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A ELEIÇÃO DA VINGANÇA
A democracia virou arma de destruição que uma parte do eleitorado aponta contra a outra
MARCOS NOBRE
03out2018_07h30
E
m 2014, depois de uma vitória apertada, Dilma Rousseff resolveu
fazer o contrário do que tinha prometido como candidata. Aécio
Neves resolveu não aceitar o resultado das eleições, com ações na
Justiça e a convocação de manifestações de rua. E a Lava Jato começou a
passar a motoniveladora no sistema político.
Muito se falou do ódio que veio à tona com a campanha de 2014. Mas o
ódio é parte da política há um bom tempo, e negar a sua existência é
ignorar a realidade. A questão é o que fazer com esse ódio. Até 2014,
PSDB e PT tinham conseguido conter os ódios respectivos dentro dos
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23/09/2019 A eleição da vingança
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olsonaro canalizou esse ódio em vingança. Prometeu fazer terra
arrasada do sistema político. Prometeu “fuzilar essa petralhada”,
como disse em um ato de campanha no Acre poucos dias antes de
ser esfaqueado em Juiz de Fora. Não foi por acaso que disse não aceitar
outro resultado a não ser sua própria vitória. É o único resultado que
pode prometer um vingador. Quem aceita uma derrota em uma eleição
confessa fazer parte do sistema que prometeu demolir.
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stamos longe de 2014. Não existe mais o “nós contra eles”. Pelo
menos não no sentido anterior. Mudou o “nós”. E mudou o “eles”.
Sobretudo, mudou o “contra”: como militar e defensor das armas,
Bolsonaro convenceu que tem as credenciais para ser o exterminador do
PT e do sistema político, que, para seu eleitorado, nenhum outro partido
representa tão bem como o PT.
Não foi suficiente tirar o PT do poder. Não bastou prender Lula. O ex-
presidente continuava liderando as pesquisas mesmo assim. Só a
vingança pode terminar o serviço, tal como disse o capitão repetidas
vezes: “O erro da ditadura foi torturar e não matar.”
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Quem vai decidir a eleição é quem ainda não escolheu uma das duas
candidaturas antissistema. Isso inclui parte do eleitorado antipetista e do
eleitorado “nem nem”, aquela parcela que recusa a divisão da política
entre PT e antiPT. Todo esse grupo só vai aderir à lógica da vingança se
ela vier das duas candidaturas que chegarem ao segundo turno. E isso
quer dizer muito claramente: apenas se a candidatura de Haddad vier a
aceitar a lógica da vingança com a qual Bolsonaro quer conduzir a
eleição.
Mas não só. A eleição não vai resolver a fratura exposta do país. Ao
contrário, as cisões tendem apenas a se aprofundar. Para o eleitorado que
não aderiu à lógica da vingança a questão central tem a ver com o futuro,
com as consequências, com tudo aquilo que não conta na lógica da
vingança. Talvez possa ser formulada assim: qual o caminho menos pior
para tentar recompor aquele conjunto básico de regras que permite o
convívio das diferenças sem violência e que costuma receber o nome de
democracia?
Tem muita gente que não vota no PT de jeito nenhum, mas que também
não quer jogar fora o bebê com a água do banho. Boa parcela do
eleitorado antipetista e do eleitorado “nem nem” não quer fazer terra
arrasada do sistema político, mesmo indignada com os horrores em série
que a política oficial foi capaz de produzir. É isso, no fundo, o que estará
em causa na votação em segundo turno.
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