se volte para a vida. Algo existência, ao mesmo tempo em que incrementa os impulsos necessários à competição
disso está presente nas proposições dos parâmetros curriculares, como o combate à e, portanto, à dominação. O objetivo da escola de formar para a eficiência, ainda que
discriminação, por exemplo, mas não parece suficiente. importante, reproduz uma diferenciação, tida como natural, mas que é socialmente
gerada: a hierarquia dos mais e menos aptos; o indivíduo com deficiência está na base
Assim, a luta pela modificação dos objetivos escolares e, portanto, da escola não dessa hierarquia. A escola para a qual queremos atribuir o objetivo da inclusão já se
se restringe às crianças que têm dificuldades em aprender, como às que têm deficiência mostrava problemática antes desse movimento social; mais do que isso, como visto,
ela se tornou anacrônica, tendo em vista as mudanças sociais que tornam prescindível
intelectual, por exemplo. Vale para todos os indivíduos. Se a questão da deficiência
boa parte do trabalho (alienado) humano.
é contraditória à eficiência necessária para o trabalho, e se esse já não encontra
sustentação objetiva para continuar a ser exigido de todos nós como outrora, isso Antes de passarmos para a próxima parte deste texto, sublinhamos a título de
não significa que a escola não deva mais existir; ela é uma das principais instituições síntese que:
responsáveis pela transmissão da cultura e, como dito antes, sem a incorporação da
1 - a contraposição entre as tendências para a normalização e para a diferenciação
cultura o indivíduo não tem como se diferençar; assim ela deveria alterar os seus
individual é falsa, posto que a normalização, se essa é entendida como
objetivos e, em consequência, seus métodos.
a aquisição e o desenvolvimento dos universais humanos, tais como a
linguagem e o pensamento, deve servir de meio para a diferenciação,
Os indivíduos com deficiência intelectual são diferençados pela discriminação,
sem a qual ela não é possível. Isto também diz respeito aos indivíduos
que os coloca em um lugar desprezado socialmente. Mas não é dessa diferenciação
com deficiência, posto que sem a cultura não se diferenciam para além da
que tratamos até aqui, mas daquela que permite aos indivíduos se desenvolverem e se
deficiência, que é significada culturalmente; e
diferenciarem uns dos outros para além de suas condições materiais, corpóreas etc.
2 - a inclusão social deve ser pensada segundo novas formas de convivência que
Isto é, uma diferenciação que vá além da discriminação por categorias. Ela pode ser
não somente as requeridas pelo mundo do trabalho, tendo em vista que o
pensada superando-se a dicotomia expressa no início deste texto entre normalização e
avanço social já permite que seja dedicado um mínimo de esforço de todos
diferenciação, posto que implica a incorporação também das normas culturais para que
para a reprodução de bens necessários para a sobrevivência da humanidade.
ocorra. Quanto mais diversificada uma cultura, mais instrumentos existem para que os Trata-se de uma luta política que, considerando o desenvolvimento
indivíduos possam se valer para expressar os seus desejos, as suas preocupações e econômico, já pode reivindicar direitos iguais para todos.
medos, e essa expressão é parte da possibilidade da diferenciação. Assim, o patrimônio
da cultura deve estar disponível a todos para que seja apropriado, ainda que isso não 2. “Os dois mundos de Charly”
implique métodos iguais para todos. Claro que se a escola mudasse seus objetivos, no
sentido indicado, a necessidade da avaliação deveria ser repensada. Já são visíveis, O filme “Os dois mundos de Charly” foi realizado em 1968 por Ralph Nelson, e
na atualidade, algumas propostas escolares que se contrapõem ao modelo tradicional, traz a discussão da normalização da deficiência intelectual ou da resignação a ela14.
mas para que se disseminem é necessário combater os limites da sociedade atual, Charly tem deficiência intelectual e após se submeter a uma neurocirurgia passa a
ainda calcada na relação capital-trabalho e em suas ilusões. ter uma inteligência acima da média, sendo que, antes dele, alguns ratos também
14 Deve-se sublinhar que nesse filme, datado da década de 1960, de movimentos sociais expressivos que lutavam por
modificações sociais e culturais, a discussão sobre a diversidade em relação às pessoas com deficiência ainda não se
apresentava com a força de hoje.

86 87
se submeteram a essa cirurgia com bons resultados. Com o tempo – a fase cinco seguinte. O tempo é de superação do tempo e da impossibilidade dessa. O tempo que
após a operação -, o rato Algernon morre, indicando a todos que o êxito da cirurgia leva da não diferenciação para a diferenciação e dessa para a não diferenciação. Não
era temporário e que, portanto, Charly voltaria a ser como antes, o que acabou é o tempo que aperfeiçoa os homens e as coisas, como propõe Joubert, citado por
acontecendo. Benjamin (1989), nem o tempo da recordação, como busca Proust. O passado – Charly
com deficiência intelectual – é negado e só aparece como desespero, quando Charly
Ao longo do filme são mostradas as atividades de Charly na padaria onde procura reagir a ele, buscando, pela ciência, não retornar a ter deficiência.
trabalhava, limpando o chão; as aulas no curso noturno que frequentava para melhorar
sua alfabetização; o quarto que alugava; a balança na qual se divertia; e suas relações Ora, a luta de Charly para não se tornar o que era é compreensível para nós.
– antes e após a cirurgia – com a professora, com os seus colegas de trabalho e com a Implica, no entanto, algo de universal: a negação da fragilidade de nossa infância
locadora de seu quarto. Esse é um resumo do filme que certamente não lhe faz justiça, individual e coletiva, que é correlata ao desejo de regressão à natureza que, segundo
mas penso que suficiente para a análise que se segue. Horkheimer e Adorno (1985), gera a crueldade: “Extirpar inteiramente a odiosa,
irresistível tentação de recair na natureza, eis aí a crueldade que nasce na civilização
Analisar um filme envolve necessariamente a intelecção do que o diretor quis
malograda, a barbárie, o outro lado da cultura” (p. 106). Se o regresso ao passado
apresentar, além da interpretação daquilo que é mostrado como conteúdo manifesto. O
significa fragilidade a ser negada, o tempo deve ser negado. O tempo do que é
conteúdo e a sua forma de transmissão são inseparáveis. Essa intelecção envolve não só
significativo para nós deve ceder lugar ao tempo dos relógios. Para os que se movem
a separação do espectador do filme, mas também o envolvimento com os personagens
sob a égide dos ponteiros do relógio, a lentidão dos que têm deficiência intelectual gera
e com a trama. O duplo movimento se dá com a multiplicidade possível apresentada na
irritação, pois, assim como negam o passado, desaprenderam a se voltar ao amanhã, a
sensibilidade que o diretor transmite para a sensibilidade do espectador. Um filme não
um projeto, uma vez que a rapidez é resposta desesperada a poder morrer no segundo
retrata diretamente a realidade, mas a visão da realidade do diretor, que apresenta
seguinte; é o medo de não ter tempo para concluir a tarefa. Na luta de Charly para
um mosaico. Segundo Benjamin (1989), o filme é adequado à sensibilidade moderna
negar o passado, esse é igualado à morte. Segundo a frase de Bernard Shaw, citada no
habituada a choques contínuos sem relação entre si, à vivência, mas é tarefa do
filme, a transformação dada pelo conhecimento gera a sensação de algo que perdemos,
esclarecimento, por meio do pensamento e da linguagem, relacionar o que se encontra
mas que o filme mostra que não perdemos.
separado. No caso do filme em questão, a relação entre os diversos momentos diz
respeito também à construção do tempo no tempo da obra. Tempo da transformação de
Charly, daquilo que era – alguém com deficiência intelectual – para aquilo que passou a A impaciência que temos com a lentidão dos que têm deficiência revela a
ser, por meio de uma operação – alguém dotado de inteligência acima da média. Tempo repulsa do domínio do tempo dos objetos sobre nós. Marx (1978) indica que com o
que ele e Algernon – o rato cobaia que se submeteu à operação antes de Charly e que desenvolvimento da maquinaria o homem se torna apêndice da máquina; deve, assim,
também aumentou a sua inteligência – gastam para descobrir o caminho no labirinto15·; obedecer ao seu ritmo. Mas, com a construção do tempo dos relógios, destruímos o
tempo que Charly levou para aprender o conteúdo escolar; tempo que ele levou tempo dos objetos e não mais convivemos com eles. Segundo Benjamin (1989), os
para operar a máquina de fazer pães16; tempo defasado em que Charly amadureceu objetos na modernidade tendem a perder a sua aura, já não suscitam mais o nosso
cognitivamente em comparação com o tempo de seu desenvolvimento afetivo17; tempo olhar que, assim como as palavras, quanto mais permite proximidade, mais longe nos
que Charly levou para buscar a solução de seu problema18. São tempos de comparação, leva. O olhar para o indivíduo que têm deficiência intelectual – para a sua lerdeza de
tempos de separação, tempos de descoberta, tempos de reconhecimento, perenidade movimento –, o olhar do indivíduo com deficiência para os seus objetos pedem pela
e aflição presentes nas visões distintas do amanhã da professora e de Charly. Charly proximidade que nos leva longe, sem precisar voar.
prevê as bodas de ouro, no casamento com a professora; essa prevê o café da manhã
15 Charly competia com Algernon quanto ao tempo que necessitariam para chegar ao fim de um labirinto. O labirinto de
Charly sem deficiência perde os amigos que nunca teve19: “É igual a lei da
Algernon era percorrido com o corpo, e o labirinto desenhado para Charly, pela mão.
16 Após a cirurgia, um colega o desafiou a operar a sua máquina, algo que levou tempo para aprender, e Charly, de imediato,
gravidade, diz ele, mais inteligência significa a perda de amigos”. Charly está sozinho,
consegue operá-la.
17 O afetivo nesse caso se refere especialmente aos seus desejos sexuais. 19 Após operar a máquina de fazer pães, algo que seria supostamente impossível para Charly, seus colegas pedem para que ele
18 Ao saber que voltaria a ser como antes, Charly tenta encontrar uma saída para que isso não ocorra. seja demitido.

88 89
nós estamos sozinhos. Esse, contudo, é o resultado do movimento do progresso da A comparação apresentada entre a inteligência do rato e a do homem, se
civilização. Horkheimer e Adorno (1985) nos lembram: “... a socialização universal, centrada na inteligência, na compreensão do problema, é insustentável, dado o
esboçada na história de Ulisses, o navegante do mundo, e na de Robinson, o fabricante instrumental e o objetivo que cada um deles – Algernon e Charly – tem. Algernon,
solitário, já implica desde a origem a solidão absoluta, que se torna manifesta ao fim principalmente, pelo olfato, sem ter a ‘visão’ do todo (o labirinto), busca aquilo de
da era burguesa. Socialização radical significa alienação radical.” (p. 66) que foi privado – o alimento. Charly, utilizando a visão como instrumento de uma mente
que ‘vê’ com dificuldades, busca a possibilidade daquilo que não é: ser inteligente, ver
O desenvolvimento da inteligência, possível com a socialização radical, nos põe o mundo. Essa comparação, de outro lado, faz sentido, se lembrarmos de que o homem
a distância daqueles que superamos. Assim, como queremos negar o passado como algo da civilização industrial ‘perdeu’ o olfato com a predominância da visão. O cheiro nos
já superado, aqueles que superamos por nossa inteligência se separam de nós. Charly, aproxima ou nos distancia de imediato do objeto, o qual, por sua vez, para continuar
ao se tornar mais inteligente do que seus colegas de trabalho é abandonado por eles. a ser visto, pede pela distância. Mais um elemento da solidão radical. Não que a
Por ter deficiência intelectual não pertencia propriamente ao grupo de colegas (era visão não seja importante, mas seu desenvolvimento não deveria nos mutilar outros
humilhado por esses); já como inteligente não pode mais pertencer (os colegas se sentidos. No labirinto exibido no filme, e também representado pela saída cirúrgica,
sentem humilhados por ele). Somente a inteligência medíocre, isto é, a que está no não se procura a saída, mas o seu fim: para Algernon, o rato, a morte, para Charly, o
limite das tarefas cotidianas não é alvo nem de desprezo e nem de medo. A amizade retorno, o sempre igual20; será a morte?
para Charly não é possível com a sua deficiência e nem como alguém que se destaca
pela inteligência. O solitário não quer solidão, como ocorre com a personagem de Charly, antes da operação, queria ser mais esperto, tinha a percepção de
Proust na busca do tempo perdido, que para escrever sobre a vida mundana afasta- que era diferente, pois não percebia o que os outros diziam, faltava- lhe algo para
se dela. No caso de Charly, a lembrança do passado, ao qual resiste a retornar, é compreender o que é ‘prematuramente científico’. As respostas que deu à plateia de
forte e o leva a tentar conseguir o que não tinha antes: a amizade. Das reações dos cientistas21 mostram o retorno à barbárie dado pela padronização da cultura; assim, a
colegas de Charly depreende-se que ninguém deve se diferençar para pior ou para ciência não deu conta de seus objetivos. A impotência da cultura e da ciência frente
melhor, e que ninguém deve ser diferente do que é. “A neurose resulta da perda de a Charly é a impotência frente ao homem. Esse chegou a um estágio da cultura no
contato com o universal”, expressa o universitário, ao início do filme, citando Jung. O qual a razão onipotente é irracional. A idiotização da cultura refletida nas guerras, na
universal contém as ideias de eternidade, perenidade e perfeição que se contrapõem padronização da educação pelos meios de comunicação, é fruto de sua sofisticação,
à limitação e às imperfeições das contingências mundanas. O imperfeito –todos nós alheia aos interesses de proximidade entre os homens. Ela – a cultura – não é irracional
– tem o lugar do excluído-incluído no universo perfeito, apontando para aquilo que por tentar fazer os homens melhores do que são, mas por tentar anular neles o que os
somos e não queremos ser. Dessa forma, o efêmero, o particular, não tem importância difere dos animais: a própria compreensão dos limites.
frente ao eterno; a ideia do universal tolhe qualquer particular, como se ele não fosse
Charly é considerado inferior, e na sua fala, quando despedido da padaria,
constituído de particulares. Além disso, a tentativa do conceito – representando o
a pedido dos colegas, mostra o significado dessa inferiorização: “Ninguém ri de um
universal – coincidir com o objeto obsta a percepção particular desse último, algo
cego, de um deficiente físico, mas ri daqueles que têm deficiência mental”. Quem tem
próprio do preconceito. Isso não significa que o conceito não seja importante para que
deficiência é o semelhante-diferente, consegue compreender que lhe falta algo para
possamos superar as dificuldades existentes e sobrevivermos, mas quando ele tenta
ser igual aos outros, o que o torna semelhante aos demais. É um ‘incluído-excluído’
coincidir com o objeto, não deixando restos, aniquila as possibilidades de liberdade
da cultura, é aceito para fazer determinados trabalhos, mas é ridicularizado. Quando
desse último. A palavra, o conceito, pode aprisionar ou libertar; quando não guarda
Charly mostrou, na padaria, ser mais inteligente do que os outros, continuou a ser
distinção do objeto, o aprisiona: ‘Antes, o juízo passava pela etapa de ponderação, que
diferente, pois, então, os outros é que passaram a se sentir ridicularizados. O encontro
proporcionava certa proteção ao sujeito do juízo contra uma identificação brutal com
do Charly inteligente com o Charly ridicularizado, vivido pelo garçom desastrado22,
o predicado. Na sociedade industrial avançada, ocorre uma regressão a um modo de
20 O desespero de Charly operado aparece num labirinto, no qual em cada cruzamento encontra seu outro eu.
efetuação do juízo que se pode dizer desprovido de juízo, do poder de discriminação’. 21 Com o resultado da operação, os cientistas responsáveis por ela reuniram cientistas do mundo todo, para fazer questões a
(HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 188)
22
Charly, isto é, para confirmar o êxito obtido.
Em um bar, Charly, que já sabe que retornará ao que era, vê um garçom derrubar a sua bandeja com copos; enquanto todos
riem, Charly o ajuda. Nesse ato, faz todos cessarem o riso.

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cessa o riso. Da solidariedade, movida pela identificação, e não pela compaixão, o intelectual; num caso e no outro, a sexualidade de Charly é negada. É negada também
homem pode se reconciliar com o seu outro ‘eu’, mas isso só ocorre após Charly saber pela professora, quando ele a beija e abraça à força, e a sua resposta é chamá-lo de
que voltará a ser o que era, e foge da lembrança, no labirinto, no qual em todos os ‘retardado’. É necessário que Charly viaje, namore, tome drogas, para voltar e ser
cruzamentos se reencontra. aceito como homem por ela.

O diferente-semelhante gera o ódio pelo diferente por lembrar o quão próximos O cientista sabia que o êxito da operação poderia ser temporário, mas tudo é
estamos dele, e o quanto nos esforçamos por dele nos afastar. Queremos modelar o temporário, e esse é o sentido que se extrai da frase de Einstein dita no filme e da
diferente, tal qual modelamos a massa do pão. O direito de Charly se tornar mais recusa da professora em se casar com Charly. O que é permanente é a deficiência à qual
semelhante aos outros, pela experiência científica, e o dever dos cientistas de conseguir ele está condenado. O balançar do personagem repete sempre o mesmo movimento:
isso perpassa o filme. Será que Charly tinha condições de optar pela operação? Será se move para voltar ao mesmo lugar; do voo às alturas retorna à proximidade da terra.
que o médico deveria ser responsabilizado eticamente por fazer experiências com
seres humanos, sem antes ter experimentado o suficiente com animais? O sorriso estúpido de Charly frente aos colegas ilude a impotência frente aos
zombeteiros, que lembra a impotência desses frente à obediência à Carta Magna,
A primeira questão nos coloca frente a um paradoxo. Trata da autonomia da que desconhecem, mas a qual se submetem. Contrasta com o olhar sério e triste de
razão para poder escolher, de alguém que supostamente não tem essa capacidade, Charly frente à impotência que tem: quando de posse do universal da razão, tem de se
mas compreende que com a operação, no caso, pode ser mais igual aos outros. A submeter aos limites dessa. O que Charly deseja com a operação é compreender o que
segunda questão envolve, além do aspecto ético, algo que lhe é inseparável, que os amigos dizem para ser mais amigo deles, e não para ver as coisas como são. Charly
é a epistemologia. Impossível não associar os ratos da fase cinco com a ideia de e os cientistas se enganaram. Charly perdeu seus amigos, e os cientistas perderam a
computadores de última geração. A inteligência é associada à capacidade de trabalhar razão de Charly.
com variáveis abstratas, com o pensamento formal, e é esse que é utilizado pelos
cientistas para tornarem possível a operação de Charly, e que é requisitado dele A solidão parece ser a marca do filme. Charly, a professora, a locadora. O animal
para resolver o seu problema. O percorrer o labirinto para Charly não tem sentido, doméstico preenche o espaço da comunicação impossível com o outro. Cuidamos do
assim como o culto à inteligência humana que, dissociada de seu aspecto ético, leva animal de estimação para que ele nos dê algo em troca. Mas ele precisa ser domesticado.
à regressão, à barbárie. A inteligência substituiu a força bruta, mas enquanto força Quando obtém a inteligência, Charly não é mais domesticável, não precisa mais de
bruta e não no seu sentido social, que a obrigaria a se voltar para o bem comum e cuidados, para, em troca, ter de abarcar a manifestação dos sentimentos dos outros.
à compreensão da possibilidade de pessoas diferentes conviverem. As respostas de Mas ele busca a domesticação de seus sentimentos na procura do casamento. Quer
Charly à plateia de cientistas mostram isso. O que é questionável, então, não é só o se casar com a professora-mãe- mulher, criadora e castradora; no casamento, vê a
ato do cientista, mas o que move a ciência e a sua separação da moral e do mundo. perenidade. Ele precisa, no entanto, viajar, se separar da criadora, para que ela veja
A questão é: por que tornar Charly inteligente, no sentido em que o filme denota nele outro, que não a sua criação, aceitando-o como amante, e não como marido. O
inteligência? Por que julgá-lo deficiente? Charly responde à plateia de cientistas: para casamento só é aceito pela professora quando ela tem a garantia de que ele irá acabar.
ver o mundo, e ele vê guerras, tristeza, destruição. Frente à possibilidade da ilusão, o personagem prefere ficar só. Limite de Charly,
limite dos homens.
Mas vê também o prazer, o amor. O amor que via antes da operação quase que
aparece na lembrança da mãe, que não era a mãe, e sim a mulher da instituição que 3. Considerações finais
punha a mão em sua cabeça. Não era só a ausência de inteligência que lhe negava o
A questão discutida neste texto envolve uma dialética: a dos limites. Os homens
amor, o abandono também. O despertar da sexualidade, expressado nos quadros de
têm, historicamente, superado limites e, ao mesmo tempo, buscado negá-los. Somos
Charly, levaram à dupla interpretação: o cientista defendia que o pensamento abstrato
natureza e mais do que natureza. Se desconhecermos os limites de nossa natureza,
se expunha na tela; a cientista que o desenvolvimento emocional não acompanhara o
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perdemos qualquer objetivo, toda finalidade que dela emana. Os desejos, segundo Referências Bibliográficas
a psicanálise, levam à busca de objetos que tentam satisfazê-los. Para essa busca
precisa-se da imaginação, dos símbolos, da inteligência, mas eles remetem ao corpo. ABRAMOWICS, Anete. Educação inclusiva. In: SANTOS, Gislene A.; SILVA, Divino José da
A definição de desejos ilustra que a discussão que tenta separar a cultura da natureza (Org.). Estudos sobre a ética: a construção de valores na sociedade e na educação.
é infrutífera. No seu texto, Mal-estar na civilização, Freud (1986) argumenta que o São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 299-311.
sentido da vida para os homens é sua felicidade e que o progresso, apesar de sua ADORNO, Theodor W. Teoria de la pseudocultura. In: HORKHEIMER, Max; ADORNO,
inegável importância, não tem contribuído com esse objetivo. Segundo Horkheimer e Theodor W.Sociologica. Tradução de Victor Sánchez de Zavala. Madri: Taurus ediciones,
Adorno, o progresso ainda está envolvido com a necessidade de dominação, que Freud 1971. p.233-267.
não deixou de relacionar com a onipotência infantil. O avanço da sociedade racional _____. De la relación entre sociología y psicología. In: ADORNO, Theodor W. Actualidad
trouxe consigo a regressão infantil. Os desejos não só não se desenvolvem na sua de la filosofia. Tradução de José Luís Arantegui Tamayo. Barcelona: Ediciones Paidós
possível busca de objetos, como regridem à sua expressão mais primitiva. Ibérica. 1991. p.135-204.
_____. Sobre sujeito e objeto. In: _____. Palavras e sinais. Tradução de Maria Helena
No que tange aos que têm deficiência intelectual, a cultura atual tenta lhes Ruschel. Petrópolis: Vozes, 1995. p.181-201.
proporcionar a possibilidade de sua incorporação e assim a possibilidade de expressão HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento. Tradução de
e elaboração dos seus desejos. As possibilidades da busca de objetos consoantes a esses Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
desejos, contudo, ainda são em boa parte obstadas: amizade, amor, escolarização e BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudelaire. In: _____. Charles Baudeleire:
trabalho (mesmo com os limites explicitados no início deste texto). um lírico no auge do capitalismo. Tradução de José Martins Barbosa e Hemerson Alves
Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989.
Até que ponto os que têm deficiência intelectual conseguirão ir é difícil FREUD, Sigmund. El mal estar em la cultura. In: BRAUSTEIN, Nestor, A. (Org.). A medio
dizer, ainda que as perspectivas sejam promissoras. Mas da discussão que contrapõe siglo del mal estar en la cultura de Sigmund Freud. México: Siglo Veintiuno, 1986. p.
normalização à diferenciação, podemos dizer que ambas são importantes: não dizem 13-116.
respeito unicamente aos que têm deficiência, mas a todos nós. Todos passamos LESSA, Carlos et al. Pobreza e política social: a exclusão nos anos 90. Praga: Hucitec,
pelo processo de socialização para podermos viver uma vida humana, isto é, em 1997. n.3, p.63-87. (Estudos marxistas)
civilização. A socialização, por meio de suas normas e transmissão da cultura, deveria MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de janeiro:
nos diferençar. Quanto mais incorporarmos da cultura, mais poderemos elaborar, Zahar, 1981.
expressar e buscar os objetos e objetivos importantes para nós. Essa interpretação MARINI, Ruy Mauro. Proceso y tendencias de la globalización capitalista. Praga:
também pode ser feita do filme analisado, a crítica de Charly à nossa cultura envolve Hucitec, n. 3, p. 89-107, 1997. (Estudos marxistas)
a sua padronização e tendência destrutiva. Qualquer alteração na socialização só é MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 9. ed. Tradução de Reginaldo
possível com alterações profundas na sociedade. Se essa é uma sociedade que enfatiza Sant’Anna. São Paulo: Difel, 1984. (Livro primeiro, v. 1)
a eficiência e a competição, dificilmente os menos competitivos terão um lugar que MITTLER, Peter. Educação inclusiva: contextos sociais. Tradução de Windiz Brazão
não seja o de menosprezo. Se por outro lado nos dermos conta de que a eficiência Ferreira. Porto Alegre: Artmed, 2003.
pode, em boa parte, ficar a cargo das máquinas e que a competição não é necessária
para a sobrevivência dos homens e entre os homens, poderemos ter uma sociedade
efetivamente humana, na qual nenhum de nós – incluindo os que têm deficiência –
precise sofrer a ameaça do abandono devido aos seus limites.

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5
Preconceito e desempenho nas classes escolares homogêneas23
José Leon Crochik

Nicole Crochik24

Introdução

Este texto estabelece uma reflexão sobre as classes escolares que se constituem
homogeneamente, segundo critérios de desempenho, por meio da relação entre o que
gera esses critérios e o preconceito. A tese de que tal homogeneidade das classes
contribui para o desenvolvimento da discriminação é corroborada por dados de algumas
pesquisas sobre a padronização do ensino e sua relação com o preconceito. Num primeiro
momento, discute-se a racionalidade tecnológica como uma forma de ideologia que,
entendemos, medeia o princípio do desempenho, tal como Marcuse (1981) o define,
e que fundamenta a divisão das classes escolares. Em seguida, apresentam-se alguns
estudos que demonstram a existência de relação entre aquela ideologia e o preconceito,
analisando pesquisas que trazem subsídios para refletir sobre as conseqüências do
ensino padronizado e sua relação com vários tipos de discriminação.

A ideologia da racionalidade tecnológica

Se a ideologia, no seu sentido marxiano, indica uma falsa consciência associada


a conteúdos que dificultam a percepção das contradições sociais, no século XX,
com o capitalismo monopolista, fortaleceu-se uma nova forma de doutrina, que
Marx (1984) já vislumbrava n’O Capital, sua última obra – uma ideologia que não se
destaca da realidade, uma realidade que é máscara de si própria. Com isso, perde-se a
compreensão do movimento histórico, de que a sociedade atual é derivada das formas
anteriores e que também pode ser alterada. Sem essa perspectiva histórica, só resta
aos que pensam de acordo com essa nova forma de ideologia aperfeiçoar a sociedade
existente, mas sem alterá-la em sua base.

Marcuse (1982), na década de 1960, chamou essa forma ideológica de “pensamento


unidimensional”, aquele que não possui negatividade, a potencialidade de ir além
das aparências e perceber o movimento de seu objeto – no caso, a sociedade –, e só
consegue afirmar o existente. Demonstra a presença da unidimensionalidade também
na linguagem, nas artes, nos costumes, mas principalmente mostra que, na produção
da técnica, essa ideologia está presente:
23 Artigo originalmente publicado sob o título de Preconceito e desempenho nas classes escolares homogêneas, na Revista
ECCOS, São Paulo, v.7, n.2, p. 313-331, 2006.
24 Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP.

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Em face das particularidades totalitárias dessa sociedade, a noção tradicional de bens, mas política; e por ser política, a ideologia tem uma função fundamental na
de “neutralidade” da tecnologia não mais pode ser sustentada. A tecnologia não
manutenção da atual organização social, ao obstar que se perceba que uma vida livre
pode, como tal, ser isolada do uso que lhe é dado; a sociedade tecnológica é um
sistema de dominação que já opera no conceito e na elaboração das “técnicas” já seria possível. Na década de 1940, Horkheimer e Adorno (1985) já afirmavam:
[...] (MARCUSE, 1982, p. 19).
Agora que uma parte mínima do tempo de trabalho à disposição dos donos da sociedade
é suficiente para assegurar a subsistência daqueles que ainda se fazem necessários para
Em outro texto, discutindo a obra de Weber, Marcuse (1998) escreve: o manejo das máquinas, o resto supérfluo, a massa imensa da população, é adestrado
como uma guarda suplementar do sistema, a serviço de seus planos grandiosos para o
O conceito de razão técnica talvez seja ele próprio ideologia. Não somente sua presente e o futuro. Rebaixados ao nível de simples objetos do sistema administrativo,
aplicação mas já a técnica ela mesma é dominação (sobre a natureza e sobre os que pré-forma todos os setores da vida moderna, inclusive a linguagem e a percepção,
homens), dominação metódica, científica, calculada e calculista. Determinados sua degradação reflete para eles a necessidade objetiva contra a qual se crêem
fins não são impostos apenas “posteriormente” e exteriormente à técnica – mas impotentes. Na medida em que cresce a capacidade de eliminar duradouramente toda
eles participam da própria construção do aparelho técnico: a técnica é sempre a miséria, cresce também desmesuradamente a miséria enquanto antítese da potência
um projeto sócio-histórico; nela encontra-se projetado o que uma sociedade e e da impotência. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 49).
os interesses nela dominantes pretendem fazer com o homem e com as coisas.
Uma tal “finalidade” da dominação é “material”, e nesta medida pertence à Assim, paradoxalmente, o que contribui para a liberdade também aprisiona:
própria forma da razão técnica [...] (MARCUSE, 1998, p. 132). a tecnologia. E se ela se converte em ideologia, todos os objetos perdem sua
especificidade. Mesmo a política torna-se algo próprio à administração e à competência,
Assim, essa ideologia calcada na técnica nos leva a pensar os homens e a natureza
deixando de se referir a conflitos de interesses. Se a racionalidade técnica é propícia à
de forma sistemática, metódica e calculista, o que dificulta a percepção dos objetos
dominação da natureza e à produção de bens materiais, quando se espraia pelo campo
e dos homens em suas relações sociais; segundo Horkheimer e Adorno (1985), a busca
das relações humanas e de suas instituições, entre as quais as escolas, estas passam a
tradicional pela verdade foi substituída pelo procedimento de dominação da natureza
assumir a mesma racionalidade da esfera da produção material. Nessa perspectiva, é
e dos homens; estes se tornam objetos a ser controlados de forma semelhante àquilo
possível compreender a divisão dos alunos segundo o seu desempenho, para aumentar
que produzem.
a eficiência do sistema escolar.
Essa razão instrumental, nos termos de Horkheimer (2000), tem como base a
Em suma, a ideologia da racionalidade tecnológica configura-se pela apreensão de
lógica formal de pensar, pela qual todos os objetos devem ser submetidos às mesmas
todos os objetos, independentemente de suas particularidades, segundo as categorias
operações dessa lógica. Com o seu predomínio, as diferenças devem se restringir à
da lógica formal. Os problemas políticos tornam-se, como dissemos, questões de
classificação e ordenação. Sem dúvida, com esse procedimento, houve avanço sem
administração; os problemas individuais, falhas de adaptação, enquanto as contradições
precedente das forças produtivas, que permitiu criar condições, reais e potenciais,
sociais são entendidas como falhas do pensamento daqueles que as percebem. E a arte,
para o surgimento de uma sociedade igualitária, calcada na abundância da produção.
o pensamento e as emoções só são valorizados quando servem a outro fim: eficiência
No entanto, as relações de produção do capitalismo não “explodiram”; ao contrário,
e produtividade.
passaram a ser reproduzidas com o auxílio da aparente neutralidade da técnica, da
ciência e do progresso. Cada vez que há progresso, as relações de dominação social se A avaliação dos alunos como critério para a hierarquia das classes escolares se
fortalecem. Nesse sentido, as relações de produção existentes são anacrônicas, assim dá pelo desempenho apresentado. Essa avaliação, que, por certo, incorpora critérios
como a necessidade do trabalho para o aumento de bens necessários à sobrevivência racionais, uma vez que se objetiva saber quanto os alunos aprenderam de determinados
dos homens. Ora, com toda a riqueza e conhecimento existentes, o desafio não é mais conteúdos, raramente tem a precisão que os testes psicológicos almejam ter e apresenta
o de como produzir bens materiais, mas sua distribuição. Assim, a questão da eficiência uma influência de grau desconhecido, provavelmente alto, do acaso. Mensurações
seria destinada unicamente à produção material, os homens não mais precisariam ser contínuas atenuariam esse efeito, mas, mesmo que aumentassem a sua precisão, o
formados predominantemente para esse fim, e a educação poderia voltar-se para a que estaria em questão é o aprendizado dos alunos com base em critérios externos,
vida e, mais do que isso, para uma vida digna de ser vivida. Isso implica que a questão fixados por necessidades sociais, que devem ser entendidas historicamente. Com a
de nossa época não é mais predominantemente econômica, isto é, voltada à produção crescente racionalização dos meios de produção e sua progressiva automatização, é

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provável que parte substancial do que era exigido para o desempenho no trabalho plena. A transmissão da cultura teria de permitir a expressão de necessidades individuais
hoje não seja mais necessário; esses conteúdos anacrônicos, quando se considera a distintas e compartilháveis, destacando-se o universo humano pela identificação dos
produção, mantêm seu valor como conhecimento universal, mas sua importância para a indivíduos com o que é diferente, como outra possibilidade de expressar o humano. A
reprodução da criação de bens necessários à sobrevivência diminui. A educação voltada educação para a competição, contudo, tende a igualar os indivíduos em competências
para o trabalho, que justificaria o desenvolvimento de competências dos alunos, torna- que as máquinas cada vez mais podem exercer.
se anacrônica. Marcuse (1981) constatava, já na década de 1960, que:
A discussão atual sobre a educação inclusiva, ainda que em termos liberais, defende
Um montante cada vez maior do trabalho efetivamente realizado torna-se
a convivência, em sala de aula, de alunos diferentes entre si também no que se refere
supérfluo, dispensável, sem significado... Uma progressiva redução de mão-de-
obra parece ser inevitável, e o sistema, para fazer face a essa eventualidade, ao desempenho, mas antes dessa discussão, na década de 1960, Adorno (1995) alegava:
tem de prover à criação de ocupações sem trabalho; tem de desenvolver
necessidades que transcendem a economia de mercado e que podem até ser Partilho inteiramente do ponto de vista segundo o qual a competição é um
incompatíveis com ele. (MARCUSE, 1981, p. 21). princípio no fundo contrário a uma educação humana. De resto, acredito
também que um ensino que se realiza em formas humanas de maneira alguma
ultima o fortalecimento do instinto de competição. (ADORNO, 1995, p. 161).
O que os economistas hoje chamam de “desemprego estrutural” ilustra o que essa
citação afirma: empregos que se perderam para sempre e não serão substituídos em A competição afasta os homens uns dos outros e tende a depreciar os que não
outras áreas. No Brasil, na última eleição para presidente da República, a geração apresentam competência para o que é valorizado socialmente em nosso convívio: a
de empregos foi uma das propostas mais discutidas, mas essa criação pouco se competência direta e indiretamente voltada para o controle, quer de coisas, quer
relacionava, mesmo nos discursos dos candidatos, com o crescimento produtivo; era de pessoas. Um dos fatores que contribuem para esse afastamento é o preconceito,
necessário gerar empregos, diziam os candidatos, mas sua relação com a produção definido, em geral, como uma atitude hostil – que se pode apresentar mesmo em atitudes
não estava no centro da discussão. Ora, se os empregos diminuíram, se o trabalho compensatórias –, contra grupos ou indivíduos a eles pertencentes, considerados, em
tornou-se objetivamente menos necessário para a sobrevivência dos homens, por que a geral, mais frágeis (ADORNO, 1995). Cabe lembrar que a educação para a excelência e
educação continua predominantemente voltada para o mundo do trabalho, seja como para a competição expressa a força, o que nos leva à conclusão de que a própria educação,
propedêutica às universidades, seja por meio de cursos profissionalizantes? É provável que deveria estimular o bom convívio entre os homens, contraria esse objetivo.
que o mito do progresso contínuo, como um fim em si mesmo, esteja presente e que a
ideologia da racionalidade tecnológica seja uma de suas expressões. No preconceito, atribuem-se características imaginárias ao alvo, que dependem
mais do preconceituoso do que da vítima (CROCHÍK, 1997). O estudo de Adorno e
outros (1950) mostra, por meio de pesquisas empíricas realizadas na década de 1940,
Desempenho escolar e preconceito
nos Estados Unidos, que o antissemitismo, assim como o preconceito contra diversos
Nos moldes burgueses, uma sociedade voltada à produtividade incentiva a alvos, é mediado por motivações psíquicas, o que não significa, como alertam esses
competição. Como o próprio Marx (1984) assinalou, o modo burguês de produção autores, que o preconceito seja somente um fenômeno psicológico, posto que a
também foi importante, ao permitir que se desenvolvesse uma sociedade de produção própria constituição do indivíduo é determinada socialmente. Essas características
abundante, base para a criação de uma sociedade justa; sem esse tipo de produção, imaginárias, no entanto, podem depender de como o alvo historicamente foi situado. A
uma revolução social poderia resultar num comunismo primitivo, criticado por Marx esse respeito, Horkheimer e Adorno (1985) citam como exemplo o judeu, que durante
(1978), considerando que o ápice social deveria corresponder a uma sociedade em que o período moderno foi obrigado a lidar apenas com a circulação de mercadorias e,
todos tivessem condições de viver dignamente, tendo o “reino da liberdade” realizado por esse motivo, foi-lhe imputada pelos antissemitas a marca de gostar de lidar com
a superação do “reino da necessidade”. dinheiro; uma situação delimitada historicamente é transformada pelo preconceituoso
em uma característica natural. Assim, o preconceito, em última análise, depende de
A competição, por sua vez, distancia os homens entre si, e é um valor contraditório à
quem o cultiva, nutrindo-se de uma percepção errônea de dados da realidade acerca
igualdade que tenha como essência a diferença. Uma das funções da educação é tornar-
do seu alvo.
nos diferentes uns dos outros: a socialização plena deveria corresponder à individuação
100 101
Para este trabalho, importam especificamente dois resultados obtidos na pesquisa de mais e menos aptos. Desse modo, haveria relação entre a ideologia da racionalidade
Adorno e outros (1950): 1) quem tem preconceito em relação a um alvo tende também tecnológica, subjacente àqueles critérios, e o preconceito.
a ser preconceituoso em relação aos demais; 2) os diversos tipos de personalidades
Em pesquisa recente (CROCHÍK, 2005), foram aplicadas a estudantes universitários
autoritárias descritas nessa pesquisa, consideradas por nós como preconceituosas.
duas escalas: uma para avaliar a adesão à ideologia da racionalidade tecnológica,
Esses pesquisadores aplicaram aos sujeitos várias escalas, entre as quais uma que
e outra, a manifestação do preconceito. Encontrou-se uma correlação significante
avaliava o grau de antissemitismo, e outra, o de etnocentrismo; como obtiveram alta
entre essas duas variáveis (r = 0,51; p < 0,001), o que evidencia que, de fato, há uma
correlação entre elas, concluíram que, de fato, o preconceituoso tem diversos alvos, o
tendência de que aqueles que têm uma perspectiva técnica da realidade, ou seja, que
que indica que o problema, conforme assinalado, é basicamente dependente de quem
percebem o mundo por meio de categorias formais e sistemáticas, manifestam mais
cultiva o preconceito.
preconceitos e vice-versa. Como a correlação foi de magnitude intermediária, podemos
Já os diversos perfis de personalidade autoritária descritos mostram que o preconceito dizer que nem todos que desenvolvem essa forma de pensamento são preconceituosos,
pode estar mais ou menos arraigado. O tipo menos comprometido – o “ressentido e que aqueles que se constituem como tais não necessariamente pensam segundo a
manifesto” – tomava o judeu como a explicação para os seus fracassos na vida; para razão técnica; a tendência mais freqüente, no entanto, é que as duas variáveis sejam
esse tipo, dizem Horkheimer e Adorno (1985), o esclarecimento é suficiente para que o relacionadas.
preconceito desapareça; um dos tipos mais regredidos que descrevem – o “manipulador”
Com os resultados de estudos apresentados nesta parte do trabalho, podemos
– refere-se àqueles indivíduos que dirigem os afetos para manipulação de coisas e
inferir que, além de a segregação dos alunos de diferentes desempenhos em salas
pessoas. O que lhes dá prazer é ser eficiente, isto é, controlar adequadamente, para
distintas colaborar para o surgimento de preconceitos, a própria racionalidade técnica,
os fins que lhes são determinados, aquilo que têm à sua disposição. Esse tipo parece
incorporada pelos alunos, contribui para acentuar a discriminação. Pela segregação,
coincidir com o que Adorno (1995) chamou de “assassino de gabinete”, sobre o qual
os alunos das classes consideradas melhores do ponto de vista do desempenho escolar
pouco se pode fazer para que se modifique.
podem julgar-se superiores aos das demais; pela incorporação daquele modo técnico
Esses resultados dão conta de quanto a proximidade entre o preconceituoso e sua de pensar, eles podem ser levados a compreender que essa distinção é natural, ou seja,
vítima pode contribuir para a diminuição ou eliminação do preconceito. Se o preconceito é própria da realidade, deixando de perceber a arbitrariedade e a violência desse ato.
depende do sujeito que atribui características imaginárias – que independem da
Pesquisas sobre o fracasso escolar
experiência – às suas vítimas, e se são diversos os graus de discriminação, então essa
proximidade entre ambos pode atenuar ou eliminar o preconceito, quando o indivíduo A frase “3º [Colegial] C, e ninguém acreditava na gente...” estampada na camiseta
que o desenvolve não o tem arraigado em sua personalidade. Há na literatura diversos de um estudante da Universidade de São Paulo, referente à expectativa das pessoas do
estudos sobre a “hipótese do contato” que, embora tragam resultados conflitantes, colégio em que cursara o ensino médio, exemplifica o tema a que se refere este trabalho.
indicam que o contato entre o preconceituoso e a vítima pode atenuar o preconceito
(VALA; MONTEIRO, 1996). Para nosso intento, cabe lembrar que as classes escolares Podemos inferir dos resultados da pesquisa freqüentemente citada de Rosenthal e
homogêneas dificultam o convívio entre alunos de desempenhos diferentes, dada a Jacobson (1973), que as aulas ministradas pelos professores diferem de acordo com
segregação que promovem. a expectativa docente em relação aos alunos para os quais lecionam. Essa pesquisa
foi realizada numa escola pública com alunos de baixo poder aquisitivo, do jardim
Ora, se os critérios das distinções entre as classes são socialmente arbitrários e de infância, e também com alunos de primeira a quinta série do ensino fundamental.
promovem a valorização dos mais aptos, e se os alunos das diversas classes quase Esse experimento foi realizado em classes homogêneas quanto ao desempenho
não têm contato entre si, é possível que surja o preconceito contra os alunos de pior dos estudantes, classificado como acima da média, médio e abaixo da média. Os
desempenho, ocorrendo o mesmo no sentido inverso; assim, essa separação, calcada pesquisadores aplicaram o teste de Flanagan de capacidade geral, um teste de
na lógica da racionalidade técnica, é propícia ao surgimento do preconceito, desde inteligência que, à época, era desconhecido dos professores. Depois da aplicação,
que os alunos incorporem essa racionalidade, representada pela segregação entre os informaram aos docentes que alguns de seus alunos, escolhidos aleatoriamente para
102 103
a pesquisa, seriam “potencialmente capazes de grandes progressos”. Esse teste desempenho de ambos. Em alguns colégios e em cursinhos, supõe-se que ocorra o
foi aplicado mais duas vezes em todos os alunos participantes do experimento. mesmo movimento: Os “melhores” professores são destinados às classes mais fortes,
Constatou-se, pelos resultados, que os alunos, tidos pelos professores – graças às que são muito mais estimuladas e recebem um investimento maior da instituição, pois,
informações fornecidas pelos pesquisadores – como aqueles com maior capacidade além de registrarem alta aprovação nos vestibulares, corroborarão o nome da escola
de desenvolvimento, foram os que realmente mais progrediram, independentemente como garantia de ingresso nas melhores universidades. Às classes mais fracas, por
da classe em que estudavam. O modo pelo qual os professores passaram a tratar as sua vez, são destinados professores menos motivados, que não estimulam tanto seus
crianças consideradas mais inteligentes se distinguiu não só pela quantidade de tempo alunos; investe-se menos nessas classes e a preocupação de que os alunos se saiam
a elas dedicado, mas também pela relação que os docentes mantinham com elas. Esses bem nos vestibulares é menos intensa.
pesquisadores sugerem a hipótese de que a postura do professor (o tom de voz e a
A frase citada por Patto (2000, p. 279): “[...] a maioria das crianças está condenada
expressão facial, por exemplo) transmite, de algum modo, suas expectativas aos alunos
a não aprender e investir nelas parece perda de tempo [...]”exemplifica a opinião da
que, além de terem obtido melhores resultados no teste aplicado pelos pesquisadores
professora que leciona na classe fraca. Ela demonstra o conformismo dos professores ao
ao final do experimento, também foram mais bem avaliados pelos professores do
depararem com uma classe de alunos que apresentam maior dificuldade. O fato de essa
que os demais estudantes. Essas avaliações indicavam serem eles “[...] possuidores
professora afirmar, ainda no primeiro semestre, que a maioria das crianças será reprovada
de maiores capacidades de vencer mais tarde na vida, mais felizes, mais curiosos e
denota seu pensamento de que qualquer esforço feito com e por elas será em vão.
mais interessantes [...]” (ROSENTHAL; JACOBSON, 1973, p. 202), vistos como mais
ajustados, afetuosos, com menos necessidade de aprovação social, ou seja, tornaram- Ainda a respeito do estudo de Patto (2000), o objetivo da professora que dá aulas na
se, aos olhos de seus professores, mais inteligentes e mais autônomos. Ao mesmo classe considerada fraca parece claro: fazer com que as crianças aprendam o mínimo
tempo, crianças não apontadas no experimento como possuidoras dessas características para obter notas mínimas de aprovação e, assim, aumentar a promoção de sua classe,
também evoluíram ao longo do ano, porém as avaliações atribuídas a elas não foram valorizando mais o desempenho do que o aprendizado, o que contribui para a formação
positivas como as dos demais alunos; ao contrário, as crianças que “inesperadamente” deficiente dos alunos, aprovados apesar de lerem e escreverem apenas seu nome ou
progrediram tiveram avaliação pior dos professores! Como esse desenvolvimento não algumas poucas frases. A professora ainda se refere ao fato de os alunos não precisarem
estava previsto por eles, esses alunos passaram a ter um comportamento não esperado saber mais do que o previsto no currículo escolar.
e, assim, indesejável a seus olhos.
Outro aspecto do estudo de Patto (2000), de interesse para este trabalho, é a
Portanto, a expectativa gerada nos professores influenciou sua avaliação em todas diferenciação feita pelos próprios professores quanto a alunos considerados “fortes”
as classes. As avaliações mais desfavoráveis entre todas foram atribuídas aos alunos que e “fracos”, muito mais perceptível quando alunos da classe ‘mais forte’ vêm assistir a
tiveram progresso não esperado e que estudavam na classe de mais baixo rendimento uma aula na sala dos alunos considerados mais fracos.
escolar. Mesmo aqueles considerados mais aptos, em razão de pertencerem a uma
classe tida como fraca, não receberam dos professores avaliações tão favoráveis Nessa situação, a professora trata os visitantes com maior consideração: passam
quanto as dos alunos que cursavam classes de rendimento avaliado como médio ou a ser vistos como sujeitos e não como objetos. Paradoxalmente, nesse contexto, a
alto. Por extensão, conclui-se que é pouco provável que um aluno que pertença ao professora sente sua autoridade ser posta em xeque, à medida que os estudantes da
grupo considerado mais atrasado seja visto pelos seus professores como alguém bem- sala mais adiantada demonstram saber mais que os visitados e se relacionam com a
ajustado e capaz. professora num nível diferente, como quase-educadores. Os próprios alunos da sala
‘forte’ se sentem superiores aos da sala que estão visitando, e esse sentimento fica
Segundo observou Patto (2000), na escola objeto de sua pesquisa, nenhum membro
bem evidente.
do corpo docente tinha interesse em lecionar na classe considerada fraca, à qual acaba
sendo destinada uma professora pouco valorizada por seus pares – e que também Nesse mesmo trabalho, Patto (2000) relata a dinâmica de uma classe considerada
reclamava da incumbência. Nesse processo, é patente que tanto a professora quanto forte pela escola. É curioso que, apesar de a classe ser considerada forte, a professora
seus alunos haviam sido menosprezados pela escola, o que poderia comprometer o aponta alguns alunos que conseguiram “furar a peneira”; ou seja, para ela, são
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alunos que não deveriam pertencer ao grupo. Os alunos segundo sua capacidade são “Quem é a verdadeira joaninha?” Essa história infantil nos faz pensar que os critérios
diferenciados claramente por ela: a separação se nota pela disposição dos estudantes estabelecidos para aceitar ou não uma pessoa num grupo podem ser extremamente
na sala. Os bons alunos sentam-se nas primeiras carteiras, identificando a classe irrelevantes, como nessa situação. O importante é que todos sejam aparentemente
como forte; aqueles que apresentam comportamentos não condizentes com o padrão iguais uns aos outros, ocultando o que, segundo Adorno (1991), é a essência da
estabelecido pela professora, considerados “casos perdidos” por ela, ocupam os humanidade: a diferença.
lugares mais ao fundo da sala. Isso demonstra que a hierarquia constituída pelos alunos
Esse texto e os demais expostos neste ensaio nos permitem considerar que os
considerados “fortes” e “fracos” se reproduz também dentro de uma mesma classe.
critérios utilizados para dividir os alunos em diferentes classes segundo suas aptidões
A competição e o desempenho no mundo do trabalho, tal como existe no sistema podem ser arbitrários, o que nos leva a uma outra questão: por que é necessária essa
capitalista, são reforçados pelas situações descritas neste trabalho. Cabe acrescentar divisão? Alguns dos elementos explicitados até aqui são indícios de que tal separação
que a ameaça de reprovação e a conseqüente vergonha de ser considerado mau aluno ocorre de modo que fortaleça os alunos “mais fortes”, reproduzindo, assim, o sistema
podem contribuir para o conformismo na vida adulta. O modelo a ser seguido para obter capitalista cujo lema é “A cada um de acordo com suas possibilidades”, em detrimento
êxito tanto nas atividades escolares quanto nas atividades para as quais a escola prepara do lema de uma sociedade livre (“A cada um de acordo com suas necessidades”).
Esse incentivo à competição ainda remete à idéia de sobrevivência do mais apto, tal
pode fortalecer a tese de que o sucesso depende basicamente do esforço individual;
como Darwin propôs em sua teoria; dessa forma, nós nos estaríamos comportando não
quando sobrevém o fracasso, o estudante presume que seja por conta de suas deficiências
propriamente como homens, mas como animais, desprezando a idéia de que uma das
pessoais, e não em decorrência de sua condição social e econômica prévia.
tarefas da sociedade deveria ser dar condições de sobrevivência a todos.
No texto “Histórias da exclusão – e de inclusão? – na escola pública”, de Amaral
Por último, caberia mencionar o aspecto destacado por Bueno (1997), em seu texto
(1997), são narradas algumas histórias que possuem relação com a necessidade de
“Práticas institucionais e exclusão social da pessoa deficiente”, acerca da educação
“formatação” pela qual as pessoas passam, uma idéia de que ninguém pode fugir
especial. Desde seu surgimento, esta modalidade tem de atender a dois interesses
ao padrão considerado ideal. A autora conta a lenda grega de Procusto, homem que
contraditórios: dar escolaridade às crianças com deficiência e, ao mesmo tempo, isolá-
determinava que as pessoas, para cruzarem seu caminho, precisavam caber exatamente
las das consideradas normais. De acordo com o autor, esse fenômeno ocorre tal como
num leito de certa medida, o que, é claro, raramente acontecia. Para fazê-las caber
desenvolvemos neste trabalho, uma vez que a sociedade atual visa tanto à produtividade
no leito, ele passou a esticar as pessoas pequenas e a amputar membros das pessoas
quanto à homogeneidade. A produtividade é exigida de todos os indivíduos e de todas
grandes demais, processo a que poucas sobreviveram. as instituições. Nessa perspectiva, as escolas passaram a submeter seus alunos à
Esse poder absoluto, ilustrado pela lenda, que exige que todos se adaptem a um seriação dos cursos para que, assim, fossem produtivas. Como exigência da sociedade,
que necessita de homogeneidade em todos os seus segmentos, a instituição escolar
padrão arbitrário – ao qual, além do mais, poucos se encaixam perfeitamente –, é o
exige que todos os alunos se comportem da mesma forma, não existindo espaço para
que ocorre nas escolas, em que se estabelece um padrão único para todas as crianças;
o diferente.
as que não conseguem, por qualquer motivo, preencher os requisitos determinados são
postas em classes especiais ou nas consideradas fracas. Nesse texto, esse autor fornece exemplos que evidenciam a falta de desenvolvimento
adequado de crianças em classes especiais: não se desenvolvem como o esperado,
No mesmo texto é narrada a história denominada “Uma joaninha diferente”, na
repetem diversas vezes a mesma série – o que, provavelmente, ocorreria se elas
qual uma joaninha que não tem bolinhas é rejeitada pelas outras por ser diferente
estivessem cursando as salas regulares. Notam-se claramente, nessa circunstância, os
e é expulsa do jardim onde morava. Ela, então, resolve fazer um teste: pinta de
efeitos da segregação sobre esses estudantes, privados de um ambiente social mais
vermelho um besouro todo preto e o deixa com as bolinhas, tornando-o semelhante a
rico. O autor enfatiza ainda que a maioria dos problemas das crianças consideradas
uma joaninha. Quando ele entra no jardim, as demais joaninhas o recebem com festa,
“alunos com necessidades especiais” se encontra no próprio processo pedagógico, que
não percebendo nenhuma diferença. Nesse momento, a joaninha sem bolinhas sai da
necessita de mudanças urgentes para que ocorra, de fato, a democratização da escola
folha da qual tudo observava, pega um pano e limpa a tinta do besouro. Daí pergunta:
brasileira.
106 107
Considerações finais CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. 2. ed. São Paulo: Robe, 1997.

Tendo em vista os estudos apresentados, deve-se destacar que: ______. Preconceito: relações com a ideologia e com a personalidade. Estudos de
Psicologia, Campinas, v. 22, n. 3, p. 309-319, 2005.
• Aquilo que seria diferença entre os indivíduos torna-se, pela segregação escolar,
desigualdade. A separação de alunos em classes “forte” e ”fraca” ou A, B, C, D e E, nos HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. 1. ed. São Paulo: Centauro, 2000.
diversos níveis de ensino, ocorre não com o fito de contemplar necessidades educativas
______.; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge
dos estudantes com dificuldades e problemas disciplinares, mas, sim, para separá-
Zahar, 1985.
los dos demais, alijando-os do grupo com melhor desempenho, segundo critérios que
não podem ser pensados separadamente dos objetivos de uma sociedade desigual. Ao MARCUSE, H. Eros e civilização. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.
reproduzir de forma quase imediata a desigualdade social, a escola dificulta a reflexão
sobre esse tema; ______. A ideologia da sociedade industrial. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982.

• A divisão estabelecida pode gerar competição e preconceitos entre os alunos em ______. Industrialização e capitalismo na obra de Max Weber. In: ______. Cultura e
detrimento de uma possível solidariedade; sociedade. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. v. 2., p. 113-136.

• Isso pode ocorrer tanto entre as classes quanto entre os alunos de uma mesma sala; MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: ______. Manuscritos econômicos-
filosóficos e outros textos escolhidos (Karl Marx). 2. ed. São Paulo: Abril Cultural,
• Os alunos das classes consideradas fracas acabam por julgar-se inferiores aos seus 1978. p. 7-48.
colegas e sentem-se responsáveis pelo próprio fracasso, podendo exibir, entre outras,
atitudes consideradas inadequadas, como a indisciplina. Já os que se saem melhor é ______. O capital: crítica da economia política. 9. ed. São Paulo: Difel, 1984. livro 1,
possível que desenvolvam um sentimento de superioridade e de desprezo em relação v. 1.
aos demais.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 2.
ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
Referências Bibliográficas
ROSENTHAL, R.; JACOBSON, L. F. Expectativas de professores em relação a alunos
ADORNO, T. W. De la relación entre sociología y psicología. In: ______. Actualidad de pobres. In: SCIENTIFIC AMERICAN. Ciência social num mundo em crise. 1. ed. São Paulo:
la filosofía. 1. ed. Barcelona: Paidós, 1991. p. 135-204. Edusp/Perspectiva, 1973. p. 199-204.

______. Educação após Auschwitz. In: ______. Palavras e sinais. 1. ed. Petrópolis: VALA, J.; MONTEIRO, M. B. Psicologia social. 1. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Vozes, 1995. p. 104-123.
Gulbenkian, 1996.
______. et al. The authoritarian personality. 1. ed. Nova York: Harper and Row, 1950.

AMARAL, L. A. Histórias da exclusão – e de inclusão? – na escola pública. In: CONSELHO


REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO (Org.). Educação especial em debate. 1. ed.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 23-34.

BUENO, J. G. S. Práticas institucionais e exclusão social da pessoa deficiente. In:


CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO (Org.). Educação especial em
debate. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 55-65.

108 109
6
Teoria Crítica e Educação Inclusiva25

José Leon Crochík e Nicole Crochík


À época da produção dos pioneiros da Teoria Crítica da Sociedade – Adorno,


Horkheimer, Marcuse, Benjamin – não se discutia a educação inclusiva, fenômeno que
se desenvolveu muito a partir da década de 1990, com importantes movimentos nas
décadas anteriores. Assim, não é possível extrair diretamente dessa perspectiva teórica
conceitos e princípios para se pensar a educação inclusiva. Além disso, a atenção que
deram à educação escolar não foi ampla, ainda que todos eles tenham se preocupado
com a formação do indivíduo. Theodor W. Adorno, entre eles, foi o que mais escreveu
acerca desse tema. Não obstante, é possível circunscrever algumas indicações da obra
desses autores que nos permitam pensar a educação inclusiva. Antes, no entanto, cabe
dizer algo a respeito dessa nova proposta para a educação.

Marcos importantes desse movimento foram o Congresso realizado em Jontien


sobre educação para todos em 1990 e a Declaração de Salamanca em 1994. Trata-se
de um movimento mundial que conta também com o apoio da UNESCO (ver Ainscow,
1997). A concepção de educação inclusiva engloba todos os alunos de minorias sociais
que devem estudar em conjunto com os demais em salas de aula regulares. Distingue-
se da educação integrada, segundo alguns autores (Mittler, 2003; Vivarta, 2003), devido
à ênfase dada à adaptação da escola para receber essas minorias, o que inclui desde
adequações do ambiente físico até a alteração curricular. Já a educação integrada
aceita os alunos dessas minorias, mas a escola se altera pouco para isso. Apesar de a
educação inclusiva se dirigir a todas minorias sociais até então não presentes nas classes
regulares, ela tem sido discutida, sobretudo, em relação aos alunos com deficiências
(ver Sans del Rio, S., 1996 e Muñoz, 2007).

No Brasil, a partir de meados da década passada, esse movimento se fortaleceu,


e segundo dados da Secretaria Especial da Educação (2008), a presença de alunos com
deficiência em salas de aula regulares passou de 24,7% em 2002 para 46,4% em 2006. 
Em 1998, do total de alunos com necessidades educativas especiais matriculados,
87% cursavam instituições ou classes especiais; em 2006, do total, 53,6% estavam em
25 Artigo originalmente publicado na Revista InterMeio do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, v.14, n.28, p.134-150, jul./dez., 2008.

111
instituições ou classes especiais e 46,4% em classes regulares26. Observa-se assim que alunos, o que poderia implicar que as escolas melhorassem o seu desempenho, de
pouco mais da metade desses alunos ainda estuda em instituições ou classes especiais, outro, talvez estejam cumprindo o mesmo papel criticado por Apple (2002): o de
e que o número de matrículas em classes regulares ampliou-se significativamente. incentivar o não ingresso, nas escolas que obtêm os melhores índices, dos alunos
Também é importante assinalar que parte dos potenciais alunos com deficiência não considerados, por diversos motivos, mais problemáticos. Nas escolas particulares,
está em nenhum tipo de escola. uma melhor classificação no ranking poderia significar mais alunos; nas públicas, mais
subsídios do estado. Essas avaliações escolares nacionais revelam a nova forma de
A legislação brasileira contém artigo que determina que todos os alunos devem, estado existente que, mais do que pregar o discurso liberal acerca da regulação do
preferencialmente, estudar em classes regulares. O termo ‘preferencialmente’ mercado, estabelece metas para esse mercado, para favorecer, mesmo na escola, a
permite a algumas escolas entenderem que não há obrigatoriedade em aceitar a produção em moldes industriais.
matrícula e o acompanhamento de todos os alunos que as procuram, o que representa
um entendimento que tem suscitado diversos embates na justiça. Em nosso meio, as escolas públicas se veem mais obrigadas a aceitar alunos
considerados problemáticos do que as privadas, tal como ocorre no sistema de saúde
Na Espanha, segundo Enguita, entrevistado por Zibas (1999), as escolas privadas (no qual, os planos privados tentam se abster de atender as doenças mais custosas,
são financiadas pelo estado e tentam evitar ter alunos considerados problemáticos. remetendo os doentes para o serviço público). De todo modo, as escolas que têm
Segundo ele, isso é feito de forma velada; as escolas públicas também, em geral, não mais recursos materiais podem contratar profissionais melhor qualificados e manter
querem o novo tipo de alunado, mas têm menos condições de recusá-lo. um menor número de alunos em sala de aula, o que contribuiria para um melhor
desempenho nos exames nacionais, e as que têm menos condições financeiras - no
Segundo Apple (2002), isso ocorre também na Inglaterra. Um dos motivos que Brasil, em geral, as escolas públicas – os piores indicadores.
têm levado as escolas desse país a dificultar a recepção de ‘alunos problemáticos’, de
acordo com esse autor, é o de que essas instituições não querem alunos que rebaixem No que tange à educação inclusiva, essa distinção deve se manter. Se, de um
as avaliações medidas nacionalmente, cujo resultado pode acarretar a diminuição lado, as escolas públicas regulares recebem mais matrículas de alunos com necessidades
de subsídios públicos. Dessa forma, as escolas procuram alunos que não tenham educacionais especiais do que as escolas privadas regulares, conforme mostram os
problemas de aprendizagem, já que, com exceções, se preocupam predominantemente dados citados do censo escolar brasileiro (ver INEP, 2007), de outro lado, as escolas
em desenvolver habilidades e transmitir conhecimentos, sem discuti-los; preferem particulares parecem ter mais condições para atender esses alunos.
ensinar alunos, para os quais, elas seriam, no limite, dispensáveis, já que sendo esse
Há diversos modelos de educação inclusiva. Beyer (2005) propõe uma educação
o único objetivo dessas instituições, surge a possibilidade desses alunos cumpri-lo de especial móvel, que se caracterizaria em ter professores especializados na sala de aula
outras formas. Podemos pensar que isso não acontece apenas com alunos considerados regular para os alunos de inclusão que, segundo ele, é o que ocorre na Alemanha: “O
em situação de inclusão, já que é possível observar diversas escolas que realizam paradigma que se propõe para a educação especial, diante das últimas transformações
‘vestibulinhos’ para ingresso no Ensino Fundamental, visando ensinar apenas pessoas paradigmáticas, é, assim, o de uma educação especial móvel, dinâmica, deslocada
com mais facilidade de aprender, a fim de ter uma boa porcentagem de aprovação nos dos redutos históricos da escola especial para uma presença subsidiária nas escolas
melhores vestibulares do país, e, como conseqüência, se transformarem em instituições regulares” (p. 39).
reconhecidas. O ‘darwinismo social’, que antes ocorria ao longo do processo de
escolarização, passa a selecionar os mais aptos desde o início. Pacheco (2007) descreve que na escola que dirige em Portugal – a Escola da
Ponte – há currículo individual para todos os alunos, independentemente de terem ou
No Brasil, há alguns indicadores obtidos por exames nacionais organizados pelo não deficiência, já que cada um tem seu ritmo próprio. Na Argentina, a legislação obriga
Ministério da Educação – o Sistema de Avaliação da Educação Básica, por exemplo - que exista uma relação entre as escolas especializadas e as regulares: os alunos que
além das avaliações das universidades e dos cursos de pós-graduação. Se esses exames, são matriculados em escolas especiais devem passar períodos nas classes regulares; os
de um lado, permitem uma estimativa da adequação das escolas na formação dos que são matriculados em classes regulares devem ter reforço em instituições especiais
26 Essa tendência, segundo dados dessa mesma Secretaria, inverteu-se nos últimos anos, de forma a termos mais alunos com de ensino (FERBER, 2005).
deficiência matriculados em sala de aula regular do que em classes e instituições especiais.

112 113
Neste breve esboço acerca da educação inclusiva, pode-se verificar algumas contra seus próprios interesses, identificando-se com um sistema social que não lhes
questões presentes, tais como a da convivência da educação segregada com a possibilita a liberdade. Nas palavras desses autores:
educação integrada/inclusiva, a da contraposição entre educação integrada e
Nas condições atuais, os próprios bens da fortuna convertem-se em elementos do
educação inclusiva, a da proposta de educação especial móvel, que pode significar
infortúnio. Enquanto no período passado a massa desses bens, na falta de um sujeito
a continuidade da educação segregada sob nova roupagem. A elas se deve adicionar
social, resultava na chamada superprodução, em meio às crises da economia interna,
mais uma questão: a escola, assim como outras instituições, é conservadora e para hoje ela produz, com a entronização dos grupos que detêm o poder no lugar desse
que se altere tal como pretendem os proponentes da educação inclusiva, ainda há de sujeito social, a ameaça internacional do fascismo: o progresso converte-se em
se esperar muitos anos. Além disso, em nosso meio, essa proposta de educação sequer regressão. (p. 15)
é objetivo principal das discussões educacionais, preocupadas com outras questões:
indisciplina, analfabetismo e analfabetismo funcional, baixo aprendizado. Todavia, é Tendo em vista que o progresso, no passado, gerava condições, quer para a
inegável o avanço. Para pensá-la, a teoria crítica traz mais do que discussões e análises liberdade dos homens em relação a uma vida de sacrifícios, quer para o enriquecimento
apropriadas, mas a reflexão da relação entre o movimento social e as modificações da burguesia, e que, atualmente, tende apenas a privilegiar a camada dominante,
escolares, que é fundamental. a melhoria nas condições de justiça, de liberdade, de felicidade torna-se o oposto:
quanto mais justiça, menos justiça; quanto mais liberdade, mais opressão, quanto
A escola, como toda instituição, é alterada em conformidade com as modificações
mais felicidade, mais essa é ilusória. Frente à flagrante possibilidade de liberdade, a
sociais, e é nas mudanças da sociedade que devemos, ainda que não de forma direta,
ideologia liberal não é mais capaz de ocultar a exploração social, e só regimes de força,
procurar as novas tendências educacionais que surgem. É certo que, como Adorno
como o fascismo, conseguem manter os interesses dos mais poderosos. A ideologia não
(2004b) afirma, as mudanças culturais são mais lentas do que as que ocorrem na
se sustenta mais somente como um discurso; para que os indivíduos ajam a favor da
estrutura da sociedade, e, assim, é num passado não muito longínquo que devemos
reprodução social é necessário que ela atue sobre as disposições psíquicas individuais,
buscar as raízes sociais desse fenômeno relativamente recente.
para que esses se adaptem à sociedade existente. E a indústria cultural auxilia no
De início, cabe assinalar, que a sociedade é contraditória: simultaneamente cumprimento dessa missão.
conservadora e progressista; assim, todas as mudanças acarretadas pela sua própria
Temos assim uma contradição para pensar: segundo os frankfurtianos, o sistema
transformação também são contraditórias. As contradições apresentadas nos últimos
social tende a se enrijecer, mas a luta pela educação inclusiva deveria implicar a
tempos, contudo, são peculiares, uma vez que a sociedade já tem condições objetivas
flexibilidade dos homens para o convívio com as diversas diferenças. A perseguição
– riquezas, conhecimentos e técnicas – para erradicar a miséria da face da Terra; como
isso não ocorre, devido a interesses políticos das camadas dominantes, todo avanço às minorias, as quais a educação inclusiva tenta incorporar, é recorrente, segundo
contém em si mesmo o que já seria possível e que, no entanto, continuará a ser negado: Horkheimer e Adorno (1985), posto que a sociedade se desenvolveu tendo em sua base
uma sociedade justa, igualitária e livre da opressão. Isso não chancela o pessimismo, a dominação em relação à natureza e em relação aos homens; na análise que fazem da
mas permite analisar as mudanças dentro dos limites de poder estabelecidos e indicar pretensão dos judeus liberais que esta já seria uma sociedade livre pontuam:
porque não podem ser plenamente realizáveis nesta sociedade, o que por si só fortalece Os judeus liberais, que professaram a harmonia da sociedade, acabaram tendo que sofrê-
a luta política. la em sua própria carne como a harmonia da comunidade étnica (Volksgemenschaft).
Eles achavam que era o anti-semitismo que vinha a desfigurar a ordem, quando, na
Já em meados da década de 1940, Horkheimer e Adorno (1985) argumentaram,
verdade, é a ordem que não pode viver sem a desfiguração dos homens. A perseguição
como dito antes, que as condições sociais objetivas para uma sociedade justa e
dos judeus, como a perseguição em geral, não se pode separar de semelhante ordem.
igualitária já estavam maduras, mas que alguns grupos sociais assumiram o poder de
(p. 158-159)
modo a perpetuar um sistema social anacrônico, calcado na necessidade de produção
de bens materiais, quando a possibilidade de todos termos de trabalhar um mínimo, Por outro lado, em seus debates com Becker, Adorno (1995b) defende que o
devido à riqueza e ao conhecimento acumulados, já estar dada, disso resultando o objetivo da educação deve ser o de ir contra a barbárie. Em seu ensaio Educação
fascismo, posto que só um regime autoritário pode fazer com que os indivíduos atuem após Auschwitz, Adorno (1995 a) argumenta que toda a educação deveria se voltar
114 115
a dificultar que as personalidades propícias ao nazismo pudessem continuar a surgir. Essas considerações, de acordo com a teoria crítica e com as propostas de
Nesse mesmo texto, argumenta que as condições objetivas que geram a violência não educação inclusiva, são o suficiente para se pensar que a educação voltada para
podem no momento ser alteradas, dada a independência que possuem em relação aos a homogeneidade dos alunos é contrária ao que se pretende para a formação dos
homens, por isso, caberia fortalecer o sujeito a ser autônomo, no sentido que Kant homens. A formação deve transmitir a cultura para que a natureza diferente de cada
(1992) dá a esse termo; o sujeito deveria ser formado para resistir à barbárie, inclusive indivíduo possa ser expressa e para que, na esteira de Leibniz (1979), cada mônada
à própria. A educação deveria ter com clareza fins humanos e mesmo a violência que possa representar um ponto de vista distinto do universo. Se uma consciência necessita
busca esse fim não seria irracional. Ora, quando se propõe a educação inclusiva, de outra para se fundar, para se reconhecer e ser reconhecida, cada um deve se
voltada à diversidade, o seu caráter humano se expressa, sobretudo quando se lembra reconhecer e ser reconhecido em todos (HORKHEIMER e ADORNO, 1978). Os que são
que para os homens a essência está na diferença (ADORNO, 2004a). distintos por motivos naturais e culturais deveriam poder ser identificados com uma
possível humanidade não realizada, no sentido de manter a esperança de um dia ela
Durante o nazismo diversas minorias foram perseguidas e parte delas eliminadas,
entre elas, as pessoas com deficiência (XAVIER, 2004). Adorno (1995 a) argumenta que ser possível.
a identificação com o mais frágil seria um obstáculo a esse tipo de perseguição. Junto Mas se a educação deve se voltar para o fortalecimento do sujeito contra a
com Horkheimer (HORKHEIMER e ADORNO, 1985), desenvolve a ideia de que os mais
barbárie, são necessários mais do que conteúdos, mais do que o desenvolvimento de
frágeis lembram a natureza não dominada da qual o homem procura se diferenciar,
habilidades, mais do que o desenvolvimento do pensamento formal e de uma ética
e essa lembrança atua para que o mais frágil seja mais uma vez posto sob controle.
que seja externa e só fortaleça a existente consciência moral heterônoma, bem
A relação de dominação entre os homens reflete a que existe entre os homens e a
representada pela ‘camisa de força’ que se tornou o ‘politicamente correto’. Claro,
natureza. No ideal de perfeição, de comando, de eficiência, o indivíduo ‘civilizado’
o conhecimento como esclarecimento é fundamental para combater os mitos e as
nega os limites da natureza, presentes nos homens. Dessa forma, a eliminação do mais
superstições; as habilidades e o pensamento formal, para continuar a criar as condições
fraco é mais uma vez a negação da própria fragilidade. Se no lugar dessa negação,
para uma sociedade na qual o sofrimento oriundo do trabalho alheio ao homem não seja
houvesse a identificação, o reconhecimento da violência que se faz a si mesmo e ao
mais necessário; a experiência intelectual, contudo, seria vital, segundo Adorno, no
outro poderia evitar a relação de dominação. Nesse sentido, a contraposição entre
momento em que são confrontadas as categorias criadas pelo homem para se adaptar e
as classes escolares homogêneas, formadas, sobretudo, nas escolas propedêuticas ao
o mundo ao qual esse se adapta, para que esse último não seja reduzido às primeiras.
vestibular para aumentar sua eficiência, e as que contemplem a diversidade, proposta
pela educação inclusiva, evidencia a contraposição entre a formação do ‘guerreiro’ e Dessa forma, as categorias nas quais são postas as minorias, pelas quais a educação
a formação para a convivência, para a paz. inclusiva luta para que sejam educadas em conjunto com todos, não expressam os
indivíduos que tentam representar, mas o entendimento que é necessário para que,
Para não haver a identificação entre os homens, dadas as suas diferenças, é como conhecidos, não representem nenhuma ameaça. A convivência com essas
necessário um trabalho sobre a percepção e sobre a consciência para que ocorra a minorias permitiria confrontar o conceito que se tem acerca delas com elas. Antes de
negação dessa identificação; é necessário que os indivíduos não percebam os outros um indivíduo pertencer a um grupo, ele pertence à espécie humana, e é com essa que
como indivíduos, mas como membros de ‘espécies’. Tal como afirmamos antes, isso todos deveriam se identificar.
ocorre por meio de uma ideologia que se volta mais para as necessidades psíquicas
dos indivíduos, geradas na primeira infância, do que para um conteúdo racional. Para se adaptar ao mundo, o homem o conhece e o transforma segundo as suas
Não pode haver, sobretudo, identificação com o mais frágil, dado que esse lembra a necessidades. Para isso, percebe a repetição dos fenômenos, pela projeção de suas
natureza pretensamente superada pelo indivíduo aparentemente civilizado. Como pela categorias aprioris, tais como delimitadas por Kant (1991). As repetições presentes
competição entre os homens, incentivada por nossa sociedade, são valorizados os mais nas leis servem para o controle dos objetos submetidos a essas leis, mas como
aptos, os mais fortes, esses têm de se distanciar dos mais frágeis, não podendo nesses esse filósofo enuncia, o ‘em si’ do objeto não pode ser percebido pelos homens. As
se reconhecer. Caberia à educação que se volta contra a barbárie criticar as bases categorias prepostas às minorias: menor de rua, pobre, cigano, imigrante, pessoa com
sociais que geram a competição e não mais acalentá-la. deficiência, são camadas externas que se interiorizam como uma segunda natureza,
que passa a ser considerada como a primeira. Poder ser educado contra a barbárie é
116 117
também pensar as categorias do pensamento e perceber a violência feita ao objeto sujeito; deve permitir que a objetividade humana se revele pela subjetividade: quanto
categorizado. Ora, a linguagem que insiste em apreender o objeto em categorias mais o sujeito tiver em conta as suas determinações naturais e sociais, mais ele se
fixas dificulta a percepção de que ele tem muitas outras qualidades e potencialidades torna em homem. Mas se o pensamento é reduzido a formas e a linguagem à clareza da
do que aquelas afixadas por essas categorias; alguns indivíduos podem apresentar a transmissão, nossa formação é incompleta, e a parte que resta completar fica por conta
mesma dificuldade que outras pessoas, mas por já estarem rotulados como pessoas das categorias da magia e da superstição que são fortalecidas também pela indústria
com deficiência intelectual, por exemplo, uma dificuldade que poderia ser considerada cultural. Se a diferenciação individual, a individuação, só ocorre com a interiorização
não problemática em outra pessoa passa a ser encarada como algo especialmente da cultura, essa tem de oferecer recursos para que a natureza, em certa medida
inapropriado. Observando o cotidiano escolar, podemos perceber como é difícil para um diversa em cada indivíduo, possa se expressar, e na multiplicidade de expressões, os
aluno conseguir se desenvolver para além do rótulo a ele atribuído; dessa forma, fica alunos possam se identificar entre si. Não se trata, portanto, de negar as diferenças
claro como ‘profecias auto-realizadoras’ (ROSENTHAL; JACOBSON, 1973) acontecem existentes por diversos motivos, mas poder expressá-las pela universidade da linguagem
a todo o momento, quando os alunos só conseguem mostrar o que já era esperado que permite nomear o diverso. Não a linguagem da clareza, da operacionalidade, da
deles. Não que a classificação não seja necessária e não represente em algo os objetos, técnica, mas a que expressa o que realmente os homens são e o que poderiam ser.
mas como dizem Horkheimer e Adorno (1978): numa sociedade livre, as categorias
deveriam ser aplicadas somente aos objetos e não aos homens. Dessa maneira, as Como salientado anteriormente, se o sistema de produção que sustenta os donos
classes homogêneas, como ressaltado anteriormente, são contrárias à formação do do poder, que, por sua vez, representam o capital, torna-se cada vez mais independente
homem para a sensibilidade, para a diversidade, mas, de forma similar, uma classe dos homens, podendo gradativamente substituí-los pela automação e outras técnicas
dividida em ‘minorias’ e ‘maioria’ não atende ao reconhecimento dos indivíduos. Ora, de produção mais eficientes, o trabalho pode ser cada vez mais dissociado da educação.
a inteligência é a sensibilidade que permite o discernimento; uma educação contrária Assim, o trabalho (alienado) necessário à reprodução da espécie poderia ser reduzido a
à diferenciação desenvolve um pensamento mecânico que é mais próximo da técnica um mínimo, e a educação que se volta para o trabalho pode ser considerada anacrônica.
do que o pensamento que a gera: Cabe não confundir a educação voltada à formação do trabalhador com a educação que
tem o trabalho como um método para a formação, como a proposta por Freinet e, em
Em geral este conceito (de racionalidade ou de consciência) é apreendido de um
modo excessivamente estreito, como capacidade formal de pensar. Mas esta constitui nosso meio, a desenvolvida por Paulo Freire: o conhecimento acerca da modificação da
uma limitação da inteligência, de que certamente há necessidade. Mas aquilo que natureza por meio do trabalho pode ser importante para a formação, sem que essa se
caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo volte para o mercado, em tese já inexistente na sociedade estruturada pelo capitalismo
– a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este dos oligopólios. Nesse sentido, a educação já conta com condições objetivas para se
não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas voltar não para o controle da natureza, mas também para a sua preservação.
o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de
fazer experiências. (ADORNO, 1995b; p. 151) A formação, segundo Adorno (1972), tende a se tornar do século das luzes para
a atualidade em pseudoformação, propícia ao pensamento mágico e à superstição. Até
Tendo em vista as necessidades de reprodução da atual sociedade, para que o século XIX, uma parcela da população que tinha sua existência material garantida – a
o poder estabelecido seja mantido, o pensamento lógico e matemático passou a ser elite social – podia ser formada pela cultura que desenvolvia a reflexão, a sensibilidade,
sinônimo do pensamento, o que permite reduzir o entendimento dos objetos segundo à custa de muitos que tinham de trabalhar ou que pertenciam ao exército industrial de
as categorias do sujeito, mas não refletir a si próprio, e nem pensar na diferença reserva; após isso, a educação, por necessidade da produção, mas também pelo avanço
existente entre as categorias lógicas e o objeto apreendido; a linguagem, por sua vez, democrático da sociedade, teve de se voltar a todos. A educação oferecida à maioria,
cede o seu objetivo de precisão da delimitação do objeto enunciado em favor da clareza que antes vivia à margem do sistema, é uma educação de massa, que é voltada para
da linguagem, para que todos possam entender o que está sendo transmitido. A relação quem não tem condições objetivas para bem aproveitá-la, como as crianças que têm
entre sujeito e objeto, própria ao conhecimento, que se expressa pela linguagem, não de trabalhar além de ir para a escola.
deve ser aquela que aprisione o objeto por meio da palavra que representa o sujeito,
mas a que seja adequada a expressar o sujeito como objeto e ao mesmo tempo como
118 119
Além disso, ainda segundo esse autor, a cultura que tinha uma relativa educação que possibilite a solidariedade nessas condições sociais; ainda que sempre
autonomia em relação à produção material deixou de tê-la. Antes, na sociedade liberal, deva almejá-la, posto que isso permite pensar na necessária transformação social para
a cultura transmitia conteúdos e formas propícias à crítica à sociedade existente, que ela seja possível. Assim, a educação não só deve se voltar para a transmissão
pedia pela autonomia dos homens; agora, na sociedade administrada, ela forma, e desenvolvimento de valores humanistas, como indicar as condições sociais que
predominantemente, para a adaptação. Antes, era falsa e verdadeira: verdadeira impedem esse desenvolvimento. Mas a tarefa é mais árdua ainda, se considerarmos o
pelos valores que defendia – liberdade, igualdade, justiça – falsa por julgar que que foi dito antes: a percepção e a consciência são delimitadas para que a realidade
aquela sociedade, que tinha a injustiça em sua base, poderia realizar esses valores. não possa ser percebida e pensada segundo seus próprios termos.
A ideologia atual, como conteúdo, é mentira manifesta: todos já sabem que esta
Essa dificuldade se relaciona, em nosso tempo, diretamente à educação para a
sociedade não pode realizar o que o discurso propõe; como dissemos antes, ela deve se
adaptação. Na década de 1960, em um debate entre Becker e Adorno (ADORNO, 1995c),
dirigir à delimitação da estrutura da percepção e da consciência. Claro, a cultura não
o primeiro, ao se referir à filha do presidente Kennedy, argumenta que o destaque que
é só ideologia e, no período liberal, permitia também a crítica da ideologia; a atual,
é dado com euforia é o de que ela está bem adaptada, o que levou ambos a criticarem
contudo, é tendencialmente adaptativa, e colabora com a regressão dos homens. Os
a forma predominante de educação, que tem como meta a adaptação à sociedade,
conteúdos atuais da educação não formam mais, ‘instrumentalizam’; são propícios ao
descuidando da formação de indivíduos emancipados. A adaptação é algo necessário,
desenvolvimento de capacidades e habilidades necessárias à adaptação: antes para o
mas a educação que somente a privilegia forma ‘pessoas bem ajustadas’, que tendem
trabalho, hoje ao convívio social:
a ser heterônomas, não emancipadas. Nesse mesmo debate, criticam a ideia de talento
A substituição dos fins pelos meios substitui as propriedades nos próprios homens. e de gênio, insistindo que o talento se forma, não é inato. Becker, sobretudo, defende a
‘Interiorização’ seria a palavra errada para designar isto, porque aquele mecanismo ideia de um currículo diversificado, que tenha a presença do aluno na sua constituição.
não deixa que se forme uma subjetividade firme: a instrumentalização usurpa seu Essa ideia é própria à educação inclusiva que busca atender às diferenças individuais,
lugar. Na pseudo-atividade, assim como na revolução fictícia, a tendência objetiva da
sem abandonar o currículo comum, que deveria expressar o que é importante a todos
sociedade liga-se, sem fissuras, à involução subjetiva. (ADORNO, 1995d, p. 218)
aprenderem e desenvolverem, considerando a necessária adaptação dos homens e
O que importa não é mais a interiorização da cultura que possibilitava a também a crítica ao que, como adaptação, tornou-se anacrônico.
diferenciação individual, mas ‘estar a par’, identificar o que existe, dizer: ‘é isto’,
Pacheco (2007), como citado anteriormente, argumenta que na Escola da
como se tudo não fosse produzido socialmente a partir do que a natureza nos oferece.
Ponte, os currículos são diversificados para todos, não só para os alunos que pertencem
A autonomia de parte dos indivíduos era necessária quando a sociedade ainda a minorias. Assim, a educação inclusiva não visa somente os alunos considerados com
não tinha como principal característica a administração; até então eram necessários necessidades educacionais específicas, mas a todos os estudantes. Dessa maneira, a
indivíduos capazes de produzir o que ainda não existia; na sociedade do capitalismo perspectiva de entender pessoas que possuem dificuldades de participar do cotidiano
dos oligopólios, deve-se formar indivíduos produtivos e adaptados às necessidades de escolar muda de forma; é possível que os alunos se identifiquem entre si a partir do
produção. Com o avanço desse tipo de capitalismo, há o fim progressivo do emprego – momento que percebam que nem todos se interessam pelo mesmo assunto e que nem
a expressão ‘desemprego estrutural’ não é casual -, os indivíduos devem ser mantidos todos aprendem da mesma forma. Apesar disso, não deve ser deixada de lado a questão
dentro de limites estritos para não tentarem se apossar do que nunca irão por si só acerca do porquê alguns, ou vários alunos, não se interessam por determinados temas.
conseguir, o que pode levá-los a sobreviver por meios considerados violentos. Nesse
A competição, própria à luta pela sobrevivência, ou por uma vida melhor,
sentido, é claro que a educação deve ser contrária à violência, contra a barbárie, mas
incentivada pelo capitalismo, é tão anacrônica quanto esse. Nesse momento, no qual
não deve ocultar que a violência está na estrutura desta sociedade e que se reproduz
o mercado de trabalho é restrito, a competição guarda o desespero de sucumbir aos
necessariamente nos homens.
mais fortes, e mais uma vez a fragilidade é negada. No que concerne à educação
Como cada vez menos é possível um indivíduo poder pelo seu próprio esforço inclusiva, o aluno que pertence às minorias ilustra esse desespero, já que preserva
obter sua autonomia financeira, a competição é cada vez mais acirrada e não há em seu isolamento o sofrimento que é geral: o cativeiro das mônadas que não
120 121
conseguem sair de si mesmas. Ele, que não pode competir em igualdade de condições segregação podem ser desenvolvidas. Uma delas é a marginalização dessas minorias
com os outros, deve fortalecer o fim da necessidade da competição. Os psicanalistas que podem ser toleradas desde que fiquem à parte, ou seja, elas podem fazer parte
podem alegar que a competição está presente no complexo de Édipo, portanto seria do cotidiano escolar com a condição de estarem à parte dele. Isso parece ser próprio
independente do sistema social, mas deveriam considerar que o próprio pai como à educação integrada, mas aparece, também, na proposta de educação especial
autoridade foi enfraquecido, ao mesmo tempo que a socialização ocorre cada vez mais móvel citada anteriormente (BEYER, 2005). A imposição de um educador, ou uma
diretamente por instâncias sociais mais abstratas, e assim, segundo Marcuse (1981), se pessoa próxima ao aluno considerado em situação de inclusão, para auxiliá-lo em seu
o pai tem menos a oferecer, tem menos a impor, atenuando a sua influência, que podia aprendizado, não deixa de ser também outra modalidade de discriminação. Claro, não
suscitar competição. De todo modo, se os homens puderem, desde cedo, aprender se trata de ser purista e deixar de reconhecer que, por vezes, isso seja necessário, mas
que a cooperação é mais produtiva que a competição, podem ser mais indivíduos e que se a escola precisa do recurso de outros profissionais ou pessoas, não está assumindo
menos individualistas. De outro lado, deve-se considerar que a cooperação não pode plenamente a sua função. Assim, como discutido, a educação inclusiva é uma proposta
ser pensada como um fim em si mesmo: a cooperação era imposta nas manufaturas do importante que nos ajuda a pensar na educação como um todo. A dificuldade que as
século XIX, segundo a análise de Marx (1984), e para a visão liberal, a própria competição escolas mostram em relação à inclusão apenas comprova que a noção de educação está
individual levaria à cooperação na constituição da sociedade, uma vez que supõe que pouco clara para essas instituições.
cada um agindo de acordo com seus interesses contribuiria para o desenvolvimento
Conforme desenvolvido ao longo deste texto, algumas das análises realizadas pelos
geral. Se a cooperação, contudo, pode se apresentar de formas diversas, a competição
autores da Teoria Crítica da Sociedade são propícias à atual discussão sobre a educação
nos leva a só pensarmos nos outros como objetos para satisfazer nossos objetivos e
inclusiva. O entendimento que a escola não pode ser pensada independentemente
necessidades.
da sociedade nos obriga a refletir sobre qual relação pode haver entre as propostas
Com a crítica à competição, não se pretende desconhecer que o capitalismo, de educação inclusiva e as atuais necessidades sociais a ser cumpridas pela escola,
por dividir os homens em classes sociais, incita-os a competir ou pelo lucro, na classe que podem prescindir de boa parte da formação destinada ao trabalho; a questão da
detentora dos meios de produção, ou por empregos, por aqueles que ainda podem lutar identificação com o mais frágil e, assim, com a própria fragilidade que a educação
por um emprego; assim, não é possível incentivar a cooperação na escola sem fazer pode suscitar, permitiria o enriquecimento das experiências e o desenvolvimento da
a crítica à sociedade organizada nesses moldes; a educação, segundo Adorno (1995a) inteligência calcada na sensibilidade para as diferenças e não, como ocorre agora,
deve ser essencialmente política, não devendo deixar de fazer as críticas necessárias. o desenvolvimento de uma inteligência predominantemente dirigida à adaptação,
que salienta a lógica das classes e da ordenação, isto é, o pensamento sistemático;
Se os indivíduos se formam pela interiorização da cultura, conforme salientado
a crítica aos conceitos de gênio e de talento, que não devem ser explicados como
anteriormente, a crítica à própria cultura deve ser feita, posto que somente uma
fenômenos naturais, leva-nos a pensar a cultura que diferencia e recompensa pelo
cultura bem desenvolvida possibilitaria a formação de indivíduos conscientes de
mérito; a crítica à competição, que dificulta a identificação entre os alunos, pois,
si e do mundo. Assim, ainda que isso não se apresente nas propostas da educação
ao contrário, enseja a hierarquia superior/inferior entre os colegas que competem
inclusiva, devemos pensar que a cultura atual transmitida pela educação incentiva
entre si, permite pensar nos obstáculos sociais à cooperação que seja independente
pouco a reflexão, que não se reduz a questões técnicas, e que a sua apropriação
dos interesses do capitalismo; a reflexão que fizeram acerca da indústria cultural nos
pela indústria cultural também deve ser criticada por reduzi-la a um conjunto de
possibilita, por meio da crítica, condenar a redução da cultura a bens culturais; todos
bens culturais a serem consumidos. Dessa maneira, o indivíduo não se forma, se
esses são elementos importantes para essa discussão. Talvez o mais importante a ser
conforma, posto que os conteúdos transmitidos em vez de possibilitarem experiências
dito a respeito de se pensar a educação inclusiva pelas análises desenvolvidas pela
intelectuais, fortalecem a acomodação ao que existe. A possibilidade da percepção de
teoria crítica é que ela permite um movimento social consciente dos limites de suas
transformação, transformação essa que permite ao homem ser histórico, se perde.
possibilidades nesta sociedade, sem abandonar a luta necessária por uma sociedade
Como esta sociedade não vive sem a exclusão, devemos estar atentos a que humana.
mesmo que as minorias possam freqüentar as classes regulares, outras formas de
122
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124 125
PARTE III

RELATOS DE PESQUISAS SOBRE PRECONCEITO E SOBRE


EDUCAÇÃO INCLUSIVA
7
Manifestações de Preconceito em relação
às Etnias e aos Deficientes27

José Leon Crochík

O preconceito é um fenômeno presente ao longo da nossa história, apresentando-


se nos conflitos entre grupos (Arendt, 1951/1979 e Horkheimer e Adorno, 1947/1985).
É um fenômeno social, que tem também manifestação individual. Propiciando a
cristalização de conceitos, colabora para que o indivíduo se torne avesso à experiência
(Crochík, 1997). Como gerador de conflitos, contém estereótipos que justificam uma
relação de hostilidade contra grupos que tenham aparência, costumes e/ou valores
distintos do grupo ao qual pertence o preconceituoso. Os estereótipos correspondem a
uma visão simplificada da realidade, ao “pensamento do ticket”, tal como delimitado
por Horkheimer e Adorno (1947/1985).

Uma questão sobre o preconceito é saber se esse depende ou não do alvo para o
qual se volta. Poder-se-ia pensar que os alvos suscitam a hostilidade do preconceituoso.
Mas tal assertiva não é compatível com a conceituação, que a partir do século passado,
segundo Duckitt (1992), passou a se desenvolver sobre o preconceito, considerando-o
uma percepção alterada do objeto. Nesse sentido, Adorno (1967/1997) alega que a
responsabilidade sobre a violência não deve recair sobre a vítima, mas naquele que a
descarrega sobre ela. Isso significa que a representação atribuída à vítima independe
de sua história, como veremos mais à frente, e que essa é cristalizada, tornada natural.

Para pensar essa questão, cabe salientar os estudos de Arendt (1951/1979) e de


Horkheimer e Adorno (1947/1985). Arendt contrapõe-se a duas explicações sobre o
antissemitismo, que são propícias ao preconceito em geral: a do “bode expiatório” e a
de que, por ele sempre ter existido, seja natural aos homens. Na primeira explicação,
a escolha do alvo é arbitrária, qualquer um poderia ser vítima da violência, na segunda,
haveria algo intrínseco ao objeto, de forma que só ele poderia ser vítima da violência
que recai sobre si. Assim, ou o preconceito independeria do seu objeto (teoria do
“bode expiatório”), ou seria dependente dele (teoria da “vítima perpétua”). Para
Horkheimer e Adorno (1947/1985), o preconceito pode ser considerado independente
da vítima, mas não de sua representação, que se associa à deformação da história do
objeto e a sua cristalização em elementos naturais28.
27 Artigo originalmente publicado no Boletim de Psicologia, São Paulo, v. LIII, n. 118, p. 89-108, 2004.
28 Importante enfatizar que Arendt (1974) assinala um papel mais ativo dos judeus no surgimento e desenvolvimento do
antissemitismo, de sorte que não só as representações do judeu levavam à violência, mas também as ações dos próprios
judeus. Horkheimer e Adorno (1947/1985) não deixam, por sua vez, de acentuar algumas atitudes dos judeus que poderiam
ter fortalecido o antissemitismo, mas essas atitudes seriam mais inteligíveis à luz do processo de desenvolvimento do
esclarecimento, e, de qualquer forma, seriam mais reações do que provocações originais.

129
Será que o preconceito, contudo, é diferenciado, tendo em vista diversos alvos? fenômeno se dividiria dessa maneira, enquanto que na Europa, o judeu representaria
Podem alguns indivíduos desenvolver preconceitos em relação a alguns objetos e não ambos os tipos de desejos, o que vai ao encontro da análise que Horkheimer e Adorno
desenvolvê-los em relação a outros? A pesquisa de adorno et al. (1950) revela que há (1947/1985) fizeram, ainda que esses autores também ressaltem que os judeus são
relação entre o etnocentrismo e o antissemitismo, mas que poderiam existir certos perseguidos por representarem os ideais introjetados no superego, tais como sucesso
determinantes independentes desse último em relação ao primeiro. Whitley e Bernard financeiro e desenvolvimento intelectual.
(1999) mostram que a medida desenvolvida por Altemeyer (Right-Wing Authoritarism –
As análises históricas do antissemitismo, do racismo e de outras formas de
RWA) tem sido associada com preconceito dirigido a diversos grupos; afro-americanos,
preconceito também têm dado especificidade aos alvos analisados. Horkheimer e
mulheres, lésbicas, homossexuais, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de
Adorno (1947/1985) mostram elementos históricos, na relação dos homens entre si e
AIDS, mas as correlações entre a RWA e as diversas medidas de preconceito têm sido
com a natureza, que conduziria ao antissemitismo. Já Arendt (1951/1979) dá ênfase,
distintas. Whitley e Bernard (1999) encontraram correlações que mostram que essa
na história de nossa civilização, aos aspectos sociais e políticos, mas sem considerar
variável se associa com o preconceito contra os homossexuais (-0,47), mas não contra
o movimento do Esclarecimento como determinante como o fazem os dois autores.
os afro-americanos (-0,01); já outro instrumento que utilizaram, também associado à
Interessante notar que ambas as referências indicam que o antissemitismo presente no
predisposição ao preconceito, “Orientação Social Dominante” (SDO), correlacionou-se
movimento do nacional-socialismo não é o mesmo que existia nos séculos anteriores.
tanto com o preconceito contra homossexuais (-0,54), como contra afro-americanos
Para Arendt, os judeus até meados do século dezenove financiavam empreendimentos
(-0,39). Altemeyer (1998) cita um estudo que envolve essas duas medidas associadas com estatais, o que gerava hostilidade dos segmentos sociais contrários ao Estado; quando
o preconceito – RWA e SDO – e suas correlações com o preconceito contra homossexuais, a burguesia, contudo, passou a assumir esse financiamento, os judeus começaram a
negros e mulheres. As correlações obtidas com o RWA foram respectivamente: 0,61; perder a proteção estatal sendo relegados a financiar os empreendimentos privados;
0,30 e 0,38; e as com o SDO foram: 0,42, 0,52, 0,49. Ainda que esses últimos estudos como não eram identificados a nenhuma classe social em particular e tinham alguma
não representem correlações entre os preconceitos voltados a diversos alvos, revelam organização internacional, passaram a ser visados por aqueles que contrapunham
que eles se associam de formas diversas com medidas de personalidade, o que fortalece o internacionalismo ao nacionalismo, com o intuito imperialista, que foi o caso dos
a argumentação de que, se há correlação entre os preconceitos voltados a diversos defensores do nacional-socialismo. Horkheimer e Adorno (1947/1985), por sua vez,
alvos, isso não implica que eles não possam apresentar certa independência entre si. alegam que no nazismo não havia mais o antissemitismo, mas o “pensamento do
Ou seja, a literatura tem demonstrado que o preconceito tende a se generalizar para ticket”, para o qual o antissemitismo é apenas uma das marcas político-partidárias às
diversos alvos, o que indicaria uma tendência de ser independente de seu objeto. quais se deveria aderir como um todo. Sem entrar nos argumentos que desenvolveram
Mas as correlações obtidas, ainda que quase todas sejam significantes, são, em geral, ambas as referências citadas neste parágrafo, é nítida a concordância na análise de
de magnitude intermediária, além disso, os estereótipos voltados aos diversos alvos, alguns fatores históricos que foram tornados naturais pelos preconceituosos sob a
em geral, não são os mesmos. Isso não implicaria a existência de peculiaridade nos forma de estereótipos, tais como afinidade com o comércio e com a cultura, que de
diversos tipos de preconceito? característica obtida em determinadas condições históricas passa a ser considerada
intrínseca ao judeu. Dessa maneira, a manifestação do preconceito contra um mesmo
O estudo psicanalítico de Bettelheim e Janowitz (1950) ilustra a relação entre as alvo pode ter tido motivos diversos ao longo da história, mas o mesmo não parece
necessidades psíquicas e os alvos aos quais se associam. Esses autores estudaram, em ocorrer com os estereótipos, que seriam preservados para justificar essas motivações.
veteranos de guerra estadunidenses, o preconceito contra judeus e contra negros, e
indicaram que os estereótipos sobre os negros tenderiam a corresponder aos desejos No que se refere ao racismo em relação ao negro, Bastos e Bastos (1999) distinguem
do id, ou seja, àqueles relacionados, por exemplo, com uma sexualidade exacerbada a experiência que europeus e americanos tiveram em relação à escravidão. No Brasil
ou com a preguiça; enquanto a hostilidade aos judeus seria devida aos imperativos e nos E.U. A, a escravidão marcou a divisão pela cor, ao passo que nos países europeus
do superego, que expressariam o que eles gostariam de fazer e não podem, devido a segregação ocorreu devido à colonização dos países africanos, cuja parcela de
à vigilância interna dessa instância psíquica, tal como poder enganar os outros, uma habitantes, ao final do século passado, emigrou para os países que os colonizaram.
das características que atribuem aos judeus. Segundo esses autores, nos E.U. A., esse Neste sentido, o tipo de discriminação existente em países da América e da Europa,

130 131
em relação aos negros, seria distinto, o que implicaria também em estereótipos algo de caráter étnico – negro e judeu – e dois referentes a pessoas com deficiência:
diferentes. Assim, se os estereótipos, para determinados grupos, têm certa estabilidade física e intelectual. Espera-se como hipótese, que haja relações significantes entre
no tempo, parecem variar segundo as condições históricas nas quais uma determinada as manifestações de preconceito voltadas aos alvos citados, e que elas se agrupem
cultura se desenvolve. em torno das etnias e das deficiências, permitindo a delimitação de dois tipos de
preconceito, que se são relacionados, não o são plenamente.
A forma pela qual as pessoas com deficiência foram tratadas ao longo de nossa
história também variou (ver Amaral, 1995), ora eles deveriam ser assassinados, ora
divinizados, ora integrados. Mas o preconceito dirigido às pessoas com deficiência MÉTODO
obriga a algumas outras considerações distintas das relacionadas ao preconceito
Sujeitos
étnico. Enquanto em relação a esse último, podemos, a partir do início do século
passado, falar da variabilidade de formas de entender a existência e seus problemas, A amostra utilizada nesta pesquisa foi composta de 172 estudantes do primeiro
por meio da diversidade cultural, e, assim, pensarmos formas distintas de resolver ano de cursos superiores da cidade de São Paulo, com idade variando entre 18 e 23
problemas universais, tais como: alimentação, vestuário, saúde, justiça, organização anos; 51 do sexo masculino e 121 do sexo feminino. Pertenciam ao primeiro ano dos
do trabalho etc., e enquanto essas considerações puderam servir de base ao combate seguintes cursos: Fisioterapia – 28 sujeitos; Fonoaudiologia – 10 sujeitos; Enfermagem
a esse tipo de preconceito, no caso das pessoas com deficiência, até hoje a diferença – 33 sujeitos; Nutrição – 24 sujeitos; e Administração – 77 sujeitos. Nessa amostra,
deles em relação aos não que não têm deficiência incide diretamente em termos de não há sujeitos negros, judeus, com deficiências físicas e os que tivessem deficiências
melhor ou pior adaptação. Se o preconceito voltado às etnias pode ser justificado pela intelectuais como parentes próximos, pois os dados preenchidos por esses sujeitos não
atribuição de características naturais ao que é histórico, no caso dos indivíduos com foram considerados nesta pesquisa.
deficiência, as falhas atribuídas a eles são mais facilmente consideradas naturais, o
que não significa que, necessariamente, o sejam. Material

Seguindo Horkheimer e Adorno (1947/1985), a questão da adaptação é central para a. Questionário de dados pessoais
se entender os conflitos que a humanidade tem vivido até o momento, estando presente
Com perguntas de alternativas fechadas, esse questionário teve como finalidade
também na questão do preconceito. Mas tendo em vista os conflitos étnicos ocorridos
a identificação de características dos sujeitos, tais como sexo, idade, cor da
do século passado até a presente data e o fortalecimento da vertente que defende
pele, religião, ter ou não deficiência física e proximidade de pessoas com
as diferenças culturais em contraposição ao etnocentrismo, o preconceito voltado às
deficiência intelectual.
minorias étnicas parece ter sido mais combatido do que o direcionado às pessoas com
deficiência. Basta lembrar que só no final do século passado as atenções se voltaram, b. Critério de Classificação Econômica Brasil da ABA/ANESP/ABIPEME (2000)
mais decisivamente, para as pessoas com deficiência no âmbito da educação, mediante
Elaborada por associações brasileiras de anunciantes e de pesquisa de mercado,
a defesa mundial da educação para todos (ver Ainscow, Porter e Wang, 1997). Além
essa escala é composta de duas partes: uma referente às posses do sujeito ou
disso, como o âmbito do trabalho é considerado essencial para nossa sociedade, neste
de sua família e outra, ao nível de escolaridade obtido ou pelo sujeito ou pelo
momento histórico, podemos pensar que a diferença étnica seja menos problemática
chefe de família.
do que a deficiência, quando se considera esse quesito de adaptação. Enfim, caberia
ampliar a questão enunciada anteriormente: haveria distintos tipos de preconceitos, c. Escala de Manifestação de Preconceitos
não só entre os dirigidos aos alvos étnicos, mas também entre esses e os voltados às
pessoas com deficiência? Para este estudo, foi utilizada a escala de manifestação de preconceitos (escala
P), elaborada em conjunto com Ricardo Casco. A sua estrutura é a mesma da
Considerando o que foi apresentado nesta introdução, o objetivo deste trabalho escala F, construída por Adorno et al. (1950), com itens tipo Likert, de seis
é verificar se há relação entre preconceitos dirigidos contra diversos alvos: dois deles alternativas de resposta e a respectiva pontuação: discordância total – um
132 133
ponto; discordância moderada – dois pontos; leve discordância – três pontos; Por fim cabe ressaltar também que, neste estudo, a escala F foi aplicada em conjunto
leve concordância – cinco pontos; concordância moderada – seis pontos; com a escala P, e que a correlação entre os seus escores foi igual a 0,66, significante
e concordância total – sete pontos. Como é possível notar, a escala evita o ao nível de 0,001, o que indica que há relação significante entre a tendência à adesão
ponto neutro e destaca a passagem de discordância parcial para concordância implícita ao fascismo, avaliada pela escala F, e a manifestação de preconceitos. Esse
parcial, atribuindo-lhe dois pontos. Quanto maior for a pontuação, maior, resultado é próximo dos que foram encontrados por Adorno et al. (1950) nas correlações
respectivamente, a manifestação de preconceitos. Não há itens invertidos. obtidas entre a escala F e a escala de Antissemitismo, que em média foram iguais a
A escala P foi construída visando quatro alvos distintos de preconceito, dois 0,53, e nas encontradas entre a escala F e a escala de Etnocentrismo, que obtiveram
deles relacionados a questões ditas étnicas: o judeu e o negro, e outros dois, a uma correlação média de 0,73.
deficiências: física e mental. As afirmações foram elaboradas a partir de outras
escalas, tais como a Escala de Antissemitismo e a escala de Etnocentrismo,
Procedimento
elaboradas por Adorno et al. (1950), e a literatura específica sobre os quatro
alvos examinados29. Contou, inicialmente com 48 itens. No segundo semestre de 2000 e no primeiro semestre de 2001, os instrumentos foram
A escala P foi aplicada sucessivamente a três amostras, semelhantes à aplicados em salas de aula, depois de ter havido a concordância dos professores e dos
utilizada neste estudo, com o intuito de saber o tempo médio de aplicação, alunos. Antes da aplicação, informamos aos sujeitos que se tratava de uma pesquisa
a clareza das questões, e para se obter dados estatísticos que auxiliassem a sobre diversos temas da atualidade e garantimos seu anonimato, o que também foi
pensar nas diversas afirmações que contém. Após cada aplicação, avaliamos assegurado pela não identificação do sujeito no questionário inicial sobre os dados
cada um dos itens, que foram alterados quando não atingiram os seguintes pessoais.
critérios: média entre 2,5 e 5,5 pontos; desvio padrão menor do que 1,0 ponto;
Para facilidade de exposição, utilizaremos, daqui em diante, as siglas P, N, J, DF e DM
e correlação com o escore total da escala. O índice de coerência interna na
para representar respectivamente a escala P e as subescalas Negro, Judeu, Deficiente
terceira aplicação, obtido pelo Alpha de Cronbach, foi igual a 0,90. Como a
Físico e Deficiente Mental.
escala foi aplicada em conjunto com outros instrumentos para a amostra desta
pesquisa, foi reduzida para 25 itens, para diminuir o tempo de aplicação. Foram RESULTADOS
selecionados os itens que melhor se adaptaram aos critérios já explicitados.
Os alvos negro (N), judeu (J), deficiente físico (DF) foram avaliados por seis Para apresentação e análise dos resultados, inicialmente descreveremos os dados
itens cada e o alvo deficiente mental (DM), por sete itens (os dois últimos obtidos sobre a homogeneidade que as variáveis – a manifestação do preconceito na
itens escolhidos dessa subescala obtiveram indicadores semelhantes, e assim escala P e em suas subescalas – apresentaram em relação aos grupos que compõem
resolvemos manter ambos, o que resultou em um item a mais para essa a amostra, em relação ao sexo dos sujeitos e ao seu nível socioeconômico, e depois
subescala em relação às demais). O Alpha de Cronbach obtido por essa escala, apresentaremos os que se referem ao objetivo desta pesquisa, ou seja, os dados
de 25 itens, foi igual a 0,83 para a amostra utilizada nesta pesquisa. A escala P referentes às relações entre preconceitos perante os diversos alvos examinados.
utilizada encontra-se no Anexo I.
1. Comparação do preconceito por curso, sexo e nível socioeconômico
29 Importante ressaltar, no que se refere à atual distinção entre preconceito sutil e preconceito flagrante (ver Meerten e
Pettigrew, 1999), que a construção dos itens dessa escala foi feita de forma a que o sujeito não se julgasse preconceituoso; isso foi
necessário, também, porque as formulações iniciais obtiveram escores muito baixos, ou seja, a sua formulação suscitava a resposta
Os resultados das análises de variância, que compararam os sujeitos por cursos que
“discordo plenamente” com grande frequência, o que nos obrigou a torná-lo menos direto. Claro que isso ocorre de formas distintas
para os diversos alvos. Os movimentos contra o preconceito étnico, segundo Duckitt (1992), surgiram no início do século passado, já os
pertenciam, mostraram que, esses sujeitos, se diferenciaram unicamente na subescala
movimentos contra o preconceito dirigido aos indivíduos com deficiência começam a se estruturar nas últimas décadas (ver Stainback e
Stainback, 1999). Assim, se nos dias de hoje defender a existência de escolas especiais pode ser considerado preconceituoso, sobretudo
Judeu (F=3,21; 4 e 168 graus de liberdade; e p<0,01); para os demais alvos não houve
entre os educadores, devido ao intenso debate sobre a educação inclusiva, na década de 1960, talvez não o fosse, mas nessa década
defender a existência de escolas distintas para negros e brancos já era considerado preconceituoso (ver Jones, 1973). Em decorrência
diferenças significantes. Com 4 e 168 graus de liberdade, obtivemos os seguintes
disso, talvez os itens que avaliam o preconceito racial sejam mais sutis dos que os que se referem ao preconceito contra pessoas com valores: Negro: F=0,78; Deficiente Físico: F=0,85; Deficiente Mental: F=1,26 e escala
deficiência. Num caso e no outro, procurou-se evitar o constrangimento dos sujeitos se sentirem preconceituosos, e a existência das
alternativas que variam de discordo plenamente a concordo plenamente contribui para isso, posto que um sujeito, ao assinalar uma P: F=0,92.
alternativa intermediária para qualquer item, não precisa se julgar preconceituoso, pois estaria admitindo que algumas vezes tal
afirmação pode proceder e em outras não.

134 135
Como obtivemos uma diferença significante em relação à subescala dos judeus, 2. Análise das variáveis experimentais.
prosseguimos a análise para saber onde ela se situa. Para isso, comparamos os
Apresentaremos inicialmente os resultados dos estudantes do curso de
resultados obtidos pelos estudantes de Administração com os dos alunos dos cursos
Administração de Empresas e depois os dos cursos da área de Biológicas.
da área de ciências biológicas aplicadas – Fisioterapia, Fonoaudiologia, Enfermagem
e Nutrição30 –, pela prova t de Student para amostras independentes. Com o nível de a. Curso de Administração de Empresas
significância de 0,01 e 170 graus de liberdade, houve diferença significante entre esses
dois grupos na subescala em questão (t=3,46). Comparamos, também para os valores A Tabela 1 apresenta a média e o desvio padrão da escala P e de suas
obtidos nessa subescala, os quatro grupos da área de ciências biológicas entre si, pela subescalas para os estudantes do curso de Administração de Empresas.
análise de variância, e não encontramos diferenças significantes (F=0,34, 3 e 169 graus
Tabela 1. Média e desvio padrão dos preconceitos voltados aos
de liberdade; p<0,01).
diversos alvos para o curso de Administração
Comparando-se os resultados dos sujeitos, por sexo, pela prova t de Student para
amostras independentes, ao nível de 0,01, não encontramos nenhuma diferença Alvos Média Desvio Padrão
significativa entre eles. Os resultados obtidos por meio dessa prova, com 170 graus N 2,0 1,0
de liberdade, foram os seguintes: N: t=1,49; J: t=1,15; DF: t=0,83; DM: t=1,36; e P:
J 2,5 1,0
t=0,78.
DF 3,4 1,1
Para saber se havia relação entre o nível socioeconômico dos sujeitos e os escores
obtidos na escala P e em suas subescalas, calculamos correlações de Pearson. Não DM 2,9 1,2
obtivemos, ao nível de 0,01, nenhuma correlação significante. Os resultados obtidos P 2,7 0,9
foram os seguintes; N: r=0,001; J: r= -0,14; DF: r=0,07; DM: r=0,05; e P: r=0,00.

Em síntese, das comparações efetuadas, só encontramos diferenças significantes entre Conforme os dados da Tabela 1, pode-se notar que a média obtida na escala P está
os estudantes do curso de Administração de Empresas e os de Ciências Biológicas, na entre a resposta discordância moderada (dois pontos) e pequena discordância (três
subescala do preconceito contra os judeus, não havendo nenhuma diferença entre os pontos), indicando uma baixa manifestação de preconceitos. As maiores magnitudes
sexos e nenhuma correlação significante entre o nível socioeconômico e as respostas de manifestação de preconceito, entre os alunos de Administração, ocorreram em
dos sujeitos à escala P e às suas subescalas. Assim, decidimos fazer a análise de relação às pessoas com deficiência e as menores em relação às etnias; entre as pessoas
correlações entre as manifestações do preconceito diante dos diversos alvos para dois com deficiência, a maior magnitude de manifestação de preconceito é a dirigida aos
grupos distintos: o composto por estudantes do curso de Administração (77 sujeitos) e que têm deficiência física, e entre as etnias, aos judeus. A variabilidade, indicada pelo
o formado pelos alunos dos cursos da área de Biológicas (95 sujeitos). desvio padrão, está ao redor de um ponto.

A Tabela 2 apresenta as correlações entre as subescalas da escala sobre a


manifestação de preconceitos.

30 Resolvemos unir os dados dos sujeitos desses cursos, devido ao fato de eles serem provenientes da área de ciências
biológicas, para compará-los com os sujeitos do curso de Administração de empresas, que não pertence a essa área.

136 137
Tabela 2. Correlações de Pearson entre os escores das subescalas da escala de deficiência examinados nesta pesquisa é significantemente maior do que a encontrada
manifestação de preconceitos, para o curso de Administração entre cada tipo de deficiência e os alvos de preconceito étnico; por outro lado,
nessa amostra, a correlação entre os preconceitos voltados às etnias não diferiram
P N J DF DM significantemente das correlações entre cada um desses alvos e o preconceito voltado
N 0,76 0,52 0,46 0,49 contra cada uma das deficiências em separado.

J 0,74 0,52 0,42 0,47 Para saber se as quatro subescalas se referem a um ou mais fatores; efetuamos
uma análise fatorial, com o método do principal componente. Ainda que tenhamos
DF 0,83 0,46 0,42 0,72
poucos dados – 77 sujeitos –, como são somente quatro as variáveis a serem submetidas
DM 0,86 0,49 0,47 0,72 a esse procedimento, temos aproximadamente 19 dados por variável mensurada, o que
P 0,75 0,74 0,83 0,86 é suficiente, segundo indica Hair et al. (1995). Nessa análise fatorial encontramos o
K.M.O.=0,70 e o teste de Bartlett=104,03, significante a 0,000. Obtivemos um único
fator (eingenvalue=2,55), com as seguintes cargas fatoriais: N: 0,77; J: 0,74; DF: 0,83;
Todas as correlações, constantes na Tabela 2, são significantes ao nível de 0,01.
DM: 0,85. A variação desses fatores corresponde a 64% do total. Note-se por esses
Segundo os dados dessa tabela, podemos dizer que a escala de manifestação de
dados que a subescala dos judeus é a que teve menor peso fatorial na escala P. O Alpha
preconceitos é mais relacionada com as subescalas de preconceito contra pessoas
de Cronbach encontrado para esses dados foi igual a 0,86.
com deficiência do que com subescalas de preconceito contra etnias. As subescalas
de manifestação de preconceito contra pessoas com deficiência têm alta correlação b. Cursos das Ciências Biológicas
entre si, maior do que a obtida entre subescalas relativas às etnias, que se aproxima de
A Tabela 3 apresenta a média e o desvio padrão da escala P e de suas subescalas
algumas correlações obtidas entre as manifestações do preconceito voltado às etnias
para os estudantes do curso da área de Ciências Biológicas.
e aos indivíduos com deficiência. Pela fórmula de Hotelling para verificar diferenças
entre correlações (ver Guilford e Fruchter, 1973, p. 167), com nível de significância
de 0,01, bilateral, observamos que as correlações da escala P e os alvos étnicos (PN
e PJ) 31 não são significantemente diferentes entre si (t=0,35), o mesmo ocorrendo Tabela 3. Média e desvio padrão dos preconceitos voltados aos diversos alvos
com as correlações entre a escala P e as subescalas de DM e DF (PDF e PDM; t=0,85). para os cursos das Ciências Biológicas
Já as correlações entre a escala P com cada alvo étnico diferiram das correlações
dessa escala com as subescalas DM e DF (PJ e PDM – t=2,95; PJ e PDF – t=2.06; PN e Alvos Média Desvio Padrão
PDM – t=2,63), com exceção das correlações que envolviam de um lado a escala P e a N 1,8 0,8
subescala Negros e, de outro, a escala P e a subescala DF (PN e PDF – t=1,63). J 3,0 1,0
Comparando, pela fórmula de Hotelling, as correlações obtidas entre os diversos DF 3,2 1,0
alvos de preconceito verificamos que a correlação entre os preconceitos voltados às DM 2,6 1,0
deficiências é significantemente diferente das correlações entre: deficientes físicos P 2,6 0,7
e judeus (t=3,69); deficientes físicos e negros (t=3,26); deficientes mentais e negros
(t=2,86); e deficientes mentais e judeus (t=3,02). Não foi encontrada nenhuma outra
diferença significante entre as demais correlações, que envolvem os alvos, apresentadas Pode-se notar, pelos dados da Tabela 3, que a média obtida na escala P, tal
nessa tabela. Ou seja, a correlação entre os preconceitos voltados aos dois tipos de como na amostra anterior, está entre a resposta discordância moderada e pequena
discordância, indicando uma baixa manifestação de preconceitos. A maior manifestação
31 Para facilidade de exposição, as correlações são apresentadas pelas siglas das variáveis envolvidas. Assim, por exemplo, PN
significa a correlação entre os escores da escala P e os escores da subescala Negro. de preconceito, entre os alunos de Ciências Biológicas, ocorreu em relação às pessoas

138 139
com deficiência física e a menor em relação aos negros. Diferentemente da outra houve diferença significante entre a correlação entre DM e N e a correlação entre N e
amostra, nessa, o preconceito contra os judeus é maior que o dirigido contra os J (t=2,01). Não foi encontrada nenhuma outra diferença significante entre as demais
indivíduos com deficiência intelectual. A variabilidade, indicada pelo desvio padrão, correlações entre alvos do preconceito, constantes dessa tabela. Ou seja, a correlação
está ao redor de um ponto, com exceção das obtidas pelas escalas P e N. entre os dois tipos de preconceito voltado às duas deficiências examinadas nesta
pesquisa é significantemente maior do que a encontrada entre cada tipo de deficiência
Na Tabela 4 encontram-se as correlações entre as subescalas da escala sobre a e os alvos de preconceito étnico; por outro lado, nessa amostra, a correlação entre os
manifestação de preconceitos para a amostra dos estudantes de cursos da área de preconceitos voltados ao negro e à pessoa com deficiência intelectual é maior do que o
Biológicas. existente entre os direcionados ao negro e ao judeu. Nesse caso, uma correlação entre
o preconceito dirigido a uma etnia e a uma deficiência foi maior do que a existente
Tabela 4. Correlações de Pearson entre os escores das subescalas da escala de
entre os alvos étnicos.
manifestação de preconceitos para os cursos de Biológicas
Para esses dados também calculamos uma análise fatorial, com o método do principal
P N J DF DM
componente, considerando-se unicamente os totais obtidos nas quatro subescalas. Para
N 0,70 0,28 0,44 0,48 essa análise fatorial obtivemos o K.M.O.=0,74 e o teste de Bartlett=105,91; p<0,00.
J 0,66 0,28 0,29 0,40 Como na outra amostra, encontramos um único fator (eingenvalue=2,320), com as
seguintes cargas fatoriais: N:0,72; J: 0,60; DF: 0,82; e DM: 0,88. Foi obtida com uma
DF 0,81 0,43 0,29 0,69
variação de 58% do total. Corroborando os dados da tabela 4, as subescalas referentes
DM 0,86 0,48 0,40 0,69
às etnias tiveram menor peso na manifestação do preconceito do que as subescalas
P 0,70 0,66 0,81 0,86 relacionadas com as pessoas com deficiência, e destaque-se que a comunalidade
referente aos judeus foi baixa (0,33), ou seja, poderíamos, considerando esse dado,
As correlações apresentadas na Tabela 4 são todas significantes ao nível de ter excluído essa variável do fator. O Alpha de Cronbach encontrado para esses dados
0,01. Como para a outra amostra, a escala de manifestação de preconceitos é mais foi igual a 0,80.
relacionada com as subescalas de preconceito contra as pessoas com deficiência do que
Em síntese, os dados desta pesquisa indicam que:
com as subescalas de preconceito contra as etnias, mas para os alunos dos cursos de
biológicas as correlações entre as subescalas das etnias, principalmente a dos judeus, 1. O preconceito, nas duas amostras examinadas, não é elevado, ainda que não
são razoavelmente mais baixas do que na outra amostra. As subescalas de preconceito deixe de existir;
contra as pessoas com deficiência, tal como na amostra anterior, têm alta correlação
2. O menor grau de manifestação de preconceito é voltado ao negro e o maior, à
entre si. Já a obtida entre os preconceitos voltados às etnias foi a de menor magnitude.
pessoa com deficiência física;
Com a fórmula de Hotelling, citada anteriormente, com o nível de significância
3. Há correlações significantes entre as manifestações de preconceito voltadas
de 0,01, bilateral, verificamos, tal como na outra amostra, que as correlações que
aos diversos alvos, ou seja, quem tende a ter preconceito em relação a um
envolvem a escala P e os alvos étnicos (PN e PJ) não são significantemente diferentes
dos alvos examinados tende a ter também em relação aos outros alvos e vice-
entre si (t=0,61), o mesmo ocorrendo com as correlações da escala P e as subescalas
versa;
DM e DF (PDF e PDM; t=1,56). Já as correlações entre a escala P com cada alvo étnico
diferiram das correlações dessa escala com as subescalas DM e DF (PJ e PDM – t=4,84; 4. A correlação existente entre as manifestações de preconceito dirigidas às
PJ e PDF – t=3,20; PN e PDM – t=3,81; e PN e PDF – t=2,24). pessoas com deficiência é maior do que as voltadas às etnias nas duas amostras.
Na amostra dos alunos de cursos das áreas de biológicas, a relação entre o
Quando comparamos as correlações dirigidas aos alvos verificamos que a correlação
preconceito voltado aos negros e aos que têm deficiência intelectual é maior
entre o preconceito voltado às deficiências é significantemente diferente das correlações
do que a existente entre as etnias; e
entre: DF e J (t=4,84); DF e N (t=3,44); DM e N (t=2,73); e DM e J (t=3,37). Também
140 141
5. Na amostra dos alunos do curso de Administração encontramos, por meio de conscientemente, considerá-lo como pertencente a um grupo à parte, mas quanto à
uma análise fatorial, um único fator com as quatros subescalas, fortalecendo pessoa com deficiência física, que não tem dificuldades de pensar e falar, o mesmo
o que foi descrito no item 3 dessa síntese de resultados; já na outra amostra, parece não ocorrer; assim o preconceituoso, nesse caso, mais do que nos outros,
encontramos também um único fator envolvendo as quatro variáveis, mas a ampliaria a “distância” dele e sua vítima, dificultando a identificação entre eles.
subescala dos judeus poderia não ser considerada nesse fator.
Os dados obtidos nesta pesquisa também indicam que, de fato, há relação entre
os diversos tipos de preconceito, ainda que não apresentem correlações tão elevadas
DISCUSSÃO quanto às encontradas por Adorno et al. (1950). Claro que a época e o lugar são outros,
A manifestação de preconceitos detectada pela escala P, nesta pesquisa, indica mas o conteúdo referente, sobretudo às etnias é próximo, quando são consideradas
um baixo grau de preconceito em relação aos diversos alvos avaliados. Em relação as escalas utilizadas nas duas pesquisas. Ressaltando que a correlação obtida por
aos judeus, obtivemos as médias 2,5 e 3,0 pontos, nas duas amostras, numa escala Adorno et al. (1950), entre o antissemitismo e o etnocentrismo, é alta (r=0,80), e
de 7 pontos. Adorno et al. (1950) encontraram um valor médio de 2,7 na amostra que a encontrada por nós, entre os preconceitos dirigidos ao judeu e ao negro, tem
de mulheres da Universidade da Califórnia, com sua escala de antissemitismo, que magnitude intermediária, podemos pensar se, com o tempo, a manifestação contra os
tem estrutura similar à utilizada neste estudo. Ou seja, o valor obtido foi próximo judeus e a manifestação contra os negros não estão progressivamente se diferenciando
nas duas pesquisas, apesar de terem sido realizadas em períodos e lugares distintos, entre si, talvez, como mencionado antes, devido ao visível combate que tem sofrido o
ainda que ambas tivessem amostras algo similares, ou seja, as duas eram compostas preconceito contra negros. Em outras palavras, como o preconceito, sobretudo contra
de estudantes universitários. Quanto ao preconceito dirigido aos negros, Adorno et al. o negro, em nosso meio, é bastante discutido e combatido, pode ser que os sujeitos
(1950), no emprego da subescala Negros da Escala de Etnocentrismo, encontraram a estejam mais esclarecidos em relação a esse grupo, do que em relação aos outros32.
média de 2,7 pontos, na amostra de alunos de Psicologia da Universidade da Califórnia, O mesmo não ocorreu com a relação entre as manifestações de preconceitos
que é maior do que as que encontramos nesta pesquisa (1,8 e 2,0). Essa diferença voltados às pessoas com deficiência, que foi a mais elevada em ambas as amostras
talvez seja devida ao combate do preconceito contra o negro feito ao longo do século pesquisadas neste estudo. Como dito anteriormente, o combate ao preconceito contra
passado, que pode ter atenuado a sua manifestação. O preconceito contra o judeu os indivíduos com deficiência ampliou-se consideravelmente somente no final do século
talvez não tenha sido combatido de forma tão veemente. Ao mesmo tempo, podemos passado, de sorte que ainda pode ser difícil para a maior parte das pessoas saber que
perguntar, tendo em vista esse resultado, se o preconceito contra o negro no Brasil está sendo preconceituosa e perceber quais são as reais possibilidades de suas vítimas,
não é efetivamente menor do que o existente nos Estados Unidos. Claro, temos de quanto mais diferenciá-las.
considerar também que a escala P talvez não tenha captado tão bem esse preconceito,
ou a forma pela qual se desenvolve no Brasil. Na amostra dos estudantes do curso de Administração, a manifestação de
preconceitos frente às pessoas com deficiência intelectual foi, em média, a segunda
A manifestação do preconceito contra a pessoa com deficiência física foi a mais maior, e na amostra dos alunos dos cursos de ciências biológicas, os judeus ocuparam
alta nas duas amostras pesquisadas, ainda que, em média, sua magnitude se encontre essa posição. Considerando-se que, em ambas as amostras, as correlações obtidas do
abaixo do ponto central da escala. A diferença entre o indivíduo com deficiência preconceito voltado a esses dois alvos não estavam entre os menores, pode-se pensar
física e o que não a tem não se refere a valores ou costumes distintos, nem sequer se a inteligência não é um fator que une ambos os tipos de manifestações, pois uns –
a habilidades cognitivas – tão valorizadas em nossa cultura –, mas, em geral, a um os judeus –, por vezes, são caracterizados por ela, enquanto os outros - pessoas com
déficit de locomoção e/ou de manuseio. Isso pode levar à dificuldade de identificação deficiência intelectual - quase sempre pela ausência dessa qualidade; assim o que
com alguém que traz “mínimas diferenças” em relação aos normais (essas diferenças estaria em questão seria o ódio à inteligência, que se apresentaria por manifestações
podem ser visíveis, mas não se referem à falta de capacidades de entendimento, diversas, mas coincidentes naquilo que se combate. Baseados nos estudos de Bettelheim
de expressão, ou a diferença de costumes, que podem dificultar o relacionamento e Janowitz (1950) e de Horkheimer e Adorno (1947/1985), poderíamos pensar que
interpessoal), ou seja, ao que Freud (1930/1986) denomina “narcisismo das pequenas
32 Deve-se lembrar, contudo, para esse e para os demais resultados a serem discutidos, que a amostra de sujeitos desta
diferenças”. Em relação à pessoa com deficiência intelectual é “fácil” não se identificar pesquisa é composta de estudantes universitários e, assim, não se refere aos outros extratos da população brasileira, que
podem apresentar resultados distintos do que os que estão sendo apresentados.

142 143
pessoas com deficiência intelectual estariam representando, para o preconceituoso, adaptação, tal como a eficiência, que pode com vantagens, em boa parte, ser atingida
o que se tenta superar com dificuldades: a incompreensão do mundo, e os judeus pelas máquinas, são elementos que podem combater o preconceito. Mas não se deveria
corresponderiam às expectativas do ideal do ego, ou seja, o que ainda não se alcançou. desconsiderar a especificidade de cada alvo, quer no que se refere à sua história, quer
Por outro lado, o avanço da medicina e das profissões paramédicas – entre elas a no que representa diante das necessidades psíquicas dos indivíduos.
fonoaudiologia, a fisioterapia, a terapia ocupacional – tem permitido às pessoas com
Certamente, novos estudos deveriam ser realizados para corroborar, ou não, os
deficiência intelectual uma vida mais longa e com mais qualidade do que em épocas
dados aqui encontrados e para obtenção de outros que permitam melhor compreensão
anteriores, mas talvez os resultados desse avanço ainda não sejam visíveis para a
do tema tratado.
maioria. A luta pela inclusão dos indivíduos com deficiência na educação regular e no
trabalho é mais recente do que a luta contra o preconceito contra o negro, isso talvez
explique o fato de as manifestações de preconceito contra as deficiências serem mais
elevadas do que a voltada contra o negro. Referências Bibliográficas

Quanto à relação da manifestação do preconceito voltado ao judeu com as outras


manifestações, é importante destacar o dado obtido na amostra dos estudantes dos ABA/ANEP/ABIPEME (2000). Critério de Classificação Econômica Brasil. Associação
cursos de biológicas, na qual a manifestação desse preconceito, de magnitude maior Brasileira de Anunciantes.
do que a referente aos negros, parece pertencer a uma dimensão distinta dos outros
tipos de preconceito. Na amostra dos estudantes de Administração isso parece não ter Adorno, T. W. (1995). Educação após Auschwitz. In: T. W. Adorno, Palavras e Sinais.
ocorrido; nessa amostra houve uma correlação entre o preconceito dirigido às etnias (M.H. Ruschel, trad.; pp. 104-123). Petrópolis: Vozes. (Original publicado em
tão forte quanto à encontrada entre o preconceito voltado às etnias e às pessoas com 1969).
deficiência e, nesse caso, poderíamos supor tal como descrito em parágrafo anterior, Adorno, T. W. (1995). Educación después de Auschwitz. In: T. W. Adorno, Educación
que o preconceito étnico é mais diferenciado em sua diversidade do que o preconceito para la emancipacións. (J. Muñoz, trad.; pp. 79-92). Madri: Ediciones Morata.
contra os indivíduos com deficiência. Na amostra dos sujeitos de ciências biológicas, (Original publicado em 1967).
contudo, poderíamos inferir a existência de um fator caracterizado pela visibilidade de
três alvos, que seria distinto do fator preconceito étnico, que se refere mais à diversidade Adorno, T.W.; Frenkel-Brunswik, E; Levinson, D. J. & Sanford, R.N. (1950). The
de costumes. Ou seja, o fato de negros, pessoas com deficiência física e pessoas com Authoritarian Personality. New York: Harper and Row.
deficiência intelectual apresentarem diferenças visíveis, em relação aos indivíduos
Ainscow, M.; Porter, G. & Wang, M. (1997). Caminhos para as escolas inclusivas.
considerados normais, pode ser o que explica a maior correlação entre a manifestação
Lisboa: Instituto de Inovação Social.
de preconceitos voltada a eles, na amostra dos estudantes dos cursos da área biológica.
Esses alvos lembrariam as imperfeições (consideradas socialmente como tais) que os Altemeyer, B. (1998). The other “authoritarian personality”. Advances in
preconceituosos tentam encobrir; assim, na sua presença, sentiriam-se incomodados e Experimental Social Psychology, 1, 47-92.
tentariam justificar pelos estereótipos a discriminação (positiva ou negativa) que voltam
a esses grupos. Já os judeus seriam discriminados por outros motivos. Amaral, L.A. (1995). Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São
Paulo: ROBE Ed.
Em síntese, nossa hipótese de pesquisa foi parcialmente confirmada: há relação entre
diversas formas de preconceito, mas elas guardam diferenças entre si, particularmente Arendt, H. (1975) Anti-semitismo, instrumento de poder. (R. Raposo, trad.). Rio
no que se refere às etnias. Provavelmente, aspectos culturais e individuais podem de Janeiro: Editora Documentário.
explicar quer o que há de comum entre os diversos tipos de preconceito, como o que há
Arendt, H. (1975) As origens do totalitarismo – Anti-semitismo, instrumento de
de diferente. Salientar a diversidade existente em cada um dos indivíduos pertencente
poder. (R. Raposo, trad.). Rio de Janeiro: Editora Documentário. (Original
a esses grupos, sem desconhecer as suas semelhanças, de modo a identificá-los mais
publicado em 1951).
com a humanidade do que com seu próprio grupo, e repensar alguns valores atrelados à
144 145
Bastos, J. G. P. & Bastos, S. P. (1999). Portugal Multicultural. Lisboa: Fim de ANEXO I
Século Edições.
Escala de Manifestação de Preconceito
Bettelheim, B. & Janowitz, M. (1950). Dynamics of prejudice. New York: Harper.
Nas próximas páginas, apresentamos conjuntos de afirmações sobre diversos temas.
Crochík, J. L. (1997). Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: ROBE editora. Gostaríamos de saber o grau da sua concordância com cada uma delas. Pedimos-lhe
que: a) leia atentamente cada afirmação; b) responda a sua primeira impressão; c)
Duckitt, J. (1992). Psychology and prejudice: a historical analysis and integrative responda a todas as questões;
framework. American Psychologist, 47, 1182-1193. Obrigado!

Freud, S. (1986). El malestar en la cultura. In: N. A. Braustein, (Org.), A medio Instruções: Assinale, ao lado de cada afirmação, o valor correspondente à sua
siglo de el malestar en la cultura de Sigmund Freud. (PP. 22-116). México: Siglo discordância ou concordância em relação a ela, seguindo a seguinte escala:
Veintiuno. (original publicado em 1930).
1 2 3 5 6 7
Guilford, J. P. & Fruchter, B. (1973). Fundamental statistics in psychology and Discordância Discordância Leve Concordância Concordância Concordância
Total Moderada Discordância Leve Moderada Total
education. New York: McGraw-Hill.

Hair, J. F.; Anderson, R. E.; Tatham, R. L.; & Black, W. C. (1995). Multivariate data 01. Os judeus, com exceções, parecem preferir um modo de vida luxuoso, extravagante
e sensual.
analysis. (4a ed.). New Jersey: Prentice-Hall.
02. Dificilmente um portador de deficiência mental poderá trazer alguma contribuição
Horkheimer, M. & Adorno, T. W. (1985). Dialética do esclarecimento. (2a ed.; G. à sociedade.
A. Almeida, trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. (original publicado em
1947). 03. O portador de deficiência física, na maioria das vezes, incomoda-me, pois lembra
a imperfeição humana.
Jones, J. M. (1973). Racismo e preconceito. São Paulo: Edgard Blucher. 04. Como negros e brancos têm preferências específicas quanto a tipos de música e
de dança, não é de se estranhar que existam casas noturnas frequentadas quase
Meertens, R. W. & Pettigrew, T. F. (1999). Será o racismo sutil mesmo racismo? In:
exclusivamente por negros e outras por brancos.
J. Vala (Org.), Novos racismos: perspectivas comparativas. (pp. 11-29). Oeiras:
Celta ed. 05. Os judeus parecem se adaptar melhor a trabalhos que não exigem esforço corporal.

06. O avanço da medicina com seus métodos de detectar imperfeições no feto é


Stainback, S. & Stainback, W. (1999). Inclusão: um guia para educadores. Porto
importante, pois impede o nascimento de pessoas com defeitos físicos.
Alegre: Artes Médicas Sul.
07. Em geral, por mais que se esforce, um portador de deficiência física não consegue
Whitley, Jr., P. & Bernard E. (1999). Right-wing authoritarism, social dominance fazer as atividades do cotidiano tão bem como as pessoas normais.
orientation, and prejudice. Journal of Personality and Social Psychology, 77, 1,
08. Em geral, os portadores de deficiência física tentam compensar a sua deficiência
126-134.
sobressaindo nas atividades intelectuais.

09. Os negros têm uma tendência natural para o desporto e para a música, por
isso exercem melhor esses tipos de atividades do que atividades intelectuais e
administrativas.

10. O pior que pode acontecer com uma pessoa é ser portador de deficiência mental.

11. Teria receio de colocar os meus filhos em escolas que aceitam crianças com
deficiência mental, pois estas crianças são imprevisíveis.
146 147
12. Os brancos conseguem, em geral, obter melhores empregos do que os negros, pois 8
são mais disciplinados quanto às regras estabelecidas pelas empresas.

13. Para a própria felicidade dos portadores de deficiência física é importante que
haja escolas especiais, trabalhos específicos e formas de lazer que permitam Um Estudo do Preconceito e de Atitudes em relação
agrupá-los. à Educação Inclusiva33
14. Teria dúvidas em matricular os meus filhos numa escola que ensinasse a cultura Dulce Regina dos Santos Pedrossian34, José Leon Crochík, Branca Maria de Meneses35,
judaica.
Janaina Pulcheria Pinheiro Morais36, Taline de Lima e Costa37, Tatiana Quintana Samper38,
15. É melhor que os judeus frequentem as suas próprias organizações – clubes, escolas Tatiane Superti39, Thays Marcondes de Oliveira40, Thiago Oliveira Custódio41.
etc. –, já que têm interesses e costumes específicos.

16. Os portadores de deficiência mental devem ter escolas especiais para educá-los, INTRODUÇÃO
pois em escolas regulares atrapalham a aprendizagem dos que não são deficientes.
Este estudo traz algumas contribuições da primeira parte da pesquisa empírica
17. Os portadores de deficiência mental, em geral, não conseguem se fazer entender. denominada O preconceito e as atitudes em relação à educação inclusiva tendo a
exclusão social como base42, que é um desdobramento do projeto original elaborado
18. Os negros, geralmente, são menos preocupados com o trabalho do que as outras
pessoas. por Crochík (2004), na cidade de São Paulo, mantendo os mesmos procedimentos
metodológicos.
19. Para preservar melhor a cultura negra, talvez fosse interessante repensar os
casamentos mistos. Parte-se do princípio de que a desigualdade social que caracteriza a realidade
brasileira tem a exclusão social como base. Não por acaso, as necessidades crescentes
20. Prefiro não ter filhos a ter um filho com deficiência física.
de autoconservação demandam articulação e convergência de políticas públicas para
21. Numa sociedade democrática, os negros deveriam comportar-se como a maioria a efetivação da inclusão social. Sabe-se que a possibilidade de o indivíduo tomar
dos brancos. decisões está, cada vez mais, dificultada por conta do enfraquecimento dos aspectos
22. O avanço da medicina com os seus métodos de detectar imperfeições nos fetos é de sua subjetividade. Há, portanto, um maior cerceamento do indivíduo, o que lhe
importante, pois impede o nascimento de pessoas com deficiência mental. acarreta relações sociais regressivas. Os indivíduos acabam por controlar sua natureza
de forma exacerbada e exercem o mesmo domínio sobre os outros indivíduos (ADORNO,
23. Em algumas profissões, que exigem o curso universitário, há muitos judeus.
1991). A propagada luta pela garantia dos direitos sociais per se não certifica que o
Seria desejável um sistema social igualitário, no qual todos os povos estivessem
igualmente representados. indivíduo seja dono de seu destino e, mesmo assim, as pessoas se identificam com a
totalidade social injusta e a reproduzem, o que demanda mudanças de atitudes e de
24. As escolas judaicas deveriam dar menos ênfase ao judaísmo e mais atenção a comportamentos.
valores como o de solidariedade.
33 Artigo originalmente publicado na Revista InterMeio do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
25. Seria melhor para todos que os portadores de deficiência mental tivessem espaços de Mato Grosso do Sul, v.14, n.28, p.161-179, jul./dez., 2008.
próprios de convivência, onde ficariam mais à vontade para se expressar e trocar 34 Coordenadora da pesquisa em referência. Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP. Psic. e Profª Colaboradora do Centro
de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS.
experiências. 35 Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP. Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- UFMS.
36 Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS.
37 Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Ocupa atualmente cargo de psicóloga na área social em
organização do terceiro setor (ONG) da grande São Paulo (Barueri).
38 Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Ocupa atualmente cargo de psicóloga na Instituição de
Ensino Latino Americano - Campo Grande/MS.
39 Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- UFMS. Mestranda em Psicologia Escolar pela Universidade
Estadual de Maringá - UEM.
40 Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Pós-graduada em Gestão de Pessoas. Trabalha atualmente
na Prefeitura Municipal de Rio Verde.
41 Sociólogo e Cientista Político. Mestrando em Educação HPE - PPGEdu/UFMS.
42 Esta pesquisa empírica contou com o apoio financeiro da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e
Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul – FUNDECT, tendo como componentes, além dos autores deste trabalho,
professoras do Departamento de Ciências Humanas e do Departamento de Educação da UFMS.

148 149
Para se pensar a respeito da educação inclusiva torna-se importante refletir transmissão da cultura teria de propiciar a manifestação de necessidades individuais
sobre o processo formativo em uma rede social que impõe barreiras, tornando subjetiva compartilháveis e únicas, sobressaindo-se o humano pela identificação dos sujeitos com
a inclusão, em vez de se considerar os aspectos sociais e políticos implicados: “O o que é diferente, como outra perspectiva de expressar o universo humano. Por seu
perigo é objetivo; e não se localiza em primeira instância nas pessoas” (ADORNO, 2000, lado, a educação para a competição inclina-se a igualar os indivíduos em habilidades
p. 44). A exclusão social não é recente e a violência praticada contra as minorias não que as máquinas cada vez mais podem desempenhar.
pode ser perpetuada com a liquidação da memória.
A concepção de competitividade aproxima-se da de virilidade, que, para Adorno
Para Crochík (2003), somente a educação não pode transformar o destino das crianças (2000) fundamenta-se numa unidade máxima da capacidade de aguentar dor que há
com deficiência, ou das marginalizadas, como também não pode alterar, sozinha, o muito se transformou em aparência de masoquismo que - como apontou a psicologia
destino das pessoas, porém a reflexão das diferenças sociais (negros e brancos, pobres - se identifica facilmente ao sadismo. O propalado objetivo de “ser duro” de uma tal
e ricos, pessoas com deficiência e pessoas sem deficiências) na escola e a convivência educação tem o significado de indiferença contra a dor, de modo a não diferenciar a
social podem auxiliar a amenizar a violência social existente, expressa sob a condição dor de si próprio e a dor do outro: “Quem é severo consigo mesmo adquire o direito
de discriminação. Para suprimir a discriminação, seria necessário transformar a de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou
estrutura da sociedade atual, uma vez que essa gera a violência de forma imanente, ocultar e reprimir” (ADORNO, 2000, p. 128).
no entanto, para atenuá-la, disposições educacionais são fundamentais.
Observa-se a importância de se voltar para uma educação que alimenta a
O centro da atenção não deveria ser as dificuldades do outro, quer na educação, sensibilidade em vez da severidade e, dessa forma, os indivíduos devem se libertar
quer em outras esferas sociais, mas as suas potencialidades, sendo que estas últimas da consciência coisificada, que se protege em relação a qualquer vir-a-ser (ADORNO,
não são o mesmo que talento, o qual é questionado por Adorno (2000): 2000). As discussões a respeito da educação inclusiva contemplam, quer a questão da
“genialidade”, quer a da competição. De acordo com Pacheco et al. (2007), na educação
[...] implicará a demolição desse fetiche do talento, de evidente vinculação inclusiva todos os alunos são entendidos como especiais, cortando-se a hierarquia que
estreita com a antiga crença romântica na genialidade. Isto, além do mais,
encontra-se em concordância com a conclusão psicodinâmica segundo a qual o se expressa no contínuo entre o melhor e o pior aluno, o que não significa que não se
talento não é disposição natural, embora eventualmente tenhamos que conceder exija o máximo de cada um deles (AINSCOW, 1997; BOOTH e AINSCOW, 2002). No relato
a existência de um resíduo natural - nesta questão não há que ser puritano -, mas
de Pacheco sobre a escola que dirigiu em Portugal, a cooperação entre os estudantes
que o talento, tal como verificamos na relação com a linguagem, na capacidade
de se expressar, em todas as coisas assim, constitui-se, em uma importantíssima mais e menos capazes é predominante nas atividades escolares (PACHECO et al., 2007).
proporção, em função de condições sociais, de modo que o mero pressuposto de
emancipação de que depende uma sociedade livre já encontra-se determinado A educação inclusiva é um dos movimentos sociais que lutam pela inclusão
pela ausência de liberdade da sociedade (p. 171- 172). de pessoas que são segregadas ou marginalizadas na sociedade; esse movimento se
fortaleceu a partir da década de 1990, sobretudo, a partir da declaração de Salamanca
Além da questão do talento, Adorno (2000) em relação à educação também (JANNUZZI, 2004). A educação inclusiva diz respeito a um movimento mundial para
critica a competição entre os homens, também suscitada pela educação. A barbárie incluir alunos de diversas minorias - negros, menores de rua, ciganos, indivíduos com
passa a tomar conta diante de uma sociedade que prima pela competição, pelo uso de deficiência - em classes regulares (AINSCOW, 1997); a denominada educação integrada
cotoveladas, pela falta de vergonha: “... somente quando formos exitosos no despertar também tem esse objetivo, mas o que as diferencia é que a educação inclusiva busca
desta vergonha, de maneira que qualquer pessoa se torne incapaz de tolerar brutalidades se modificar para superar os obstáculos à aprendizagem, conforme Booth e Ainscow
dos outros, só então será possível falar do resto” (ADORNO, 2000, p. 165-166). (2002), ao passo que a educação integrada tenta se centrar nas dificuldades do aluno
sem fazer nenhuma modificação substancial. Em relação à educação integrada, para
Para Crochík e Crochík (2005), a competição afasta os indivíduos entre si, e é
Vivarta (2003):
um juízo de valor contraditório à igualdade que tenha como fundamento a diferença.
Uma das atribuições da educação é tornar os indivíduos diferentes uns dos outros,
de modo que a plena socialização deveria se correlacionar à plena individuação. A

150 151
Num contexto integrativo, o máximo feito pela sociedade para colaborar de educação contempla não é plenamente satisfeita, de outro, a ênfase em alunos com
com as pessoas com deficiência neste processo de inserção seriam pequenos
deficiência permite alterações substanciais na escola devido aos impedimentos desses
ajustes como adaptar uma calçada, um banheiro, ou até receber uma criança
com deficiência mental na sala de aula, mas só se ela pudesse “acompanhar a alunos, que, por suposição, são maiores que os das outras minorias, impedimentos
turma” (p. 19). esses que a educação inclusiva tenta superar; se essa suposição for correta, com essas
Já a educação inclusiva, segundo Vivarta (2003), propõe a inserção total e modificações, a escola pode contemplar também as outras diferenças.
incondicional de todo e qualquer aluno, e precisa de modificações profundas. Nas Se, no Brasil, está sendo implantada a educação inclusiva/integrada, conforme
experiências relatadas por Pacheco et al. (2007), há mudanças substanciais também os dados apresentados, os números revelam que ainda há muito a ser feito, e alguns
nos métodos de ensino, que privilegiam tarefas conjuntas e currículos específicos; estudos (COOK et al., 2000; LEÓN, 1994; BEYER, 2005) mostram a importância das
todos os alunos são entendidos como especiais. atitudes dos professores em relação aos alunos com deficiências que operam como
Mas se há diferenças notáveis entre educação inclusiva e educação integrada, obstáculos ao seu sucesso. Com isso, devem existir fatores que dificultam a implantação
as duas contrapõem-se à educação segregada, que propõe que alguns alunos estudem desse tipo de educação. Neste trabalho, apresentaremos dois deles: o preconceito e a
em classes especiais ou em instituições especializadas. Há profissionais que entendem ideologia.
que os pais deveriam escolher o que é melhor para o seu filho: educação segregada Na concepção de Jodelet (2006), o preconceito é uma atitude, distinta, portanto,
ou educação integrada/educação inclusiva. Além de defender essa escolha, Ferber da ação, a qual se expressa na discriminação, na segregação e na marginalização. É uma
(2005) ainda mostra que, na Argentina, o sistema misto é o que vigora. Os alunos atitude hostil ou não dirigida a um indivíduo, dadas as características que abrangem
com deficiência, matriculados em escolas especiais, são encaminhados para as classes o grupo ao qual pertence. O que gera a constituição de preconceituosos é a ameaça
regulares o maior tempo possível; para os que são matriculadas no ensino regular, social voltada aos indivíduos. Para se defenderem das angústias que a internalização
pede-se um acompanhamento das escolas especializadas. De acordo com Evans (2002), da ameaça acarreta, incorporam estereótipos sociais que se unem ao desenvolvimento
a tendência dos dois sistemas agirem de forma conjunta ocorre em diversos países e é de um pensamento superficial estereotipado - a mentalidade do ticket -, segundo a
desejável que no futuro não haja mais educação segregada. expressão de Horkheimer e Adorno (1985). Os indivíduos que possuem características
No Brasil, ainda é significativa a presença de instituições educacionais - reais ou imaginárias - que lembram ao preconceituoso o que ele teve de renunciar
especializadas e de classes especiais. Conforme pesquisa do INEP (2007), o número de para se tornar um membro útil e produtivo à sociedade - suscitam nesse indivíduo uma
matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais no Brasil é semelhante atitude que tenta diferir o máximo possível esses indivíduos de si mesmo e desvalorizá-
entre as escolas públicas e as particulares: 51% matriculam-se nas primeiras e 49% los: o preconceito (CROCHÍK, 2006).
no ensino privado; no entanto, no privado, o ensino desses alunos em instituições O indivíduo renegado é a particular demonstração que a civilização fracassou, e
especializadas é de 96%, ao passo que no ensino público metade dos alunos com o colérico ressentimento é típico daquele que não quer ver no outro a constatação de
deficiência estuda em classes comuns do ensino regular. Ou seja, 50% dos alunos com sua infelicidade. A fraqueza do dominado e o seu ódio são conduzidos politicamente, na
necessidades educativas especiais estudam em escolas públicas e desses, metade em sociedade, pelos mesmos monopólios que cultuam os estereótipos que, em momentos
classes especiais, portanto, 25% do total e somente 4% dos matriculados no ensino de crise da civilização, desembocam em eugenia. A violência desferida contra o
particular estudam em classe regular. Assim, é grande ainda a oferta de ensino segregado negado é proveniente daquele primordial medo do aparentemente desconhecido, mas
em nosso meio. Apesar disso, dados do último censo escolar vem indicando que de 2002 inconscientemente familiar. Essa relação entre a sociedade e o indivíduo, manifestada
a 2006 houve um forte incremento de alunos com necessidades educacionais especiais na ideologia fascista, é explicitada por Adorno (2000):
em classes regulares.

Vale ressaltar que a educação inclusiva deveria se voltar para diversas minorias,
mas, de acordo com Booth e Ainscow (2002), tem se centrado em alunos com deficiência.
De um lado, isso revela um problema, posto que a questão da diversidade que esse tipo

152 153
Em outro estudo, Crochík et al. (2006) verificaram em alunos de licenciatura
Nesta aliança entre a ausência pura e simples de reflexão intelectual e o a relação entre atitude em relação à educação inclusiva, o preconceito, a adesão à
estereótipo da visão de mundo oficialista delineia-se uma conformação dotada ideologia do fascismo e à ideologia da racionalidade tecnológica. Constataram que
de afinidades totalitárias. Hoje em dia o nazismo sobrevive menos por alguns
a atitude desses alunos tendia a ser mais favorável do que desfavorável à educação
ainda acreditarem em suas doutrinas - e é discutível inclusive a própria amplitude
em que tal crença ocorreu no passado - mas principalmente em determinadas inclusiva/integrada e que a variável mais associada com essa atitude foi o preconceito
conformações formais do pensamento. Entre estas enumeram-se a disposição (r=0,35); a adesão às ideologias também foi significantemente correlacionada com
a se adaptar ao vigente, uma divisão com valorização distinta entre massa e
a atitude em relação à educação inclusiva, mas menos que o preconceito. Assim,
lideranças, deficiência de relações diretas e espontâneas com pessoas, coisas
e idéias, convencionalismo impositivo, crença a qualquer preço no que existe. concluíram que a existência de preconceitos é um obstáculo à defesa da educação
Conforme seu conteúdo, síndromes e estruturas de pensamento como essas são inclusiva/integrada em futuros professores.
apolíticas, mas sua sobrevivência tem implicações políticas (p. 62-63).
Os objetivos desta pesquisa são os mesmos da citada acima (CROCHÍK et al.,
Por sua vez, Adorno et al. (1950) verificaram o quanto o preconceito e a
2006): verificar em alunos de licenciatura a sua atitude em relação à educação inclusiva
ideologia fascista estão relacionados. Aplicaram aos sujeitos da pesquisa escalas que
e a relação entre essa, a manifestação de preconceitos e a adesão às ideologias fascistas
aferiam atitudes antissemitas e etnocêntricas, bem como a escala F, que verificava o
e da racionalidade tecnológica.
grau de adesão implícita ao ideário fascista. Eles obtiveram correlações significantes
entre essas variáveis, o que implica que aqueles que são preconceituosos tendem a ser PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
adeptos da ideologia fascista.
Os sujeitos da pesquisa foram 162 acadêmicos de cursos de licenciatura de duas
Crochík (2005) aplicou a estudantes universitários, além da escala F, a escala universidades, da cidade de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, sendo uma
de características narcisistas de personalidade, a escala da ideologia da racionalidade particular (por ter maior número de cursos de licenciatura em comparação com as
tecnológica e a escala de manifestação de preconceitos. A suposição era a de que demais instituições particulares da cidade) e outra pública. Participaram acadêmicos
em relação à época da pesquisa acerca da personalidade autoritária, a personalidade das áreas Humanas (95 sujeitos), Biológicas (38 sujeitos) e Exatas (29 sujeitos), com
sadomasoquista - propícia ao fascismo - estava sendo substituída pela narcisista, e que a idade entre 17 e 25 anos. Desse montante, 129 acadêmicos são do sexo feminino e 33
ideologia fascista estava sendo expressa pela ideologia da racionalidade tecnológica, uma do sexo masculino; a média de idade foi de 21 anos com desvio padrão de 2,09.
forma de pensar que privilegia o pensamento por sistemas, por categorias, por aspectos
Para obter as informações de cada um dos acadêmicos de licenciatura foi
formais e não mais pela experiência provinda da relação dos homens com os objetos. Dos
elaborado um questionário, aplicado coletivamente, contendo dados pessoais e
resultados obtidos, verificou que a relação entre os escores da Escala F - que mensura
itens das diferentes escalas. Foram utilizadas três escalas elaboradas em pesquisas
também o sadomasoquismo - com o preconceito foi maior do que com a escala que anteriores (CROCHÍK, 2000, 2004, 2005 e 2006), a partir de aplicações a amostras de
mensura o narcisismo, e que a maior correlação obtida foi entre a escala da ideologia estudantes universitários e a escala do Fascismo, criada e desenvolvida por Adorno et.
da racionalidade tecnológica e a escala F. Com isso, concluiu que o sadomasoquismo não al. (1950). A escala da Manifestação de Preconceitos (escala P) foi apresentada com
foi substituído pelo narcisismo no que se refere à manifestação do preconceito e que o 14 itens, a escala da Ideologia da Racionalidade Tecnológica (escala I) com 18 itens, a
fascismo - como ideologia - se expressa bem pela ideologia da racionalidade tecnológica. escala de Atitudes em relação à Educação Inclusiva (escala E) com 11 itens, e a escala
Essa ideologia foi definida da seguinte forma naquele estudo: do Fascismo (escala F) com 27 itens.

Menos que a conteúdos, ela se refere a procedimentos operacionais de


Conforme modelo de questionário, anexo, as escalas contêm itens do
pensamento e ação que tomam como modelo a lógica da tecnologia e o método de Likert, apresentando escores de um a sete pontos: discordância
pensamento formal. O mundo e, portanto, a adaptação a ele devem ser plena (um ponto); discordância moderada (dois pontos); leve discordância (três
percebidos pela lógica formal. Assim, para essa ideologia, não haveria conflitos
políticos, educacionais ou psicológicos, eles são reduzidos por ela a problemas pontos); leve concordância (cinco pontos); concordância moderada (seis pontos) e
de má-adaptação ao existente, que com o auxílio dos meios técnicos e da lógica concordância plena (sete pontos). O ponto 4, omitido na escala, é considerado como
poderiam ser resolvidos (CROCHÍK, 2005, p. 311).

154 155
neutro432. Com o propósito de aumentar a confiabilidade ou validar as respostas, foram na licenciatura. No caso de alguns acadêmicos de outros cursos, a exemplo de biologia,
invertidas as questões: P-04; E-05; I-15; I-17; E-18; I-20; I-22; E-25; I-29; I-33; P-37; P-51; apesar de estarem habilitados a lecionaram, mas não pretendem fazê-lo, por isso,
E-62 e P-67, de modo que 1 corresponde a 7 (vice-versa); 2 corresponde a 6 (vice-versa); os seus dados não foram computados. Não foram considerados também os sujeitos
3 corresponde a 5 (vice-versa). Os itens das diversas escalas foram misturados entre si. pertencentes às minorias (negro, caboclo, amarelo, pardo, deficiência física, parentes
com deficiência física e deficiência intelectual).
Na pesquisa de Crochík et al. (2006), foram obtidos os seguintes coeficientes alpha
de Cronbach: escala I: 0,72; escala P: 0,70; escala E: 0,68; e escala F: 0,78. Os coeficientes Os dados foram lançados no programa estatístico Statistical Package for Social
máximos obtidos para essas escalas, nesta pesquisa, após a retirada de itens para Sciences - para Windows/SPSS para análise.
aumentá-los foram: escala I (cinco itens retirados): 0,65; escala P (três itens retirados): RESULTADO E DISCUSSÃO
0,71; escala E (quatro itens retirados): 0,78 e escala F (dois itens retirados): 0,78.
Na tabela 1, encontram-se a média e o desvio padrão decorrente das respostas
Antes da aplicação do questionário aos sujeitos da pesquisa foi feito um obtidas, no total da amostra.
contato prévio com os coordenadores de cada curso, sendo que a meta era atingir
120 acadêmicos do Curso de Licenciatura das seguintes áreas: Humanas (Pedagogia e Tabela 1 - média e desvio padrão dos escores obtidos pelos sujeitos em cada escala
Letras); Biológicas (Ciências Biológicas) e Exatas (Matemática, Física e Química). Por
ESCALA MÉDIA DESVIO PADRÃO
se tratar de uma investigação que envolve seres humanos foi aprovada pelo Comitê de
Ideologia da Racionalidade 4,52 0,85
Ética em Pesquisa com Seres Humanos/CEP/UFMS e os procedimentos utilizados para a Tecnológica (I)
aplicação do instrumento da pesquisa seguiram os critérios desse Comitê. Os sujeitos 4,24 0,81
Fascismo (F)
que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
3,49 1,32
(TCLE) para atuar como participante na pesquisa. Para não comprometer a investigação Educação Inclusiva (E)
foi dito aos sujeitos que se tratava de um estudo nas áreas de psicologia e educação, 3,10 0,98
Preconceito (P)
com o objetivo de verificar as suas opiniões a respeito de diversos temas da atualidade,
garantindo-se o sigilo das informações e o caráter não obrigatório de participação na Na Tabela 1, a média (4,52) da escala I encontra-se acima do ponto médio do
pesquisa. Apesar de um dos critérios de participação (faixa etária compreendida entre contínuo, sendo a maior média encontrada e indica leve adesão da amostra a ela, seguida
17 e 25 anos), muitos que ultrapassaram a idade estipulada participaram mesmo com a pela escala F, com média de 4,24. Nas escalas P (3,10) e E (3,49), os sujeitos apresentam
leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que continha o limite da idade. médias de leve discordância, isto é, tendem a aderir às ideologias examinadas e tendem
a não ter um alto grau de preconceito e uma atitude favorável à educação inclusiva.
A aplicação do questionário foi coletiva e não se interferiu no número de acadêmicos
presentes, de modo que o total de participantes suplantou o inicialmente pretendido. No estudo de Crochík et al. (2006), a ordem da magnitude das médias foi
O tempo utilizado pelos sujeitos para responder ao instrumento do estudo variou de semelhante, mas as referentes às escalas I, F e E estiveram ao redor do ponto 4 e a
30 a 45 minutos. Do total de 260 sujeitos que responderam o instrumento da pesquisa escala do preconceito próximo ao ponto 3(leve discordância).
foram eliminados 98, pelos seguintes motivos: data de nascimento (muitos não estavam A tabela 2 traz as correlações entre as escalas.
dentro da faixa etária, bem como um número significativo, em vez de colocar a data
Tabela 2 - Correlação entre as escalas
de nascimento, colocou a data de aplicação ou uma data do ano em curso); respostas
diferentes para uma mesma questão, isto é, no instrumento da pesquisa, as questões P E I F
13 e 71 eram iguais no sentido de verificar a concentração do sujeito; alguns sujeitos P ,33** ,43** ,49**
E ,33** ,21** ,20*
deixaram de responder a questão da cor e as que se relacionam com a deficiência; I ,43** ,21** ,65**
acadêmicos de humanas e de biológicas que não responderam se pretendem lecionar F ,49** ,20* ,65**
43 2
Considerou-se o ponto neutro (4) quando alguns sujeitos deixaram de responder uma questão, ou assinalaram duas assertivas
simultaneamente.
** Correlação significante com p< 0.01. * Correlação significante com p< 0.05.
156 157
Os dados apresentados na Tabela 2 indicam que há correlação significante sejam claramente configuradas para que as variáveis estudadas estejam nitidamente
entre todas as variáveis examinadas. Quanto maior é a atitude favorável à educação relacionadas à posição frente a ela.
inclusiva, menor é o preconceito e a adesão às ideologias da racionalidade tecnológica Os resultados encontrados, no entanto, confirmam as tendências obtidas em
e fascista e vice-versa. Dentre essas variáveis, a que se encontra mais associada com a estudo anterior (Crochík et al.,2006), que indicam que os que têm dificuldades de
atitude em relação à educação inclusiva é o preconceito. lidar com os diferentes - os preconceituosos -, os que têm uma visão sistemática e
Ainda que com magnitudes distintas, esse também foi o resultado encontrado técnica da realidade e os que dividem a humanidade em fortes e fracos - os fascistas
por Crochík et al. (2006), o que fortalece a suposição de que o preconceito é um - tendem a ser contrários à educação inclusiva.
obstáculo importante à implantação e à implementação da educação inclusiva em Novos estudos devem ser feitos, sobretudo, em amostras de professores com e
nosso meio. sem experiência com educação inclusiva para confirmar ou não os resultados obtidos
Nesta pesquisa também foi calculada a correlação múltipla, considerando os neste estudo.
escores obtidos na escala E como variável dependente e os escores das demais escalas REFERÊNCIAS
como variáveis independentes. Obteve-se R=0,335 e R2=0,112, significante a 0,001
(F=6,649; 3 e 161 g. lib.), ou seja, o preconceito e a adesão às ideologias, considerados ADORNO, T. W. et al. The authoritarian personality. New York: Harper e Brothers, 1950.
em conjunto, têm determinação sobre a posição em relação à educação inclusiva.
ADORNO, T. W. De la relación entre sociología y psicología. In: Actualidad de la filosofía.
A significância em relação a cada uma das consideradas variáveis independentes está
Barcelona, Paidós, 1991.
na tabela 3.
_______. Educação e emancipação. Trad. Wolfang Leo Maar. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz
Tabela 3 - determinação do preconceito, da ideologia da racionalidade
e Terra, 2000.
tecnológica e da ideologia fascista sobre a posição em relação à
educação inclusiva AINSCOW, M. Educação para todos: torná-la uma realidade In: AINSCOW, M.; PORTER,
G. e WANG, M. Caminhos para as escolas inclusivas. Lisboa, Instituto de Inovação
T Significância constant/sig Educacional. 1997.
P 3,343 0,001 2,917/ 0,04
BEYER, H. O. Inclusão e avaliação na escola. Porto Alegre: Mediação, 2005.
I 0,735 0,463 0
BOOTH, T. e AINSCOW, M. Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a
F 0,69 0,945 0 participação na escola. Trad. Mônica Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: Laboratório de
Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação do Programa de
Nota - número de sujeitos participantes: 162
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002.
Os dados da tabela 3 reforçam os expostos na tabela 2. A variável, preconceito, foi a
COOK, B.G.; TANKERSLEY, M.; COOK, L. e LANDRUN, T.J. Teacher’s attitudes toward their
única a apresentar significância na determinação dos resultados obtidos na escala E. Se,
included students with disabilities. Exceptional Children, v. 67, n. 1, p. 115-135, 2000.
de um lado, o preconceito e a adesão às ideologias avaliadas estão significantemente
correlacionados com a atitude em relação à educação inclusiva, evidenciando que - CROCHÍK, J. L. Tecnologia e individualismo: um estudo de uma das relações
notadamente o preconceito - devem ser levados em consideração para a implantação contemporâneas entre ideologia e personalidade. Análise Psicológica: Instituto Superior
e implementação desse tipo de educação, de outro, as magnitudes das correlações de Psicologia Aplicada, CRL, n. 4 (XVIII), 2000.
não foram elevadas, evidenciando que alguns sujeitos são preconceituosos e _______. Atitudes a respeito da educação inclusiva. Movimento, Niterói, n. 7, p.19 -
adeptos daquelas ideologias, mas favoráveis à educação inclusiva, e que outros não 37, 2003.
preconceituosos e não adeptos dessas ideologias são contrários a esse tipo de educação.
O que parece ocorrer é que como é recente a discussão a respeito da educação inclusiva _______. Projeto de Pesquisa - Preconceito e atitudes em relação à educação inclusiva.
e a implantação em nosso meio, ainda não houve tempo suficiente para que as atitudes São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2004.

158 159
______. Preconceito: relações com a ideologia e com a personalidade. Estudos de
Psicologia. Campinas, 2005, p. 309-317. 1-Data de nascimento: ___/___/_____

______. Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.


2- Curso: ___________________ Ano do curso: ____ Semestre do curso: ______
______e CROCHÍK, N. Pesquisa e cotidiano escolar: preconceito e desempenho nas
classes escolares homogêneas. EccoS. Revista Científica. São Paulo, v. 7, n. 2, 2005, p. 3-Sexo: feminino ( ) masculino ( )
313-331.

______ et al. Preconceito e atitudes em relação à Educação Inclusiva. Psicologia 4-Pretende lecionar para:
Argumento, Paraná, v. 24, n. 46, 2006, p. 55-70.
( ) as primeiras quatro séries do ensino fundamental:
EVANS, P. Inclusión de niños con discapacidad a la escuela comun. In: Vários Equidad y ( ) as últimas quatro séries do ensino fundamental
calidad para atender a la diversidad. Buenos Aires: Espacio Editorial, 2002, p. 99-107.
5-Religião:
FERBER, H.M. Integración de Niños con Necesidades Educativas Especiales en la Escuela ( ) católica ( ) protestante ( ) judaica ( ) oriental
Común. Tese de Doutorado defendida no Doctorado en Psicología Social da Universidad ( ) de origem africana ( ) outra - qual?_______ ( ) sem religião ( ) ateu
Argentina John F. Kennedy, Buenos Aires, 2005.

HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W. Elementos do anti-semitismo: limites do 6-Cor da pele: ______


esclarecimento. In: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido
Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 157-194. 7- Tem deficiência física? ( ) sim ( ) não
INEP (2007). Censo escolar. Disponível: <http://www.inep.gov.br/basica/censo/
escolar/sinopse/sinopse>. Acesso em: 26 de junho 2007. 8- Tem parente próximo (irmãos, filhos) com deficiência mental?

JANNUZZI, G.M. Educação do deficiente no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2004 ( ) sim ( ) não

JODELET, D. Os processos psicossociais da exclusão. In: Sawaia, B. (org.) As artimanhas


da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 6 ed. Petrópolis: Vozes, Nas próximas páginas apresentamos afirmações sobre diversos temas. Gostaríamos de
saber o grau de sua concordância com cada uma delas. Não há respostas corretas ou
2006, p. 53-66.
incorretas para essas afirmações, que não expressam necessariamente o pensamento
LEÓN, M.J. La perspectiva Del profesor tutor sobre los problemas de la integración de dos pesquisadores, que concordam com algumas delas e discordam de outras, assim,
los niños con necesidades educativas especiales. Revista de Educación Especial, n. 14, como provavelmente deverá acontecer com você. Garantimos o anonimato de suas
respostas.
1994, p. 77-83.

PACHECO, J.; EGGERTSDÓTTIR, R. e MARINÓSSON, G.L. Caminhos para a inclusão. Pedimos a você que:
Porto Alegre: Artmed, 2007.
a) leia atentamente cada afirmação e responda conforme a sua primeira impressão;
VIVARTA, V. Mídia e diversidade. Brasília: ANDI, Fundação Banco do Brasil, 2003. b) responda a todas as questões; e
c) não comente as suas respostas com os seus colegas até o final da aplicação.
Obrigado !

Observação: Neste questionário, entendemos por educação integrada/inclusiva aquela


que possibilita aos alunos com necessidades educativas especiais estudar na sala de
aula regular.

160 161
Instruções: Assinale com um “X”, abaixo de cada afirmação, o valor correspondente à P-11- A pessoa com deficiência física, na maioria das vezes, lembra-me a imperfeição
sua discordância ou concordância, seguindo a seguinte escala: humana.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
Discordância Discordância Leve Leve Concordância Concordância F-12- A familiaridade cria desprezo.

Plena Moderada Discordância Concordância Moderada Plena 1 2 3 5 6 7

P-01-Como negros e brancos têm preferências específicas quanto a tipos de música F-13- O que este país necessita, primordialmente, antes de leis ou planos políticos,
e de dança, não é de estranhar que existam casas noturnas freqüentadas quase são alguns líderes valentes, incansáveis, e devotos em quem o povo possa depositar
exclusivamente por negros e outras por brancos. a sua fé.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
E-14- Numa sala de aula regular, deve haver poucos alunos com deficiência.
E-02-A convivência, em sala de aula, com alunos com deficiência pode gerar um 1 2 3 5 6 7
sentimento de superioridade nos alunos sem essa deficiência.
*I-15-A produtividade no trabalho é pouco importante para a realização profissional.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
I-03-O socialismo é um sistema que contém belos ideais teóricos, porém não
F-16- Não se concebe nada mais baixo do que uma pessoa que não sente profundo
aplicáveis na prática.
amor, gratidão e respeito por seus pais.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
*P-04- O judeu não valoriza o dinheiro mais do que outros povos.
*I-17- No capitalismo, o sucesso independe do esforço individual.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
*E-05- No ensino integrado/inclusivo, o ritmo mais lento dos alunos com deficiência
não prejudica o aprendizado dos outros alunos. *E-18- No ensino integrado/inclusivo, a maior atenção que os alunos com deficiência
necessitam do professor não é prejudicial ao aprendizado dos outros alunos.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-06- Algum dia se provará talvez que a astrologia pode explicar muitas coisas.
F-19- O comerciante e o industrial são muito mais importantes para a sociedade do
1 2 3 5 6 7 que o artista e o professor.
1 2 3 5 6 7
I-07- Se a pena de morte diminuir a criminalidade, ela deve ser aprovada.

1 2 3 5 6 7 *I-20-O político não precisa ter boa formação escolar para resolver os conflitos sociais.

1 2 3 5 6 7
F-08- A obediência e o respeito pela autoridade são as principais virtudes que devemos
ensinar a nossas crianças. F-21- Os homens podem ser divididos em duas classes definidas: os fracos e os fortes.

1 2 3 5 6 7 1 2 3 5 6 7

I-09- A criação de meios indolores para a execução de criminosos revela respeito *I-22 - O adultério não implica que o adulto que o pratica seja imaturo.
pelos direitos humanos.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7

F-10- Um indivíduo de más maneiras, maus costumes e má educação dificilmente pode P-23- O avanço da medicina com os seus métodos de detectar imperfeições nos fetos
fazer amizade com pessoas decentes. é importante, pois impede o nascimento de pessoas com deficiência mental.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
162 163
P-24- Os negros, em geral, têm uma inclinação para os esportes e para a música. *P-37- A contribuição social que o deficiente mental pode dar não é inferior àquela dos
1 2 3 5 6 7 não deficientes.
1 2 3 5 6 7
*E-25- O comportamento dos alunos com deficiência, no ensino integrado/inclusivo,
não atrapalha a concentração dos outros alunos. F-38- Nenhuma pessoa decente, normal e em seu são juízo pensaria em ofender um
1 2 3 5 6 7 amigo ou parente próximo.

F-26- Só por meio do sofrimento se aprendem as coisas verdadeiramente importantes. 1 2 3 5 6 7

1 2 3 5 6 7 P-39- Uma das piores fatalidades que pode acontecer com uma pessoa é ter deficiência
mental.
F-27- A ciência tem o seu lugar, mas há muitas coisas importantes que a mente humana 1 2 3 5 6 7
jamais poderá compreender.
I-40- O lazer agradável acontece depois do dever cumprido.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
P-28-Em geral, as pessoas com deficiência física tentam compensá-la sobressaindo nas
atividades intelectuais. F-41- Hoje em dia, as pessoas se intrometem cada vez mais em assuntos que deveriam
1 2 3 5 6 7 ser estritamente pessoais e privados.
1 2 3 5 6 7
*I-29- A prostituição é um trabalho tão decente quanto outro qualquer.
P-42- Freqüentemente, os negros, por sua forma de ser despretensiosa, têm maior
1 2 3 5 6 7 dificuldade em conseguir cargos de chefia.
1 2 3 5 6 7
F-30- Às vezes, os jovens têm idéias rebeldes que, com os anos, deverão superar para
assentar os seus pensamentos. E-43- Os alunos com deficiência, no ensino integrado/inclusivo, sentem-se desmo–
tivados, em sala de aula, por não conseguirem acompanhar o ritmo de outros alunos.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
I-31- A violência atual é devida à impunidade.
1 2 3 5 6 7 I-44- Com os recursos científicos e tecnológicos de hoje somos mais felizes do que
antigamente.
F-32- Se falássemos menos e trabalhássemos mais, todos estaríamos melhor. 1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7 I-45- Os pais devem mostrar carinho pelos filhos, mesmo que não seja espontâneo.
1 2 3 5 6 7
*I-33- O atual progresso tecnológico não tem proporcionado mais liberdade.
P-46- Geralmente, as pessoas com deficiência mental não são atraentes.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-34- Todos devemos ter fé absoluta num poder sobrenatural, cujas decisões devemos
acatar. I-47- Os linchamentos são decorrentes do descrédito na polícia e na justiça.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-48- Os crimes sexuais tais como o estupro ou ataques a crianças merecem mais que
P-35-As escolas judaicas deveriam dar menos ênfase ao judaísmo e mais atenção a a prisão; quem comete estes crimes deveria ser açoitado publicamente ou receber
valores como o de solidariedade. um castigo pior.
1 2 3 5 6 7 1 2 3 5 6 7
F-36- Os homossexuais são quase criminosos e deveriam receber um castigo severo. F-49- Deve-se castigar sempre todo insulto à nossa honra.
1 2 3 5 6 7 1 2 3 5 6 7

164 165
F-50- A maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar F-61- Tal como é a natureza humana, sempre haverá guerras e conflitos.
das pessoas imorais, dos marginais e dos débeis mentais.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
*E-62-Sou favorável à inclusão de alunos com deficiência nas salas de aula regulares.
*P-51- Os comportamentos oriundos de culturas afrodescendentes deveriam ser aceitos
por todos. 1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-63- Algumas pessoas nascem com necessidade de saltar de lugares altos.
I-52- As telenovelas são boas quando apresentam personagens que são facilmente
1 2 3 5 6 7
identificáveis no cotidiano.
E-64- O professor precisa recorrer a um especialista para ensinar alunos com
1 2 3 5 6 7
deficiência em sala de aula regular.
I-53- Quando alguém tem problemas ou preocupações, é melhor não pensar neles e se 1 2 3 5 6 7
ocupar de coisas mais agradáveis.
E-65- No ensino integrado/inclusivo, os alunos sem deficiência apresentam
1 2 3 5 6 7 comportamentos inadequados ao se identificarem com alunos com deficiência.
1 2 3 5 6 7
E-54-O ritmo mais rápido dos alunos sem deficiência prejudica o aprendizado dos
alunos com deficiência, quando estudam conjuntamente. F-66- Nenhuma fragilidade ou dificuldade pode nos deter, quando temos suficiente
força de vontade.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
I-55- As prostitutas deveriam ter atendimento psicológico e reeducação para terem
melhor encaminhamento na vida. *P-67- Os casamentos mistos não colocam em risco a cultura negra.
1 2 3 5 6 7 1 2 3 5 6 7

F-56- A vida sexual desenfreada dos antigos gregos e romanos era um jogo P-68-O avanço da medicina com os seus métodos de detectar imperfeições nos fetos é
inocente em comparação com o que sucede neste país, mesmo nos lugares menos importante, pois impede o nascimento de pessoas com defeitos físicos.
imagináveis. 1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-69- Do que mais necessita a nossa juventude é de uma disciplina estrita, firme
I-57-Em alguns casos, seria importante que o homossexual tivesse um acompanhamento determinação e vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.
psicológico para poder rever a sua escolha sexual.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7
F-70- As guerras e os conflitos sociais podem acabar algum dia por obra de um
F-58- A maioria das pessoas não imagina até que ponto a nossa vida está dirigida por terremoto ou de uma inundação que destrua o mundo inteiro.
conspirações forjadas em lugares secretos. 1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7 F-71- O que este país necessita, primordialmente, antes de leis ou planos políticos,
E-59-Os alunos com deficiência devem estudar em ambientes separados dos outros são alguns líderes valentes, incansáveis, e devotos em quem o povo possa depositar
alunos. a sua fé.
1 2 3 5 6 7
1 2 3 5 6 7

F-60- Hoje em dia, em que tantas classes diferentes de pessoas andam e se misturam
por todos os lados, as pessoas devem se proteger, com especial cuidado contra o
contágio de infeções e enfermidades.

1 2 3 5 6 7

166 167
9
Análise de um formulário de avaliação de Inclusão Escolar44

José Leon Crochik,

Pedro Fernando da Silva45

Lucas Bullara M. da Silva46

Raphael C. T. de Almeida47

Lenara Spedo48

Karen Danielle Magri Ferreira49

Marian A. L. Dias50

A partir das discussões acerca da educação inclusiva realizadas nas últimas


décadas, a legislação de diversos países foi alterada, possibilitando o ensino regular
para crianças e adolescentes que antes frequentavam escolas ou classes especiais ou
mesmo não iam à escola. Para se adequar aos alunos em situação de inclusão, as
escolas reformularam o ambiente físico, o currículo e a avaliação.

Houve e há diversos entendimentos do que seja educação inclusiva. Booth e


Ainscow (2002) priorizam a atenção para a escola em contraposição a outras concepções
que focalizam nos alunos em situação de inclusão as dificuldades a serem superadas.
Na concepção destes, os obstáculos ao aprendizado e à participação de todos os alunos
são tidos como desafios da escola. A partir disso, os autores criaram um Index que
verifica o quanto uma escola é inclusiva e o quanto ela pode vir a ser mais inclusiva,
por decisão de seus próprios integrantes.

A proposta de Booth e Ainscow (2002) retoma uma discussão importante sobre


as condições objetivas de trabalho, que consiste em inverter a atenção do produto
para as condições de produção. Em termos educacionais: não se trata de dar ênfase
às dificuldades dos alunos, mas às condições da escola para enfrentá-las; aqui as
dificuldades dos alunos não são negadas, mas não são apresentadas como obstáculo.

44 Artigo originalmente publicado na Revista Imagens da Educação, Maringá, v. 1, p. 71-87, 2011.


45 Docente do Instituto de Psicologia da USP.
46 Psicólogo formado pelo Instituto de Psicologia da USP.
47 Psicólogo formado pelo Instituto de Psicologia da USP.
48 Graduanda em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.
49 Mestranda em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP.
50 Docente da UNIFESP - Campus de Diadema.

168 169
Deste modo, a inclusão deve levar em conta todos os participantes da educação, pois, Com isso, as críticas que se voltam à escola não significam o enunciado de seu fim.
do contrário, ao priorizar apenas aqueles com ‘necessidades educacionais especiais’, Como todas as instituições sociais em uma sociedade contraditória, a escola também
as dificuldades dos demais podem não ser contempladas e as dos que são assim o é: ela forma o indivíduo para se adaptar à organização social existente, mantém
classificados podem ser superestimadas. práticas que encaminham à regressão social, que simultaneamente contribuem com a
crítica que aponta para a emancipação.
Com os diversos indicadores apresentados no Index (BOOTH e AINSCOW, 2002),
forma-se um conceito do que é educação inclusiva. Nesse Index, os indicadores estão Booth e Ainscow (2002) também ressaltam a pobreza como uma pressão
agrupados sob três fatores, dos quais a formação de uma “cultura inclusiva” é a base, contra a qual os professores pouco podem fazer. De fato, essa é uma consideração
seguida de “políticas” e “práticas inclusivas”. Essa proposição afasta-se daquelas em fundamental, que indica os limites da luta política da educação nesta sociedade.
que a ênfase é dada aos obstáculos para a aprendizagem, pois pensa a questão a Se esta sociedade incita seus membros a competirem entre si e produz pobreza, a
partir da decisão dos homens, que se apresenta nas esferas da cultura, da política e educação não pode ser pensada sem sua determinação social. Ainda que possa ter uma
da práxis, como se a cultura inclusiva fosse uma questão de vontade, apesar de todos relativa autonomia frente à sociedade, a educação também investe contra si própria
os obstáculos objetivos. Os autores notam essa inversão entre condições concretas ao pretender implantar o que em sua base é negado: a igualdade de condições para
e decisão política quando indicam que a competição suscitada socialmente não é os diferentes tipos de indivíduos. Importante também destacar que essa delimitação
pertinente à educação inclusiva que busca trabalhar com a cooperação de todos. Nas não deve implicar no abandono da implementação da educação inclusiva. Como para
suas palavras: a sua realização é necessária uma mudança social radical, a educação inclusiva se
torna uma proposta subversiva, uma vez que sua implantação não pode ocorrer com o
Inclusão é considerada como a ‘chave’ da política governamental de educação.
Entretanto, muitos professores argumentam que eles têm que trabalhar duro incitamento à competição necessária à manutenção do status quo.
para minimizar as pressões excludentes das políticas que, ao encorajarem a
competição entre as escolas, podem levar a uma perspectiva limitada de sucesso Se a escola é determinada socialmente, sua trajetória também expressa a
de estudantes. Muitas barreiras à aprendizagem e à participação residem em
história da sociedade e se a educação inclusiva é proposta recente, deve-se pensar no
contextos sobre os quais as escolas têm pouco controle. As barreiras mais
poderosas ao sucesso permanecem sendo aquelas associadas à pobreza e ao que a possibilitou. Com a automação e uniformização dos diversos setores produtivos a
stress que ela produz (Booth e Ainscow, 2002, p.14). formação para o trabalho pode ocorrer cada vez mais fora dos muros escolares; além
disso, as decisões a serem tomadas pelo trabalhador, mesmo o de alto nível, dependem
Ao expressarem ser a inclusão a ‘chave’ da política governamental, estão
pouco ou nada dele, sendo necessária menor qualificação derivada do ensino formal
se referindo à Inglaterra, posto que se na política brasileira a educação inclusiva é
para as suas atividades. Se a educação para o desenvolvimento de competências
regulamentada, nas discussões educacionais é questionável se tem lugar central.
e habilidades para o trabalho responde a necessidades já socialmente anacrônicas
Quanto às políticas que encorajam a competição entre as escolas, talvez estejam se
decorrentes da automação crescente, surgem propostas de alteração em seu modelo.
referindo aos exames nacionais, aos quais Apple (2002) faz uma crítica contundente.
Assim, a montagem em série, que na educação se expressa em classes homogêneas
Para este autor os exames apontam para a mudança de ênfase das ‘necessidades’ para
de acordo com o rendimento dos alunos, dá lugar a outras conformações grupais. Não
o ‘desempenho’ dos alunos como resultado da pressão de mercado sobre a escola. Sob
só alunos significativamente diferentes (AMARAL, 1995) passam a frequentar classes
esta perspectiva, o bom aluno é aquele que talvez não precise da escola e os alunos
regulares, como essas classes tornam-se heterogêneas. Não casualmente, as propostas
que precisariam de maior atenção ficam com menos acesso aos recursos, uma vez que
de Melero (1996) e de Pacheco (2007), assim como a de Ainscow (1997) ressaltam a
estes devem ser destinados ao melhor resultado da escola nos exames. Nos exames
importância da diversidade. A defesa da heterogeneidade pode ser entendida como
nacionais a diversidade, princípio caro à educação inclusiva, não é contemplada.
compensação à homogeneidade existente quer na esfera da produção, quer na do
Quando a avaliação dos alunos não considera as condições da escola para formá- consumo de bens materiais e culturais, e pode também servir à ideologia, uma vez
los, abandona-se a reflexão sobre a própria formação. Certamente, o que é avaliado que, nesta sociedade, a diferença dificilmente se destaca a não ser como falha diante
responde também a necessidades sociais que a escola pretende auxiliar a satisfazer. da padronização, ou então, como detalhe que dá aparência de o idêntico ser diferente.

170 171
A proposta contida no Index (BOOTH e AINSCOW, 2002) acentua as diferenças de de alteração para se tornarem cada vez mais inclusivas. Cabe perguntar se não seria
todos e não apenas daqueles com necessidades educacionais especiais. Claro que isso só adequado utilizá-lo também como um instrumento de pesquisa para verificar o quanto
é possível se é feita a crítica à padronização cultural, enunciada no parágrafo anterior; as escolas são ou não inclusivas de forma a compará-las entre si. A discussão não é
caso contrário, são falsas as diferenças a serem buscadas. Mais do que isso, é objetivo simples.
da educação diferençar e assim, antes dela ter feito seu trabalho, os indivíduos são
Para dizer se uma escola é mais ou menos inclusiva, é necessária uma avaliação
pouco diferentes entre si; se essa diferenciação ocorre pela incorporação da cultura
objetiva que envolva, de um lado, fatores imediatamente observáveis: a existência
e se a escola é uma das instituições sociais principais na transmissão dessa cultura,
de adaptação do ambiente físico aos cadeirantes, aos que têm deficiência visual; a
é pertinente a defesa da cultura inclusiva feita pelos autores contra os obstáculos
existência de carteiras escolares para alunos canhotos ou obesos etc.. De outro lado,
extraescolares e contra os que existem nas escolas.
também é importante contar com indicadores relacionados ao projeto pedagógico
A partir do Index (BOOTH e AINSCOW, 2002), a diferenciação na educação entre como concepção de educação inclusiva, política contra violência, e assim por diante.
integração e inclusão, ainda que traga elementos importantes, ganha nova perspectiva
A oposição ao uso de técnicas objetivas para avaliação desconsidera que só há
de discussão, pois não se trata somente de enfatizar se é o aluno a se adaptar à
objetividade com o desenvolvimento da subjetividade; e as categorias que surgem
escola ou essa a ser substancialmente modificada para incluir o aluno. Ambas as
sob a forma de indicadores em um inventário tal como proposto neste artigo, são
propostas - integração e inclusão – em algum nível revelam a intenção na direção
ilustrações dessa subjetividade em forma objetiva. O que se opõe a isso é expressão
da entrada daqueles que foram excluídos da escola regular, mesmo que em menor
insuficiente da subjetividade que ainda não se permite converter em conceitos. As
ou maior intensidade. Se a discussão sobre a educação inclusiva põe novas questões,
técnicas de investigação podem ser classificadas em quantitativas ou qualitativas,
não devemos abandonar o que a escola já conseguiu obter de avanços e, assim, a
mas os resultados obtidos sempre podem ser expressos objetivamente. Cabe lembrar
adaptação a ela também é desejável.
também a asserção de Horkheimer e Adorno (1973) de que numa investigação a técnica
As discussões realizadas sobre o fracasso escolar que deslocam as dificuldades é escolhida segundo seu objetivo e assim a questão não se põe nas características do
para os alunos, especificando seus déficits, deixam de criticar a escola e as funções instrumento, mas no interesse da pesquisa.
que a sociedade delega a ela, negligenciando que, em uma sociedade contraditória,
O Index (BOOTH e AINSCOW, 2002) pode ser utilizado como base para
os interesses são conflituosos. É necessário explicitar o caráter de arregimentação
instrumentos que pretendam avaliar o quanto uma escola é inclusiva. Como medida,
ideológica da escola que, ao não ser posta em questão, entende que se há falha,
descreve uma situação estática que permite inferências do dinamismo da situação. Um
esta reside nos alunos ou nos professores. O conteúdo, o pensamento, suas formas
instrumento desse tipo também expressa uma concepção de educação inclusiva que
de expressão e mesmo as relações pessoais ali presentes são assim compreendidos
permite gradações possibilitando a comparação entre escolas.
numa realidade estática, em uma sociedade sem movimento, que nega a história.
De outro lado, o diagnóstico da escola que a considera alheia à realidade e por isso Uma educação inclusiva efetiva requer a análise crítica dos modelos e
pouco motivadora também busca uma adaptação imediata à sociedade existente ao experiências já realizados. Para tanto, é relevante a utilização de instrumentos de
considerar que esta deva se voltar somente para as necessidades sociais e não para a pesquisa adequados à descrição precisa e à análise criteriosa do objeto investigado.
percepção do que é necessário alterar para que se torne justa. Assim, responsabilizar Nesse sentido, delimitou-se como objetivo deste artigo a descrição e análise de um
a escola ou os alunos pelo fracasso escolar é não perceber a determinação social que instrumento de coleta de dados: Formulário para caracterização de escolas inclusivas,
transcende o âmbito escolar ao mesmo tempo em que lhe é imanente. elaborado com a finalidade de medir o grau de inclusão das escolas. A análise tem como
objetivo verificar a validade de conteúdo do instrumento, a proposição de pontuação
O Index (BOOTH e AINSCOW, 2002) tem como objetivo fazer com que os
para o mesmo e a sua fidedignidade.
integrantes das escolas repensem suas ações a partir da reflexão sobre indicadores de
existência ou não de culturas, políticas e práticas que sejam inclusivas e é proposto como
forma de autoavaliação por parte das escolas a fim de que pensem nas possibilidades
172 173
Método Análise dos Resultados

Material Estrutura do Instrumento


O instrumento Formulário para caracterização de escolas inclusivas (ver anexo O quadro abaixo expõe os agrupamentos das questões por categoria e os
1) foi elaborado a partir do Index produzido por Booth e Ainscow (2002), com o objetivo respectivos objetivos de cada categoria.
de caracterizar escolas segundo seu grau de inclusão e é composto por oito questões,
seis com alternativas de respostas e duas abertas. Quadro I: Categorias, questões do formulário e objetivos das questões.

Procedimentos Categoria Questões Objetivos

a) Coleta: Caracterização geral da escola 1,2,3 Caracterização geral da escola.

Foram visitadas, nos últimos três anos, seis escolas, quatro particulares e duas
Avaliar se a escola possui condições mínimas
públicas, todas localizadas na cidade de São Paulo. Os diretores ou os coordenadores Condições gerais de inclusão 4,5,6,7
para que todos os alunos possam aprender.
pedagógicos das escolas responderam as questões do formulário, com exceção das
questões 4 e 5, cujas respostas foram obtidas na secretaria da escola, e da questão 7,
Avaliar se a escola possui recursos específicos
que foi respondida por meio de observações específicas da estrutura física da escola,
Condições específicas de para que alunos em situação de inclusão
realizadas em uma segunda visita. 7a,7b,8
inclusão possam aprender e utilizar minimamente as
dependências da escola.
a) Análise:

Para a análise do instrumento, seguiram-se as seguintes etapas:


Em todas as questões classificadas, houve acordo entre pelo menos quatro dos
1- Para verificar a estrutura do instrumento, foram criadas categorias para
cinco juízes, o que indicou que a estrutura proposta, em princípio, é adequada.
agrupar as questões do formulário. Cinco juízes – pesquisadores do Laboratório
de Estudos sobre o Preconceito do Instituto de Psicologia da USP – classificaram, Conforme exposto no Quadro I, a estrutura do instrumento é composta de três
individualmente, as questões nessas categorias; fatores: um para a caracterização da escola e outros dois que avaliam as condições
gerais e específicas propiciadoras da inclusão escolar.
2- Para estabelecer uma pontuação adequada para as questões, argumentou-se,
para cada uma delas, qual o significado da atribuição de pontos, de sua não 1- Pontuação das Questões do Instrumento
atribuição ou da pontuação intermediária. O instrumento foi considerado de
mensuração ordinal (Siegel, 2006). A partir da classificação descrita acima, nos próximos quadros será exposta a
pontuação para cada questão, por categoria.
3- Para saber se há ou não fidedignidade na mensuração, três juízes avaliaram
as questões respondidas na coleta, individualmente. Foram calculados
Coeficientes de Concordância de Kendall (Siegel, 2006) para cada categoria e
para o instrumento como um todo.

4- Por fim, procedeu-se à comparação das escolas pesquisadas, por meio da


porcentagem de pontuação que obtiveram em relação ao total de pontos
possíveis, para verificar se o continuo de mensuração do instrumento contém
variabilidade suficiente para diferir escolas.
174 175
Quadro II: Pontuação das questões da categoria Caracterização geral da escola se de um problema o fato de algumas escolas só aceitarem alunos em situação de
inclusão quando estes estão iniciando sua vida escolar, o que implica em dificuldades
Foco da Questão Pontuação
para encontrar escolas que os aceitem quando estiverem em níveis superiores. Assim,
1 - A escola é pública ou privada ▪0 ponto para escolas particulares, uma escola que também disponibilize o nível médio pode oferecer mais garantias para
a conclusão da formação. Comparando a questão com a primeira, julgou-se que esta
▪0,5 pontos para as escolas públicas.
devesse ter uma menor pontuação, pois a anterior diz respeito a um problema social
2 - Ano de fundação da escola Não há pontuação. mais abrangente.

▪0 ponto para apenas 1 nível de ensino, O Quadro III traz a pontuação para as questões da categoria Condições gerais
de inclusão:
▪0,1 pontos para 2 níveis,
3 - Níveis de ensino atendidos Quadro III: Pontuação das questões da categoria Condições gerais de inclusão
▪0,2 pontos para 3 níveis,
Foco da Questão Pontuação
▪0,3 pontos para 4 níveis.
Considerando os períodos manhã, tarde ou integral:

▪0 ponto para apenas um período,

Conforme se pode observar no Quadro II, a pontuação máxima nessa categoria é ▪0,25 pontos para dois períodos,
4 - Período de funcionamento
0,8 pontos. A justificativa da pontuação da primeira questão deriva do fato de sermos ▪0,5 pontos para três períodos;
uma sociedade de classes, organizada de acordo com distintas formas de acesso
aos bens e ao capital, e, assim, uma escola que se propõe a receber qualquer aluno Além disso, a presença de um período noturno acresce 0,5 pontos
à pontuação da escola.
independentemente de sua renda é mais inclusiva, recebendo maior pontuação do que
uma escola paga. Por outro lado, pode-se argumentar que na escola pública a contratação Um ponto é referente à proporção de alunos em sala de aula:
de professores ocorre por meio de concursos públicos, que não necessariamente exigem
▪0 ponto para mais que 30 alunos por sala,
do profissional algum compromisso com a educação inclusiva, enquanto que, na escola
particular, a contratação de professores pode ter como condição necessária a adesão ▪0,5 pontos para salas com 25 a 30 alunos,

desse professor à política pedagógica da escola. O primeiro argumento é sustentado ▪1 ponto se houver até 25 alunos por sala.
5 - Número de salas de aula,
pelas diretrizes da política nacional em educação: toda escola pública deve matricular
número total de alunos, Outro ponto é referente à proporção de alunos com deficiência em
qualquer criança, sem restrições. Já o argumento pedagógico se assenta na condição número de alunos em situação relação ao total de alunos1:
de que a escola particular pode adotar ou não a educação inclusiva e assim contratar de inclusão e número de
professores favoráveis a esta política. Ponderou-se que o primeiro argumento possui professores ▪0 ponto para proporção menor que 4,5% ou maior que 24,5%,

maior força por não depender de outros fatores e assim decidiu-se atribuir pontuação ▪0,5 pontos para a proporção entre 4,5% e 9,5% ou entre 19,5% e
à escola pública e não à particular. 24,5%,

A questão 2 não recebeu pontuação, uma vez que unicamente caracteriza a ▪1 ponto se a proporção de alunos com deficiência na escola, em
relação ao número total de alunos for entre 9,5% e 19,5%.
escola.
_______
Em princípio considerou-se que a questão 3 não deveria ser pontuada, ponderou- 1 Tomando como referência o valor de 14,5% (ver nota de rodapé 3) como sendo a proporção ideal entre alunos com
deficiência em relação ao total de alunos, as porcentagens expostas aqui para a pontuação foram propostas para abranger situações
se, contudo, que uma escola que oferece mais níveis de ensino, abrangendo diferentes intermediárias, assumindo uma margem de variação de 5 pontos. É interessante ressaltar que a pontuação, da forma sugerida,
leva em consideração o aspecto negativo não apenas de uma proporção muito baixa como também o de uma proporção muito alta.
faixas etárias, proporciona a convivência entre alunos com idades diversificadas. Trata- ponderação da sua pontuação, sendo que seu percentual foi relativo ao máximo de pontuação que poderia obter (6,3).

176 177
Um ponto é referente à permanência de todos os alunos em sala
número de alunos por sala de aula. Tendo em vista os indicadores aceitos51, bem como
de aula regular: a possibilidade de valorização das situações intermediárias, um número próximo de
25 alunos por sala foi escolhido como referência para a pontuação. Com relação ao
▪se quase nunca fica na sala de aula, 0 ponto,
número de professores por série, inicialmente, considerou-se atribuir pontos de acordo
6 - Existência de modalidades ▪se é retirado da sala algumas vezes, 0,5 pontos, com a proporção de professores em relação ao número de alunos ou de salas. Contudo,
de trabalho específicas para
verificou-se que, devido à variedade de formas de atribuição de turmas aos docentes,
alunos com deficiência, com ▪se o aluno fica todo tempo em sala da aula, 1 ponto.
problemas de comportamento
o Formulário não pode apreender todas as variáveis implicadas para uma pontuação
Outro ponto é referente ao apoio oferecido aos alunos:
ou de aprendizagem adequada desse aspecto; deste modo, esta resposta não foi pontuada. Por fim, para
▪0 ponto se não oferece apoio, uma maior precisão do escore global da questão, julgou-se pertinente considerar o
número de alunos em situação de inclusão. É certo que os alunos em situação de
▪0,5 pontos se oferece apoio apenas aos alunos em situação de
inclusão não se reduzem aos alunos com algum tipo de deficiência. Entretanto, o
inclusão,
atendimento adequado a esses alunos é um indicativo do grau de inclusão da escola.
▪1 ponto se a escola oferece apoio a todos os alunos. Para pontuar esse aspecto, considerou-se a equivalência entre a proporção média
de alunos portadores de deficiência na escola e a proporção estimada52 de pessoas
▪0 ponto se não tiver nenhuma das construções,
portadoras de deficiência no Brasil segundo os dados do último Censo Demográfico
▪0,15 pontos se a escola tiver uma das construções (elevador, (IBGE, 2000). Portanto, além da pontuação obtida por meio do número de alunos por
7 - Construções que facilitam rampa, corrimãos),
o acesso a todos os espaços sala de aula, a escola também pode obter mais um ponto nesta questão se apresentar
da escola para alunos com ▪0,3 pontos se tiver duas das construções, uma proporção satisfatória de alunos portadores de deficiência, refletindo a situação
dificuldades de locomoção real da sociedade. Uma observação a respeito dessa questão se refere à dificuldade
▪0,5 pontos se tiver todas as construções,
em obter alguns destes números quando da coleta de dados. É possível que por
(O item outros substitui um item com resposta negativa). alguma especificidade da escola esses dados não sejam obtidos, tornando impossível
a pontuação para essa questão. Como consequência, a escola pode vir a perder 1 ou 2
pontos. É o caso da escola C, a ser analisada no próximo tópico.
Conforme se pode observar no Quadro III, a pontuação máxima nessa categoria
é 5,5 pontos. A questão 6 permite verificar o tipo e a qualidade da atenção fornecida aos alunos
em situação de inclusão, mas também a todos os outros alunos. Considera diferentes
Na questão 4, o primeiro aspecto considerado foi a oferta de curso noturno, alternativas, como a inserção integral em sala de aula regular, o acompanhamento
pois essa oferta, para os alunos que trabalham durante o período comercial e têm parcial ou integral em salas especiais e as diferentes modalidades de apoio. Como
disponível apenas o período noturno, pode ser um dos indicativos do grau de inclusão se compreende que a manutenção de classes especiais em escolas regulares, ainda
da escola. Todavia, também não se pode desconsiderar a função inclusiva dos cursos que diminua a distância física entre os diferentes alunos, repete o mesmo tipo de
regulares oferecidos nos demais períodos, com o entendimento de que quanto mais segregação outrora produzido pelas escolas especiais, concluiu-se que esta questão
períodos de funcionamento a escola mantiver, mais alunos podem ser atendidos e, deveria ser complementada por uma análise qualitativa das formas de apoio oferecidas
portanto, maior a tendência à inclusão. Desta forma, estabeleceu-se uma pontuação pela escola – salas de apoio, reforço, aceleração, recursos e dispositivos semelhantes.
que considerasse a oferta de cursos regulares em todos os períodos, mas que também Com base nessas ponderações, estipulou-se a seguinte pontuação, atribuída em duas
reconhecesse o período noturno como um fator diferencial, já que permite o acesso etapas: 1 ponto referente à permanência de todos os alunos em sala de aula regular –
das camadas sociais mais pobres à escola.
51 No Brasil, o Projeto de Lei Nº 597, de 2007 (já aprovado em Assembleia, mas ainda, até o momento, esta sob análise do
Senado), que altera o art. 25 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, tem no seu Art. 2º a proposta de que o número máximo de alunos
A questão 5, por trazer diversos indicativos quantitativos, foi analisada ponto nos cinco primeiros anos do ensino fundamental seja de 25 alunos por professor.
52 24,6 milhões de pessoas apresentam pelo menos uma das deficiências enumeradas (visual, motora, auditiva, mental e
a ponto, separadamente. O primeiro aspecto considerado foi a proporção média do física) – cerca de 14,5% da população brasileira (IBGE, 2000).

178 179
abolição da segregação – e 1 ponto referente ao apoio oferecido aos alunos – ensino de Quadro IV: Pontuação das questões da categoria Condições específicas de inclusão
qualidade53.
Foco da Questão Pontuação
Os dados obtidos por meio da questão 7 permitem mensurar o grau de inclusão ▪0 ponto se não tiver nenhuma construção
da escola em relação à acessibilidade – elevadores, rampas e corrimãos – das pessoas
com dificuldade de locomoção às dependências e recursos internos da escola. Essa 7a - Construções/ mobiliários ▪0,15 pontos se a escola tiver uma das construções
questão poderia, em princípio, ser pensada como pertencente à categoria Condições que facilitam o uso dos (mobiliário para canhotos e obesos, banheiros adaptados)

específicas de inclusão, por se reportar às necessidades de pessoas com dificuldades espaços da escola para os
▪0,3 pontos se tiver duas das construções
de locomoção. Contudo, é de se notar que a questão, ao se referir à acessibilidade alunos com dificuldades de
locomoção ▪0,5 pontos se tiver todas as construções.
aos espaços, permite apreender uma característica da escola da qual todas as demais
pessoas também podem ter proveito, o que não acontece necessariamente com as (O item outros substitui um item com resposta negativa).
questões 7a e 7b, referentes à utilização e à circulação nos espaços. Tendo isso em
▪0 pontos para dois tipos de obstáculos (degraus, objetos
vista, decidiu-se por colocar a questão na presente categoria. A pontuação total da
nos corredores),
questão é 0,5 pontos, distribuído pela pontuação de cada item. Essa pontuação de 7b - Obstáculos que
cada um dos itens está condicionada a dois aspectos: à necessidade objetiva de uma dificultam a circulação de ▪0,25 pontos para um tipo de obstáculo
determinada construção – não há necessidade de elevador em uma escola térrea, por alunos com dificuldades de
locomoção ▪0,5 pontos para nenhum obstáculo.
exemplo – e à sua funcionalidade – sem inclinação adequada uma rampa não cumprirá
sua função. A questão resguarda ainda, por meio do item ‘outros’, a possibilidade de (O item outros substitui um item com resposta negativa).
pontuar outra forma de construção não mencionada nas alternativas, mas que seja ▪0 ponto se nenhum recurso
alternativa eficiente para supressão de alguma construção necessária; neste caso,
▪0,5 pontos para um recurso
pode ser substitutiva de alguma resposta negativa.

8 - Recursos para superar ▪1 ponto para dois recursos (método braile, linguagem de
A seguir, o Quadro IV apresenta a pontuação para as questões da categoria
obstáculos de aprendizagem sinais).
Condições específicas de inclusão:
Caso não tenha recurso ou apenas um, considera-se a
qualidade da resposta do item outros, com pontuação
máxima de 0,25 pontos.

Pode-se observar, pelo Quadro IV, que a pontuação máxima nessa categoria
é 2 pontos.

A questão 7a avalia as condições de utilização dos espaços da escola: banheiros


adaptados e mobiliários adequados para alunos canhotos e obesos. A escola pode
agregar 0,5 pontos, de acordo com a distribuição da pontuação pelos seus itens. A
pontuação referente ao banheiro adaptado está condicionada ao aspecto facilitador
– um banheiro adaptado sem barras de sustentação não facilita o uso – e a pontuação
referente aos mobiliários está relacionada à possibilidade do aluno canhoto e/ou
obeso conseguir assistir aula em qualquer sala da escola. Essa questão também possui
53 É bem sabido que o oferecimento de apoio não implica necessariamente em boa qualidade de ensino. Contudo, foi aqui
tomado como passível de análise o fato de que, se ao menos o apoio é oferecido, já existe um indicativo da busca pela qualidade de o item ‘outros’, que compreende situações similares àquelas da questão anterior.
ensino naquela escola.

180 181
A questão 7b refere-se à existência de obstáculos que eventualmente dificultem Tabela 1: Escores atribuídos pelos juízes à categoria Caracterização geral da escola
a circulação nos espaços da escola, como degraus e objetos nos corredores, e parte
Caracterização geral da escola
do princípio de que quanto menos obstáculos, mais fácil a circulação pelos espaços.
Escolas Juiz 1 Juiz 2 Juiz 3 Média Desvio Padrão
A pontuação corresponde a respostas negativas de seus itens. Como assinalado em
A  0,30  0,30  0,30 0,30 0,00
relação à questão 7a, neste caso, também, ocorre a necessidade de uma avaliação
B  0,30  0,30  0,30 0,30 0,00
qualitativa dos itens mencionados, pois o fato de haver degraus ou objetos no corredor
C  0,60  0,60  0,60 0,60 0,00
não necessariamente constitui um obstáculo à circulação: um degrau pode ser superado
D  0,20  0,20  0,20 0,20 0,00
com uma rampa e um objeto pode ser bem posicionado e/ou sinalizado. O item ‘outros’ E  0,30  0,30  0,30 0,30 0,00
cumpre a mesma função que nas duas questões anteriores. F  0,60  0,60  0,60 0,60 0,00

O objetivo da questão 8 é verificar se a escola oferece recursos como método


braile e linguagem dos sinais, sem os quais a aprendizagem fica impossibilitada para Como se pode observar na tabela 1, e como foi assinalado, não houve divergência
alunos surdos e cegos. Neste caso, devido à especificidade desses recursos, o item entre os juízes na atribuição de pontos para cada uma das questões da categoria em
‘outros’ não possui caráter substitutivo como nas questões anteriores; está ligado ao pauta. Cabe destacar que três escolas tiveram escores iguais, o mesmo ocorrendo com
elemento imprevisível ou incomum, como, por exemplo, a presença de um intérprete outras duas escolas.
que favoreça a aprendizagem de um estrangeiro. Nesse sentido, as respostas obtidas
nesse item somente serão pontuadas quando a escola possuir os recursos diretamente A tabela abaixo traz os escores atribuídos pelos juízes à segunda categoria do
mencionados (método braile e linguagem de sinais) ou somente possuir um deles. De formulário.
todo modo, como isto não substitui os dois recursos necessários, a pontuação do item
‘outros’ será de 0 ou 0,25, dependendo de uma análise qualitativa.
Tabela 2: Escores atribuídos pelos juízes à categoria Condições gerais de inclusão

2- Fidedignidade da pontuação Condições gerais de inclusão


Escolas Juiz 1 Juiz 2 Juiz 3 Média Desvio Padrão
Os resultados da pontuação atribuída às respostas do formulário aplicado a A 2,75 2,75 2,75 2,75 0,00
seis escolas podem ser observados nas tabelas 1, 2, 3 e 4, expostas a seguir. Para sua B 2,90 2,90 2,90 2,90 0,00
C 1,55 1,55 1,55 1,55 0,00
análise foram atribuídos quatro escores para cada escola: um escore parcial para as D 2,90 2,90 2,90 2,90 0,00
categorias um, dois e três e um escore global; quanto maior o escore, mais a escola E 2,40 2,55 2,40 2,45 0,09
pode ser considerada inclusiva. Conforme já indicado anteriormente, utilizou-se o F 1,40 1,90 1,90 1,73 0,29
Coeficiente de Concordância de Kendall para verificar se a concordância entre os juízes
é significante ou não, ao nível de α=0,05, verificando-se a fidedignidade da pontuação
No que concerne às condições gerais de inclusão, o coeficiente de Kendall
proposta; não foi necessário investigar a fidedignidade da primeira categoria, pois
obtido foi muito satisfatório (W=0,97), não restando dúvidas quanto à coerência
as suas alternativas de resposta são objetivas e independem de interpretação dos
das interpretações dos juízes a respeito dos aspectos que não são redutíveis à mera
avaliadores, de todo modo, apresentamos na tabela 1 as avaliações dos juízes .
constatação de procedimentos ou de recursos e instalações adequadas, mas sim ao
A tabela 1 traz a pontuação atribuída pelos juízes separadamente às questões fato de poderem ou não ter qualidade e funcionalidade favoráveis à inclusão.
da categoria ‘Caracterização geral da escola’.
Vale lembrar que a escola C não obteve a pontuação referente à questão 5,
perdendo a possibilidade de somar até 2 pontos nessa categoria. Contudo, o objetivo
do artigo se restringe à discussão do instrumento e à verificação da fidedignidade da
182 183
pontuação proposta, não sendo prevista a análise efetiva das escolas. Dessa forma, A tabela 4 permite visualizar que, em relação ao escore global atribuído
importa ressaltar que, independentemente da escola C não ter sido avaliada em relação às escolas, a concordância entre os juízes foi alta, resultando um coeficiente de
à questão 5, houve grande concordância entre os juízes na atribuição dos pontos às concordância de Kendall muito alto (W= 0,97).
questões dessa categoria, comprovando-se a coerência da pontuação proposta.
Assim, é possível afirmar, pela análise dos dados constantes nas tabelas expostas
Na tabela 3, são apresentados os escores atribuídos às seis escolas na categoria nessa seção, que a pontuação proposta tem boa objetividade.
Condições específicas de inclusão:
Embora não seja objetivo deste artigo, cabe observar que as pontuações mais
Tabela 3: Escores atribuídos pelos juízes à categoria Condições específicas de inclusão altas foram obtidas pelas escolas privadas (A, B, D e E). É preciso, contudo, relembrar
que, por se tratar de mensuração ordinal, não é possível afirmar o quanto uma escola
Condições específicas de inclusão avaliada é melhor que a outra, apenas que é mais ou menos inclusiva.
Escolas Juiz 1 Juiz 2 Juiz 3 Média Desvio Padrão
A 1,00 1,00 1,00 1,00 0,00 3- Amplitude da variabilidade do instrumento
B 0,55 0,55 0,55 0,55 0,00
C 0,15 0,50 0,15 0,27 0,20 A tabela abaixo é destinada à apresentação do percentual da pontuação total
D 0,55 0,15 0,15 0,27 0,20 obtida pelas escolas em relação à pontuação máxima que seria possível (8,3); permite
E 0,40 0,40 0,40 0,40 0,00
F 0,55 0,55 0,55 0,55 0,00 comparar as escolas em relação ao grau de inclusão medido por esse instrumento.

Tabela 5: Média e desvio padrão dos escores dos juízes do Percentual de inclusão das escolas
Especificamente relacionadas com os recursos que facilitam o acesso aos Escolas Média (%) Desvio Padrão
diversos ambientes da escola, as questões que compõem esta categoria, tal como A 48,80 0,00
formuladas, reservaram alguma margem de variação à atribuição de pontos por meio B 45,20 0,00
C2 38,30 0,03
do item outros. Passível de interpretação, esse item contribui, particularmente nos D 40,70 0,03
casos das escolas C e D, para um coeficiente de Kendall mais baixo (W=0,83) do que no E 38,30 0,01
F 34,70 0,03
caso das demais categorias. Entretanto, apesar dessa variação, ainda assim o resultado
A variação dos percentuais dos escores das escolas em relação ao total possível
dessa estatística permanece satisfatório, posto que numa amostra de seis elementos a
mostra a possibilidade do instrumento avaliar e discriminar, baseado em um modelo de
serem ordenados por três juízes, para a concordância ter sido significante no nível de
inclusão escolar, as diferentes características de cada escola que propiciem a inclusão.
α= 0,05, o W mínimo esperado é de 0,66. Pode-se verificar, segundo os dados dessa tabela, que, de seis escolas, apenas duas
Na tabela abaixo se encontram as pontuações atribuídas às escolas, referentes obtiveram percentual equivalente, sendo a amplitude entre o menor percentual e o
maior de 14,10. O instrumento também torna visível o fato de que, muito embora uma
ao escore total.
escola tenha obtido um escore alto em determinada categoria do formulário, isso não
Tabela 4: Escore global das escolas significa que, necessariamente, a escola tenha um grau de inclusão alto. De fato, as
escolas C e F, que obtiveram 75% do que seria possível na categoria ‘Caracterização
Formulário para caracterização das escolas
Média Desvio Padrão geral da escola’, na tabela acima apresentam respectivamente apenas 38,3% e 34,7%
Escolas Juiz 1 Juiz 2 Juiz 3
A 4,05 4,05 4,05 0,00 do total da pontuação. Ou seja, o instrumento tem a vantagem de poder revelar a
4,05
B 3,75 3,75 3,75 3,75 0,00 cada escola em quais categorias há defasagens a serem superadas, além de mostrar,
C 2,30 2,65 2,42 0,02
2,30 naquelas áreas em que a escola já possui um escore alto, o que ainda falta para se
D 3,65 3,25 3,25 3,38 0,23
3,15 0,09 tornarem mais inclusivas.
E 3,10 3,25 3,10 _______
F 2,55 3,05 3,05 2,88 0,29 2 Conforme citado anteriormente, a escola C não recebeu pontuação na questão 5, que correspondia ao máximo de 2
pontos. De forma a não prejudicar essa escola na comparação com as demais em relação ao escore global, procedeu-se à ponderação
da sua pontuação, sendo que seu percentual foi relativo ao máximo de pontuação que poderia obter (6,3).

184 185
Por fim, e talvez o mais importante como finalidade política, o instrumento dos homens em classes sociais antagônicas. Contudo, a busca pela realização dessa
permite que sejam desvelados mitos em relação à inclusão que hoje está sendo meta indica tanto os limites quanto os potenciais presentes na esfera da educação;
implementada no Brasil, na medida em que, pela tabela acima, nota-se que nenhuma especialmente no âmbito da educação inclusiva.
das escolas oferece nem ao menos 50% daquilo que o instrumento, com metas já
A reflexão sobre algumas das questões pertencentes à categoria Condições gerais
limitadas às possibilidades presentes nas condições sociais vigentes, permite apreender
de inclusão, como as referentes à existência de modalidades de trabalho específicas
do que é necessário para uma educação efetivamente inclusiva, para uma educação
para alunos com deficiência, com problemas de comportamento ou de aprendizagem
para todos.
e ao número de alunos em situação de inclusão em sala de aula, revelou que não há
Considerações Finais uma relação linear de sua amplitude com o grau de inclusão: a proposta de oferecer
recursos unicamente para os alunos considerados em situação de inclusão, ainda que tal
A análise estrutural do instrumento para avaliação do grau de inclusão das
ação possa favorecer o seu aprendizado, pode repor as condições de ensino especial;
escolas desenvolvida neste artigo, assim como as justificativas elaboradas para as
o mesmo pode ser dito se é muito grande o número de alunos em situação de inclusão.
pontuações atribuídas às respostas das questões, fundamenta-se na noção de educação
inclusiva proposta por Booth e Ainscow (2002). Foram analisados não somente a Dentre as questões propostas no instrumento, destaca-se o fato de a escola ser
validade de conteúdo e a fidedignidade, mas também a relevância dos aspectos que pública ou privada. Mais do que mera distinção administrativa, a natureza jurídica da
permite medir segundo uma noção de educação inclusiva que visa à análise crítica dos instituição escolar está relacionada às condições de acesso à educação, pois a educação
modelos e possibilidades de inclusão, destacando-se, sobretudo, o que é possível nas que está subordinada ao lucro financeiro não pode ser efetivamente para todos.
atuais condições sociais.
Das considerações acerca da justificativa das pontuações obtidas de cada
De acordo com a concepção aqui apresentada, de que, em consonância com a questão na categoria Caracterização geral da escola, ressalta-se que uma escola que
defesa dos direitos das minorias historicamente excluídas da escolarização regular, a pretenda ser inclusiva não pode negligenciar a oferta de diversos níveis de ensino em
educação inclusiva deve se dirigir efetivamente para todos, o instrumento de avaliação diferentes horários. Além disso, no que se refere às questões relacionadas à categoria
proposto é composto por categorias que abrangem tanto as condições específicas quanto das Condições gerais de inclusão, deve oferecer investimentos no espaço físico, nos
às condições gerais de inclusão, porém não se buscou um equilíbrio artificial entre materiais existentes e na manutenção de todos os alunos em sala de aula o maior
ambos os aspectos e sim a valorização dos elementos que, segundo a concepção de tempo possível durante o período letivo.
educação inclusiva adotada, são essenciais à inclusão de todos. Conforme demonstrado
O número de alunos em sala de aula, sua proporção diante do número de alunos
na análise dos resultados, a estrutura do instrumento corresponde a um conjunto
em situação de inclusão e o número de professores também são variáveis que devem
de aspectos da educação inclusiva considerado imprescindível para a qualidade da
ser consideradas, embora no instrumento apresentado apenas tenha sido possível
educação de todos, portando não é casual que compreenda uma atribuição maior de
estabelecer pontuação para os dois primeiros aspectos, a pontuação do terceiro
pontos à categoria Condições gerais de inclusão do que às outras categorias: são 5,5
permanece como uma questão a ser desenvolvida em futuras investigações.
pontos num total de 8,3.
No que diz respeito à aplicação do instrumento nas escolas, as instituições
É importante enfatizar que não é fortuito o fato de o instrumento valorizar
privadas tiveram pontuação total mais alta, mesmo com a distinção positiva dada pelo
mais as boas condições de acesso aos espaços do que as Condições específicas de
instrumento (0,5 ponto na questão 1) para as escolas públicas. Tal resultado revela que,
inclusão (utilização dos espaços e favorecimento da circulação pela escola) que,
mesmo com o reconhecimento que o instrumento oferece de que é mais inclusiva uma
obviamente, não podem ser deixadas de lado, mas não necessariamente irão beneficiar
escola que não condiciona o seu acesso ao pagamento de mensalidades, o investimento
a todos. Trata-se da afirmação de uma perspectiva que compreende a abrangência
em itens da categoria Condições gerais de inclusão, capazes de oferecer objetivamente
e importância social da escola. A educação não poderá ser efetivamente para todos
a materialidade para que a educação ocorra, teve peso maior no computo global,
enquanto a sociedade que a produz e administra se mantiver estruturada na divisão
implicando que os dois fatores devem atuar conjuntamente: não basta a acolhida a
186 187
todos os alunos, é também necessário reconhecer as suas diferentes necessidades por A educação que, mesmo em nome dos direitos humanos, ainda privilegia o
meio de diversos investimentos. desempenho na apropriação de conteúdos, sobretudo aqueles destinados à adaptação
social em detrimento do desenvolvimento da capacidade de convivência pacifica com
O fato de o escore obtido pelas escolas privadas referentes à educação inclusiva,
o diferenciado, bem como de antemão determina os limites do desenvolvimento dos
no tocante às variáveis mensuradas pelo instrumento examinado neste artigo, ser maior
alunos com diferenças significativas, é resignada, deixando de exercer a crítica ao
do que o das escolas públicas reforça a existência da desigualdade social na medida
existente, ao mesmo tempo em que enfraquece a consciência necessária para a sua
em que o acesso às escolas com maior pontuação é restrito àqueles que podem pagar,
superação. A educação inclusiva - efetivamente destinada a todos - estabelece algumas
tornando evidentes as diferentes possibilidades de acesso reservadas a grupos sociais
das condições mais propícias para a destruição de antigos preconceitos, assim como
específicos.
também cria condições para que os homens possam se tornar capazes de vislumbrar um
A alta fidedignidade obtida pelas atribuições de valores pelos três juízes às mundo que, em sua totalidade, seja para todos.
questões do formulário para as seis escolas demonstra a objetividade quer das questões
quer das pontuações propostas. Isso permite uma boa confiança na avaliação que o
instrumento se propõe e as respectivas decisões que podem ser tomadas com base Referências Bibliográficas
nessa avaliação. Certamente, não poderá e nem deverá ser utilizado separadamente
AINSCOW, M. Educação para todos: torná-la uma realidade. In: AINSCOW, M. PORTER,
de outras formas de avaliação, mas mostra ser preciso quanto ao que visa mensurar.
G. e WANG, M., Caminhos para as escolas inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação
Deve-se destacar também, conforme já assinalado, que o instrumento permite Educacional, 1997.
classificar os desempenhos das escolas de acordo com uma escala de mensuração
AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência em companhia de Hércules. São Paulo: Robe,
ordinal, cujos valores máximo e mínimo não configuram valores absolutos quanto ao
1995.
grau de inclusão, mas sim indicativos estáticos de uma condição dinâmica. Conforme se
pode depreender dos indicadores apresentados por Booth e Ainscow (2002), nos quais APPLE, M. W. Podem as pedagogias críticas sustar as políticas de direita? Cadernos de
este instrumento de pesquisa é baseado, a pontuação máxima não corresponde ao Pesquisa, 116, p.107-142, julho/2002.
máximo de inclusão possível e sim a um grau de inclusão mais satisfatório em relação
BOOTH, T. e AINSCOW, M. Index para a inclusão: Desenvolvendo a aprendizagem e a
às condições presentes. A inclusão é um processo dinâmico e mesmo nas escolas que
participação na escola. Tradução: Mônica Pereira dos Santos. Produzido pelo Laboratório
obtiveram escores mais baixos há o reconhecimento de seus esforços rumo a uma
de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação - LaPEADE,
educação inclusiva.
FE-UFRJ: 2002. Disponível em: http://www.eenet.org.uk/index_inclusion/Index%20
O destino dos recursos a serem aplicados pela escola consiste em uma escolha Portuguese%20Brazil.pdf
política: se voltados ao desempenho individual para bom posicionamento da instituição
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W. Temas básicos de sociologia. São Paulo, Editora
em rankings ou voltados ao bem estar coletivo tal como proposto na educação inclusiva
Cultrix, 1973.
como destacado por Apple (2002) na introdução deste artigo; porém não é demais
lembrar que anterior a esta decisão está a existência ou não de recursos. Ou seja: a MELERO, M. L. La educación intercultural: la diferencia como valor. Conferência nas
educação requer investimentos e na presente amostra, embora a pontuação de todas IX Jornadas de educación y formación del profesorado. Universidade de Málaga, 1996.
as escolas seja inferior à metade daquilo que o instrumento pretende mensurar, as Disponível em: www.aulaintercultural.org/img/pdf/miguel_l_melero.pdf
escolas privadas estão demonstrando ter mais recursos do que as públicas, apontando
para a contradição entre o fato de a escola privada não ser para todos por sua própria MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Direito à Educação, Subsídios para a Gestão dos Sistemas
natureza ao mesmo tempo em que possui mais recursos para investir em infraestrutura, Educacionais. 2ª ed. Brasília: MEC/ SEESP, 2006. Disponível em: http://portal.mec.
beneficiando, consequentemente, a educação inclusiva. gov.br/seesp/arquivos/pdf/direitoaeducacao.pdf

188 189
PACHECO, J., EGGERTSDÓTTIR, R. & MARINÓSSON, G.L. Caminhos para a inclusão. Anexo 1
Porto Alegre: Artmed, 2007.
Formulário para caracterização de escolas inclusivas
SIEGEL, S. & CASTELLAN JR., N. J. Estatística não-paramétrica para ciências do
comportamento. Tradução de Sara Ianda Correa Carmona. 2ª ed. Porto Alegre:
Artmed, 2006. Nome da Escola:

1- Pública: ( ) Particular: ( ) 2- Ano de fundação:

3- Níveis de ensino atendidos:

( ) Ensino Infantil

( ) Ensino Fundamental I

( ) Ensino Fundamental II

( ) Ensino Médio

4- Período de funcionamento

Manhã ( ):

Tarde ( ):

Noite ( ):

Integral ( ):

5- Número de salas de aula, número total de alunos, número de alunos em situação de


inclusão e número de professores.

6- Existe alguma modalidade de trabalho específico para alunos com dificuldades de


aprendizagem, com problemas de comportamento ou deficiência?

190 191
Modalidade
Características
Funcionamento No de alunos No de salas
10
dos alunos
Classe especial
Sala de recursos Atitudes de Professores em Relação à Educação Inclusiva54
Reforço escolar
José Leon Crochík
Sala de aceleração
Acompanhamento Cintia C. Freller55
psicopedagógico
Outros Marian Ávila de Lima e Dias

7- Construções que facilitam o acesso a todos os espaços da escola para alunos com Marisa Feffermann56
dificuldades de locomoção.
Rafael Baioni do Nascimento57
Construções Sim Não Somente em alguns espaços Local
Elevadores Ricardo Casco58
Rampas
Corrimãos O movimento social ligado à educação inclusiva encontra-se historicamente
Outros
relacionado à luta por direitos civis, sobretudo ao que é conhecido pela inclusão daqueles
Observações: _______________ que são segregados ou marginalizados pela sociedade. Na Itália, por exemplo, segundo
Sanz del Rio (1996), está associado ao movimento conduzido por Franco Basaglia que
7.a – Construções/mobiliários que facilitam o uso dos espaços da escola para os alunos visava ao fim dos hospitais psiquiátricos.
com dificuldades de locomoção.
De acordo com alguns autores (Horkheimer & Adorno, 1947/1985; Martins,
Construções Sim Não Quantos Observações 1997), a estrutura de nossa sociedade é responsável pela constante exclusão de
Banheiros adaptados vários grupos. Na análise da sociedade capitalista do século XIX, Marx (1867/1984)
Mobiliário para alunos canhotos
evidencia a marginalização dos trabalhadores do sistema social e a segregação dos
Mobiliário para alunos obesos
Outros
que formam o exército industrial de reserva. Os trabalhadores, além das condições de
esgotamento físico e psíquico no trabalho, principalmente a partir do desenvolvimento
7.b - Obstáculos que dificultam a circulação de alunos com dificuldades de locomoção da maquinaria industrial, viviam em condições precárias e prejudiciais à sua saúde.
Obstáculos Observações A partir do desenvolvimento das máquinas, mulheres e crianças adentram no mundo
Degraus do trabalho e passam a ser exploradas pelo capital. As crianças não tinham condições
Objetos nos corredores sequer de serem educadas. Para que alguns pudessem ter uma vida confortável e
Outros cultivada, uma parcela ampla da população tinha de se contentar com a sobrevivência
e ser feliz quando conseguisse encontrar um emprego.
8- Há recursos para superar obstáculos de aprendizagem?

Recursos Sim Não Observações Apesar do ímpeto político, expresso nos movimentos do século XIX – as
comunas francesas, por exemplo – e no surgimento de regimes socialistas no século
Para utilização do método Braile
54 Artigo originalmente publicado na Revista Psicologia, Ciência e Profissão, Brasília, v. 29(1), p. 40-59, 2009.
Linguagem dos sinais 55 Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP; Psicóloga do Instituto de Psicologia da USP.
56 Doutora em Psicologia; Pesquisadora do Instituto de Saúde/SES/SP.
Outros 57 Doutorando no curso de Pós-Graduação em Psciologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP.
58 Doutor pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP; Bolsista PRODOC
da Universidade de São Paulo.

192 193
XX, o proletariado não se emancipou. Ao contrário, segundo Marcuse (1964/1982), os medida em que é feita, tendo em vista o desenvolvimento das forças produtivas.
trabalhadores foram integrados à sociedade e passaram a ser parceiros do capital.
Como afirmado em texto anterior desta coletânea, o desenvolvimento da
Segundo Adorno (1959/1972), os homens passaram a se assemelhar entre si no nível
tecnologia, do conhecimento, da riqueza, contudo, não “arrebentou” as relações de
sociopsicológico, mas não nas condições objetivas. A ideologia da integração, conforme
produção capitalistas, tal como Marx (1867/1984) previu; ao contrário, ao ser incorporado
denominação de Adorno, não admite que alguém fique de fora: a previdência social
por essas, torna o progresso um contínuo sem fim que serve predominantemente a um
deve alcançar todos (ver Horkheimer & Adorno, 1947/1985).
uso político para manter os interesses sociais dos mais fortes, ainda que traga benefícios
Na esfera da educação, as camadas mais pobres da população passaram a a todos (ver Adorno, 1964/1995). A educação escolar, também como ressaltado em
ser contempladas com o que só era oferecido à elite social, mas ao preço de serem outro texto, para o trabalho se torna anacrônica, e o nível de escolaridade exigido
reduzidas às mercadorias. A produção do ensino de massa quer em seus meios de para algumas funções no mercado quase não guarda relação com o que se necessita
formação de professores, produção de livros didáticos e de instrumentos educacionais – efetivamente no trabalho. Segundo Lessa et al. (1997), pessoas com título universitário
quer em seus fins – a produção de cidadãos padronizados, dotados de um mesmo mínimo atuam em atividades que poderiam prescindir desse título. Além disso, com o fim
necessário para expressar o que todos expressam, não se volta para a diferenciação da necessidade objetiva do trabalho, segundo Marcuse (1955/1981), são criados
individual, que surge com a incorporação da cultura; como essa não é incorporada, “trabalhos sem ocupação”, isto é, sem utilidade social além de empregar pessoas.
mas instrumentalizada (ver Adorno, 1969/1995), continua externa aos indivíduos. A Se as necessidades são historicamente criadas, nos últimos tempos, elas quase não
tecnologia não deixou de adentrar a educação, que, em seu ímpeto de formar para têm mais relação com a necessidade de o homem se tornar homem, isto é, poder
a competência, criou métodos e simplificou conhecimentos, de sorte a se poder se valer de produtos materiais e espirituais que o levem a viver uma vida civilizada:
prescindir dos professores, transformou-se em transmissora de informações e não mais
as mercadorias produzidas têm se relacionado com necessidades psíquicas infantis
propícia à formação que vai além do que existe. Isso está coerente com a descrição de
(pré-genitais) de mero consumo, sem que esse consumo seja discriminado; assim, as
Benjamin (1938/1989) sobre a transformação da experiência em vivência, ao longo do
mercadorias podem se suceder rapidamente umas às outras, posto que não produzem
século XIX: a vivência não deixa marcas no indivíduo; e, segundo Adorno (1959/1972),
diferença e não fazem falta ao consumidor, a não ser para que seja um “escravo feliz”.
as informações são logo substituídas por novas: tem-se que estar a todo o momento
atualizado, mas, como o conhecimento necessário para lidar com as máquinas – quer No plano político, paulatinamente, o estado do bem-estar social, criado pelo
materiais, quer humanas – é logo ultrapassado, e a experiência que não pode prescindir capitalismo ocidental para competir com o socialismo, cede lugar ao neoliberalismo,
do preceito kantiano: “um eu que acompanha todas as minhas representações” não que, ao contrário do liberalismo, segundo Apple (2002), não prega mais a liberdade do
tem lugar, surgem indivíduos fragilmente constituídos. A formação de indivíduos se mercado, mas a função fiscalizadora do Estado. Dentro desse quadro de modificações
converte em pseudoformação. A pseudoformação se expressa em duas tendências não sociais é que os movimentos das minorias devem ser entendidos. O capital já se reproduz
antagônicas: a formação para a adaptação e a formação pela formação. A primeira tem a si mesmo sem muita necessidade dos homens, e assim, a questão da competência
como meta principal a formação do indivíduo para o mercado de trabalho, para o mundo quase não mais existe. A organização da produção pode ficar a cargo de um sistema de
existente, mas não para uma vida que já seria possível de ser vivida objetivamente; administração eficiente que pode prescindir da ação autônoma dos homens. Se Marx
nessa modalidade de pseudoformação, a possibilidade de se pensar que a sociedade
(1867/1984) pôde indicar que, com o desenvolvimento da maquinaria, o trabalhador
existente é produto da História e, portanto, que é modificável, não é grande, e o
passa a se tornar mero apêndice, com o desenvolvimento da tecnologia, ele se torna
indivíduo é preso ao existente; no outro tipo de pseudoformação, a cultura perde
facilmente substituível por muitos outros, e essa fungibilidade se espraia para as outras
também a sua relação com a História por não ser associada com as necessidades dos
esferas de vida, entre elas a educação.
homens, e converte-se em mercadoria, posto que as pessoas tentam adquiri-la para ter
e dar a impressão de que estão incluídas por estarem atualizadas. Se houve o declínio da necessidade do trabalho devido ao avanço das forças
produtivas, a educação voltada para o desenvolvimento das competências é anacrônica,
Segundo Horkheimer e Adorno (1947/1985) e Marcuse (1955/1981), a exigência
quando o mundo do trabalho atinge o grau de automação obtido. É claro que, nos últimos
do trabalho, sobretudo manual, para a reprodução da espécie já não é necessária na
tempos, devido à crescente violência, sobretudo nos países em desenvolvimento,
194 195
defende-se a educação. Numa sociedade que exige a competição entre os homens e mas como o faz e de sua relação com o saber. A forma de transmissão aqui entendida
que não pode dar uma vida digna a todos, no entanto, por mais que a educação atue não se refere somente a técnicas, por mais que estas sejam imprescindíveis, mas
contra a violência, se essa não for discutida politicamente, cai em contradição, posto ao engajamento do professor, à sua cumplicidade com o aprendizado do aluno, isto
que enfatiza a paz quando o conflito é continuamente suscitado. é, refere-se a princípios políticos e éticos. Os dados da pesquisa de Casco (2007) e
sua análise mostram que o modo como os professores incentivam a participação dos
Se a educação inclusiva se fortalece, principalmente, a partir da década de
alunos em sala de aula, seus elogios e críticas ao desempenho e ao comportamento
1990 (ver Sanz del Rio, 1996), ela não ameaça o que no passado era relevante: a
dos alunos está relacionado com a organização de grupos e, assim, a forma pela qual
formação dos indivíduos para o trabalho, uma vez que, como visto, esse não é mais
os professores possam atuar junto aos alunos com deficiência não é indiferente para
necessário como o era antes. De outro lado, como se trata de pseudoformação, mesmo
o grupo de alunos. Dessa maneira, as relações dos alunos entre si, com maior ou
a educação dada não deve possibilitar, no limite, o entendimento do que leva essas
menor grau de discriminação, também depende de como atuam os professores para
mesmas minorias incluídas poderem ser novamente excluídas.
com todos os seus alunos.
O movimento do esclarecimento, no entanto, é contraditório, e não deve
Algumas pesquisas mostram a importância do professor na educação inclusiva.
produzir somente regressão social e individual, mas também progresso. Nesse sentido,
Segundo Cook, Tankersley, Cook e Landrun (2000), os alunos com dificuldades de
é certo que mesmo o que ainda pode ser transmitido pelas escolas deve ser valorizado.
aprendizagem em geral tendem a ser rejeitados por parte dos seus professores, e
O que se pode fazer é, segundo Adorno (1967/1995), insistir na escola para que a
eles propõem que a atitude do professor seja considerada na implantação e no
educação seja voltada para a resistência à opressão dos homens, para que seja uma
desenvolvimento do ensino inclusivo. Conforme esses autores, os comportamentos
educação que leve à percepção das contradições sociais, e não para negá-las. Claro,
menos adequados de alguns alunos e seu aprendizado mais lento podem gerar atitudes
somente com a educação não é possível modificar a sociedade, não obstante, por meio
desfavoráveis dos professores em relação a eles. León (1994) também se preocupa com
dela, é possível fortalecer a consciência individual para que essa se oponha à violência.
a dificuldade dos professores em sua relação com alunos considerados em situação de
Nesse sentido, a educação inclusiva, que propõe a modificação da escola para inclusão e propõe estudos acerca de fatores que possam afetá-los em sua relação com
que possa superar os obstáculos à aprendizagem (Booth & Ainscow, 2002), pode, esses alunos.
pelo convívio entre diferentes minorias, combater o preconceito e a consequente
Beyer (2005) cita pesquisa na qual houve entrevistas com professores com
discriminação. Certamente, o preconceito tem uma dimensão não consciente, o que
experiência em educação inclusiva e concluiu que, em geral, essa experiência diz
indica que o mero convívio talvez não seja suficiente para eliminá-lo, mas o contato
respeito mais à educação integrada do que à educação inclusiva, e que alguns poucos
com o seu alvo pode diminuir a violência que recai sobre ele (ver Vala & Monteiro,
professores são favoráveis à educação segregada. A distinção entre educação integrada
1996).
e educação inclusiva é dada, entre outros, por Vivarta (2003), que indica que a
Do que foi escrito até o momento, entendemos que a implantação da educação primeira aceita os alunos com deficiência, faz algumas alterações importantes quer
inclusiva é importante na luta por uma sociedade mais justa, mas não devemos nas condições ambientais, quer na atenção a esses alunos, mas não faz modificações
desconsiderar os limites da educação atual no que se refere à formação, devido às substanciais que incidam sobre todos os alunos, que é o caso da educação inclusiva,
próprias condições objetivas. Isso implica a necessidade de mais do que somente que propõe novas modalidades de ensino que dão ênfase a trabalhos em grupo, ao
a inclusão das minorias antes segregadas da escola regular, a necessidade de nos desenvolvimento de currículos flexíveis para os alunos e avaliações também distintas,
preocuparmos também com a qualidade da educação e com o quanto esta atualmente isto é, torna a escola mais apta a atender todos os alunos (ver Mittler, 2003). A escola
contribui para formar indivíduos efetivamente críticos. Se a crítica se relaciona com a da Ponte, dirigida por Pacheco (Pacheco, Eggertsdóttir, & Marinósson, 2007), é uma
possibilidade de uma sociedade mais justa, e, se possível, justa, o convívio com minorias ilustração de educação inclusiva. Nessa escola, as atividades grupais cooperativas são
discriminadas já se constitui em um elemento formador. O papel do professor para essa predominantes. Nas experiências descritas por esses autores, um tema é escolhido
formação é fundamental, pois não se trata unicamente de transmitir conhecimentos, pela classe, que se divide em grupos cada vez diferentes, que dividem o trabalho entre

196 197
si, e o conteúdo curricular é apresentado na medida em que é necessário. Pacheco et No Brasil, acerca dessa questão, Jannuzzi (2004) mostra que, à medida que a
al. (2007) descrevem algumas das características dessa escola: escola vai incluindo indivíduos antes marginalizados ou segregados, vai se tornando
dual: escolas para pobres e escolas para ricos, o que quase coincide, em nosso meio,
Na escola da Ponte, o ensino baseado na sala de aula tradicional com um professor
tem, desde 1976, sido substituído por um sistema de ensino e aprendizagem com escolas públicas e escolas privadas. Nesse sentido, cabe a pergunta se a educação
centrado em pequenos grupos e nos ritmos de cada aluno. Não há métodos inclusiva no ensino público e no ensino particular é semelhante no Brasil.
diferentes para as crianças consideradas deficientes, pois cada aluno é tratado
como especial. Da mesma forma, as adaptações curriculares são feitas para
Em pesquisa realizada com futuros professores, alunos de licenciatura, Crochík,
todos os alunos. A comunicação e o trabalho em equipe são priorizados. Todos
os professores são professores de todos os alunos, e todos os alunos são alunos Ferrari, Hryniewicz, Barros e Nascimento (2006) coletaram dados cuja análise indicou
de todos os professores. Os grupos de alunos são heterogêneos, e não, baseados haver relação entre preconceito e atitude contra a educação inclusiva; ainda que a
em notas. Em cada grupo, o gerenciamento do tempo e do espaço permite um
trabalho cooperativo, tutoria por pares e momentos de trabalho individual. O correlação obtida tenha sido significativa, a sua magnitude não foi elevada, o que
centro da vida escolar é a assembleia escolar que acontece semanalmente. É aí pode indicar que, como a discussão é recente e tampouco é ampla, não haja, até o
que projetos comuns são elaborados e que os conflitos são resolvidos. (p. 21) momento, posição formada a respeito da educação inclusiva por boa parte dos sujeitos
pesquisados.
Se a pesquisa de Beyer (2005) traz dados acerca de professores com experiência
no processo de inclusão escolar, Monteiro e Castro (1997) mostram que as expectativas Como já foi enunciado, há diversas tendências em relação à educação inclusiva.
de alunos com experiência com colegas com deficiência e os que não possuem essa Booth e Ainscow (2002) consideram que há um contínuo de implementação no que
experiência são distintas. Na pesquisa que relatam, paradoxalmente, os alunos com se refere à educação inclusiva, e assim criaram um Index com a finalidade de que as
experiência com colegas com deficiência intelectual apresentaram uma atitude mais escolas, se assim o desejarem, saibam que outros obstáculos podem ser suplantados
contrária a esse aluno do que aqueles que não tinham essa experiência. Esse resultado para que elas se tornem mais inclusivas. Chama a atenção, nesse trabalho, que alguns
levou as autoras a supor que o mero contato de um aluno com deficiência com os indicadores de educação inclusiva sejam: esperar e exigir o máximo possível dos alunos;
demais não bastava, e que seriam necessárias outras interferências para que esse só excepcionalmente indicar um assistente, em sala de aula, para auxiliar um aluno
aluno pudesse ter uma imagem mais favorável por parte dos colegas. Certamente, o específico; o combate à discriminação de quem quer que seja; e a ação conjunta dos
professor é o principal agente em sala de aula, e depende de suas atitudes boa parte professores e dos alunos e especialistas que compartilhem seu saber com a escola. Uma
do que possa afetar as dos alunos sem deficiência em relação àqueles que as têm. escola que tenha alunos com deficiência, mas que não faça as alterações necessárias
Assim, não basta a experiência do contato com alunos com deficiência para que algum nos métodos de ensino e de avaliação no ambiente físico e, sobretudo, na atuação de
grau de inclusão ocorra; é necessária também a intervenção consequente do professor. docentes, discentes e funcionários da escola, seria pouco inclusiva.

Se na educação, de uma forma geral, a distinção entre o ensino público e Outro aspecto importante a ser mencionado no que se refere à questão
privado é importante, isso também deve ocorrer no que se refere à educação inclusiva. da educação inclusiva é o de transmissão de conhecimentos ou a formação e o
De fato, mesmo em países desenvolvidos, essa diferença se faz presente. Na Espanha, desenvolvimento de habilidades dos alunos considerados em situação de inclusão que
as escolas privadas também são financiadas pelo Estado, segundo diz Enguita, em sua talvez possam ser consideradas menos relevantes do que a socialização. Na década
entrevista publicada em Zibas (1999), e essas escolas tentam evitar o ingresso de de 1960, em um debate entre Becker e Adorno (Adorno, 1969/1995), o primeiro,
alunos considerados problemáticos: ao se referir à filha do presidente Kennedy, argumenta que o destaque dado com
É verdade que as escolas privadas financiadas com dinheiro público recusam os alunos euforia é o de que ela estaria bem adaptada, o que levou ambos a criticarem a forma
problemáticos. Não podem fazer isso formalmente, mas fazem de maneira velada, e predominante de educação, que tem como meta a adaptação à sociedade e descuida da
o alunado mais problemático vai para as escolas públicas... Fora isso, o que existe é
uma concentração maior de minorias nos centros públicos. Agora, olhando de perto, a formação de indivíduos emancipados. Ora, se a inclusão escolar não significar também
única diferença é a seguinte: tanto os colégios privados como os públicos tentam não o máximo desenvolvimento possível das capacidades intelectuais, ela será apenas a
aceitar esse tipo de aluno. O que acontece é que, nos colégios privados, quem decide é máscara para a marginalização dentro de sala de aula. Deve-se considerar também,
o diretor; nos colégios públicos, é o inspetor. A administração central é capaz de impor-
se aos colégios públicos, mas não aos privados. (p. 241) em relação a essa questão, que os alunos considerados em situação de inclusão não
198 199
gostam que haja discriminação entre eles por parte dos professores. Pela análise de A Tabela 1 contém as medianas referentes à idade e ao tempo de formação
20 pesquisas que estudaram as atitudes de alunos de classes regulares, que incluíam superior dos sujeitos por grupo.
estudantes considerados em situação de inclusão, Klingner e Vaughn (1999) concluíram
Tabela 1. Medianas da idade dos professores e do tempo de formação no ensino superior.
que os alunos com ou sem dificuldades querem tratamento igual dos professores e da
escola, isto é, querem que todos sejam submetidos às mesmas atividades, aos mesmos
G1 G2 G3 G4 Geral
livros e tenham as mesmas atividades de grupo. Eles não se importam que o professor
adapte métodos ou despenda mais tempo para explicar algo para os alunos que não Idade 29 33 42 32 32
conseguiram entender determinado assunto, mesmo porque, segundo eles, assim
Tempo de formação 6 7 8 8 7
têm chances de aprender mais e melhor. Gostam de auxiliar os colegas que têm mais
dificuldades e, com exceções, preferem o trabalho em grupo que contenha alunos com
Pode-se observar, pela Tabela 1, que os sujeitos do G3 têm a mediana da idade
e sem dificuldades. Assim, a educação inclusiva não deveria se preocupar somente com
maior do que os sujeitos dos outros grupos, e que as medianas do tempo de formação
a questão da socialização, pois, além do que informa o trabalho de Klinger e Vaughn,
são semelhantes nos diversos grupos.
se o indivíduo se forma por meio da incorporação da cultura (ver Adorno, 1959/1972),
ela deve ser transmitida para que todos possam se diferenciar por meio dela. Quanto à formação, todos os professores do G1 têm o curso de Pedagogia
completo, assim como dois professores do G2 e três do G3. Um professor do G3 e dois
Considerando a importância do professor na educação inclusiva, sua experiência
do G4 estão cursando Pedagogia. Dois professores têm formação superior incompleta:
com alunos considerados em situação de inclusão e o fato de trabalhar em escolas
um professor do G2 (Normal Superior) e um do G4 (superior em Artes).
públicas ou particulares, o objetivo da pesquisa aqui relatada foi comparar professores
desses dois tipos de escola com e sem a experiência referida quanto à posição Instrumento: roteiro de entrevistas
acerca da educação inclusiva, à atitude acerca dos benefícios e prejuízos para os
alunos da educação inclusiva e a atitude a respeito das condições necessárias para a A base para a elaboração do roteiro de entrevista foi a Escala de Atitudes frente
implementação da educação inclusiva. à Educação Inclusiva (E) empregada em trabalho anterior (Crochík et al., 2006). As 11
afirmações dessa escala foram divididas em três fatores: posição frente à educação
inclusiva, benefícios e prejuízos da educação inclusiva para os alunos e condições
necessárias para a implementação da educação inclusiva; a esses fatores, foram
Método
acrescentadas questões acerca de dados de identificação e formação dos professores.
Participantes: fizeram parte deste estudo 14 professores do ensino fundamental de O roteiro foi testado em duas entrevistas com sujeitos com características similares
primeiro ciclo, divididos em quatro grupos, sendo: quatro professores com experiência aos desta pesquisa.
em educação inclusiva que atuam em escolas particulares (G1), três professores sem
Procedimento de coleta de dados
experiência em educação inclusiva que atuam em escolas particulares (G2), quatro
professores com experiência em educação inclusiva que atuam em escolas públicas Inicialmente, procuramos escolas (públicas e particulares) regulares que tinham
(G3) e três professores sem experiência em educação inclusiva que atuam em escolas experiências com alunos com deficiência intelectual e as que não a tinham. Contatamos
públicas (G4). Dos entrevistados, 12 são do sexo feminino e 2 do sexo masculino (um os professores e agendamos a entrevista. Na entrevista, garantimos o anonimato dos
professor no G1 e outro no G3). sujeitos. As entrevistas foram individuais e realizadas por duplas de pesquisadores; um
deles se encarregou de formular as questões do roteiro e as outras, provenientes das
respostas do entrevistado, e o outro anotava suas observações e cuidava da gravação
em áudio. As transcrições foram feitas separadamente pela dupla de entrevistadores e
depois confrontadas entre si. Como parte dos sujeitos tinha experiência em educação

200 201
inclusiva e a outra parte não, aos primeiros, a entrevista deu ênfase às experiências que Resultados
tiveram, e, aos últimos, solicitamos que pudessem imaginar quais seriam os obstáculos
Deve-se ressaltar, de início, que a amostra de entrevistados desta pesquisa
e/ou benefícios dessa modalidade de educação. Depois de os pesquisadores terem lido
não é representativa da população segundo os critérios estatísticos, uma vez que são
todas as transcrições, foram retirados do texto os vícios de linguagem, as repetições
poucos os professores entrevistados, e estes não foram sorteados dentre a população à
de expressões ou eventuais erros de concordância presentes na primeira transcrição.
qual pertencem. Deve-se considerar, porém, que os dados obtidos sintetizam respostas
Essas transcrições foram enviadas aos entrevistados para que eles pudessem fazer as
abertas dos sujeitos, o que lhes confere maior precisão quando comparados, por exemplo,
alterações que julgassem necessárias.
com respostas dadas a uma escala, uma vez que no lugar de os sujeitos responderem
Procedimentos para a análise dos dados a alternativas, as suas respostas foram categorizadas a partir de várias informações
obtidas em suas entrevistas. Para a análise dos dados que será apresentada a seguir
Cada entrevista foi organizada segundo os dados de identificação e em
deve-se considerar que descrevemos tendências, sem poder afirmar o quanto elas são
conformidade com os três fatores enunciados anteriormente, dois dos quais subdivididos
expressivas ou não da população, ainda que essas tendências sejam provenientes de
em itens: Fator 1 - posição frente à educação inclusiva; Fator 2 - benefícios e
fatores objetivos e se expressem como suposição de que poucos são os seus integrantes
prejuízos da educação inclusiva para os alunos, com os itens: imitação e sentimento
neste momento, mas que, em outro momento, podem ser fortalecidas; o mesmo deve
de superioridade dos alunos sem deficiência intelectual em relação aos alunos com
ser considerado se essas tendências expressarem a atitude de muitas pessoas. Os dados
essa deficiência, e se os alunos com deficiência intelectual atrapalham a aula; Fator
apresentados a seguir serão discutidos segundo os fatores que organizaram as questões
3 - condições necessárias para a implementação da educação inclusiva, com os itens:
e as respostas das entrevistas.
condições gerais; número de alunos total e número de alunos com deficiência intelectual
em sala de aula; necessidade ou não de o professor ser especialista, posição frente ao
especialista de apoio e ao auxílio em sala, e os objetivos da educação inclusiva.
Posição frente à educação inclusiva
Os trechos mais significativos das entrevistas foram agrupados dentro dos três
A Tabela 2 contém a frequência de respostas, por grupo, referente à posição
fatores. Além da separação em fatores previamente eleitos, a análise das transcrições
que os sujeitos têm em relação à educação inclusiva.
também contemplou elementos, presentes nas falas dos professores entrevistados,
que não constavam no roteiro e que, contudo, chamaram a atenção. Foi o caso da
questão dos objetivos da educação inclusiva, em que as ideias de socialização e
de aprendizagem foram frequentemente mencionadas pelos entrevistados. Esse
agrupamento foi realizado por duplas de pesquisadores: um deles realizou a escolha
Tabela 2. Respostas favoráveis e desfavoráveis à educação inclusiva por grupo.
desses trechos, enquanto o outro verificou se eram os mais adequados, recorrendo
à íntegra da transcrição do professor entrevistado para realizar a comparação. O G1 G2 G3 G4 Total
produto final dessa etapa resultou em uma síntese de cada entrevista. As sínteses Favorável 4 3 3 2 12
Desfavorável 0 0 1 1 2
dos 14 entrevistados foram lidas por todos os pesquisadores. A partir dessas sínteses,
Total 4 3 4 3 14
as respostas selecionadas foram agrupadas em categorias referentes aos fatores
anunciados. Inicialmente, cada pesquisador, com base na síntese das entrevistas dos
professores, preencheu a tabela. Posteriormente, foram confrontadas as respostas Pelos dados da Tabela 2, observa-se que a maioria dos entrevistados se declarou
tabuladas individualmente a fim de verificar alguma discrepância. Após a correção favorável à educação inclusiva, com apenas duas exceções, ambas de professores de
de eventuais diferenças na categorização das respostas dos professores, a íntegra da escolas públicas. Como são poucos os sujeitos da amostra, chama a atenção o detalhe
entrevista foi relida por um dos pesquisadores para nova confirmação das respostas de que os dois professores desfavoráveis sejam de escolas públicas, ainda que, mesmo
tabuladas. nesse grupo, sejam minoria.
202 203
O fato de a maioria dos professores entrevistados ser favorável à educação Tabela 3. Respostas da percepção dos professores em relação aos alunos imitarem os
inclusiva é importante do ponto de vista político, posto que mostra a disposição dos colegas com deficiência.
professores em aceitar alunos diferençados em comparação aos que estão acostumados
G1 G2 G3 G4 Total
a ensinar. Talvez esse resultado se deva, sobretudo nos sujeitos que não têm experiência Sim 1 0 1 0 2
na área, ao desejo de obterem a aprovação dos entrevistadores em relação a uma Não 1 1 2 0 4
questão que tem apoio cultural; por outro lado, a garantia do anonimato e a postura Não cita 2 2 1 3 8
Total 4 3 4 3 14
dos entrevistadores de evitar, ao máximo, qualquer julgamento das respostas dos
entrevistados pode ter atenuado esse desejo. Mesmo que alguns sujeitos tenham dado
uma resposta “politicamente correta” em sua manifestação favorável à educação Segundo os dados da Tabela 3, são apenas dois os entrevistados que julgam
inclusiva, esse posicionamento ao menos possibilita o convívio de crianças com e sem que alunos sem deficiência imitam os que têm deficiência intelectual, ambos os
deficiência e a discussão a respeito dessa convivência. professores com experiência com esse tipo de aluno. Outros quatro responderam que
não observaram essa imitação. Chama a atenção, também, o fato de a maior parte dos
Se a educação inclusiva é um modo de se combater a discriminação e o
professores não ter se pronunciado em relação a essa questão e o fato de não haver
preconceito, o fato de os sujeitos, em sua maioria, manifestarem posição favorável
nenhuma tendência dos dados que diferencie os grupos.
a ela é relevante. Certamente, tal como aprendemos com Freud (1930/1969), se
uma forma de manifestação de desejos é proibida, ela encontra outras formas de Essa é uma informação importante, posto que responde ao temor existente,
aparecer, mas, com o mesmo autor, aprendemos também que há sintomas mais ou principalmente da parte dos pais dos alunos sem deficiência, de que os alunos com
menos comprometedores para a vida do indivíduo, o que permite inferir que, se o deficiência possam ser má influência. Pelo estudo de Klingner e Vaughn (1999), é o
preconceito deve continuar a existir sob forma de marginalização e segregação em sala contrário que se pode inferir em relação a esses alunos: eles tendem a ser modelos
de aula, essas formas de discriminação, que também devem ser combatidas, ao menos para os que têm deficiência, por serem valorizados pelos professores e pais.
permitem o contato entre o algoz e sua vítima e, em alguns casos – o dos indivíduos
Esses dados podem indicar que os alunos com deficiência intelectual não são
que tenham o preconceito menos arraigado – isso pode ser o suficiente para que aquele
ridicularizados por meio de uma imitação grotesca. Deve-se salientar que, apesar de
desapareça ou diminua.
os professores quase não terem mencionado esse tipo de imitação, isso não significa,
Em suma, ainda que a posição favorável à educação inclusiva manifestada pela necessariamente, que ela não exista, mas também que, se isso ocorre, eles não a
maioria dos sujeitos talvez possa não ser expressão do que de fato pensam, mesmo julgam relevante, o que pode significar uma boa aceitação dos alunos com deficiência
assim, é um dado politicamente importante para a implementação desse tipo de intelectual por seus pares.
educação e para o cumprimento de seus objetivos.
Na Tabela 4, estão as frequências de respostas dos entrevistados quanto à
Esse dado não nos permite afirmar, por si só, qual é a posição dos professores percepção que têm de os alunos sem deficiência intelectual se julgarem superiores aos
em relação a possíveis dificuldades encontradas no cotidiano que reúne alunos com que a possuem.
condições diversas de aprendizado. Alguns elementos acerca dessa posição poderão ser
Tabela 4. Respostas dos professores à pergunta se os alunos sem deficiência se julgavam
encontrados na análise dos outros fatores, que será apresentada a seguir.
superiores àqueles com deficiência.
Benefícios e prejuízos da educação inclusiva
G1 G2 G3 G4 Total
Sim 1 2 2 2 7
Na Tabela 3, encontram-se as frequências de respostas dos entrevistados
Não 2 0 0 0 2
a respeito de sua percepção quanto aos alunos imitarem os que têm deficiência Não cita 1 1 2 1 5
intelectual. Total 4 3 4 3 14

204 205
Conforme os dados da Tabela 4, pode-se verificar que metade dos professores Os dados da pesquisa citada anteriormente (Klingner & Vaughn, 1999) fortalecem
avalia que os alunos sem deficiência intelectual se sentem superiores aos com a posição dos discordantes, posto que evidenciam que os alunos sem deficiência
deficiência, e dois avaliam que isso não ocorre. Nessa questão, também foi grande a aprendem a auxiliar o professor a ensinar os que têm deficiência. Além disso, segundo
proporção dos entrevistados que não se manifestou. Mais da metade dos professores Monteiro e Castro (1997), pesquisas mostram que os alunos sem deficiência tendem
que, em suas entrevistas, indicou haver esse sentimento de superioridade não tem a se tornar mais solidários. Esses dados indicam um ponto central do debate sobre a
experiência com alunos com deficiência intelectual, de modo que tal resposta diz educação inclusiva, que não pode deixar de ser explicitado. Por outro lado, a divisão
respeito às suas expectativas. Dessa forma, podemos dizer que, dos que têm experiência das opiniões encontradas pode indicar a pouca discussão acerca da educação inclusiva
com educação inclusiva, menos da metade percebe a existência desse sentimento. É em nosso meio.
notável que, entre os que responderam que não há o sentimento de superioridade
É interessante acrescentarmos a essa discussão o fato de que cinco dos
por parte dos alunos sem deficiência intelectual em relação aos que a têm, estão
entrevistados, a maioria de escolas particulares com experiência com educação
professores de escolas particulares com experiência (G1) que, talvez, devido ao
inclusiva, citaram espontaneamente a existência de ciúmes dos alunos sem deficiência
menor número de alunos em sala, consigam observar melhor seus alunos ou então
intelectual em relação aos que a possuem, o que pode significar que a necessidade de
trabalhar melhor a relação entre os dois tipos de alunos. A existência do sentimento de
mais cuidados dirigidos aos alunos com deficiência intelectual nessas escolas suscitaria
superioridade pode implicar uma forma de negar a identificação: o que é considerado
esse sentimento em seus colegas. Isso fortalece a suposição em relação aos dados
mais frágil – o aluno com deficiência – suscitaria a lembrança da fragilidade vivida no
das tabelas anteriores: se os alunos com deficiência intelectual são considerados mais
passado e aparentemente superada, que deve ser negada em uma cultura que valoriza
frágeis e suscitam identificação que deve ser negada, os ciúmes podem implicar o
a força (ver Crochík, 2006). Considerando que os professores do G2 e do G4 não têm
desejo de voltar aos tempos passados, quando o cuidado e a atenção dos adultos eram
experiência com esse tipo de educação, o esclarecimento em relação a essa questão
mais frequentes.
pode ser valioso para que se, e quando, puderem ter essa experiência possam atuar de
forma a compreender e combater esse sentimento. Condições necessárias à implementação da educação inclusiva

Na Tabela 5, encontram-se as frequências das respostas dos entrevistados Na Tabela 6, encontram-se as respostas dos entrevistados em relação às
a respeito de julgarem que os alunos com deficiência intelectual possam ou não condições necessárias para a implementação da educação inclusiva.
atrapalhar a aula.
Tabela 6. Condições consideradas necessárias para a implementação da educação
Tabela 5. Percepção dos professores em relação ao fato de os alunos com deficiência inclusiva.
atrapalharem a aula.
G1(4) G2(3) G3(4) G4(3) Total (14)
G1 G2 G3 G4 Total Recursos. Humanos 3 3 3 0 9
Sim 2 2 2 1 7 Políticas Públicas 1 0 2 1 4
Não 2 1 2 2 7 Condições Materiais 1 2 1 1 5
Não cita 0 0 0 0 0 Geral/outras 1 0 0 2 3
Total 4 3 4 3 14 Total* 6 5 6 4 21
*Refere-se ao número de respostas, e não ao de sujeitos.

A Tabela 5 mostra que metade dos entrevistados considera que a presença dos Pelos dados da Tabela 6, pode-se verificar que a condição objetiva mais citada
alunos com deficiência intelectual atrapalha o processo de aprendizagem dos alunos para a implementação da educação inclusiva refere-se aos recursos humanos; menor
sem essa deficiência, e a outra metade considera que não atrapalha; uma divisão similar quantidade de professores se refere às condições materiais e às políticas públicas.
ocorre em cada um dos grupos, e todos os entrevistados explicitaram sua posição em Ainda que não conste na Tabela, cabe mencionar que um sujeito do G1 não citou
relação a essa questão. nenhuma dessas condições.

206 207
Esse é um resultado importante, pois se o problema principal são os recursos Tal como Beyer (2005) relata acontecer na Alemanha, onde diminuem o número
humanos, a questão se vê circunscrita à formação e à contratação de profissionais, isto de alunos em sala de aula regular em função da incorporação de alunos com deficiência,
é, depende da decisão e das possibilidades da escola. Devemos, no entanto, ressaltar os professores entrevistados, independentemente do grupo ao qual pertencem,
que os professores indicaram a importância das políticas públicas e das condições também são favoráveis a essa diminuição. Como quase não houve diferenças entre
materiais. Como foram poucas as respostas que se referiram a condições sociais os professores de escolas públicas ou particulares, pode-se inferir que há quase o
(outras), a forma de pensar dos entrevistados em relação a essa questão parece se consenso de que o aluno com deficiência necessitará de mais atenção e dedicação do
vincular prioritariamente a questões organizacionais e formais (políticas públicas), professor para cumprir os mesmos objetivos anteriores à inclusão. Provavelmente,
mas pouco a condições sociais favoráveis e desfavoráveis à implementação desse tipo essa restrição deveria ser feita pelos professores, independentemente de o foco
de educação, tais como descritas na introdução deste artigo. ser a educação inclusiva, e indica a preferência por um tipo de ensino no qual o
acompanhamento mais individualizado possa ser feito, o que faz parte das propostas
Considerando que os professores se posicionaram, em sua maioria, a favor da
da educação inclusiva, indicando que esta não diz respeito somente aos alunos antes
educação inclusiva (ver Tabela 2), podemos inferir que, para eles, não cabe mais a
segregados da escola, mas também aos que não o são.
discussão em relação a se deve ou não ser implementada tal tipo de educação. Nesse
sentido, talvez considerem adequadas as políticas públicas estabelecidas, e não a Na Tabela 8, encontram-se os dados a respeito da posição dos entrevistados em
questão material como a principal, posto que entendem que a questão principal se relação ao limite que estabelecem ao número de alunos com deficiência intelectual
deva à própria educação: currículo, métodos e conhecimentos. Se isso for verdade, em sala de aula.
os principais obstáculos se referem às condições de aula, à formação e ao auxílio de
Tabela 8. Restrição dos professores ao número de alunos com deficiência intelectual
especialistas, que serão analisados nas tabelas a seguir.
em sala de aula.
As posições dos professores quanto à limitação do número de alunos por classe
G1 G2 G3 G4 Total
ser ou não um fator importante para a implementação da educação inclusiva se Sim 3 2 4 1 10
encontra na Tabela 7. Não restringe 0 1 0 1 2
Não cita 1 0 0 1 2
Tabela 7. Posição dos professores em relação a um limite no número de alunos em sala Total 4 3 4 3 14

de aula.
Quanto à restrição acerca de um número máximo (não necessariamente
G1 G2 G3 G4 Total
Sim 3 2 4 2 11 especificado) de alunos com deficiência intelectual em sala de aula, segundo a Tabela
Não 0 0 0 1 1 8, pode-se observar que a maioria elege essa restrição como importante: 10 de 14
Não cita 1 1 0 0 2 entrevistados. Não houve distinção notável entre os grupos, ainda que se possa notar
Total 4 3 4 3 14
uma tendência de os professores que têm experiência com educação inclusiva serem
mais favoráveis a essa restrição do que os professores que não têm essa experiência.
Quanto ao número máximo (não necessariamente especificado) de alunos (com Essa não é, contudo, uma condição que deponha contra a implementação da educação
e sem deficiência) em sala de aula, como se pode observar na Tabela 7, a maioria inclusiva, uma vez que é difícil negar que alunos com deficiência intelectual, em
dos entrevistados declarou ser esse um fator importante, exceto por um professor de geral, necessitem mais atenção por parte dos educadores, desde que esses estejam
escola pública sem experiência (G4), que declarou não achar essa restrição necessária, envolvidos. Certamente, conforme citamos na introdução, a experiência relatada por
e dois professores de escolas particulares, com (G1) e sem experiência (G2), que não Pacheco et al. (2007) não impõe esse limite. De todo modo, como são poucos os alunos
manifestaram o seu posicionamento em torno desse ponto. com deficiência em relação ao total de alunos, se eles estiverem em diversas classes,
e em cada uma houver poucos deles, talvez seja maior a probabilidade de evitar a
segregação ou a marginalização desses alunos, devido à possibilidade de mais alunos
208 209
terem contato com eles. Deve-se ressaltar, contudo, que, na posição que consideramos pesquisas mostram que não há distinção no desenvolvimento e aprendizado (afora
mais avançada em relação à educação inclusiva, representada pelos autores acima o fato de serem mais lentos e apresentarem mais dificuldades) dos alunos que têm
citados, por Booth e Ainscow (2002) e, em nosso meio, por Mantoan (2003), não deve deficiência intelectual e os que não a têm, e assim, não há porque haver uma formação
haver considerações prévias em relação a esse fator. especial para a educação inclusiva.

As posições dos entrevistados acerca da necessidade de o professor ser A Tabela 10 traz a frequência de respostas dos entrevistados a respeito da
especialista para poder trabalhar com alunos com deficiência intelectual em sua sala necessidade de especialista de apoio na educação inclusiva.
estão expostas na Tabela 9.
Tabela 10. Respostas dos professores em relação à necessidade de especialista de
Tabela 9. Respostas dos entrevistados sobre a necessidade de o professor ser especialista apoio.
em educação inclusiva.
G1 G2 G3 G4 Total
Sim 4 2 4 2 12
G1 G2 G3 G4 Total
Não 0 0 0 0 0
Sim 2 2 3 1 8
Não 2 0 0 2 4 Não cita 0 1 0 1 2
Não cita 0 1 1 0 2 Total 4 3 4 3 14
Total 4 3 4 3 14

Quanto à necessidade de um especialista de apoio, como se pode observar na


No que tange à necessidade de o professor ser um especialista em educação Tabela 10, todos os entrevistados declararam considerar ser esse um recurso importante
inclusiva, segundo a Tabela 9, pode-se observar que 8 em 14 consideram essa uma para a educação inclusiva, exceto dois professores, ambos sem experiência nessa área.
condição importante. É interessante observar que, se não considerarmos os dois Um de escola particular (G2) e outro de escola pública (G4), que não explicitaram o
entrevistados que não se manifestaram, há uma tendência de os sujeitos do G2 e do posicionamento frente a esse ponto.
G3 assinalarem essa condição e os outros grupos se dividirem em relação a ela. Talvez
as diferentes condições entre as escolas públicas e as particulares possam explicar Profissionais (médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
essa tendência: os professores sem experiência em educação inclusiva de escolas psicólogos) externos e/ou internos podem auxiliar o desenvolvimento do aluno, não
particulares, uma vez que têm, em princípio, condições mais adequadas, podem exclusivamente alunos com deficiência intelectual. Assim, essa não é, a nosso ver,
afirmar que não há necessidade de o professor ser especialista, ao passo que os de uma restrição que os entrevistados fazem à educação inclusiva. É importante destacar
escola pública com experiência defendem a especialização, não em função do novo que os profissionais considerados necessários deveriam dar apoio ao professor, e não
tipo de aluno, mas porque as condições pouco adequadas não favorecem um suposto exercerem o papel central, o que fortalece a mudança da perspectiva médica para a
atendimento diferençado, que passa a se expressar na necessidade de se ter mais pedagógica apontada por Jannuzzi (2004). Isso permite fortalecer o papel do professor
recursos de formação para se conseguir atuar na educação inclusiva. Em relação aos nesse tipo de educação.
sujeitos do G2, talvez a falta de experiência nesse tipo de educação leve a supor que Os dados da Tabela 11 dizem respeito à necessidade, percebida pelos
seja necessária a presença de um especialista. entrevistados, de terem, na educação inclusiva, um auxílio em sala de aula.
Novamente, devemos ressaltar que, pela literatura que consideramos mais Tabela 11. Posição dos professores acerca da necessidade do auxílio de outro professor
avançada na área, não se requer que o professor tenha uma formação diferençada em em sala de aula.
relação aos novos alunos que a educação inclusiva agrega; ainda que, tal como propõe
Pacheco et al. (2007), as informações necessárias possam ser pesquisadas após se ter G1 G2 G3 G4 Total
Sim 2 3 3 0 8
experiência, e não necessariamente antes. Isso, a nosso ver, ajuda a evitar possíveis Não 1 0 0 0 1
preconceitos em relação aos alunos a serem incluídos, posto que, até o momento, as Não cita 1 0 1 3 5
Total 4 3 4 3 14
210 211
Segundo os dados da Tabela 11, dos que explicitaram a posição a respeito da Cabe ressaltar que quase todos os professores da amostra que atuam em escolas
necessidade de apoio em sala de aula na educação inclusiva, apenas um afirma não privadas pensam ser importante atentar para a socialização e para a aprendizagem
ser necessário. Chama a atenção também o fato de cinco entrevistados não terem se dos alunos com deficiência intelectual. Não ocorre o mesmo entre os professores
posicionado frente a esse tema, sendo que três deles não possuem experiência em que atuam na escola pública, pois dois de seus professores entrevistados entendem
educação inclusiva e são professores de escolas públicas. Beyer (2005) e Pacheco et que só a socialização seja suficiente. Essa distinção pode ser devida às diferentes
al. (2007) acentuam, em relação à discussão em educação inclusiva, que o trabalho formas de conduzir a discussão acerca da educação inclusiva. Talvez essa discussão
conjunto entre professores é importante nessa área, o que também já preconizavam nas escolas particulares, às quais parte de nossos professores pertence, possa ser mais
Booth e Ainscow (2002). Não se trata, no caso desses autores, da defesa da presença aprofundada do que nas públicas. Devemos lembrar que as escolas que pesquisamos
de um auxiliar em sala de aula, mas do trabalho conjunto entre os professores. não são representativas do total de escolas, e que, assim, deve haver escolas
Por outro lado, deve-se enfatizar que as respostas dos entrevistados não implicam, particulares nas quais essa discussão não seja feita e escolas públicas que a tenham
necessariamente, a presença de um acompanhante pedagógico em sala de aula, o que desenvolvido com profundidade. De todo modo, devemos acentuar que a educação,
poderia contribuir com a marginalização e/ou segregação dos alunos com deficiência segundo Adorno (1967/1995), também deve se voltar para a adaptação, e essa envolve
intelectual, mas parecem fortalecer as posições anteriormente descritas: condições não só a socialização, que é relevante, mas também o desenvolvimento de habilidades
mais adequadas para incorporar alunos com deficiência. e o aprendizado de conteúdos, necessários para a participação na sociedade. Assim,
não é de menor importância que a maioria dos professores entrevistados considere que
As frequências das respostas dos professores aos objetivos da educação inclusiva
ambas são necessárias. É claro, também segundo Adorno, que a educação deve ir além
em relação aos alunos com deficiência intelectual encontram-se na Tabela 12.
da adaptação, e a discussão e a prática da educação inclusiva podem contribuir para
Tabela 12. Objetivos da educação inclusiva, segundo os professores, em relação aos isso na medida em que combatem a discriminação; caberia a elas mostrar como essa
alunos com deficiência. desigualdade é gerada socialmente.

G1 G2 G3 G4 Total Considerações finais


Socialização e aprendizagem 3 3 2 2 10
Apesar de ser pequeno o número de professores entrevistados, os dados obtidos
Socialização 0 0 2 0 2
Aprendizagem 1 0 0 0 1 indicam as tendências existentes na atual discussão sobre a educação inclusiva. Como
Não cita 0 0 0 1 1 a educação inclusiva faz parte de um movimento mais amplo de inclusão social,
Total 4 3 4 3 14 conforme afirmamos no início deste texto, os dados obtidos na pesquisa revelam
contradições acerca dessa inclusão. Os professores tendem a ser favoráveis à educação
inclusiva; de uma forma geral, não apresentaram obstáculos intransponíveis para a sua
Dos dados da Tabela 12, pode-se observar que a maioria dos entrevistados julga
implementação, ao mesmo tempo em que tendem a julgar necessária uma formação
que a educação inclusiva deva se voltar para a socialização e para a aprendizagem
especializada na área, como se os novos alunos ingressantes na classe regular fossem
dos alunos com deficiência intelectual. Cabe notar que dois dos quatro professores
substancialmente distintos dos alunos sem deficiência.
do G3 (que têm experiência nesse tipo de educação e provêm de escolas públicas)
julgam que a escola deva se preocupar apenas com a socialização dos alunos com A questão posta não nega que novas dificuldades podem surgir das diferenças
deficiência intelectual, e um professor do G1 considera que a aprendizagem é o significativas desses novos alunos, mas tem como preocupação eles serem considerados
objetivo a ser cumprido com esses alunos. É importante assinalar que os processos obstáculos antes da experiência, o que indicaria uma atitude preconceituosa. Além
relativos à aprendizagem podem implicar ganhos para a socialização de crianças com disso, parece reforçar a tendência presente na educação escolar de que, ao partir
deficiência intelectual, no entanto, ocupar-se apenas da sua socialização não implica, do pressuposto da homogeneidade da capacidade dos alunos, quando esses não
necessariamente, a melhoria da aprendizagem dos conteúdos escolares. Cabe assinalar, respondem adequadamente, atribui a responsabilidade da “falha” a eles, que então
ainda, que um professor do G4 não se manifestou sobre essa questão. são encaminhados a especialistas. Nesse sentido, a proposta de Booth e Ainscow (2002)
212 213
de substituir a expressão “alunos portadores de deficiência” por “obstáculos escolares Referências Bibliográficas
ao aprendizado” traz um deslocamento importante da maneira de se enfrentar os
problemas educacionais, não somente os relacionados à educação inclusiva. Adorno, T. W. (1972). Teoría de la seudocultura In T. W. Adorno, Filosofía y superstición
(pp. 141-174). Madrid: Alianza Editorial. (Trabalho original publicado em 1959)
O fato de os professores entrevistados declararem, em sua maioria, que o
objetivo da escola com os alunos com deficiência intelectual não é unicamente o de Adorno, T. W. (1995). Educação após Auschwitz. In T. W. Adorno, Educação e emancipação
socialização, mas também o de aprendizado pode ser considerado um dado importante: (pp. 119-138). Rio de Janeiro: Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1967)
a igualdade frente à possibilidade de aprender, apesar das diferenças, é um marco em
uma sociedade democrática. Certamente, essa diferença inicial não desaparece, mas Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação. In T. W. Adorno, Educação e emancipação
pode estar presente de maneira a permitir que todos possam participar da sociedade. (pp. 119-138). Rio de Janeiro: Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1969)
Um dos objetivos da educação é o de transmitir a cultura para permitir que os alunos
possam expressar suas necessidades e desejos de forma universal, mas note-se que a Adorno, T. W. (1995). Educação para quê? In T. W. Adorno, Educação e emancipação.
forma é universal: o que ela traz pode e deve ser compartilhado coletivamente sem Rio de Janeiro: Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1967)
se descuidar da particularidade. Assim, em relação à questão da normalização, pode-
Adorno, T. W. (1995). Progresso. In T. W. Adorno, Palavras e sinais (pp. 37-61). Petrópolis,
se dizer que normas, no que contêm de universal (e este se modifica historicamente),
RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1964)
são importantes para que as expressões particulares, possíveis também devido a elas,
possam inclusive indicar sua inadequação, mas isso deve ocorrer após a sua incorporação, Apple, M. W. (2002). Podem as pedagogias críticas sustar as políticas de direita?
e não antes; sem o aprendizado das normas da comunicação, por exemplo, o que é Cadernos de Pesquisa (116), 107-142.
dito dificilmente poderia ser compreendido. Deve-se assinalar que essas normas não
se referem às considerações estatísticas, mas a regras e a princípios. A defesa da Beyer, H. O. (2005). Inclusão e avaliação na escola. Porto Alegre: Mediação.
especialização em educação inclusiva, por parte de alguns professores entrevistados
Benjamin, W. (1989). Sobre alguns temas em Baudelaire. In Charles Baudelaire: um
neste estudo, afirma a normatização estatística. O que propomos é que as regras e
lírico no auge do capitalismo (J. Martins Barbosa & H. Alves Baptista, trads.). São
princípios devem ser compartilhados por todos, e, quando necessário, superados.
Paulo: Brasiliense. (Trabalho original publicado em 1938)
O movimento de inclusão social presente na educação inclusiva, pelos dados
Booth, T., & Ainscow, M. (2002). Index para a inclusão (Reino Unido: CSIE, 2002. Versão
obtidos na pesquisa aqui relatada, está se fortalecendo; pelo fato de se desenvolver
produzida e traduzida pelo LAPEADE - Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à
em uma sociedade contraditória, abriga em si mesmo essas contradições, que não
Participação e à Diversidade em Educação). Rio de Janeiro: Universidade Federal do
devem ser ocultadas, mas, ao contrário, devem ter seus limites considerados, para que
Rio de Janeiro.
os avanços não sejam menosprezados nem tampouco exaltados.
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