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Espaço e identidade: representações do feminino em Clarice Lispector.

Tayza Codina de Souza1

Resumo: O presente artigo pretende estabelecer uma dialética do exterior e do interior nos contos
“As águas do mar” e “A procura de uma dignidade”, ambos da obra Onde Estivestes de Noite
(1974), de Clarice Lispector. As personagens femininas vivenciam o espaço público e esta interação
provoca uma mudança nos movimentos internos, elas mantêm uma relação de redescoberta da
própria identidade através do trânsito pelo espaço. Na obra clariceana, percebemos diversas
construções identitárias que se realizam a partir da travessia pelo espaço público, neste trabalho
vamos priorizar as construções do feminino e de que forma a autora não limita esta representação,
proporcionando multi-representações da mulher.
Palavras-chave: Contos; Espaço e Identidade; Representações do feminino.

Nos contos “A procura de uma dignidade” e “As águas do mar”, de Clarice Lispector, as
personagens femininas atuam como seres fronteiriços entre o espaço público e o espaço íntimo, ou
seja, nestas narrativas ocorre uma relação dialética entre os movimentos externos e internos
proporcionando uma redescoberta da identidade feminina. O espaço se desenvolve através de
“camadas subterrâneas” que se submetem a uma inter-relação com o outro, são os personagens que
levados a vagâncias estão tentando tocar o eu profundo deles mesmos.
Nos dois contos ocorre uma redescoberta da sexualidade através do contato com os
movimentos externos: em “A procura de uma dignidade”, temos a Sra. Jorge B. Xavier que ao
adentrar nos labirintos do Maracanã sente-se estremecida pelos corredores sombrios, e a ilusão da
posse de seu ídolo televisivo a leva para caminhos secretos; no outro conto “As água do mar”, a
personagem em contato com a natureza vibrante que é o mar, adere-o como seu amante, se sentindo
fertilizada pela água salgada.
Nosso principal objetivo é demonstrar a dialética existente entre o espaço público e os
movimentos internos das personagens femininas. Acentuando a existência na obra clariceana de
uma representação de espaços concretos, há tanto tempo apagado pela crítica, que só considerava os
espaços psicológicos. Clarice realiza uma cartografia dos espaços públicos, mas ela ocorre ao seu
modo, ao seu estilo, sua representação do espaço sempre estará interligada às relações possíveis
entre os personagens. O ser humano será sempre a fronteira entre o dentro e o fora e é neste limite
que a abordagem clariceana ganhará força. Martins (2010) aborda as relações entre o dentro e o
fora:

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Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestranda em Literatura e Vida Social pela
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – (UNESP/ASSIS).

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A fronteira e o limite, locações simultaneamente situadas no dentro e no fora, erigem-se
como únicos lugares – incertos e cambiantes – nos quais (não) podem assentar o ponto de
vista, os sentidos deslizantes, os tênues contornos do real e da ficção, as dimensões
complementares de fracasso e realização (Martins, p. 14, 2010).

Por fim, iremos abordar a reconstrução da identidade feminina através do contato com o
espaço público, ou seja, quais são os fatores externos que levam a uma mudança interna na
personagem, desestruturando seu conforto existencial.

Os labirintos do Maracanã

No conto “A procura de uma dignidade”, Clarice reproduz na forma e no conteúdo um


processo labiríntico, a personagem Sra. Jorge B. Xavier se adentra em um espaço público e concreto
que é o Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, mas no seu íntimo o contato com o exterior a leva a
um labirinto, os corredores desertos do estádio proporcionam a ela uma entrada no mais clandestino
de si mesma. Neste conto, o espaço não pode ser considerado apenas na esfera da localização da
narrativa, ele é crucial no seu desenvolvimento, interagindo na construção do feminino na
personagem.
A Sra. Jorge B. Xavier vive uma desordem externa, entra no estádio por engano, logo que o
local procurado ficava perto do Maracanã e não dentro dele. Suas roupas próprias para o inverno a
sufocavam com o calor de agosto. Desta desordem, a personagem consegue inferir uma ordem
interna e reorganizar fatos e atos perdidos nos labirintos da idade. A propósito do filósofo
Bachelard, “[...] muitas vezes é essa imensidão interior que dá seu verdadeiro significado a certas
expressões referentes ao mundo que vemos” (Bachelard, p.191, 2008). O exterior irá refletir no
interior da personagem e a partir desta dialética compreenderemos a busca pelo feminino da Sra.
Jorge, os corredores do Maracanã a guiarão para a busca de uma sexualidade perdida, ela perceberá
que um fruto também pode florescer fora da estação.
O narrador desenvolve um discurso que intensificará o processo de identificação com o
espaço público, não apenas a personagem é levada a desorientação, o leitor sente-se também em um
processo labiríntico. O uso repetitivo de alguns termos e a escrita ziguezagueante reflete em um
constante circuito, retorno, em um círculo sem saída.
Então a senhora seguiu por um corredor sombrio. Este a levou igualmente a outro mais
sombrio. Pareceu-lhe que o teto dos subterrâneos eram baixos.
E aí este corredor a levou a outro que a levou por sua vez a outro.
Dobrou o corredor deserto. E aí caiu em outra esquina. Que a levou a outro corredor que
desembocou em outra esquina. (LISPECTOR, p. 9, 1999b).

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O processo labiríntico ocorre no discurso do narrador, no espaço representado pelo
Maracanã e também no próprio ser humano, este sendo um ser entreaberto, de fronteira, sempre terá
necessidade do contato exterior para compreender seu interior, este é o eterno retorno descrito por
Bachelard (2008): “Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas saído do ser,
sempre há de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é circuito, tudo é rodeio, retorno, discurso,
tudo é rosário de permanências, tudo é refrão de estrofes sem fim” (Bachelard, p. 217, 2008).
A personagem sentia uma necessidade de parecer jovem, sendo assim, sua grande insistência
em encontrar a saída do Maracanã era poder chegar a tempo de assistir à palestra, “[...] ela que se
forçava a não perder nada de cultural porque assim se mantinha jovem por dentro [...]” (Lispector,
p. 10, 1999b), a juventude estava muito mais pautada na aparência que nas sensações e estado de
espírito da Sra. Jorge. Quando ela está “perdida nos meandros internos e escuros do Maracanã”,
sente o peso da sua idade.
O Maracanã estava deserto, a única pessoa encontrada foi um homem que insistia em
aparecer e desaparecer magicamente. Ao adentrar no estádio “[...] parou ofuscada no espaço oco de
luz escancarada e mudez aberta, o estádio nu desventrado, sem bola nem futebol. Sobretudo sem
multidão. Havia uma multidão que existia pelo vazio de sua ausência” (Lispector, p. 10, 1999b), a
personagem sentiu-se também oca por dentro, sua idade não representava uma experiência íntima
bem vivida, ela não se conhecia, “tinha o cérebro oco, parecia-lhe que sua cabeça estava em jejum”
(Lispector, p. 13, 1999b). O contato com o estádio vazio proporcionou o reconhecimento de uma
falta interna, não apenas no exterior faltava, seu interior era só ausência.
O narrador completa: “no entanto o seu pequeno destino quisera-a perdida no labirinto”
(Lispector, p. 11, 1999b), o labirinto ia muito além dos corredores sombrios do Maracanã, a
desorientação externar intensificou uma orientação interna, o labirinto reorganizou e floresceu
sentimentos abafados e perdidos com o tempo.
Os “caminhos sem fim” do estádio encaminharam a Sra. Jorge para uma “via crucis”, não
para um caminho espiritual, mas carnal, a busca por uma sexualidade perdida através dos anos e
reencontrada dentro dos corredores do Maracanã.
Após encontrar os grandes portões de saída, encaminhou-se para o local marcado com seus
amigos, mas o mal já estava feito, a personagem não queria mais permanecer entre eles, o mal-estar
levava-a para a descoberta de outros territórios.

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O conto continua no seu processo labiríntico e a leva para a procura de uma letra de câmbio,
ao procurar embaixo da cama posiciona-se de quatro, “estava sendo uma cadela de quatro”
(Lispector, p. 15, 1999b). A identificação com o animal em Lispector sempre aparece como a busca
por um primitivo e este retorno promove uma travessia do eu, voltando ao mais primitivo de nós
mesmos, assim poderemos compreender nossos instintos e proporcionar a reconstrução de um
feminino perdido.
Da sua conformidade com a vida, surgiu um desejo de romper com os muros que a
cercavam, “então pensou o seguinte: que ela forçaria o “destino” e teria um destino maior”
(Lispector, p. 15, 1999b). A reconstrução do feminino é realizada através da ilusão, a personagem
sonha em se relacionar sexualmente com Roberto Carlos, seu ídolo maior. A fome de ser possuída,
de sentir-se viva, foi evocada através dos labirintos do Maracanã, “E aquilo veio com seus longos
corredores sem saída. ‘Aquilo’, agora sem nenhum pudor, era a fome dolorosa de suas entranhas,
fome de ser possuída pelo inalcançável ídolo de televisão” (Lispector, p. 16, 1999b).
A personagem foi criada dentro da moral e dos bons costumes da época, para ela “quebrar”
as barreiras do pudor imposto era algo tão traumático que até no âmbito da linguagem era
perpetuado, ela não conseguia pronunciar o ato sexual, apenas proferi-lo através de eufemismos
como “aquilo” e “daquilo”. Perrot ressalta que para o corpo só é permitido ser “objeto do olhar e do
desejo, fala-se dele. Mas ele se cala. As mulheres não falam, não devem falar dele. O pudor que
encobre seus membros ou lhes cerra os lábios é a própria marca da feminilidade” (Perrot, p. 13,
2003). Tornar o corpo sujeito do seu próprio desejo era uma situação de fronteira, que deixava a
personagem ameaçada por nunca ter transitado nesta área.
A imagem da mulher ao espelho é frequente na obra clariceana, principalmente da reflexão
sobre a maquiagem e o poder de mascaramento. Se o encontro com o mais profundo de si mesmo
ocorre frente ao espelho, no embate, no desbravamento das camadas subterrâneas da alma, a
maquiagem funciona apenas como um muro. Sendo assim, quando a personagem toma
conhecimento da sua identidade, do seu eu, geralmente a “máscara” construída tornar-se estranha ao
rosto. Como Macabéa em A Hora da Estrela, Lóri em Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres
ou a menina de “Restos de Carnaval”, a Sra. Jorge B. Xavier precisava se despir de suas máscaras
sociais, “E agora era apenas a máscara de uma mulher de 70 anos. Então sua cara levemente
maquilada pareceu-lhe a de um palhaço” (Lispector, p. 16, 1999b).

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A personagem percebeu sua “gengiva úmida” e esperançosa sentiu que a juventude, como a
umidade, ainda estavam presentes em seu corpo, o “figo seco” característico da sua pele, era apenas
uma casca que poderia ser despida.
A personagem é levada para uma “revolução do corpo”, que se torna para ela um “poço
fundo e mortal”, afinal para os códigos sociais a sexualidade sempre foi condenada, seus instintos
primitivos eram “trevas malignas”. A sua ilusão com seu ídolo, Roberto Carlos, abriu caminhos
para a descoberta da sua sexualidade. Este desejo traz outra imagem recorrente na obra de Clarice, a
fome, esta ausência vai muito além da posse do alimento, mas da posse do outro como forma de
saciedade completa, “Era fome baixa: ela queria comer a boca de Roberto Carlos” (Lispector, p. 17,
1999b), ela não queria apenas relacionar-se sexualmente com Roberto Carlos, mas possuí-lo
inteiramente.
Buscamos compreender em que momento se aplica a “procura pela dignidade” evocada no
título do conto, além da retomada de uma experiência do corpo iniciada através dos corredores do
Maracanã, a Sra. Jorge B. Xavier buscava por uma “porta de saída” da própria vida, encontra ao
fim, com sua morte. A dignidade foi alcançada, seja através da morte secreta em que viveu sozinha
em seu quarto, ou através do reencontro com seu eu interior perdido com o tempo. O espaço foi
elemento fundamental para o processo iniciático que ela viveu, para uma desestruturação da sua
“falsa” ordem íntima.

A travessia pelas águas

O conto analisado aparece na íntegra inicialmente em 27 de julho de 1968 no Jornal do


Brasil, com o título “Ritual – trecho”, depois foi publicado postumamente em A Descoberta do
Mundo (1984) juntamente com outras crônicas, contos e depoimentos produzidos para o mesmo
jornal. Em Felicidade Clandestina (1971), o mesmo texto foi publicado novamente com o título
“As águas do mundo” e sem modificações fez parte da obra Onde Estivestes de Noite (1974), com o
título “As águas do mar”. Podemos perceber que o conto é de grande agrado da escritora, logo que
foi publicado tantas vezes e com vários títulos.
Usaremos para esta análise a última publicação do conto na obra Onde Estivestes de Noite
(1974), com o título “As águas do mar”. O texto narra a experiência de uma mulher se adentrando
ao mar e sentindo-se parte dele, uma experiência que retoma a descoberta da própria sexualidade,
pois em muitos momentos o mar é transformado em um amante ou um homem. O conteúdo do

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conto promove um diálogo com uma crônica publicada em A Descoberta do Mundo (1984),
intitulada “Banhos de mar”, o texto é uma experiência autobiográfica de Clarice, que quando
pequena ia até Olinda, em jejum e de madrugada, junto com seus pais receber as águas do mar, elas
na cultura judaica eram sagradas e tinham grande poder de cura.
No texto, a dialética entre o exterior e o interior ocorre através da personagem feminina e o
mar, o contato com o selvagem da natureza reflete nela o seu próprio instinto primitivo. Ocorre
então um “processo esfingético” entre o mar e a mulher, ela questiona o cosmos, pois quer devorá-
lo e ser decifrada.
A água representará a vida, uma pulsão iniciática, após o contato com o mar, a personagem
sente-se fertilizada e passa por um processo de redescoberta da própria identidade. Neste caso, é a
travessia pelas águas que levará a personagem a uma transformação interna.
No inicio do conto a personagem se indaga frente ao mar, e por se questionar, torna-se tão
incompreensível quanto ele, “como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-
se o mais ininteligível dos seres vivos” (Lispector, p. 88, 1999b), quando ela se submete ao
“processo esfigético”, abre-se para o desconhecido, as respostas serão encontradas nas veredas que
ela irá se submeter a entrar.
De madrugada, ela encontra na praia um cão negro e sente inveja da sua liberdade “Por que
é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga” (Lispector, p. 88, 1999b).
Novamente vemos a presença do animal, o ser primitivo que segue seus instintos, as personagens
clariceanas para conseguirem se adentrar no mais profundo de si mesmas precisam se despir das
camadas sociais, o retorno para o primitivo é visto sempre como o retorno para o eu-profundo,
afinal o animal está mais propenso a seguir seus instintos.
O mar é um ser desconhecido para a personagem, o seu envolvimento com ele requer
coragem, pois ela se colocará na fronteira, “a mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma
coragem” (Lispector, p.88, 1999b), romper os muros que a cercam e se lançar ao desconhecido
torna possível a mudança, afinal é o contato com os movimentos externos do mar que a levará para
uma busca da sua sexualidade. Bachelard (2008) explora este processo doloroso entre o exterior e o
interior: “O exterior e o interior são ambos íntimos; estão sempre prontos a inverter-se, a trocar sua
hostilidade. Se há uma superfície-limite entre tal interior e tal exterior, essa superfície é dolorosa
dos dois lados” (p. 221, 2008).
O narrador desenvolve uma diferença entre aqueles que vão ao mar apenas como um “jogo
leviano de viver” e os outros, como a personagem, que procuram além da diversão, para ela o

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encontro com o mar era um ritual, “a água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas”
(Lispector, p. 89, 1999b – grifo próprio), este termo remete ao primeiro título dado ao conto na obra
A descoberta do Mundo (1984) e também ao “ritual” realizado pela pequena Clarice com seus pais
na praia de Olinda, tanto para a personagem quanto para Clarice o encontro com o mar era sagrado.
O mar, considerado um movimento externo, toma o corpo da personagem e provoca uma
redescoberta da sua identidade feminina através da sexualidade. “O cheiro é de uma maresia
tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares” (Lispector, p. 89, 1999b).
Uma imagem constante na obra clariceana é a fome e por consequência o ato de levar a
boca, suas personagens querem se apossar do outro como de um alimento, esta relação representa a
saciedade máxima que se pode ter. Dentro deste conjunto de fatores, temos um ato de iniciação
sexual, a personagem passa por um processo de reconhecimento do mar como de um amante e
sente-se fertilizada por ele, a vida que reinará dentro dela não será de um feto, mas de uma pulsão
de vida que pode ter sido apagada por vários acontecimentos.
O encontro das águas do mar com a personagem remete a uma cena sexual, o “líquido”
escorrendo em seu corpo, faz com que ela sinta-se fertilizada. Como uma imagem recorrente, ela
necessita unir-se ao mar, e para a personagem só será possível se ela beber da sua água, não adiantar
estar envolto dela, é preciso que ela também esteja dentro dela. Este momento do conto estabelece
um diálogo com a crônica “Banhos de mar”, “E eu fazia o que no fundo sempre iria fazer: com as
mãos em concha, eu as mergulhava nas águas, e trazia um pouco do mar até minha boca: eu bebia
diariamente o mar, de tal modo queria me unir a ele” (Lispector, p. 170-171, 1999a). O unir-se a ele
tanto para a personagem, quanto para a pequena Clarice era ter o “líquido grosso” e “salgado”
dentro do seu corpo, a fome, como falta sempre estará presente.
Com este encontro o mar torna-se para a personagem o seu “amante”, como o livro tornou-
se para a menina do conto “Felicidade Clandestina”, a relação estabelecida é de posse e controle do
objeto amado, “ela é a amante que sabe que terá tudo de novo” (Lispector, p. 89, 1999b).
O encontro com o mar, o espaço externo, proporcionou uma busca por sua sexualidade
perdida, se antes a personagem não sabia o que queria frente à natureza, “agora sabe o que quer”
(Lispector, p. 89, 1999b). O contato provocou uma mudança interior que refletiu na sua construção
de feminino, “mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso”
(Lispector, p. 90, 1999b).

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Considerações Finais

Os contos: “A procura de uma dignidade” e “As águas do mar” demonstraram como o


espaço pode ultrapassar a barreira da simples descrição. Nestes dois textos, o espaço público
aparece como um universo concreto, em um o Estádio do Maracanã e em outro uma praia. Em
ambos, podemos percebemos a sua funcionalidade, eles interagem diretamente com os movimentos
internos das personagens proporcionando uma reflexão da sua identidade feminina.
As duas personagens recebem o espaço público como uma “pulsão iniciática” para a
descoberta de uma sexualidade perdida. Estas duas representações intensificam as diversas
construções de femininos propostas por Clarice, proporcionando uma multi-representação da
mulher.

Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999a.
______. Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
______. Onde Estivestes de Noite. Rio de Janeiro: Rocco, 1999b.
MARTINS, Gilberto Figueiredo. Estátuas Invisíveis: experiências do espaço público na ficção de
Clarice Lispector. São Paulo: Nankin: Edusp, 2010.
PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. Tradução: Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Fundação
Editorial da UNESP, 1998.

Space and identity: representations of women in Clarice Lispector

Astract: This article seeks to establish a dialectic of exterior and interior tales "As águas do mar"
and "A procura de uma dignidade", both of the tales are from the books Onde Estiveste de Noite
(1974), of Clarice Lispector. The female characters experience the public space and this interaction
causes a change in the internal movements, they keep a relationship of rediscovering her identity via
transit through space. In the book clariceana, perceive various identity constructions that take place
from crossing the public space, in this paper we will prioritize the constructions of femininity and
how the author does not limit this representation, providing a multi-representation of women.
Keywords: Tales; Space and Identity; Representations of the feminine.

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