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Edição nº 120
setembro de 2021
Infinidade
O mundo, como onto-epistemologia totalizante que é gênese, limite
e horizonte da modernidade, é um conceito completamente
estético. Labutar dentro ou lutar contra o campo da representação
já é estar enredado na estética, pois é por meio da estética que o
fundamento ontológico sobre o qual dizemos estar se torna
experiência. Nesse registro, o Homem – o eu transparente, o sujeito
universal que faria o mundo, se não apenas como lhe aprouve –
aparece, a propósito de Sylvia Wynter, como ninguém menos que
homo esteticus.
Re/De/composição
Pensar a obra de arte como poética, como “uma composição que é
sempre já recomposição e decomposição de composições
anteriores e posteriores”, requer estar pronto para o advento do
devir como matéria e sua interrogação imanente da temporalidade
das formas. a entendimentos da obra de arte como uma totalidade
autônoma, ou aqueles que remeteriam a obra de arte a alguma
iteração da forma finalis de Kant – isto é, a atribuição redutiva de
uma finalidade formal ao objeto – uma leitura poética enfatiza o
fundamento provisório onde questões de forma , informe e
abstração colidem. A obra de arte, um compósito singular, não
precisa simplesmente antecipar ou reiterar questões que
pressupõem os princípios formais da causação externa (causa
efficalis), determinação interior (causa finalis), ou percepção
abstrata (causa formalis). Pois esses sentidos, calcificados como as
únicas ferramentas para compreender a natureza (o reino da
objetividade) e o mundo (o reino da subjetividade), sustentaram a
tautologia do pensamento moderno justamente por serem
axiomáticos. Uma vez liberada da antecipação da ordem e da
presunção de significado, a obra de arte se liberta de suas
obrigações representacionais com a natureza e o mundo. Como
peça poética, a obra estende a(s) questão(ões) da causa materialis,
o indeterminável da contemplação. (Re)tornando-se em e como
forma(s), um descritor poético da existência não pressupõe
linearidade nem seus predicados, separabilidade e determinação. A
reorientação que a arte poética convida expressa a infinita
re/de/composições que o espaço-tempo normativo fecharia.
calcificados como as únicas ferramentas para compreender a
natureza (o reino da objetividade) e o mundo (o reino da
subjetividade), sustentaram a tautologia do pensamento moderno
precisamente por serem axiomáticos. Uma vez liberada da
antecipação da ordem e da presunção de significado, a obra de arte
se liberta de suas obrigações representacionais com a natureza e o
mundo. Como peça poética, a obra estende a(s) questão(ões) da
causa materialis, o indeterminável da contemplação.
(Re)tornando-se em e como forma(s), um descritor poético da
existência não pressupõe linearidade nem seus predicados,
separabilidade e determinação. A reorientação que a arte poética
convida expressa a infinita re/de/composições que o espaço-
tempo normativo fecharia. calcificados como as únicas ferramentas
para compreender a natureza (o reino da objetividade) e o mundo
(o reino da subjetividade), sustentaram a tautologia do
pensamento moderno precisamente por serem axiomáticos. Uma
vez liberada da antecipação da ordem e da presunção de
significado, a obra de arte se liberta de suas obrigações
representacionais com a natureza e o mundo. Como peça poética, a
obra estende a(s) questão(ões) da causa materialis, o
indeterminável da contemplação. (Re)tornando-se em e como
forma(s), um descritor poético da existência não pressupõe
linearidade nem seus predicados, separabilidade e determinação. A
reorientação que a arte poética convida expressa a infinita
re/de/composições que o espaço-tempo normativo fecharia.
Serialidade
O fracasso perene do homo esteticus exige a renovação perpétua do
estético, operação que, independentemente de suas belezas ou
horrores, não pode deixar de ser a renovação da catástrofe. Mas
essa história de revitalização estética é precedida e superada por
outro tipo de inovação, que podemos chamar de estética, mesmo
que a estética nunca dê conta disso. O que, então, pode abrir e ser
aberto por uma investigação sobre as práticas negras de
serialidade? O que toma forma, ou é deformado, na “difusão do
terror e da violência perpetrada sob a rubrica de prazer,
paternalismo e propriedade”, como Saidiya Hartman propõe? uma
ideia do aberto em que o ilimitado se torna apenas outro nome para
fronteira, ou seja, um cercamento, uma expropriação, uma
clareira?3 Pois a historicidade interminável e a história impossível
da negritude sempre vieram antes da horizontalidade da liberdade
do homem, como seu fundamento apagado e limite inelutável.
Como encaramos a insistente e contínua re/de/composição da
figura (negra), em meio à simultânea exaltação e redução ou
rebaixamento do figural à cena da representação racial pela arte
contemporânea? Como compreender tais figurações como parte de
um conjunto de intervenções – uma serialidade epigráfica, como
diria Fred Moten – que denota não a recusa da violência imposta
em série como fim político, mas sim o meio reanimado através do
qual qualquer investigação estética sobre o a vida social da forma
deve passar?4 Insistimos que, mesmo como tais meios carregam o
terrível fardo do terror difuso e o terror da difusão, a serialidade
negra não pode ser pensada como redutível à separabilidade,
sequencialidade ou à determinação de formas e objetos
individualizados. Em outras palavras, nosso pensamento estético
se recusa a presumir a serialidade negra como totalmente
coextensiva e coextensiva com a imposição serial da violência
antinegra que constitui o campo moderno de representação e a
história da forma, como se a enumeração violenta dos corpos
negros fosse verdadeiramente um livro de registros de ou
contabilização de lesões.
Geratividade
Se a obra de arte poética não está mais preocupada com os perigos
de se afastar da onto-epistemologia da modernidade, e sua
representação da existência através das certezas do ser, então
como as considerações estéticas podem partir e permanecer com o
“objeto” – que está em ao mesmo tempo “coisa” assim como
“mercadoria” e “outro” – sem retornar ao Homem ou ao Sujeito, ao
Humano ou Humanidade, ao Ego ou à Subjetividade. Se nosso
pensamento estético começa com o “outro” como mercadoria,
como lembra Hortense Spillers, ele inevitavelmente (re)confronta
a violência que é condição de possibilidade da modernidade,
devastando qualquer consolo que possa ser encontrado nas
figurações do colonial, racial, e matriz cis-heteropatriarcal?6 Tal
pensamento inevitavelmente reinscreve a sujeição como origem e
horizonte? Ou a estética, como tematizado na e como existência
negra, como orientação ética radicalmente disruptiva, encena um
confronto devastador com a filosofia moderna que, em última
análise, visa seu fundamento estético, teórico e ético? O que
acontece quando a negritude orienta as considerações do estético,
do ético e do teórico? Aqui estão duas proposições: (a) Black Study
relembra o sonoro e o mobiliza contra o fechamento discursivo da
negritude na patologia, e (b) ao fazê-lo, desordena o campo onto-
epistemológico pós-iluminista. A negritude (como objeto) perturba
o fundo (estético) sobre o qual emerge o eu transparente. Por essa
razão, a análise e a poiesis da existência negra desafiam os
princípios da teoria social e da teoria estética precisamente porque,
como referência à violência total,
Notas
1
Denise Ferreira da Silva, “In the Raw”, e-flux journal, nº. 93
(setembro de 2018)→.
2
Saidiya V. Hartman, Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and Self-
Making in Nineteenth-Century America (Oxford University Press,
1997), 4.
3
Cf. Tiffany Jeannette (Lethabo) King, “In the Clearing: Black Female
Bodies, Space and Settler Colonial Landscapes” (diss. de doutorado,
Universidade de Maryland, College Park, 2013).
4
Fred Moten, A Máquina Universal (Duke University Press, 2018),
230.
5
David Lloyd, Under Representation: The Racial Regime of
Aesthetics (Fordham University Press, 2018).
6
Hortense J. Spillers, “O bebê da mamãe, o talvez do papai: um livro
de gramática americana”, Diacríticos 17, nº. 2 (verão de 1987): 64-
81.