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Dialnet NarrativasTransmidia 4040446 PDF
Dialnet NarrativasTransmidia 4040446 PDF
Narrativas transmídia:
diversidade social, discursiva e comunicacional
Denis Porto-Renó1
Andréa Cristina Versuti2
Elizabeth Moraes-Gonçalves3
Vicente Gosciola4
Resumo
Os processos comunicacionais vivenciam hoje uma revolução no campo estrutural e no campo das linguagens. Tais mu-
danças são resultantes de comportamentos e subsídios comunicacionais ofertados para a sociedade contemporânea, como
as redes sociais e a mobilidade. Porém, a comunicação ainda não abarcou tais mudanças por completo, apesar dos estudos
que contemplam a narrativa transmídia. Este artigo oferece, a partir de um estudo de caráter reflexivo e investigativo, dis-
cussões sobre a narrativa transmídia como linguagem social na ficção e no jornalismo. Esperamos, a partir deste estudo,
oferecer subsídios sobre novas pesquisas acerca do tema.
Transmedia narratives:
Social Diversity, Discourse and Communication
Abstract
The current communicational process experiences a revolution in both the structural fields and those of the languages.
Such changes are the result of communication behaviors and contributions offered to contemporary society, such as so-
cial networking and mobility. However, communication has not fully embraced these changes, despite of studies related
to the transmedia storytelling. This paper is a reflective and investigative discussion about transmedia strorytelling as
social language either in fiction and journalism. Hopefully, this study may also provide insights to new researches regar-
ding this subject.
201 - 215
ISSN 0122-8285
Narrativas transmedia:
diversidad social, discursiva y comunicacional
Resumen
En la actualidad, los procesos de comunicación experimentan una revolución en el campo estructural y en el de las lenguas.
Estos cambios son el producto de comportamientos y contribuciones comunicacionales ofrecidos a la sociedad contem-
poránea; por ejemplo, redes sociales y movilidad. Sin embargo, la comunicación no asimiló tales cambios por completo,
a pesar de los estudios que tienen en cuenta la narrativa transmedia. Basado en un estudio reflexivo e investigativo, este
artículo ofrece análisis acerca de la narrativa transmedia como lenguaje social en la ficción y el periodismo. Esperamos
contribuir con nuevas investigaciones sobre el tema.
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mídia como característica fundamental para a dem contribuir diretamente na sua construção
difusão da informação contemporânea. Para e tornarem-se também autores-produtores do
tanto, são abordados tanto a narrativa transmí- conhecimento ou, dito de outra forma, sujeitos
dia com um olhar sociológico e de linguagem da comunicação e do processo cognitivo.
como também a observação da mesma tanto na
ficção como na informação. As possibilidades trazidas pelos novos meios ins-
tauram uma nova maneira de apreender a realida-
Cultura da convergência de que nos cerca, bem como criam novos anseios
e a sociedade e expectativas. A interatividade, elemento que
caracteriza a relação com a Internet, por exem-
O contexto atual revela profundas alterações nos plo, traz uma mudança fundamental em muitos
sistemas de comunicação e informação, resulta- aspectos da nossa vida e condição humana, bem
do principalmente de uma mudança significati- como nos processos de aquisição qualitativa – e
va no papel desempenhado pela audiência que não somente quantitativa – do conhecimento.
não se contenta em ser apenas “espectadora”,
mas que busca cada vez mais interagir e parti- Nesse sentido, a instauração coletiva do sentido
cipar, construir e resignificar suas experiências se realiza cada vez mais em ambientes e domí-
e sua relação com os meios de comunicação e nios inteligentes que se reconstroem rapida-
com os produtos culturais por estes oferecidos: mente, onde todas as fronteiras são colocadas
estórias, filmes, programas de TV, seriados.
em questão.
Podemos dizer que um novo conjunto de valo-
Para compreender as complexidades deste
res está surgindo no bojo destas transformações
novo processo de aquisição do conhecimento é
no processo de comunicação. Apesar das dife-
preciso reiterar que uma de suas características
rentes classes sociais, religiões e perspectivas, al-
é a possibilidade de diminuir as diferenças his-
guns padrões de pensamento e ação emergentes
toricamente estabelecidas entre diversão e edu-
ultrapassam as fronteiras nacionais, econômicas
cação formal.
e sociais.
O processo de comunicação, assim como a trans- Justamente diante deste cenário, os indivíduos
missão de qualquer tipo de conteúdo, deve ser e as organizações encontram-se cotidianamen-
concebido como uma articulação de práticas de te expostos às mais diferentes interfaces: livros,
significação num campo de forças sociais per- computador, celular, revistas, etc. Utilizando-as
tencentes a certo conjunto de sentidos disponí- para os mais diferentes fins: divertir, educar,
veis na sociedade. vender, de produtos a idéias e também para
contar estórias.
A Internet, além de apresentar um maior e mais
efetivo acesso à informação, pode interferir na Dentre os estudos, em seu livro Cultura da con-
forma de utilizá-las na aprendizagem de con- vergência (2009), Jenkins também destaca a
teúdos significativos. Nestes novos meios, as multiplicidade destas mudanças no âmbito da co-
mensagens veiculadas devido às suas caracte- municação. Segundo o autor, a convergência não
rísticas de fluidez, numeralização, plasticidade é apenas um processo tecnológico que une múl-
e instantaneidade são mais facilmente susce- tiplas funções dentro dos mesmos aparelhos,
tíveis às interferências dos receptores que po- mas também um processo de transformação
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cultural no qual é possível identificar novos ní- uma participação do receptor que lhes permi-
veis de participação dos fãs, novos laços com os te criar uma nova realidade na medida em que
conteúdos, novas orientações para o marketing atua diretamente nela. Tais mídias, tais produ-
contemporâneo, novas leis de direitos autorais, tos e elementos implicam em novas maneiras de
novos meios de aferir audiência. Ou seja, dada contar estórias, e alteram assim nossa maneira
a multiplicidade de plataformas, os consumi- de divertir, trabalhar e educar.
dores são estimulados a procurar informação,
a fazer conexões a conteúdos de mídia disper- Como é possível caracterizar o mundo da con-
sos. Em suma, a plataforma não converge, mas vergência? Segundo Jenkins (2009), na cultura
o usuário. da convergência, as velhas e novas mídias coli-
dem, a mídia corporativa e a mídia alternativa
Essa migração entre mídias em apenas um cruzam-se e interagem os poderes do produtor
aparelho é possível graças às conexões de rede e do consumidor. A convergência se dá primei-
existentes na sociedade moderna. Além disso, o ramente pela convergência dos meios de co-
conteúdo do mundo digital pode ser armazena- municação, pelo fluxo de conteúdos através de
do de várias formas possíveis desde CD-ROMs, diferentes plataformas de mídia e pela migra-
DVD-ROMs, pendrives, discos rígidos de compu- ção do público para as diferentes opções dispo-
tadores. Esses dados estão salvos em servido- níveis dependendo da sua necessidade, do seu
res que transmitem essa informação através interesse e da sua disponibilidade e tempo para
de linha telefônica, via rádio, satélite ou cabos de acesso.
fibra óptica.
Além disso, há na convergência um acirramen-
Este contexto conduz ao surgimento de novas to do conceito de inteligência coletiva (Levy,
práticas narrativas que visam entreter a audiên- 2004), no qual o conhecimento de determinado
cia e que migram para os diferentes meios (TV, ci- assunto é construído a partir do envolvimento
nema, internet, celulares) visando assim ampliar das muitas partes presentes no processo de co-
a experiência e enriquecer a arte de contar uma municação. Esta interação garante a compreen-
história. Uma boa história pode ser retransmitida são ampliada de determinado produto cultural
milhares de vezes, desde que se mantenha fiel à oferecido.
mitologia dos personagens (Martins, 2009). Em
outras palavras, “qualquer conteúdo criado pre- Ou, ainda segundo Santaella (2001, p. 38), um só
cisa buscar relacionamentos interpessoais genu- receptor vai adquirindo várias facetas da infor-
ínos para serem consumidos pela sua expressão mação na medida em que passa de uma mídia
emocional”. para a outra: de ouvinte a espectador, de espec-
tador a leitor, enquanto vai gradualmente for-
A cultura da convergência propõe ao marketing mando sua opinião acerca da realidade a partir
contemporâneo o desafio constante de um pla- da multiplicidade de fontes.
nejamento transmídia5. Ou seja, é preciso con-
solidar a idéia de como as marcas podem contar Um terceiro conceito define também a convergên-
estórias em diferentes plataformas, criando as-
cia: a cultura participativa. O fluxo crescente de
sim novos produtos de entretenimento. Estes,
informação exige cada vez mais que os consumi-
por sua vez, sofrem alterações resultantes de
dores discutam sobre as mídias que consomem.
5 Ver The Alchemists, Warshaw. M. blog: www.oalquimista.com Di-
O consumo se tornou um processo coletivo, uma
retor pioneiro na produção de conteúdo interativo transmídia. vez que a convergência das mídias permite mo-
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dos de audiência comunitários, em vez de indi- adaptando a produção a novas formas de apre-
vidualistas. sentação e integração social.”
Convergência é uma palavra que consegue de- A narrativa transmídia atravessa diferentes mí-
finir transformações tecnológicas, mercadoló- dias e com ela é possível criar um universo ficcio-
gicas, culturais e sociais, dependendo de quem nal ao redor da obra. Esta migração não é apenas
está falando e do que estão falando. (...) A con-
de conteúdo, mas também algo que requer um
vergência não ocorre por meio de aparelhos,
planejamento transmidiático atento a cinco ele-
mas dentro do cérebro de consumidores indi-
viduais e em suas interações sociais com outros. mentos fundamentais (história, audiência, pla-
(Jenkins, 2009, pp. 29-30). taformas, modelo de negócio, execução), que
também prima por utilizar-se das potenciali-
Em suma, a convergência ajuda a contar melho- dades e recursos específicos de cada meio para
res histórias, a vender marcas e a seduzir o con- ampliar a experiência do usuário com o conteú-
sumidor utilizando as múltiplas plataformas de do ficcional exposto.
mídia. Para lograr isso, não há como copiar mo-
delos anteriores; por conseqüência, é preciso criar Assim surgem as franquias7, conceito que reme-
e adaptar novas possibilidades a partir dos cami- te a uma extensão e sinergia do conteúdo ficcio-
nhos já traçados. nal associado a determinada marca que passa a
estar exposto para além do seu meio original,
No bojo deste planejamento, surge um novo con- influenciando assim muitos outros terrenos da
ceito: narrativa transmídia (transmedia storytelling) produção cultural. Juntamente com as fran-
como a arte de criação de um universo que visa quias, a economia “afetiva” ganha contornos
ampliar e enriquecer a experiência de entreteni- diferenciados. Os conteúdos de entretenimento
mento para todos os consumidores, possibilitan- e as mensagens publicitárias pretendem cativar
do-lhes experimentar de forma plena o universo o consumidor, convidando-o a entrar na comu-
ficcional, repensando os limites da participação nidade da marca (Lovemarks) para que, como
dos consumidores nas relações com os produtos. parte de uma comunidade social, encontre-se
cada vez mais comprometido emocionalmente.
Neste processo, cada mídia faz de maneira pró- Assim se ressalta a natureza social do consumo
pria e específica sua contribuição para o desfe- contemporâneo.
cho, construindo uma experiência coordenada
e unificada de entretenimento. (Martins, 2009). Outra questão importante parece suscitar diante
deste cenário. É interessante refletir sobre como
Trata-se de uma estória com múltiplas “timelines”, esta cultura participativa está revitalizando o
que considera que a singularidade de cada mídia processo tradicional de construção do conheci-
permite o desenvolvimento de certas dimensões mento, como os educadores estão reavaliando o
de uma mesma estória ou experiência. Segundo valor da educação informal e como os consumi-
Lance Weiler6 (2009), a narrativa transmídia re- dores estão aplicando as suas habilidades como
fere-se a “uma abordagem ao desenvolvimento fãs e gamers em diferentes instâncias sociais:
de histórias que agrega audiências fragmentadas trabalho, família, escola e política. Como fica a
6 Roteirista, diretor de cinema e fundador da Seize the Media, uma 7 Jenkins (2009) destaca a franquia The Matrix como exemplo de narra-
produtora especializada em narrativa transmídia. O autor refere-se a tiva transmídia, como exemplo de uma nova estética que surgiu em
si mesmo como um “designer de experiências”. (Revista Isto é, junho resposta à convergência das mídias e as novas exigências dos consu-
de 2009). midores, integrados a comunidades de conhecimento (p. 49).
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questão da exclusão digital e qual é a posição da do nisso que reside seu sentido (seu desígnio,
realidade brasileira diante deste cenário conver- aquele para o qual foi criado). É com isso que ele
gente já que as atividades dependem do maior remete à verdade, ao verídico, ao bem, à beleza,
acesso às tecnologias, da familiaridade com os à história. Em relação a esta função, tudo o que
é repetitivo e reproduzível é da ordem do meio,
novos tipos de interação social que eles permi-
do material. (Bakhtin, 1997, p. 331).
tem e de um domínio pleno das habilidades
conceituais que os consumidores desenvolve-
Portanto, para Bakhtin, o autor nunca está so-
ram em resposta às convergências das mídias?
zinho, o texto nunca é o primeiro, original, pois
traz consigo referências a textos anteriores ou ser-
O pensamento convergente está remodelando
virá de referência a textos posteriores, ou ainda, o
a cultura popular, impactando a relação entre
simples fato de enunciar alguma coisa pressupõe
públicos, produtores e conteúdos de mídia. A
a existência do outro: “O fato de ser ouvido, por
transformação dos meios de comunicação não
si só, estabelece uma relação dialógica. A pala-
pode ser reduzida a uma transformação tecno-
vra quer ser ouvida, compreendida, respondida
lógica em que substituem-se algumas tecnolo-
e quer, por sua vez, responder à resposta, e assim
gias de distribuição, mas sim deve ser pensada
ad infinitum” (Bakhtin, 1997, p. 357).
em sua complexidade, contanto que se trata de
uma transformação dos níveis culturais/proto-
Abordar a linguagem nessa perspectiva pressu-
colos (práticas sociais e culturais).
põe que não limitemos a noção de texto à escri-
tura, diferenciando-o das manifestações orais,
Narrativa transmídia: pois, esta oposição está focada no suporte ou
linguagem contemporânea no meio de veiculação e não na complexidade
e unidade que caracteriza o texto como produ-
A interatividade tem sido conceito chave para ção multissemiótica. Dessa forma, “uma receita
caracterizar as mídias atuais em oposição às de cozinha, um outdoor ou um artigo de jornal,
tradicionais, que tinham o público como mero um discurso político, um curso universitário ou
receptor de conteúdos. Essa busca de diferen- uma conversação não comporta apenas signos
tes formas de interação, de participação, é cada verbais, eles são igualmente feitos de gestos,
vez mais facilitada pelas tecnologias de comu- de entonações e de imagens” (Charaudeau &
nicação. Porém, algo que parece tão moderno Maingueneau, 2004, p. 466).
no cenário comunicacional pode estar em outra
dimensão, por exemplo, quando se toma a no- Assim entendido, o texto no processo comuni-
ção bakhtiniana de linguagem, quando se tem o cacional pode ter sua veiculação atrelada a vá-
dialogismo como seu princípio constitutivo, ou rias mídias de diferentes formas, interferindo
seja, só a interação entre os sujeitos e o texto em umas nas outras, completando, alterando, pas-
um processo enunciativo estabelece as condi- sando de uma a outra, impregnando a mensa-
ções de sentido da mensagem em um ambiente gem com suas peculiaridades. A esse trânsito de
único e irreproduzível: uma mídia a outra é que se costuma dar o nome
de transmídia.
Assim, por trás de todo texto, encontra-se o sis-
tema da língua; no texto, corresponde-lhe tudo
quanto é repetitivo e reproduzível, tudo quan- A evolução dos meios de comunicação há muito
to pode existir fora do texto. Porém, ao mesmo introduziu em nosso vocabulário o termo “mul-
tempo, cada texto (em sua qualidade de enun- timídia”, entendido como a somatória de muitos
ciado) é individual, único e irreproduzível, sen- meios, não representando, necessariamente, a
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acompanhar o público espectador que migrava cias de dentro do e de fora do game, define John
destes meios para a web. As séries de TV como W. Gosney (2005, pp. 2-3). A mobilização social
Heroes e Lost, assim como as cine-séries The Ma- é tão intensa que o ARG aplicado a campanhas
trix e Batman, souberam aplicar o sistema trans- publicitárias é chamado de “marketing viral”, ta-
mídia, levando partes diferentes de sua história manho é o seu efeito devastador em arrebanhar
para mídias diferente, ampliando seus públicos centenas de jogadores de um dia para o outro e
a números até então inimagináveis. Fica aqui de mantê-los atentos e participantes por meses
uma visão não tão apologética, expressando que a fio. O ARG, alternate reality game ou jogo de
estas experiências não souberam fazer o melhor realidades alternadas é basicamente um jogo,
uso da narrativa transmídia, mesmo que tenham mas é o resultado de uma série de evoluções
catapultado as bilheterias e números recordes de tecnológicas e narrativas que configuram as
público, mas tinham grandes e excelentes histó- novas mídias em sua convergência de conteú-
rias para contar. dos (Jenkins, 2009, p. 27) e os novos movimen-
tos sociais em sua cultura colaborativa popular
Onde a narrativa transmídia se realiza plena- (Jenkins, 2009, pp. 27-28). E o ARG se faz com a
mente como ficção é no alternate reality game participação popular.
(ARG) ou jogos de realidades alternadas. As no-
Quem marcou o início do formato ARG foi The
vas propostas narrativas encontradas nos ARGs
Beast, em 2001, produzido pela Microsoft para
alternam histórias ficcionais e reais vivenciadas
divulgar e criar uma forte expectativa ao fil-
entre o mundo concreto e o virtual. Tais narra-
me A.I. –Artificial Intelligence de Steven Spiel-
tivas possuem características específicas evi-
berg. Outro ARG importante é o I love bees, de
denciadas pela permeabilidade entre elas. De
2004; para divulgação do game Hale 2, fez uso
acordo com Henry Jenkins (2009, p. 170), ARG
intenso de telefone com 1700 números de tele-
é um exemplo concreto (e simultaneamente
fonemas com horários marcados, tudo em um
virtual) de uma conjunção espacial mediada único puzzle. Outro ARG marcante foi The art
por dispositivos móveis, que dotam a inter- of the heist, ou Stolen A3, ou Art of the H3ist, de
net da portabilidade e ubiqüidade, permitem 2005, que para o lançamento do carro Audi A3,
com que as pessoas estejam no mundo real e fez uso de chamada na TV do diretor em rede
no virtual e que ambos estejam no mundo das nacional. E, de modo bem intenso, foi lançado
pessoas, onde elas queiram. Os jogadores ou o Lost Experience em 2006, entre a segunda e a
“atores-redes” – em conformidade com a cita- terceira temporada da série de TV Lost. Houve
ção de Castells acima e dentro do conceito actor- também um trabalho para a série de TV Heroes,
-network estudado por Bruno Latour (2005, p. apresentada mais como uma transmídia que,
133) – participam de um longo e seriado drama segundo Jenkins, distribui a história por mais
interativo na web e em espaços físicos. de uma plataforma de mídia (Jenkins, 2009, p.
47). Como em todo bom filme, em ARG é fun-
O ARG envolve as novas mídias em narrativa cross- damental uma boa história e uma sólida rede de
-media ou transmídia. Em cross-media, a estrutu- pessoas. A história criada já deve ser pensada
ra midiática leva as mesmas histórias a diversas no grupo que irá vivenciar o ARG.
mídias. Já na narrativa transmídia histórias di-
versas são veiculadas por diversas mídias. Um Um dos ARGs mais populares foi Perplex City,
alternate reality game é um jogo transmídia que um ARG auto-sustentável que durou 2 anos,
deliberadamente dilui a linha entre as experiên- desenvolvido por Adrian Hon, Michael Smith,
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Eric Harshbarger e Jey Biddulph, na Mind Can- maiores indústrias do ramo de insumos vege-
dy, a primeira produtora de ARG da Europa. tais para cosméticos e defendia a internaciona-
Por um período tão longo, seus realizadores en- lização da Amazônia. Com vídeos gravados em
frentaram grandes dilemas; par exemplo como estúdio e externas, com atores desconhecidos, o
manter o Perplex sem abrir seus espaços para site pareceu tão real que um senador propôs uma
anunciantes? Sua roteirização desenvolveu um audiência pública no senado para a empresa se
total de 13 arcos narrativos subseqüentes, de 1 explicar (o discurso do senador ainda está dispo-
a 4 meses cada, demarcados por personagens nível em www.folha.com.br/070883). No roteiro
diferentes ou por novos desafios, ou por desa- estavam previstas ações ou eventos ao vivo para
fios ao vivo que aumentavam os custos. Na in- cada clímax (virada ou plot point). No início não
ternet os custos eram menores, mesmo para as era revelado que era um jogo, uma ficção, mas
1220 páginas desenvolvidas no Wiki. Mas tinha logo os jogadores o descobriram. Isso não evitou
a sua compensação: as páginas Wiki do Perplex o jogo do “me engana que eu gosto”: jogadores
tiveram mais de 9 milhões de page views. Seu sabiam da ficção, mas a vivenciaram assim mes-
público ficou assim distribuído: 50% no Reino mo, talvez com mais interesse ainda. Os joga-
Unido; 41% nos EUA; 3% no Canadá; 2% na dores se sentiam verdadeiros atores, deixando
Austrália; 1% na Alemanha; e os demais 3% dis- depoimentos com esse: “Realizei meu sonho
tribuídos pela França, Japão, entre outros paí- de participar de um filme de ação”. Sirangelo e
ses. Eles eram 50 mil usuários registrados, e as Kenski criaram o site Efeito Paralaxe, coletivo ati-
páginas na web (entre Wiki, mapas no Google e vista com o propósito de destruir a Arkhos, com
sites diversos) recebiam mais de um milhão de espaço no Second Life. Experiências como o do
page views por mês. ARG Zona Incerta revelam a maior característi-
ca e diferencial a eventos transmídia ou cross-
Os primeiros ARGs brasileiros seguiram nesta -media. É um dos grandes segredos do ARG, e
ordem: Vivo em ação 1 (maio-junho, 2004), Vivo ao mesmo tempo uma armadilha: o ARG deve
em ação 2 (maio-junho, 2005), Cosmo Larapio (ja- saber lidar e permanecer sobre uma linha tê-
neiro, 2006), Equus Graechus (fevereiro, 2006), nue entre o parecer real e o parecer ficção. Ou-
O Projeto (fevereiro-junho, 2006), Vivo em ação 3 tro ARG brasileiro de repercussão foi Obsessão
(novembro-dezembro 2006), Una Passione (ou- Compulsiva para o filme Meu nome não é Johnny.
tubro-novembro 2006), 2084 (Instituto Purifica) A produtora Raccord, liderada por Luiz Adolfo
(outubro 2006-janeiro 2007), Zona Incerta (janei- Andrade, desenvolveu o ARG. Seu site, que fi-
ro-maio 2007), Obsessão Compulsiva (novembro cou dois meses ativo no ARG, chegou a receber
2007-janeiro 2008). O ARG Zona Incerta, criado 30 mil page views.
por Rafael Kenski e Andre Sirangelo da Editora
Abril para a Guaraná Antarctica, contou com 9 Sendo assim, o desenvolvimento de redes cola-
sites 30 páginas de revista. Anunciou-se como borativas de diálogo e produção sempre propor-
revelador de uma grande conspiração com uma cionou um alto potencial cultural. Esse tipo de
história longa que durou 15 semanas. Estrutu- mobilização social também obteve repercussão
rada em um esquema modular, os jogadores só quando lançou mão dos recursos tecnológicos
sabiam parte da resposta de cada enigma –ou da comunicação, especialmente as redes digitais.
puzzle– ao final de cada mês. Para a história foi Desse modo, temos um indicativo de que a rede
criado o antagonista da Arkhos Biotechnology, colaborativa somada a recursos tecnológicos de
em um dos sites criado para Zona Incerta. Nes- comunicação resulta em um eficiente catalisador
se site, a empresa se identificava como uma das de produção cultural. Em situações em que os
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recursos possibilitam a ambientação onipresen- a postagem de fotos. Também optamos por ser
te de uma obra, como o ARG, por exemplo, fica uma plataforma de maior difusão, o que foi fun-
mais poderoso ainda o efeito sobre a sociedade damental para o experimento.
porque o ARG nunca termina sendo um único
produto porque os seus jogadores produzem Figura 1. Blog Jornalismo de Bolso.
sites e novas redes colaborativas. As ficções em
narrativas transmídia prosseguem pulsantes
em sua hiperrealidade, muito provavelmen-
te porque os jogadores são co-autores durante
todo o processo.
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Também foi beneficiada pela mobilidade uma A conexão disponível, atualmente, no Brasil, é
postagem realizada na quinta-feira véspera de compatível com as necessidades deste tipo de
carnaval. A matéria postada registrou o inten- operação, mesmo em cidades onde a cobertura
so movimento de viajantes com destino a Ouro 3G não é oferecida. A rapidez de digitalização
Preto e a região. Para tanto, imagens em vídeo também é razoável, e melhora com o tempo, a
foram captadas e editadas no próprio iPhone, partir do costume do jornalista, mesmo em um
assim como fotos registradas e o texto escrito e teclado tão pequeno.
postado do próprio terminal rodoviário de Belo
Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. O tratamento de imagens pelo Adobe Photoshop
Express é simples e limitado, mas compatível
A distribuição das matérias também mereceu com as necessidades das plataformas digitais.
destaque. O curioso é que o experimento con- Sua simplicidade na operação faz com que qual-
tou com apenas dois comentários diretamente quer jornalista possa operar o aplicativo. Já o edi-
no blog. Em compensação, como os links das tor de vídeo Reel Director não é de fácil operação,
postagens eram publicados simultaneamente no mas atende às necessidades do experimento. O
Twitter e no Facebook, as duas redes registraram único inconveniente do aplicativo é o custo para
volumes expressivos de comentários. As 43 pu- a instalação.
blicações alcançaram 61 comentários no Twitter
e 94 comentários no Facebook. Respeito à difu- O aplicativo BlogPress é de fácil operação e aten-
são da notícia, a postagem “Ouro Preto: cidade de às necessidades do experimento. A única li-
das igrejas” foi reenviada pela @dminasturismo mitação está na não possibilidade de se inserir
link para outros textos. Ele cria link automati-
para os seus 1.277 seguidores.
camente entre o texto do blog e as redes sociais
autorizadas para isso, como Facebook e o Twit-
Figura 2. Difusão de notícia via Twitter.
ter. Nestes espaços, os conteúdos são produzidos
pela sociedade que se organiza de acordo com
seus interesses em comum, o que Castells (1999,
p. 566) define como “Sociedade em rede”.
digitais proporcionados pelas novas tecnologias, Isso se potencializou com o desenvolvimento das
que agora lhes possibilitam a participação direta redes sociais, onde os usuários passaram a ser co-
nos processos de produção. -autores de diversos conteúdos na Internet.
Com os resultados do período de experimen- Contudo, ainda faltam estudos mais aprofunda-
tação, proporcionados pelas 43 matérias de dos que contemplem outra fatia importante da
teor jornalístico, a maioria de nós – fortemente comunicação: o jornalismo. Os estudos realiza-
apoiada no conceito factual– pudemos observar dos mostram que há um espaço e uma necessi-
a viabilidade de se produzir notícias com os di- dade do jornalismo à construção das narrativas
versos suportes midiáticos (texto, foto e vídeo) transmídia jornalística. Porém, existem poucas
de um aparelho de telefonia móvel. Descobri- iniciativas a respeito.
mos que é viável e de simples operacionalização
esta produção, o que torna a possibilidade in- Os resultados também mostram que a narrativa
teressante, pois a mobilidade é algo necessário transmídia deve ser desenvolvida para o jorna-
para os jornalistas da atualidade, especialmente lismo, e provavelmente com a mesma estrutura
os que atuam nas mídias digitais. Por fim, sen-
de linguagem adotada pela ficção. Para mensu-
timos que as redes sociais são capazes de difun-
rar tais resultados a partir da produção de conte-
dir com destreza a informação publicada pelos
údo para o jornalismo, devemos desenvolver, em
jornalistas, criando assim uma audiência midiá-
futuras pesquisas, um estudo de recepção para
tica de maior alcance e expressividade.
analisar o conteúdo produzido na ocasião.
Considerações
Portanto é necessário ampliar a discussão sobre
Com os resultados deste estudo, a comunicação as narrativas transmídia para outros conteúdos, e
caminha para uma realidade ainda mais mista, não somente os de ficção, propostos por Jenkins.
composta por diversas linguagens para produ-
zir mensagens complementares a fim de obter Referências
um discurso final.
Augé, M. (2007). Por una antropología de la mo-
A partir das características da sociedade contem- vilidad. Madrid: Gedisa.
porânea, criou-se, naturalmente, o que Jenkins
denominou de narrativa transmídia. Com isso, Bakhtin, M. (1997). Estética da criação verbal (2ª
desenvolveram-se linguagens transmídia, aten- edição). São Paulo: Martins Fontes.
dendo aos parâmetros comunicacionais e, ne-
cessariamente, às demandas apresentadas para Bradbury, R. (2003). Fahrenheit 451. São Paulo:
tais linguagens. Globo.
Dentre as linguagens expressivas, encontram- Bruns, A. (2008). Blogs, Wikipedia, Second Life,
-se as destinadas aos produtos de ficção, prin- and Beyond from production to produsage. New
cipalmente por questões mercadológicas. Jogos York: Peter Lang.
virtuais, cinema, televisão e mesmo o ARG, que
ultrapassam as fronteiras demarcadas pela cate- Castells, M., Fernández-Ardèvol, M.,; Qiu, J., Sey,
goria jogos, passaram a ser atendidos pelos es- A. (2007). Comunicación móvil y sociedad, una pers-
tudos e pelas propostas de narrativa transmídia. pectiva global (2ª ed. atualizada). Barcelona: Ariel.
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Narrativas transmídias: diversidade social, discursiva e comunicacional
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Denis Porto-Renó, Andréa Cristina Versuti, Elizabeth Moraes-Gonçalves, Vicente Gosciola